Discurso no Senado Federal

MOTIVOS PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE RESOLUÇÃO, ASSINADO POR VARIOS SRS. SENADORES, REVOGANDO AS RESOLUÇÕES QUE DISPÕE SOBRE O PROJETO SIVAM. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. QUANTO AO ESTADO DE SITIO EM VIGOR NA BOLIVIA E A PRISÃO DE LIDERES SINDICAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM). POLITICA INTERNACIONAL.:
  • MOTIVOS PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE RESOLUÇÃO, ASSINADO POR VARIOS SRS. SENADORES, REVOGANDO AS RESOLUÇÕES QUE DISPÕE SOBRE O PROJETO SIVAM. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. QUANTO AO ESTADO DE SITIO EM VIGOR NA BOLIVIA E A PRISÃO DE LIDERES SINDICAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6098
Assunto
Outros > SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM). POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, SENADOR, REVOGAÇÃO, RESOLUÇÃO, SENADO, RELAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, SISTEMA, VIGILANCIA, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, IRREGULARIDADE, ESCOLHA, EMPRESA, RESPONSAVEL, PROJETO.
  • APREENSÃO, DECRETAÇÃO, ESTADO DE SITIO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, RESPONSABILIDADE, GONZALO SANCHEZ DE LOZADA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, SUSPENSÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, RESULTADO, PRISÃO, PESSOAS, MAIORIA, LIDER, SINDICATO, ESPECIFICAÇÃO, OSCAR SALAS, SECRETARIO GERAL, CENTRAL SINDICAL, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, PROTESTO, TRABALHADOR.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 21 de dezembro de 1994, o Senado Federal votou diversas resoluções relativas ao Projeto do Sistema de Fiscalização de Vigilância da Amazônia, conhecido como Projeto SIVAM.

Naquele dia, havíamos levantado inúmeras dúvidas, como, por exemplo, se seria necessário o Brasil gastar cerca de US$1,400 bilhão ao longo de oito anos. Na verdade, considerado o período dos pagamentos, com o serviço de financiamento do Projeto SIVAM, isso significaria algo em torno de US$2,8 bilhões.

Havia dúvidas sobre as questões tecnológicas e a forma de escolha das empresas designadas para realizar o projeto. Desde então, Sr. Presidente, elas aumentaram.

Naquele dia, havíamos solicitado maior prudência, para que o Senado não votasse antes de um melhor exame do Projeto SIVAM, mas surgiram pressões e, na ocasião, o próprio Relator da matéria, Senador Gilberto Miranda, alegou que esta Casa precisava votar logo o projeto, não aceitando nem mesmo algumas recomendações, como, por exemplo, a de que parte significativa dos envolvidos no treinamento e controle do Projeto SIVAM fossem funcionários de carreira do Governo.

Nestes últimos meses, diversas informações dadas pela imprensa e por Parlamentares indicaram que houve algumas impropriedades na escolha da empresa integradora, a ESCA. Houve dúvidas também sobre a questão tecnológica e sobre o custo do Projeto SIVAM.

Especialmente no último mês, diversos Srs. Senadores avaliaram a possibilidade de se rever a decisão. Na última quinta-feira, alguns desses Parlamentares assinaram um projeto de resolução, cujo encaminhamento oficial à Mesa aguardaremos até amanhã para que aqueles que desejarem possam ainda assiná-lo.

Trata-se de Projeto de Resolução que revoga as Resoluções nºs 91, 93, 95, 96 e 97, de 1994, e dá outras providências.

      "O Senado Federal resolve:

      Art. 1º - Ficam revogadas as Resoluções nºs 91, 93, 95, 96 e 97, de 1994, do Senado Federal.

      Art. 2º - As questões relacionadas com o Projeto SIVAM serão examinadas pelas Comissões Permanentes do Senado Federal, no âmbito da competência a que estiver afeta a matéria.

      Art. 3º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A justificativa para este projeto é a seguinte:

O Senado Federal promulgou as Resoluções nºs 91, 93, 95, 96 e 97, de 1994, relacionadas com as operações de crédito do Projeto de Sistema de Vigilância da Amazônia-SIVAM, matéria constitucional de competência privativa desta Casa Legislativa.

Fatos supervenientes àquelas promulgações, tais como os relatados pelo Senador Jader Barbalho, por ocasião da argüição dos Ministros da Secretaria de Assuntos Estratégicos e da Aeronáutica na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, no último dia 12 de abril de 1995, demonstraram que o exame do Processo SIVAM indica que a ESCA já teria sido escolhida antes da decisão relativa à empresa responsável pelo projeto.

