Discurso no Senado Federal

ANALISE DO SISTEMA FEDERATIVO NO BRASIL.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • ANALISE DO SISTEMA FEDERATIVO NO BRASIL.
Aparteantes
Ademir Andrade, Antonio Carlos Magalhães, Beni Veras, Esperidião Amin, Geraldo Melo, Humberto Lucena, Jefferson Peres, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6113
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • ANALISE, AUSENCIA, RELEVANCIA, FEDERAÇÃO, IMPOSIÇÃO, RESTRIÇÃO, PODER, VANTAGENS, ESTADOS, MUNICIPIOS, PRIORIDADE, REFORÇO, UNIÃO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, DESEQUILIBRIO, REPUBLICA FEDERATIVA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REVISÃO, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, PROMOÇÃO, IGUALDADE, DESENVOLVIMENTO, ESTADOS, FEDERAÇÃO.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a reforma da Constituição de 1988 tem sido objeto de constante cogitação desde a Legislatura de 1991.

A princípio, cogitou-se da revisão propriamente dita, que não conduziu a maior resultado. Agora, discute-se, em forma de emendas, de novo, a modificação do texto vigente.

Já no Congresso se encontram algumas emendas, notadamente a relativa à Previdência Social e à Ordem Econômica. A caminho de apresentação estão outras matérias, como as relativas ao Sistema Tributário e às Instituições Políticas.

Não entrarei hoje na análise dessas proposições já em curso ou em via de andamento. Prefiro refletir com os nobres Colegas sobre a singularidade de, apesar da multiplicidade de propostas, não se dar o devido relevo ao problema da Federação. Diferentes aspectos são postos em relevo, inclusive no plano político. Pouco realce se dá, entretanto, ao problema da organização federativa. Não cabe aqui discutir a matéria do ponto de vista doutrinário, importante é vê-la do ângulo do interesse geral do País e de sua população, em face da partilha de poderes entre as entidades políticas.

Não obstante, a Federação ter sido considerada uma vocação para o Brasil desde o Império, e Rui Barbosa haver até recusado ser Ministro, ainda na Monarquia, porque o gabinete que se constituía não incluía no seu programa a organização federativa, apesar disso, não se tem dado o devido relevo ao problema federativo.

Embora a Constituição de 1891 houvesse consagrado o sistema, a verdade é que, até 1930, Estados e Municípios não foram realmente autônomos. O famoso sistema das intervenções nos Estados deformou a Federação. Sendo vitoriosa a "Revolução de 30" o País foi governado, ditatorialmente, até 1934. Era, então inexistente, a autonomia dos Estados e Municípios, pois o Chefe do Governo Provisório, assumindo o poder através de decreto executivo, declarou suspensas as Constituições do País: a Federal e as Estaduais. Por seu livre arbítrio, governou durante todo o período do Governo Provisório.

Restabelecida a ordem democrática em 1934, pouco durou. Em 1937, o mesmo ditador que havia jurado respeitar a Carta democrática mandou-a ao arquivo dos papéis inúteis e impôs à Nação a Carta outorgada de 1937. Novamente, de 1937 a 1945, governou pelo império de sua vontade. A própria Carta de 1937 era apenas o símbolo do Estado Novo, que nem ao menos mereceu o prestígio de ser consagrada pelo plebiscito nela previsto. Estados e Municípios continuaram sob intervenção permanente até o restabelecimento da ordem democrática em 1946.

Começávamos a experimentar um novo quadro político de razoável funcionamento das instituições democráticas, quando sobreveio o regime militar em 1964. Outra vez Estados e Municípios tiveram sua autonomia estrangulada.

Elaborada a Constituição de 1988 e posta em vigor, funciona, sem dúvida, o sistema dos poderes divididos. Mas é aí que começa uma tendência para a qual peço a atenção dos eminentes Colegas. Não se dá relevo à Federação. Pode dizer-se mesmo que há uma inclinação no sentido de restringir os poderes dos Estados e dos Municípios. É uma tendência que cresce. Não se fala no quadro das reformas políticas, em dar condições de desenvolvimento social, político e econômico aos Estados e aos Municípios. Cogita-se, sim, de limitar-lhes os poderes e as vantagens que possam advir da Constituição de 1988. Quando, por exemplo, se cogita da revisão do Sistema Tributário, é sempre na linha de reduzir os recursos que os constituintes conferiram aos Estados e Municípios.

