Discurso no Senado Federal

CRITICAS A POSTURA DO SENHOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PERANTE O GOVERNO NORTE-AMERICANO, POR OCASIÃO DE VISITA AQUELE PAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • CRITICAS A POSTURA DO SENHOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PERANTE O GOVERNO NORTE-AMERICANO, POR OCASIÃO DE VISITA AQUELE PAIS.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6100
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INCOERENCIA, POSIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PRESTAÇÃO DE CONTAS, BILL CLINTON, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, COMPORTAMENTO, ECONOMIA NACIONAL, CONTRADIÇÃO, PENSAMENTO, LIVRO, EFEITO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, DOMINIO, FORMA, ESPOLIAÇÃO, CAPITALISMO.
  • CRITICA, PROPOSTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFORÇO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), URGENCIA, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no momento de grande turbulência para a economia nacional e latino-americana, assistimos a tranqüila e hesitante viagem do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao centro do capitalismo mundial, ao centro daquele império que ele, em seu livro "Modelo Econômico Brasileiro", denominava de imperialismo.

Portanto, no centro do imperialismo mundial, Fernando Henrique Cardoso vai prestar contas sobre o comportamento da economia brasileira. Ele já havia prometido ao Presidente Bill Clinton que levaria aprovada a Lei de Patentes, uma das exigências dos Estados Unidos sobre o Brasil. Exigência que vem renovar aquilo que Fernando Henrique Cardoso, no livro já citado, apontava como sendo uma das formas de espoliação do capitalismo cêntrico sobre o periférico: a apropriação a preços deteriorados das matérias-primas, dos recursos naturais e de todo o resultado do trabalho coletivo das economias dominadas, das economias semi-integradas a que se referia Fernando Henrique Cardoso.

Durante todo seu trabalho antigo, ele afirmava que concordava com Lenin, no seu livro O Imperialismo, sobre as conseqüências dessas relações internacionais, de dominação e de espoliação, que ele agora, infelizmente, parece concordar e aplaude.

Naquele trabalho, Fernando Henrique Cardoso fala do antiestado nacional periférico, que havia um antiestado dentro do Estado brasileiro. Um Estado voltado aos interesses externos, um Estado-ponte, um Estado-reflexo, um Estado que aqui visava apenas facilitar esse processo de inserção da economia nacional como vítima das relações internacionais.

Mas não se trata apenas da perigosa Lei de Patentes, que vai transformar o potencial da economia brasileira, da fauna, da flora brasileira, patenteando a vida e transformando, mais uma vez, não apenas os remédios tão próximos da vida, mas a própria vida em mercadorias que serão detidas monopoliticamente pelas patentes, porque sobre elas incidirão a grande tecnologia e o saber dos norte-americanos.

A tecnologia nunca foi neutra, mas agora, no mundo moderno, em que os Estados Unidos gastam e financiam 68% das pesquisas feitas ali, em que estes gastos em R & D - Research and Development, pesquisa e desenvolvimento - feitos pelos Estados Unidos correspondem a quatro vezes o orçamento da França, sabemos que a dominação tecnológica que nos espera, se aprovarmos esta Lei de Patentes, será realmente completa e total.

Não apenas a Lei de Patentes foi objeto das conversas, das discussões que tão simpaticamente entretiveram o nosso Presidente da República em diversos idiomas que aprendeu no exílio e com os quais conviveu e convive com tanta familiaridade. Antes de partir para os Estados Unidos, o Senhor Fernando Henrique Cardoso afirmou que iria tratar da questão do FMI, que iria propor uma reforma no FMI, pois o FMI é uma instituição que, ao completar 50 anos de idade, já havia apresentado sintomas inequívocos de caducidade.

Ao invés de propor - como o fizeram 32 ONGs há poucos meses em Nova Iorque, em junho, ao comemorar os 50 anos de existência e de fundação desta entidade -, ao invés de propor, repito, a extinção do FMI e do Banco Mundial - organismos que já demonstraram, à exaustão, que dirigem suas políticas sempre em detrimento, sempre em sentido oposto aos interesses das economias brasileira e latina-americana de modo geral -, ao invés disso, o Senhor Fernando Henrique Cardoso, um dos mais acerbos críticos do FMI nos anos 50, defensor da ideologia e dos princípios da CEPAL que se confrontavam com os do FMI naquela ocasião, membro intelectual da CEPAL, o Senhor Fernando Henrique Cardoso agora propõe a mudança para que o FMI tenha mais forças, revitalize-se e passe esse Fundo Monetário Internacional a 200 bilhões de dólares. Isso significa o seguinte: depois da experiência do México, onde 40 bilhões de dólares foram injetados para tentar salvar aquela economia completamente caótica, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao invés de propor a extinção do FMI, propõe que o mesmo seja fortalecido com sangue novo e com novos recursos, porque a Argentina, o Brasil, a Bolívia e outros países precisarão desses recursos para poderem sobreviver às contradições, às incongruências e à impossibilidade de estabilização do plano que nos foi imposto pelo próprio FMI.