Esses fatos foram intensamente agravados diante da confirmação de que a ESCA estaria em situação irregular junto ao INSS, contrariando, desse modo, o § 3º do art. 195 da Constituição Federal, que dispõe que a pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Outros fatos relativos ao Projeto SIVAM foram evidenciados no depoimento do Presidente da ESCA na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados. Com relação ao valor contratado, ficou caracterizado que a ESCA participaria com apenas 10% do valor total e repassaria para terceiros valores significativos do seu próprio contrato, contrariando, desse modo, toda a diretriz do projeto baseado em questões de Segurança Nacional.

Por outro lado, a própria concepção tecnológica do projeto vem sendo questionada, principalmente diante das declarações prestadas por um dos concorrentes de que uma nova base técnica resultaria em redução de custo da ordem de US$300 milhões.

Pelas razões expostas, faz-se necessária a intervenção do Senado Federal, revogando as resoluções já aprovadas, a fim de que se esclareçam todas as suspeitas que pairam sobre a matéria. Desse modo, propomos este projeto de resolução, que, certamente, contará com o apoio dos nossos Pares.

Eu gostaria de salientar ainda que esse projeto de resolução é de autoria de diversos Srs. Senadores. Convidamos os interessados a assinarem a presente proposição. Já o fizeram os Senadores Esperidião Amin, Roberto Requião, Marina Silva, José Eduardo Dutra, Roberto Freire, Júnia Marise, Henrique Amorim, Antonio Carlos Valadares, Lauro Campos, Benedita da Silva e inúmeros outros Parlamentares que se interessaram por essa questão, para que o Senado possa reavaliar essa matéria.

Foi muito importante, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o momento em que o Senador Jader Barbalho mostrou com clareza que a ESCA, empresa especializada em contratos militares, havia sido, em verdade, pré-escolhida.

      "Quando elaborou o Projeto SIVAM, o Governo definiu que o programa teria que ser gerenciado por uma "empresa integradora nacional" para manter, no Brasil, o controle da tecnologia do sistema.

      Alegando sigilo, o Governo não seguiu a lei que regulamenta as concorrências públicas e, por isso, criou o processo de seleção especial.

      Em 16 de junho de 1993, a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) enviou cartas a sindicatos de empresas de engenharia, automação e consultoria, solicitando indicações de empresas interessadas em gerenciar o SIVAM.

      Na carta, o Governo dizia que as empresas interessadas teriam que ter experiência na integração de projetos com investimentos superiores a US$200 milhões.

      A empresa teria que provar ter participado de concepção operacional de sistemas de tráfego e defesa aéreas e de implantação de sistema de radares.

      Os requisitos incluíam também desenvolvimento de software (programas de computador) para a integração de radares em sistema de defesa aérea.

      A empresa teria que demonstrar ainda ter participado do gerenciamento e implantação de sistemas de telecomunicações em todo o território nacional. Finalmente, teria que ter, naquele momento, equipe técnica capaz de desenvolver esses projetos.

      A ESCA era a única empresa do País que levava em conta essas exigências, pois tinha participado do desenvolvimento do Sistema de Proteção ao Vôo e implantado o CINDACTA (Centro Integrado de Defesa Aérea e de Controle de Tráfego Aéreo) .

      Foi a ESCA quem absorveu a tecnologia desse sistema, que controla o tráfego aéreo nos principais aeroportos do País.

      A demonstração de que o Governo sabia que só a ESCA preenchia os requisitos da seleção está na Ata da reunião em que a Comissão Coordenadora do SIVAM escolheu a integradora nacional, em 13 de setembro de 1993.

      A Ata diz que só duas empresas tinham participado dos projetos semelhantes aos listados na carta.

      A primeira delas era a Hidroservice Engenharia, que participaria da primeira fase do CINDACTA, mas foi descartada porque "se afastara do Ministério da Aeronáutica, não se desenvolvendo nem se atualizando".

      A Hidroservice não atendia a exigência de manter uma equipe capaz de desenvolver um projeto como o SIVAM.

      Essa equipe só poderia ser mantida pela empresa contratada pelo Ministério da Aeronáutica para gerenciar o CINDACTA, que é a ESCA.

      A Ata da reunião concluiu que "restou a ESCA", definida como "uma empresa que demonstrou, em vários contatos com o Ministério da Aeronáutica, sua competência, notadamente pelos vários desenvolvimentos de software para o Sistema de Controle do Tráfego Aéreo, para o Sistema de Defesa Aéreo e pelos inúmeros serviços análogos prestados ao Ministério".

      No dia 16 de setembro de 1993, a SAE mandou nova carta para os sindicatos de empresas de engenharia e consultoria, dizendo que as propostas das empresas interessadas no projeto haviam sido encaminhadas para julgamento."