Não se trata de redistribuir os tributos, tendo em conta a necessidade do equilíbrio entre a União e as entidades federadas. A preocupação sempre é no sentido de fortalecer a União e de reduzir as vantagens dos Estados.

Ignora-se, assim, que neste regime federativo, tão inerente ao quadro geoeconômico do País, é indispensável estabelecer um regime de equilíbrio não apenas no plano político, mas na distribuição das rendas para garantir o chamado desenvolvimento equilibrado.

Embora a Constituição aluda repetidamente a planejamento de caráter nacional, de caráter regional e de caráter local, as disposições que assim prevêem são letra morta. De 88 aos dias de hoje, o regime de planejamento previsto na Constituição tem sido inteiramente posto à margem. Depois da queda dos chamados regimes comunistas no Leste Europeu e da queda do Muro de Berlim, tomam-se essas circunstâncias para ainda mais desprezar o regime de planejamento, como se este fosse privativo dos sistemas de caráter socialista e não extensivos hoje, como o são, ao mundo civilizado.

Certo é que não se planeja para a União e nem se cuida de inspirar o planejamento para os Estados e Municípios. Diante disso, estamos verificando que aquela situação de desequilíbrio da Primeira como da Segunda República, e que deu margem até a que o sociólogo cuidasse da divisão do País em dois brasis, continua enfraquecendo a Federação e prejudicando a população de todo o País.

Ainda agora, quando a crise atinge vários Estados, não há preocupação de ir ao encontro de suas necessidades para socorrê-los devidamente. É expressivo, por exemplo, que, quando ocorre a crise de funcionamento de um banco estadual, não se cogite das providências indispensáveis a restaurá-lo, somente se cuida de dar fim a tais instituições bancárias.

O Sr. Jefferson Peres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Jefferson Peres - Eminente Senador Josaphat Marinho, o Senado o ouve, como sempre, com o maior respeito e assiste à sua aula muito bem fundamentada. Concordo com V. Exª em que o princípio federativo no Brasil muitas vezes é uma ficção. Isso se deve talvez a razões de ordem histórica. Observou-se que, nos Estados Unidos da América, a Federação surgiu de uma confederação de Estados que eram autônomos, quase soberanos, e que se agregaram ou se congregaram numa federação. No Brasil, ocorreu o contrário. Tínhamos um Estado unitário que se transformou numa federação. De lá pra cá, vem aos trancos e barrancos, tendo sido anulada no Estado Novo e muito restringida durante o regime militar. Concordo, portanto, com V. Exª em que a Federação tem realmente fundamentos muito frágeis no Brasil. Mas gostaria de discordar um pouco de V. Exª no que tange à Constituição de 1988, que - parece-me - foi, ao menos no aspecto do Sistema Tributário, generosíssima com os Estados e Municípios na partição do bolo tributário. As Unidades Federativas foram muito beneficiadas. Levam cerca da metade da receita dos principais tributos federais, que são o IPI e o Imposto de Renda. Espero não falar do FNO. V. Exª sabe que também não foram transferidos encargos para os Estados e Municípios. A União ficou praticamente exaurida, Senador Josaphat Marinho, e não pode socorrer Estados à míngua de recursos, já que 92% da receita da União vai para pagamento da dívida e transferência para Estados e despesas vinculadas. Sobram-lhe 8% e, convenhamos, é muito pouco. Embora na essência concorde com V. Exª, mas no que tange ao auxílio da União aos Estados, parece-me que atualmente é uma impossibilidade prática.

O SR. JOSAPHAT MARINHO -  Não há conflito entre nós, Senador Jefferson Peres.

V. Exª analisa as vantagens de ordem tributária que a Constituição de 1988 conferiu aos Estados e Municípios e até à limitação de rendas imposta à União.

