Discurso no Senado Federal

'DIA MUNDIAL DA SAUDE'. DADOS SOBRE AS CONDIÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA SAUDE. REGISTRO DE CAOS E PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO RACIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • 'DIA MUNDIAL DA SAUDE'. DADOS SOBRE AS CONDIÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA SAUDE. REGISTRO DE CAOS E PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO RACIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, Jonas Pinheiro, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/05/1995 - Página 4948
Assunto
Outros > SAUDE. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, NECESSIDADE, URGENCIA, ADOÇÃO, POLITICA, OBJETIVO, MELHORIA, SITUAÇÃO, MEDICO, ENFERMEIRO, PAIS.
  • DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, MEDICINA PREVENTIVA, PLANO DE ASSISTENCIA, SAUDE, MULHER, PLANEJAMENTO FAMILIAR, PAIS.
  • PROTESTO, DENUNCIA, OCORRENCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MOTIVO, DIFERENÇA, RAÇA, POVOADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), DIVULGAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, MARIE CLAIRE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste Dia Mundial da Saúde, gostaria de fazer uma intervenção sobre esse assunto. Contudo, tendo em vista a bela explanação feita pelo orador que me antecedeu, pouco restou a dizer a não ser acrescentar algumas palavras em relação à situação em que se encontram hoje os profissionais da área de saúde.

Dados do Conselho Federal de Enfermagem e da Associação Brasileira de Enfermagem mostram que, da sua participação na área da saúde, que é de 53%, apenas 8,5% são enfermeiros profissionais de nível superior.

Entendemos, Sr. Presidente, que há necessidade de se estabelecer uma política para o setor. Se queremos que o Brasil tenha saúde, é preciso que os seus agentes sejam bem remunerados para prestar um serviço de qualidade adequado.

Era o que gostaria de ter acrescentado ao discurso do Senador Lúcio Alcântara, mas, por questão de tempo, não me foi possível fazê-lo.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª, com prazer.

A Srª Marina Silva - Com relação a essa questão da saúde, a Organização Mundial da Saúde recomenda que, para cada mil habitantes, haja um médico. No meu Estado, com 500 mil habitantes, contamos apenas com 150 médicos, ou seja, o déficit em relação às recomendações da Organização Mundial da Saúde realmente é muito grande. Se formos estender isso para o Norte e Nordeste, verificaremos que essas recomendações não são cumpridas. Há mais um agravante, ou seja, não há possibilidade alguma de se fazer uma medicina preventiva quando se trata da política que vem sendo implementada, pois se dá apenas o remédio, em vez de se fazer um atendimento que evite a doença. No nosso País, muitas doenças poderiam ser curadas e muitas mortes - principalmente de crianças - poderiam ser evitadas por um milagre: apenas água. É um absurdo! Conheço regiões, no Norte e Nordeste, onde realmente é muito grande o número de crianças que morrem com infecções intestinais, atacadas por verminoses, por causa da água. Em um planeta como o nosso, onde o avanço da Medicina é fantástico, há pessoas que ainda poderiam ser curadas apenas com a utilização de água de boa qualidade.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte e gostaria de acrescentar que a luta pela política de saúde preventiva no Brasil se faz necessária e urgente. Não se trata apenas de utilizar os recursos hídricos, que nós já temos e que vão ajudar nesse tratamento, mas também de implementar políticas afins. Constatamos a existência de endemias e epidemias. No Rio de Janeiro, por exemplo, ainda não se conseguiu combater a epidemia de dengue que vitima pessoas naquele Estado. É impossível conviver com essa falta de recursos na área da saúde.

Gostaria de acrescentar ainda ao aparte de V. Exª que temos em torno de um enfermeiro para cada 34 mil habitantes, o que demonstra claramente o déficit desse profissional no nosso País.

É importante resgatar aqui a necessidade de fazer valer o Sistema Único de Saúde, para que se implemente um programa de saúde preventiva no País, e olhar para esse povo sofrido que está mais doente a cada dia por falta de alimentação. Por isso é que é importante associar a política de combate à fome a uma boa política de saúde, garantindo recursos para que as pessoas possam produzir na terra. É necessário que nós nos conscientizemos de que o nosso Brasil tem uma responsabilidade para com o povo brasileiro e que não se deve apenas incentivar a produção para exportação, enquanto o povo morre de fome, enquanto existem milhares de famintos, enquanto a seca e a indústria da seca vão perpetuando a necessidade do povo brasileiro.

O Sr. Carlos Patrocínio - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço o aparte do nobre Senador Carlos Patrocínio.

