Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DE REFORMAS CONSTITUCIONAIS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • IMPORTANCIA DE REFORMAS CONSTITUCIONAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5130
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, UNANIMIDADE, OPINIÃO, SOCIEDADE, BRASIL, NECESSIDADE, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • COMENTARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MOTIVO, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), TRANSFORMAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, HOMOLOGAÇÃO, DECISÃO, EXECUTIVO, JUDICIARIO, CRIAÇÃO, CONFLITO, PODER, POPULAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, DIREITOS, INSUFICIENCIA, LEI COMPLEMENTAR.
  • CRITICA, PROMESSA, ORDEM CONSTITUCIONAL, ATENDIMENTO, INTERESSE, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, CONFIANÇA, ESTABILIDADE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AMEAÇA, RISCOS, INVESTIMENTO, FUGA, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, REFORMA CONSTITUCIONAL, NECESSIDADE, CONGRESSISTA, APOIO, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, GOVERNO, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma da Constituição de 1988 começou a ser debatida neste plenário e no plenário da Câmara dos Deputados e não cessará até que o Congresso Nacional tenha chegado a uma conclusão.

Ontem, ouvimos o pronunciamento do Senador Pedro Simon, que, além de abordar o tema, cuidava também das greves que se estendem por toda a parte no País e tumultuam de algum modo o processo de reforma da nossa Constituição.

Parece claro existir unanimidade na opinião esclarecida da sociedade brasileira que a Constituição de 1988 não corresponde às aspirações nacionais.

As eleições de 1994 comprovam esta assertiva: todos os ilustres candidatos à Presidência da República, dos menos votados aos que chegaram ao segundo turno, e entre estes o vencedor final, propugnaram por reformas na Constituição.

Houve, portanto, uma decisão praticamente plebiscitária de que a Constituição de 1988 não ofereceu à sociedade os instrumentos jurídicos e políticos que assegurassem a estabilidade das nossas instituições, e que permitissem a prática de um duradouro processo democrático calcado na realidade brasileira.

A eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso deu-lhe grave responsabilidade, a de levar adiante as reformas que preconizou em sua campanha eleitoral.

Infelizmente perdemos - e o digo como um dos constituintes de 88 - uma oportunidade histórica de elaborar uma Carta que, reunindo com isenção a secular experiência brasileira - e conjugando-a com as conquistas modernas da tecnologia e do pensamento universal nesta antevéspera de um novo século -, se fixasse como o marco de um venturoso início democrático.

Não obtivemos essa conquista.

Os presidentes da República que têm assumido o poder na vigência da Constituição de 1988 afirmaram, reafirmaram e reafirmam que o País é ingovernável sob a nossa atual Lei Magna.

O Congresso, por seu turno, já vai chegando ao limite da sua tolerância com o volume das medidas provisórias, que nos vão ocupando, quase em tempo integral, como meros homologadores das decisões do Poder Executivo.

As decisões do Poder Judiciário não raro criam situações de quase conflito com os outros Poderes.

A população de um modo geral tornou-se mais insatisfeita e mais reivindicadora, reclamando os seus direitos constitucionais.

E, no entanto, nenhum dos três Poderes, nem o povo, é responsável pelas situações de crise que ocorrem amiúde.

A responsabilidade está aí, à vista de todos: a Constituição de 1988, com os seus 245 artigos, parágrafos e incisos, e os 70 artigos das Disposições Transitórias. E mais: dos cerca de 240 dispositivos que exigem legislação complementar, apenas 99, até hoje, já a receberam, e todos sabemos que a maioria dos remanescentes jamais a receberão.

Votou-se uma Constituição parlamentarista para uma administração presidencialista, mas não será esta a maior das suas contradições.

Estou hoje convencido de que em vez de termos transformado o Congresso em Assembléia Constituinte devíamos ter apoiado, com energia, a instalação de uma Constituinte exclusiva, com representantes eleitos para essa finalidade e cujos mandatos se exaurissem com a aprovação do texto final da Carta Magna.

A assembléia exclusiva daria maior autenticidade e legitimidade às decisões, com uma representação desvinculada das justas preocupações eleitorais dos Srs. Deputados e Senadores.

A acumulação de tarefas atribuída aos legisladores provavelmente contribuiu para um resultado que prejudicou ambas as missões de alto interesse público à época afetas aos legisladores. O insucesso da revisão constitucional determinada pelo art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que devia ter ocorrido no ano passado, é uma confirmação da inconveniência da dupla tarefa que se delegou ao Congresso Nacional.