Não estou defendendo a manutenção do sistema tributário escrito na Constituição de 1988; cuido da orientação geral dos governos, e não me refiro especificamente ao atual governo, no trato dos problemas federativos. Mas cumpre ver que, mesmo em face da Constituição de 1988, se os tributos foram previstos a favor das Unidades Federadas, as receitas não têm correspondido à perspectiva da Constituição. Na realidade, Estados e Municípios estão, na sua generalidade, em situação financeira de dificuldade.

Na legislatura anterior, tive oportunidade, por duas vezes, de salientar esse fenômeno e de sugerir que fosse constituída uma comissão de representantes da União, dos Estados e da Associação Brasileira de Municípios para que se examinasse a questão, porque a Constituição de 88 conferiu formalmente um volume razoável de fontes de recursos aos Estados e Municípios e quase todos esses se encontram em dificuldade.

Sei que, em diferentes casos, tratou-se de má administração, mas não se pode generalizar. De sorte que se impunha e ainda agora se impõe exame mais profundo do assunto para apurar-se a razão pela qual, não obstante o texto da Constituição, Estados e Municípios estão, em boa parte, experimentando dificuldades de recursos.

Cuida-se, portanto, de fenômeno mais profundo, que precisa ser examinado. Agora mesmo, na Bahia, por exemplo, Municípios de várias regiões estão experimentando uma queda sensível de suas rendas. Alguns já encontram dificuldades para manutenção de seus serviços.

Dir-se-á que houve seca em alguns Estados ou que houve tempestades em outros, prejudicando a produção. É verdade. Mas esse desequilíbrio financeiro tem-se verificado desde após a elaboração e a prática da Constituição de 1988.

É preciso, pois, e creio que este será também o pensamento de V. Exª, que se examine o problema em maior amplitude, para apurar, seguramente, as razões de tais desequilíbrios. Agora, não é possível que as providências sejam sempre ou no sentido da centralização excessiva ou da restrição de poderes e de recursos destinados às entidades federadas.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Josaphat Marinho, estamos, como sempre quando V. Exª fala, aprendendo com a sua experiência e sabedoria. Eu não me sentia com o direito de interromper o que estou ouvindo.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - É um prazer receber o aparte de V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Muito obrigado, Senador. Mas não resisti à tentação de trazer um depoimento subsidiado de alguém que, já tendo sido Governador de Estado num determinado momento do nosso processo histórico, conviveu com o que V. Exª está mostrando com tanto brilho. Na realidade, sabemos que temos uma República unitária encabulada de ser unitária e ficamos dizendo que somos uma Federação. Nas federações de verdade, o poder dos Estados federados vêm em primeiro lugar. Compete à União somente aquilo que a Constituição à ela delega; o resto compete aos Estados. No Brasil, tudo compete à União, menos aquilo que expressamente a Constituição delega aos Estados. Vejo hoje, Senador Josaphat Marinho, os Estados serem apresentados como os vilões da sociedade brasileira, falar-se, por exemplo, da necessidade do enxugamento das máquinas administrativas. E quem, permita-me a expressão, molhou essas máquinas que agora precisam ser enxugadas? Foi exatamente esse processo de unidade do poder no Brasil. Sabe V. Exª que, até bem pouco tempo, se um governo de Estado queria fazer um programa de turismo e ele não tinha na estrutura administrativa do governo uma empresa que fosse a contraparte da EMBRATUR, não haveria possibilidade. Os Estados foram estimulados a criar empresas em todas as áreas: na extensão rural, na pesquisa agrícola, no turismo, a criar bancos de desenvolvimento, a criar pequenas estruturas federais, repeti-las, sob pena de não poderem participar de programa algum. Assim foi até agora, e, por terem se submetido a esse processo de decisão centralizada que dominou este País tão fortemente nos últimos anos, os Estados estão sendo apontados como estruturas perdulárias, cheias de penduricalhos, de empresas que não precisavam existir e existem compulsoriamente. Hoje, creio, todos os que estão familiarizados com a situação dos Estados brasileiros estão aplaudindo o alerta, a advertência e o chamamento que V. Exª está fazendo com tanta competência. Quero apenas associar-me a esse sentimento que é o todos que estão familiarizados com essa situação no Brasil.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Agradeço pelo aparte, nobre Senador Geraldo Melo.