O Sr. Carlos Patrocínio - Eminente Senadora Benedita da Silva, V. Exª também traz sua mensagem no Dia Mundial da Saúde. Gostaria de participar das referências que faz V. Exª no dia de hoje. Eu, que participei como Relator da CPI que analisou a esterilização em massa de mulheres no Brasil, da qual V. Exª era Presidente, quero dizer que fiz um requerimento à Mesa do Senado Federal para que fosse colocado em pauta imediatamente o projeto de planejamento familiar. Esse projeto foi uma contribuição extraída daquela CPMI que examinava a esterilização em massa em nosso País e foi o resultado de inúmeros projetos de leis que tramitavam no âmbito do Congresso Nacional. Fiz esse requerimento e creio que, dentro de poucos dias, esse projeto de lei sobre planejamento familiar deverá estar tramitando aqui, no plenário do Senado Federal. Gostaria de dizer a V. Exª que isso é muito importante, porque vamos poder instalar, efetivamente, o PAISM - Plano de Atendimento Integral à Saúde da Mulher, que será, sem sombra de dúvida, o maior programa de medicina preventiva para a mulher e, por que não dizer, para a criança. Ali estaremos estimulando a utilização de todos os métodos anticoncepcionais hoje à disposição da população, de eficácia científica comprovada. Evitaremos, assim, que se façam milhões de cesarianas, no Brasil, sem necessidade, sangrando os cofres públicos em mais de 100 milhões de dólares anuais. A mulher vai ter a oportunidade de conhecer a sua fisiologia reprodutiva, vai ter acesso a todos os métodos contraceptivos e vai poder escolher aquele que melhor se adapta ao seu caso. Gostaria de dizer, referindo-me a má distribuição de médicos em nosso País, que deveria haver um estímulo. Há regiões, principalmente as regiões vastas da Amazônia, onde praticamente não se encontram médicos, como foi dito aqui pela Senadora Marina Silva. Por outro lado, a maior concentração de médicos per capita do mundo está em Ribeirão Preto e na Cidade do Rio de Janeiro. Isso demonstra que deveria haver uma política governamental de incentivo para que esses médicos se desloquem para o interior para exercer a sua profissão, possibilitando, assim, que todo brasileiro tenha condições de igualdade no que diz respeito a atendimento médico. Cumprimento, portanto, V. Exª pelo magnífico discurso.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte, Senador Carlos Patrocínio, e quero dizer a V. Exª, que acompanhou como relator essa CPI, da importância da conquista que tivemos naquela ocasião.

Na época, o Ministro da Saúde pôde prestar um depoimento. Coincidentemente, era o Ministro Jatene que estava no Ministério. Retornando, agora, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Sr. Ministro da Saúde provavelmente prestará sua colaboração no sentido de que possamos fazer cumprir o que estabelece a nossa Constituição e o próprio Regimento e pôr em execução os planos resultantes do trabalho, da articulação política que empreendemos, durante a realização daquela CPI, para a instalação do PAISM.

É preciso que fique muito claro que a política de planejamento familiar no Brasil não pode ser somente uma atribuição da mulher. Devemos colocar todos os métodos contraceptivos à disposição do casal, para que tomem a sua decisão, sem que haja imposição autoritária do Poder Executivo. Faz-se necessário praticar uma política consciente e articulada para tratamento e assistência da mulher que não se limite apenas ao período da sua gestação.

Sabemos que, se instalado o Plano de Assistência Integral da Saúde da Mulher, teremos muito menos pessoas doentes no nosso País. Gostaríamos de dizer, neste Dia Mundial da Saúde, que o número de mulheres doentes é muito grande. Refiro-me não só às vítimas dos três milhões de abortos praticados no Brasil mas também ao número crescente de mulheres contaminadas pelo HIV. Esse é um assunto que desejo abordar em outra oportunidade, ou seja, o índice de famílias que não são do grupo de risco e que, no entanto, estão contaminadas pelo HIV. Estamos vendo que há necessidade de se conscientizar a sociedade, de se fazer uma campanha para evitar isso. Mas há um preconceito muito grande cercando esse assunto. No primeiro momento, a AIDS foi tratada como uma doença de homossexuais e, por conseguinte, não houve cuidado por parte das nossas famílias. Agora, temos que levantar esse assunto, na medida em que estamos observando o aumento de pessoas, principalmente de mulheres, com o HIV no Brasil.

Antes de concluir, eu queria dizer algo que está me preocupando e que me chamou a atenção, hoje, quando li matéria da revista Marie Claire. Eu gostaria muito de poder falar sobre esse assunto em outra oportunidade, mas quero registrá-lo agora para uma reflexão dos Srs. Senadores.

O artigo diz:

      "Lugar de Preto X Lugar de Branco.

      No "País da democracia racial", três vilarejos criaram o seu próprio apartheid. Lá, brancos e negros não se misturam, mal se toleram e apresentam diferenças gritantes de padrão de vida. Preconceito no Brasil? Existe, sim."