O meu objetivo, neste pronunciamento, não é o de debater esses pontos polêmicos, na verdade já ultrapassados pelo fato consumado, mas apenas o de apontar a necessidade premente de uma ampla reforma constitucional a despeito do penoso trabalho do nosso Relator-Geral àquela época.

O meu objetivo, neste pronunciamento, portanto, é claro. A Constituição de 1988 agasalha dispositivos de grande excelência. O seu art. 1º é exemplar na definição do Estado democrático de direito. Preocupou-se com a moralidade pública, aperfeiçoou o sistema federativo, atendeu aos reclamos em relação ao meio ambiente e a outros temas que estavam omitidos nas Constituições anteriores.

Pecou, no entanto, nas promessas utópicas e nas minudências, mais adequadas em normas de lei ordinária ou de regulamentações.

A Constituição de 1988 deixou-se inchar e distribuiu generosas promessas paternalistas, geralmente irrealizáveis. Cedeu às pressões de interesses classistas e corporativos, que não são os da sociedade como um todo, interesses que agora voltam a atuar ativamente para impedir que se os elimine.

A Constituição vigente, enfim, criou graves problemas de complicada solução, pois fácil foi inscrever em suas disposições determinados direitos, mas difícil será eliminá-los de onde não deviam estar.

O § 1º do seu longo art. 5º, por exemplo, determina que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". E entre esses direitos constam, entre muitos outros, o que garante existência digna para todos (art. 170), o que configura crime de usura se a cobrança de juros ultrapassar 12% ao ano (art. 192, § 3º), o que garante saúde a todos (art.196), o que assegura a gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos (art. 230, § 2º), o que promete garantia ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade (art. 227), etc.

Ora, não obstante a determinação de que tivessem aplicação imediata, nenhum desses direitos constitucionais - entre os quais tantos abstratos -, pôde ser até agora efetivado. Na verdade, o conjunto desses direitos jamais foi efetivado em qualquer país do mundo.

Trata-se, pois, de uma utopia, de uma promessa vã, que, junto a muitos outros dispositivos, colabora fortemente para o abalo da credibilidade necessária a uma Constituição.

O resultado dessa inconfiabilidade não se cinge somente às frustrações populares, mas às desconfianças dos grandes capitais internacionais, que temem investir num ambiente jurídico de ordenamentos controversos, divorciados da realidade e, portanto, não estáveis.

"Hoje o Brasil é, sem dúvida, graças principalmente à Constituição, o País ideal onde não investir. Tanto é assim que, segundo a revista The Economist, o Brasil ocupa o quinto lugar entre os investimentos de maior risco. Só perde para o Iraque, Rússia, Costa do Marfim e Quênia. Ademais, o Brasil chegou a ter 48,2% de todo o capital internacional investido na América Latina. Detém, hoje, apenas 22%" ("Razões das Virtudes e Vícios da Constituição de 1988", de Ney Prado, ed. 1994, pág. 79, antes, portanto, do episódio mexicano).

Do mesmo modo que as já aludidas, muitas outras disposições constitucionais não são cumpridas nem poderão sê-lo jamais. Problemas não são solucionados através de uma Constituição. O objetivo constitucional é o de traçar diretrizes, princípios gerais, a serem complementados na legislação ordinária no correr dos tempos, acompanhando a evolução cultural de um povo.

A experiência histórica nos ensina que as Constituições porventura elaboradas sem uma refinada sensibilidade para a crua realidade social, não oferecem o que delas espera a sociedade em nome da qual foi feita, que é essencialmente a estabilidade das suas instituições. Daí nascem a insegurança jurídica e, por via de conseqüência, a insegurança política.

Na Folha de S. Paulo, em artigo de Walter Ceneviva transcrito no livro citado, registrou-se o seguinte levantamento:

      "A lição histórica é eloqüente. Quanto mais casuística a Carta, menos tempo resiste. A Carta Imperial, a mais concisa, foi a que mais resistiu: 67 anos, com 5 ou 6 alterações; a primeira Republicana, de 1891, durou 47 anos, tinha 78 artigos; a de 1934, mais que dobrou, 173 artigos, mais 39 de complementos: durou 3 anos apenas; a de 1937 durou o tempo da ditadura; a de 1946 ascendeu a 222 artigos e vigiu 20 anos; as de 1967 e 1969, elaboradas em novo período de exceção, chegaram a 210 artigos e são, reconhecidamente, casuísticas, inservíveis a uma prática democrática ampla. Foi, em parte, reconhecendo esses fatos que se decidiu por uma nova Carta em 1988."

Recentemente tive a oportunidade de ler o mencionado "Razões das Virtudes e Vícios da Constituição de 1988", de autoria de Ney Prado, jurista, membro e Secretário Geral da Comissão Afonso Arinos e professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas.