Em verdade, não sou eu quem traz valiosos subsídios ao debate. Eu estou provocando a apreciação da matéria para a qual V. Exª acaba de oferecer valiosos subsídios resultantes da sua própria experiência de Governador.

Se, na verdade, há falhas decorrentes de má administração nos Estados e nos Municípios, e não são poucas as hipóteses, o fenômeno - e é para isso que peço atenção - é mais profundo: há dificuldades que atingem boas administrações ou que impedem boas administrações. Esse é o problema que precisa e pode ser examinado a partir de um governo recém-inaugurado como o do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Pois não, nobre Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Eu, como os demais Senadores que já apartearam V. Exª, estava aqui me preguntando se deveria aparteá-lo ou não, para não interromper o fio do raciocínio de V. Exª, uma vez que está proferindo um belo discurso que, certamente, será útil para todos que puderem escutá-lo. Mas dentro dessa linha de trazer alguma contribuição, já que V. Exª agora diz que deseja justamente suscitar o debate, a discussão, tenho me preocupado, desde que cheguei a esta Casa, com a questão da Federação, dos Estados, da União Federal. Como um dos signatários da Constituição de 1988, devo lembrar que, realmente, a nossa Carta Magna traz uma série de elementos que visam ao fortalecimento dos Estados e dos Municípios. Inclusive, pela primeira vez, os Municípios são citados como entes federados. No meu modo de ver, tal Constituição está incompleta com relação à questão das competências de cada nível de poder. Há uma série de competências concorrentes da União, dos Estados e dos Municípios, e, na verdade, sabemos bem onde estão distribuídas. A União Federal, alegando insuficiência de recursos e de meios, face à nova ordem tributária, simplesmente jogou, como fardo, no âmbito dos Municípios e dos Estados, uma série de atribuições, para as quais estes não estavam sequer preparados do ponto de vista material e até mesmo do ponto de vista da competência funcional para executá-las. De tal sorte que há uma obra inacabada. No entanto, já estamos pressentindo, como V. Exª muito bem disse, uma série de movimentos no sentido contrário dessa tendência descentralizadora da Constituição de 1988. Por exemplo, entre os casos que V. Exª citou, há a questão da Previdência, que, agora, vedará aos Estados e Municípios o poder de legislar sobre previdência. V. Exª mencionou a idéia de o Constituinte oferecer mais recursos aos Estados e Municípios, e, mesmo assim, a situação de penúria permanece. Se observarmos o que está acontecendo com a arrecadação da União, verificaremos, e talvez, neste ponto, esteja uma das possíveis causas dessa falta de crescimento de recursos dos Estados e dos Municípios, que o que mais cresce na arrecadação federal são as chamadas contribuições sociais - o COFINS, a contribuição sobre o lucro, a contribuição do empregado e do empregador, o PIS/PASEP - sendo que os Estados e Municípios não participam dessa arrecadação, só a União. Há a participação dos Estados e Municípios no Imposto de Renda e no Imposto sobre Produtos Industrializados. Ouvi de uma alta autoridade da República sua preocupação para com esse tipo de tributo, os chamados de contribuições sociais. Se são eles os que mais crescem, o que vamos verificar? Que a arrecadação dos Estados e Municípios não está se expandindo a ponto de atender a essas novas competências que lhes foram dadas pela Constituição de 88. Aí, talvez, resida uma das causas da falta de crescimento da arrecadação dos Estados e dos Municípios para fazer face às novas funções que lhe foram atribuídas pela nova Constituição. Era o que queria trazer como uma pequena contribuição ao seu discurso. Reconheço que V. Exª traz à Casa um tema da maior importância, porque diz respeito à nossa Unidade, ao nosso desenvolvimento econômico e social, harmônico do ponto de vista das nossas regiões, dos nossos Estados e dos nossos Municípios.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª, nobre Senador Lúcio Alcântara, trouxe ao debate novos subsídios e por aí também se vê o quanto é importante que o discurso parlamentar não seja um monólogo, mas um diálogo.

Estimo, imensamente, ser interrompido, porque é através do diálogo que encontramos o caminho para as soluções reclamadas.

O que, em verdade, tem-se verificado é que não há aquele planejamento, a que já me referi, para as soluções relativas a todo o País e dentro do espírito de equilíbrio.