O Soweto à brasileira. Estou falando da situação de uma comunidade de Mato Grosso, num povoado branco, onde a energia elétrica chegou há 12 anos e hoje existe até antena parabólica. O povoado negro continua à base de lampiões.

A matéria diz que, quando Olívia, uma menina de 11 anos, passa no povoado branco, os meninos brancos a chamam de urubu.

      "Em Barra, vila exclusivamente negra, as ruas de terra não deixam a poeira assentar nunca e o transporte ainda é feito em carro de boi."

Diz ainda a notícia da revista Marie Claire:

      "Telefone na Vila Branca: conquista ainda distante do alcance dos negros."

Diz mais:

      "Claudina e Dudu, moradores de Barra, em sua cozinha que não tem água encanada, geladeira nem fogão a gás: discriminação também econômica."

      "Crianças negras buscam água: nunca viram TV nem sabem quem é Xuxa."

Essa é a realidade vivida por essa família em Mato Grosso. E é bom que nós, representantes do povo nesta Casa, possamos fazer cumprir o dispositivo constitucional que pune a discriminação racial. Não podemos conviver com o Soweto e com o apartheid à brasileira.

É com indignação que faço desta tribuna o meu protesto e a minha denúncia. Peço aos meus pares que visitemos esse local, se for necessário; que mandemos uma representação do Senado, porque queremos cumprir a Constituição brasileira e não podemos permitir que comunidades sejam afastadas, que estejam marginalizadas nesse processo.

Sabemos que há pobreza, que há miséria no Brasil, mas não podemos admitir que, além disso, tenhamos que ver famílias pobres, na sua maioria negras, levando sobre as suas costas o preconceito da discriminação racial, afastadas do acesso àquilo que consideramos o mais importante para a vida de um ser humano, que é o seu trabalho, a água e a saúde para os seus familiares.

O Sr. Jonas Pinheiro - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Jonas Pinheiro.

O Sr. Jonas Pinheiro - Muito obrigado. Nós, como mato-grossenses e representantes daquele povo, vinculado também à raça negra, queremos dar todo o apoio à proposta de V. Exª. Quero dizer que desconheço esse fato no Estado do Mato Grosso e não há nem sequer uma comunidade em Mato Grosso que eu não conheça. Quero até contar a história de Vila Bela da Santíssima Trindade, que foi a primeira capital do Estado. Para lá, há 300 anos, foram os portugueses, os espanhóis e os negros escravos. Quando a capital mudou-se para Cuiabá, para lá foram os brancos - os portugueses e os espanhóis - e ficaram os escravos. É a comunidade mais disciplinada que temos naquele Estado. Hoje, já há uma miscelânea de negros e brancos, com a presença do Banco do Brasil, do BRADESCO, dos fazendeiros, do INCRA. Enfim, a comunidade, que era 100% de raça negra, hoje está representada, no máximo, por 60% de negros e 30% de outras raças. Estive lá com o Senador Júlio Campos - que é muito querido naquela região - e nunca vi tanto entendimento entre as raças! Portanto, se existe a comunidade de Barra, não a conheço; mas sou totalmente solidário a V. Exª no sentido de que devemos visitar essa comunidade ou qualquer outra que exista em qualquer parte do País, se houver discriminação racial. Muito obrigado a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª.

Vivemos no Brasil o chamado mito da democracia racial. A pessoa discriminada tem certeza de que existe a discriminação e busca denunciar, busca os seus direitos, quando tem consciência desses direitos.

Mas esse não é o caso da comunidade em questão, pois eles não conhecem o dispositivo da Constituição, nunca tiveram acesso à televisão e à energia, nem à comunicação de massa; portanto, não sabem que existe uma Constituição brasileira que pune o racismo no País.

Para o discriminado, essas informações são importantes.

Até mesmo em locais onde podemos ter um pouco mais de atenção, observamos que, mesmo havendo uma diferença nas relações sociais entre negros e brancos, o racismo mais acirrado é por conta da cor da pele, e não pela diferença de classe social.

      Mas isso ocorre em Barra, ao sul da Chapada de Diamantina, na Bahia, na Fazenda Mato Grosso, "...um lugar onde passam carros, as pessoas tomam banho quente e até vêem televisão".

E mais um pouco à frente diz a notícia:

      "(...) os cerca de 1.800 habitantes são brancos, incluindo o dono da fazenda, para quem ela às vezes trabalha."

Mas, na sua comunidade, a menina Olívia não tem acesso a nenhum desses recursos e sabe que está sendo discriminada por causa da cor da sua pele.

Lamento profundamente não poder conceder-lhe mais um aparte, já que o Sr. Presidente chama a atenção para o horário.

Peço também desculpas à Senadora Marina Silva.

Espero que esta Casa envie um representante àquela região para que possamos constatar essa realidade.

Não podemos permitir o racismo no nosso País.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/05/1995 - Página 4948