Isso em 16 de setembro, quando, em 13 de setembro de 1993, a Ata demonstra já havia sido escolhida a ESCA, ou seja, não houve boa-fé por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicos com respeito à carta na qual se dizia haver um processo de escolha. Esse fato teria sido detectado se a mesma tivesse sido lida com atenção por quem teve acesso completo aos documentos quando da sua apreciação, que foi no dia 21 de setembro. Aqui está a responsabilidade do Relator: ele nos deveria ter alertado para esse fato. Mas coube ao seu colega de Partido, o Líder do PMDB, Senador Jader Barbalho, chamar-nos a atenção para esse assunto tão grave. Coube também ao Deputado Arlindo Chinaglia, há poucos dias, chamar a atenção para o fato de que a ESCA, por ocasião da escolha feita em setembro de 1994, não estava quite com o INSS, e o art. 195, § 3º da Constituição Federal impede que empresas em débito com o sistema da seguridade social possam contratar com o Estado.

Assim, Sr. Presidente, diversos Senadores estão tomando essa iniciativa; muitos deles disseram-me que querem assinar este projeto de resolução, mas só chegarão amanhã; em virtude disso, aguardaremos até amanhã para que outros também possam assinar esta matéria.

Sr. Presidente, eu gostaria também de fazer aqui um registro importante, relativamente a fato grave ocorrido num país vizinho, amigo do Brasil, a Bolívia. Na terça-feira da semana passada, foi decretado estado de sítio pelo Presidente Gonzalo Sanchez de Lozada, com a suspensão das garantias individuais e constitucionais. Em conseqüência dessa medida, foram presas aproximadamente 323 pessoas, na sua grande maioria líderes sindicais, inclusive o Secretário-Geral da Central Obreira Boliviana, Oscar Salas.

Nos últimos dias, foi intensificado um conflito entre trabalhadores, principalmente do setor estatal e o Governo, em torno da privatização das seis maiores empresas estatais. Houve também uma greve de 80 mil trabalhadores na educação estatal, que vem se prologando desde março.

Por outro lado, o Governo alegou que a privatização beneficiaria a população, pois estaria tentando implementar um programa de distribuição de 50% das ações das empresas privatizadas.

O estado de sítio foi aprovado pelo Congresso boliviano, na última sexta-feira, para vigorar durante noventa dias. Setores empresariais aprovaram o estado de sítio, enquanto os trabalhadores estão protestando.

O Presidente Gonzalo Sanchez de Lozada foi o Ministro da Fazenda responsável pelo programa de estabilização que reduziu a inflação, em 1994, de 23.000% para 8,4% ao ano. Entretanto - e este é um alerta aos brasileiros e ao próprio Governo Fernando Henrique -, a pobreza na Bolívia continua atingindo a maioria da população. Segundo a pastoral da igreja católica, 80% da população boliviana encontra-se em situação de grande pobreza.

Ora, Sr. Presidente, um processo de estabilização - aqui fica mais uma vez demonstrado -, que não leva em conta a forma de resolução dos problemas sociais, através da garantia dos direitos dos trabalhadores, acaba envolvendo situações de alta gravidade. Exemplos existem como no México, onde a não-resolução dos problemas sociais levou à Rebelião de Chiapas; na Argentina, onde perduram os problemas sérios de desemprego e na Bolívia onde a própria democracia se vê ameaçada com a restrição dos direitos dos trabalhadores.

O objetivo da decretação do estado de sítio é tentar impedir o desenvolvimento do protesto dos trabalhadores, que haviam iniciado uma greve geral, sobretudo contra a forma de privatização das estatais.

Há certas semelhanças entre os processos de estabilização da Bolívia, do México, da Argentina e do próprio Brasil. É importante que estejamos atentos. Quando um processo de estabilização não resolve os problemas de fome, miséria, marginalização, produz a desagregação da sociedade e das nações e a própria democracia acaba sendo ferida.

Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, propomos que o Senado Federal, através da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, dos diversos Partidos e dos Srs. Senadores, manifeste sua preocupação junto ao Itamaraty com relação ao estado de sítio na Bolívia, para que esta Instituição envide esforços junto à Organização dos Estados Americanos no sentido de que seja sustado esse estado de sítio e, de pronto, sejam libertados os líderes dos trabalhadores.

Não é possível que mais de trezentos dirigentes sindicais estejam presos, enquanto líderes empresariais estão a aplaudir o estado de sítio.

Apelaria aos Senadores e Deputados que me acompanhassem em uma visita à Embaixada da Bolívia, para externar a nossa preocupação ao Embaixador.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Concedo a palavra o nobre Senador Lauro Campos.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6098