Ainda há poucos dias, foi dada uma solução pelo Governo Federal a um problema da Bahia - ou, pelo menos, oferecido um programa - anunciada, por sinal, pelo Senador Antônio Carlos Magalhães, a quem muito deve a Bahia o encaminhamento da providência.

O Governo propõe um programa, há muito reclamado, para encaminhar a recuperação da lavoura cacaueira. Evitou, dentro da rotina tão comum, a solução de emergência: a concessão de recursos apenas para pagar dívida de cacauicultor; a doação de algum recurso para o trabalho de alguns meses.

Ao contrário, fez o trabalho que é o conveniente dentro do espírito federativo: três Ministros examinaram o problema da lavoura cacaueira. O Ministério da Fazenda mandou técnicos seus à Bahia. Verificaram a situação de penúria em que estava a região cacaueira e o Governo planejou uma solução para os quatro anos de seu mandato, assegurando recursos gradativos. Isso é que parece o conveniente à Federação e ao prestígio da União.

O Sr. Ademir Andrade - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Ademir Andrade - Tem toda a razão V. Exª. As pessoas que, hoje, estão neste Governo parece que agem diferentemente do que falavam tempos atrás. Na Constituição de 88, realmente, fizemos reformas importantes que fortaleceram os Estados e os Municípios brasileiros impedindo que se legislasse, por decreto, sobre impostos que eram, de direito, específicos de Municípios ou Estados e ampliando a sua participação no bolo da arrecadação. Percebemos que as pessoas do Governo, de hoje, contrariamente de tempos atrás, estão arrependidas e querem tomar de volta essa participação nos recursos que estão tendo os Estados e Municípios brasileiros. Por isso, a emenda da Reforma Tributária ainda não foi enviada a este Congresso Nacional: houve uma reação muito grande das associações que congregam Prefeitos e dos próprios Governadores dos Estados brasileiros através de seus Secretários de Fazenda. Uma reação que pretendia, na verdade, diminuir a participação nesse bolo da arrecadação. Todos temos de tomar muito cuidado. Essa matéria chamou a atenção de todos que fizeram a Constituição, e sua aprovação foi quase unânime. Uma nação se fortalece na medida em que se fortalece a democracia na sua base. Quem melhor do que um prefeito, do que a Câmara de Vereadores, do que um cidadão daquele município, sabe o que fazer com recursos para melhorar a vida dos moradores daquele município? O mesmo ocorre com relação aos Estados. Então, em nosso entendimento, deve-se fortalecer mais ainda os Estados e Municípios, a que se deve dar mais do que foi concedido na Constituição de 88, e não pensar jamais em tirar alguma coisa deles ou em enfraquecê-los. É corretíssima a preocupação de V. Exª. Acredito que todo o Congresso Nacional estará vigilante ou para manter o que está, ou em hipótese alguma permitir que se diminua o poder do Município e do Estado. Diga-se de passagem, o que querem hoje é transferir todo tipo de obrigação para os Municípios e Estados, sem que lhes seja dada a oportunidade de arrecadar recurso suficiente para atender a essas obrigações. De forma que concordo plenamente com as preocupações levantadas por V. Exª nesta Casa. Aliás, falta muita coisa na reforma constitucional, como falar de reforma agrária e de outras matérias muito mais importantes do que as enviadas a esta Casa até este momento.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Sou grato a V. Exª pela cooperação, nobre Senador Ademir Andrade.