Portanto, nós, que tanto admiramos o Presidente Fernando Henrique Cardoso - vemos que Sua Excelência acumulou, como nenhum outro Presidente da República neste País, qualidades e potencialidades que o tornariam um Presidente singular -, com muita tristeza, vemos que Sua Excelência realiza essa viagem num momento de turbulência, sem levar consigo, através de sua postura reconhecidamente séria, de um intelectual reconhecidamente sério, as preocupações do momento e as angústias da sociedade brasileira. Ao contrário, Sua Excelência fortalece aquelas relações internacionais em que o Brasil está se inserindo de uma maneira perigosa e fatal para grande parte de sua população.

Percebemos neste momento que o Senhor Fernando Henrique Cardoso sabia como muito poucos que uma economia como a brasileira e todas as economias exploradas no mundo...

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Vou ouvi-lo com muito prazer. Peço-lhe apenas que aguarde o término dessa colocação, que acredito ser importante.

As relações entre o centro e a periferia, as relações entre as matrizes européias e as antigas colônias sempre se manifestaram como superávit comercial das colônias em relação às matrizes. Sempre exportamos mais do que importamos. Esta é a nossa história desde as exportações de pau-brasil, de açúcar, de ouro e de todas as nossas riquezas que foram sendo exauridas ao longo do tempo.

Assim é que as relações de exploração internacional colocaram, até a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra como deficitária na balança comercial, e os Estados Unidos apresentam déficits permanentes e crescentes desde 1971, déficits esses que mostram que os Estados Unidos estão se apropriando de riqueza líquida do exterior numa magnitude de 150 bilhões de dólares por ano.

O Brasil conseguiu uma situação de déficit externo, não devido a sua força internacional, mas de uma farsa que valorizou o real, colocando-o a uma taxa acima do próprio dólar. Conseguiu esse déficit através da abertura dos portos às nações amigas, abolindo os impostos sobre importações, o que veio a favorecer, obviamente, as classes abastadas do Brasil, importadoras de carros e artigos de luxo, sobre os quais já não pesava nenhum imposto.

Assim sendo, o Brasil conseguiu essa pressão sobre os preços internos através de uma importação feita com reservas artificialmente acumuladas - 43 bilhões de reservas em um país que deve 120 ou 150 bilhões de dólares, ninguém sabe ao certo o montante real de sua dívida externa -, que estão escoando rapidamente. Vemos que, logo depois das eleições, os déficits foram se tornando cada vez maiores, ultrapassando a casa de um bilhão de dólares no último mês de dezembro.

Estamos receosos de que as nossas reservas se escoariam e não respeitariam qualquer comando do Banco Central ou das autoridades econômico-financeiras do País. Essas reservas duramente acumuladas, através da exportação e da fome crescente do povo brasileiro, essas reservas artificiais se escoariam rapidamente.

Então, o Governo muda de fala e as autoridades governamentais que vêm ao Senado afirmam que, agora, o Brasil quer transformar o seu déficit comercial em superávit comercial. Voltamos agora à velha e secular trilha, que nos obriga a exportar acima do valor de nossas importações e a transferirmos riqueza real para o exterior.

É tão importante a palavra, o significado e o significante delas, que Maurice Dobb, na pág. 137 de seu livro Evolução do Capitalismo, da Abril Editora, afirma que deveríamos chamar o déficit comercial de superávit de importações, porque tal palavra mostra com muito mais felicidade a posição vantajosa daqueles países que conseguem manter, ao longo do tempo, superávits de importações, importando e, portanto, se apropriando e se assenhoreando de riquezas num volume muito superior ao das riquezas exportadas.