Essa pequena publicação de 84 páginas registra importantes informações e conceituações sobre a nossa lei maior, com muitas das quais me identifico. Diz num trecho:

      "Para ser democrática, uma Constituição não pode ser um elenco infindável de soluções. Seu papel é oferecer uma moldura, dentro da qual o povo poderá, durante muitos anos, continuar a buscar o seu caminho. Ao inibir o livre exercício das opções políticas, que numa democracia o povo deve manifestar continuamente através de seus representantes, uma Constituição casuística torna-se visceralmente antidemocrática."

O autor faz uma severa radiografia do trabalho constituinte de 88, lembrando que, mais uma vez, fomos buscar em modelos alienígenas o que não corresponde ao nosso. Dessa feita, o modelo português foi a inspiração básica para a nossa Constituição.

      "A iniciativa de copiar o modelo dos portugueses - escreve Ney Prado -, sem atentar para a sua própria evolução, levou-nos a um estranho paradoxo: pusemos na nossa Constituição tudo o que os portugueses acabaram (nas suas revisões qüinquenais) por extirpar de sua própria Constituição."

Transcreve o seguinte trecho do livro "Constituição e Revisão", de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, edição de 1991:

      "A Carta de 1988 parece ter sido escrita para um outro país, com pouca coisa em comum com o Brasil real. É um exercício de racionalismo, que ultrapassou o dos revolucionários franceses de 1789 e, em matéria de utopia, o dos revolucionários russos de 1917: aliou-se um nacionalismo cego a uma utopia ingênua."

Referindo-se à "tentação filantropista e generosa" dos constituintes de 88, cita um trecho de obra do nosso colega Roberto Campos, aludindo à Constituição:

      "Fala-se em garantias quarenta e quatro vezes, em direitos, setenta e seis vezes, enquanto a palavra deveres é mencionada apenas quatro vezes."

O professor Ney Prado lamenta que não tenha presidido o espírito dos constituintes de 88 uma atitude desapaixonada, impessoal e despreconceituosa. Lembra que todas as Constituições brasileiras sempre foram elaboradas contra alguma coisa. Em 88, fez-se uma Constituição "do contra", um texto contra o regime autoritário que findara, dando-se à punição do passado maior importância do que à preparação do futuro.

Criticando a tendência socializante da Constituição, observa o mesmo autor:

      "Os dispositivos intervencionistas, de cunho regulatório, são possivelmente os mais numerosos que se possam encontrar em qualquer Constituição do planeta."

A Constituição, em relação à anterior, realmente ampliou o tamanho do Estado, ao invés de limitar sua ação, talvez, à área de educação, saúde e previdência, como vem ocorrendo em todo o mundo democrático.

Ney Prado acrescenta:

      "É possível ter-se uma economia relativamente livre com governos autoritários, mas nunca na história do homem se viu uma sociedade politicamente livre que se baseasse num sistema econômico livre. Nunca. Não há exceções."

A citada obra, entre outras inteligentes considerações, critica o fiscalismo da Constituição: acresceu consideravelmente a carga tributária que onera o brasileiro sem resolver nossos problemas e, ao contrário, até os agravou. O Brasil é o campeão mundial em alíquota básica do Imposto de Renda sobre as indústrias brasileiras. Também é recordista no imposto sobre valor agregado (IPI e ICMS).

O tributarista Ives Gandra Martins descreve que um cidadão, que ganha o salário mínimo em nosso País, ao comprar um eletrodoméstico qualquer, poderá estar pagando, embutido no preço daquele produto, 55 tributos entre impostos, taxas, custos e emolumentos (op.cit.pág.73).

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, todos estamos persuadidos de que se impõe uma ampla reforma da Constituição vigente. O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso já deu largos passos nesse sentido, encaminhando ao Congresso as suas primeiras propostas.

As soluções oferecidas pelo Governo naturalmente encontrarão opositores, e o Congresso, seguramente, tem amplas qualificações para aprimorá-las.

O que não podemos, por contrariar o interesse público, é simplesmente negar apoio a reformas necessárias sob a influência de corporações ou de motivações eleitoreiras.

Pessoalmente, não acredito que emendas constitucionais isoladas, como as de agora, possam consertar o que há de demasia em nossa Carta Magna, notadamente seus pontos de fantasiosas utopias.

Mas muito se pode fazer, através de emendas, no sentido de modernizar nossa malfadada Constituição, como se o destino nos estivesse dando, na oportunidade desta Legislatura, mais esta oportunidade de abrirmos as janelas do Brasil para um futuro, ao qual, junto com as maiores nações do mundo, queremos nos inserir no século que se avizinha.

Era o que tinha a dizer. Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5130