Não direi, seria injusto fazê-lo, que o atual Governo pretende insistir no tratamento desigual e inseguro de situações anteriores. Quero mesmo assinalar que o exemplo que acaba de dar com relação ao problema do cacau será um sinal de mudança de critério, na medida em que o Governo executar seguramente o programa anunciado.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Com prazer ouço V. Exª, Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Saúdo a presença de V Exª na tribuna, com a sua reconhecida autoridade, para nos alertar sobre os riscos da Federação. Diga-se, de passagem, o Senado é a Casa da Federação. Nós, aqui, somos representantes dos Estados, como bem acentua V. Exª. Dentro do contexto do seu pronunciamento, nobre Senador Josaphat Marinho, quero lhe dizer que, na verdade, devemos ter muita preocupação com a sorte das unidades federadas. Lembra-se V. Exª que, em governos anteriores, sobretudo no do ex-Presidente Itamar Franco, foi votado no Congresso Nacional e sancionado por S. Exª projeto de lei que dispunha sobre a chamada rolagem das dívidas dos Estados e Municípios. Os contratos foram assinados. Hoje a grande maioria dos pequenos Estados está em situação insustentável, porque, os parâmetros estabelecidos pelo respectivo diploma legal não correspondiam à realidade dos fatos. V. Exª disse há pouco, muito bem, que o importante hoje é abrir caminho para que os novos dirigentes possam governar bem, sem atirar pedras no passado. Veja o quadro existente no meu Estado, a Paraíba. Apesar do esforço do ex-Governador, e atual Senador Ronaldo Cunha Lima, para sanear as finanças. S. Exª recebeu o Estado com uma folha de pagamento que representava 110% da receita e o salário do funcionalismo em atrasohá 6 meses. S. Exª pôs ordem nas finanças, fez um censo dos servidores públicos, descobriu milhares de servidores fantasmas. Afinal, chegamos a uma folha de pagamento que representa, no momento, 65 a 70% da receita. O pagamento da rolagem da dívida, porém, em vez de ser de 11%, como está na resolução de Senad, no momento, chega agora a quase 21%. Portanto as despesas somam quase 91%, restando para custeio 6% e para investimento 3%. Sabe V. Exª que é impraticável, qualquer Governador, dirigir um Estado numa situação como essa, sobretudo quando o Governo Federal tem necessidade premente de equilibrar suas contas, evitando liberação de recursos, como vem ocorrendo. Diante desse quadro, apresentei ao Senado um projeto de lei e um projeto de resolução, tentando, justamente, a reciclagem dessa rolagem das dívidas, para compatibilizá-la com a realidade dos pequenos Estados. Referi-me ao exemplo da Paraíba para dizer a V. Exª da real dificuldade em que se encontram os Estados da Federação, sobretudo aqueles que não têm outros recursos afora os poucos que recolhem só ICMS e do Fundo de Participação. Quero louvar a presença de V. Exª na tribuna e dizer que estaremos atentos, para lutar, sempre no Congresso Nacional, para o fortalecimento da Federação.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - A experiência de V. Exª, nobre Senador Humberto Lucena, permite-lhe trazer novos dados à apreciação da matéria, de modo que, juntando-se a outros tantos aqui já oferecidos, possam permitir a revisão dos critérios dominantes.

Dizia que o Presidente da República deu um bom exemplo no caso do programa para a recuperação da lavoura cacaueira. Exatamente o que espero é que essa orientação se expanda e o Governo vá adotando-a, tanto quanto possível, em forma de planejamento para situações assemelhadas. Na medida em que assim o fizer, o Poder federal deixará de dar soluções de emergência e soluções de gritante desigualdade, fornecendo exemplo de critérios de igualização, dentro das diferenciações, no plano federativo.

Isso é que me parece importante. É isso, por exemplo, que deve prevalecer na revisão do quadro tributário. Se houve distribuição errônea de recursos, faça-se a revisão. Mas se faça a revisão tendo em conta que o regime é federativo e não unitário, de sorte que se assegure - esta é a minha preocupação maior - o desenvolvimento equilibrado ao longo de todo o território nacional.

O Sr. Esperidião Amin - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Esperidião Amin - Senador Josaphat Marinho, desejo congratular-me com a iniciativa de V. Exª de ocupar a tribuna nesta tarde para, com toda a autoridade que todos lhe reconhecemos, abordar aquilo que é da essência das atribuições do Senado Federal. Esta é a Casa da Federação. Sempre que nos indagam por que o sistema bicameral, por que existir Senado e Câmara, a mim ocorre, como primeira e única idéia bastante ou como único argumento que, isoladamente, consegue oferecer uma resposta satisfatória à indagação feita de boa-fé, que esta é a Câmara do equilíbrio federativo, ou seja, finanças públicos, sistema tributário deveria ser atribuição, se não privativa, terminativa do Senado Federal. Essa é a Casa da Federação. Somente se justifica o bicameralismo na Federação, que ainda não temos. Infelizmente, não pude acompanhar seu pronunciamento desde o início por questões de atraso no vôo de São Paulo para Brasília, mas pude acompanhar pelo menos a essência do brado federalista que V. Exª nos traz a todos. Tenha certeza de que essa advertência não se esgota na questão de políticas regionais ou de interesse de um Estado ou de uma região, ou de uma vocação predominante num Estado ou uma região, ou mesmo na questão do processo de escalonamento, organização e consolidação das dívidas de Estados e pelo menos dos Municípios mais importantes do País, como foi aqui suscitado em aparte pelo Senador Humberto Lucena. Tenho para mim que V. Exª nos presta esse grande serviço, sendo, como é, jurista reconhecido por todos nós e acatado constitucionalista. O debate da questão da organização da Federação deveria ser o tema dominante no Senado, posto que é, repito, a razão maior e bastante até da existência desta Casa. Por isso, quero me congratular com V. Exª, e dizer que compartilho das suas preocupações. Deploro também que, tanto de parte do Executivo quanto e, muitas vezes, de nossa parte mesmo, venha carecendo o estímulo para que possamos, discutindo idéias, fazer com que a Federação seja uma realidade e não apenas um dístico, no mais das vezes desmentido pelos fatos, como ainda acontece.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - A visão de político e de governador, Senador Esperidião Amin, permitiu-lhe divisar com muita clareza o problema que exatamente me parece ser a base de nosso debate neste momento: o equilíbrio federativo.

Não basta que Estados e Municípios reclamem da União, nem que a União se preocupe tão-só em devolver ou atribuir novos encargos aos Estados e Municípios. O problema não há de ser de conflito de competências, mas do desenvolvimento de uma política bastante sólida e clara, para gerar o entendimento entre os governos das Unidades Federadas e o Governo Federal. Somente assim exercitaremos aquilo que, onde bem funciona o regime da Federação, se chama federalismo cooperativo.

Não basta que uns reclamem de outros, mas que todos possam, examinando problemas gerais, cooperar para caminhos que comandem a solução no sentido do desenvolvimento equilibrado.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Nobre Senador Josaphat Marinho, eu não estava aqui desde o início do seu pronunciamento, mas logo que cheguei recebi informações do brilhantismo que sempre caracteriza suas falas, e da propriedade do tema. Do tempo que venho assistindo ao seu pronunciamento, pude perceber que V. Exª enumera, com muita justeza, todos os seus pontos de vista, fazendo também justiça ao Governo quando de sua atuação no recente caso do cacau na economia baiana. Acredito que o tema Federação, mais do que qualquer outro, de fato interessa ao Senado, e ninguém com mais autoridade do que V. Exª, pela sua experiência na Casa e pelas suas qualidades de professor, para discuti-lo. A nossa vivência em governo, sobretudo em mais de um, dá-nos a impressão de que todos nós, políticos, deveremos ter um melhor entendimento em relação a todos esses fatos que se passam não só na Federação, mas sobretudo na União. E por quê? Porque a mentalidade do Governo Federal é nova em relação ao assistencialismo, até porque nós, do Nordeste, fomos extremamente prejudicados com a política que dominou até há bem pouco tempo no Brasil, onde nossas carências nunca foram bem olhadas e os prejuízos trazidos à economia nordestina, muito grandes. Desassistidos, assistíamos, num contraste muito evidente, aos problemas graves e grandes do Sudeste serem resolvidos com maior rapidez. Mas hoje entendemos que o Brasil está numa situação que não permite atender a quase ninguém. Os governos estaduais devem ficar convencidos de que vão ter que viver dentro das suas próprias receitas e devem se adaptar a essa nova realidade, de acordo também, como V. Exª salienta, com uma mentalidade em que a Federação tem que ser de fato uma Federação. É preciso acabar com a política, de certo modo, clientelista, e, sobretudo no Município, acabar com o crime que acontece com certa área política - e nós aí temos correligionários em toda parte -, o de criar a torto e a direito municípios que não têm direito à sobrevida, infelicitando a vida de munícipes de toda ordem. Temos que fazer legislações que impeçam que isso aconteça, até para dar unidade à Federação. V. Exª, que tem capacidade e méritos para isso, nesse estudo que está fazendo, há de levar em conta essa questão. O bolo da Federação não dá mais para ser dividido como era antes, nem mesmo para socorrer estabelecimentos bancários que faliram pela incompetência de administradores que não pagam o preço da sua incompetência. E nós todos, contribuintes, que não temos nada com os seus erros, estamos pagando na Federação. Tudo isso está acontecendo diante dos olhos da Nação estarrecida. É por isso que V. Exª vem clamar por um novo entendimento sobre federação, que é justo e que aconteça planejado, como recentemente ocorreu na economia baiana. Esse é um assunto que realmente interessa a toda a Casa e que demandaria muito tempo para debate, mas ninguém tem o direito de interromper a brilhante fala de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - A experiência extensa que V. Exª tem de governo, Senador Antonio Carlos Magalhães, faculta-lhe emitir os juízos que acaba de enunciar.

Tem razão V. Exª quando salienta a necessidade de os Estados se prepararem para viver com os seus próprios recursos e esforços. Tem razão V. Exª quando assinala a inconveniência da criação de novos municípios no País, que se resumirão apenas a alguns outros pobres à porta dos governos dos Estados e do Governo Federal.

Essa situação precisa ser revista. Esse é o objetivo fundamental do debate que busquei provocar na Casa. Eu propriamente não trouxe soluções; eu trouxe a provocação do debate, visto que o assunto interessa a toda a Federação e, conseqüentemente, à generalidade dos Senadores aqui presentes.

O Sr. Beni Veras - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Mas, sobretudo, e antes de lhe dar o aparte, nobre Senador, queria salientar que essa revisão deve ser feita no sentido da coordenação de medidas e de esforços, dentro desse espírito a que já nos referimos do federalismo cooperativo. V. Exª tem o aparte.

O Sr. Beni Veras - Eu ouço com muito atenção o discurso de V. Exª, porque tive uma experiência interessante a esse respeito. No Ministério do Planejamento, pude ser surpreendido com o Orçamento que destinava 78% dos recursos a objetivos já definidos; podia-se gastar mais 10% com saúde, montando 88%; restavam 12% para todas as despesas do Estado, inclusive pagamento da dívida interna, funcionamento das Forças Armadas e demais Ministérios. Ora, essa é uma conta errada que não dá para se fazer. Era possível quando o Governo podia emitir à vontade, provocando essa inflação enorme que se gerou no País. No momento em que ele tem um plano para conter a inflação, fica evidente que não tem condições de arcar com as suas obrigações. Um Estado, com uma renda mínima, com falta de recursos, não tem condições de arcar com suas responsabilidades. Portanto, deixar de fazer o que se deveria fazer, como conservação de estradas, o problema da saúde, porque não há recursos para isso. Penso que do resultado da revisão da Constituição devemos buscar, fazendo uma conta aritmética, uma conta que dê certo, que feche. Que dê ao Estado condições para que ele possa atender o que se está cobrando dele. Muito obrigado.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Agradeço-lhe a tolerância, eminente Presidente, e me permita responder ao aparte do nobre Senador Beni Veras para concluir esta oração.

Senador Beni Veras, não o contesto. Não estou acusando o Governo atual pela denegação de recursos. Reconheço as deficiências que se estão verificando. Este pronunciamento visou a pedir a revisão dos critérios dominantes, inclusive os critérios que dominaram no tratamento equivocado, por exemplo, dos problemas do nosso Nordeste.

Não se programaram soluções. Foram dadas soluções de circunstância, que se repetiram ao longo do tempo, não fornecendo bem-estar à população nordestina.

Então, parece-me correto que se corrijam todas as deficiências e que sejam revistos os critérios de distribuição de recursos, mas que tudo se faça, tendo em conta a necessidade de promover o desenvolvimento equilibrado do País, de maneira que não haja umas regiões fortes e outras fracas, municípios ricos e municípios miseráveis.

É preciso estabelecer um planejamento social, político e econômico, de maneira que as soluções visem a garantir a felicidade possível a toda a população brasileira. É preciso que se compreenda - os Governos Federais precisam estar sempre atentos para isto - que não há União forte com Estados e Municípios enfraquecidos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6113