E o Brasil, que sempre foi um contumaz e eterno exportador líquido de riqueza, ao invés de ter reservas externas, é um devedor internacional. Quem vende mais do que compra deveria ser credor e não devedor, como o Brasil é ao FMI e aos bancos mundiais. Portanto, somos explorados quando temos superávit na balança comercial e somos explorados, de novo, quando pagamos os serviços aos bancos, serviços estes que deveriam ser pagos ao Brasil, porque quem vende mais do que compra deve ser credor e não devedor internacional.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com prazer, ouço V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Senador Lauro Campos, a Mesa informa que V. Exª ainda dispõe de 5 minutos.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Lauro Campos, agradeço a V. Exª pela oportunidade que me dá de participar do seu discurso, dizendo inicialmente que ouço com todo respeito, como sempre, a palavra séria de V. Exª e suas manifestações de preocupação com o nosso País e com a nossa sociedade. Por isso, estou interrompendo a sua exposição para pedir que me esclareça duas dúvidas suscitadas à medida que o ouvia. V. Exª dizia inicialmente que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não havia levado para os Estados Unidos as preocupações com o sofrimento do povo brasileiro, com o drama das populações mais humildes que ele governa. Gostaria de perguntar a V. Exª de que maneira o Presidente Fernando Henrique Cardoso poderia demonstrar aos brasileiros que estava levando para os Estados Unidos preocupações além daquelas que são as de todos os dias, dele e de todos os brasileiros de responsabilidade. De que maneira Sua Excelência demonstrou estar despido dessas preocupações? Terá sido porque não chegou para o Presidente Clinton com a cuia na mão a pedir dinheiro, socorro, auxílio e proteção? Se foi, permita-me discordar de V. Exª, e, nesse caso, melhor seria que não fizesse uma viagem dessas, com o intuito de submeter o País à semelhante humilhação. O segundo ponto relaciona-se à análise de V. Exª da situação dos países exportadores e importadores. É claro que os países, como as pessoas, se pudessem comprar mais do que têm possibilidade de pagar, transfeririam para dentro de casa renda que não precisariam gerar. Quem exporta, sistemática e cronicamente, menos do que importa, realmente está levando vantagem, porque está trazendo de fora para dentro riquezas produzidas fora, com o esforço dos outros países. A questão, Senador, é que os fornecedores querem receber. Se os Estados Unidos conseguem manter uma situação de déficit crônico, gerenciam isso com seu poder e com o tamanho de seu mercado e da sua riqueza. Não temos ao nosso lado os mesmos instrumentos. Sinceramente, não sei como poderíamos fazer isso. Peço desculpas a V. Exª por ter interrompido sua exposição, mas espero ter contribuído para aclarar a dúvida ficou em mim e que deve ter surgido em outros dos seus ouvintes.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte construtivo de V. Exª. Gostaria de esclarecer que realmente os países não entram em relações resultantes de suas vontades. O que se verifica é que aquela espoliação crônica que data do início da nossa colonização vai-se aprofundando e diversificando. Antes, era apenas o capital mercantil que vinha aqui com naus portuguesas carregadas de pedras e voltavam cheias de riquezas.

A primeira expedição de Vasco da Gama à Índia regressou a Lisboa em 1499 com uma carga que pagava sessenta vezes o custo da expedição. E na Inglaterra, nessa ocasião, a viagem do Golden Hind levou àquele país entre quinhentos milhões e um bilhão e quinhentos milhões de libras esterlinas, após uma viagem que custou cerca de cinco mil libras esterlinas apenas.

Esse é um processo antigo de espoliação, que continua até nossos tempos, e que Fernando Henrique Cardoso apontou e criticou em seu livro Formação Econômica Brasileira. É a isto que ele, secundando e apoiando Lenin, chama da nova fase do capitalismo, da fase imperialista, em que o capital financeiro domina as duas formas anteriores de capital, a comercial e a industrial, para fazer um processo mais completo de espoliação. Era isso que ele criticava e, agora, vai aos Estados Unidos e, ao invés de reforçar a sua crítica contra o órgão que representa esse execrável capital financeiro internacional, que é o FMI, vai pedir-lhe mais recursos, para que aquela instituição possa nos socorrer num futuro que talvez seja próximo.

Como o meu tempo está esgotado, gostaria de dizer que realmente o que acontece na Bolívia, o que aconteceu e está acontecendo no México é apenas a objetivação daquilo que, em 1972, uma corajosa economista, egressa do Fundo Monetário Internacional, escreveu que iria ocorrer na América Latina. Sheryl Payer, no seu livro intitulado The Debt Trap, Armadilha da Dívida Internacional, traduzido depois para o português, avisava, tal como o ex-Secretário de Finanças da Inglaterra, Lord Lever, que essa forma de endividamento externo iria trazer para a América Latina uma comoção social e que dela só poderia resultar, portanto, esses fatos desagradáveis que se verificam no México e que se repetem agora com a prisão de mais de trezentos líderes sindicais na Bolívia.

A própria direita norte-americana afirmou claramente "que a maneira pela qual os Estados Unidos estão cobrando a dívida externa na América Latina está levando à destruição da classe média e essa destruição da classe média criará uma situação prestes a explodir diante da segurança nacional dos Estados Unidos". 

De modo que, as nossas perturbações, os nossos incômodos devem ser também os incômodos dos banqueiros que nos emprestaram a juros de 21,5% a.a. e que acabaram matando a galinha dos ovos de ouro.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Comunico a V. Exª que o seu tempo já está esgotado há alguns minutos.

O SR. LAURO CAMPOS - Já vou terminar, Sr. Presidente.

É essa situação que apresentamos como positiva diante dos Estados Unidos e de seu governo. É essa situação em que nos encontramos e que foi, ao que me parece, posta de forma bastante obnubilada, obscurecida pelas relações do ilustre Presidente, o invejável, o intelectual, Fernando Henrique Cardoso, no cumprimento de sua tortuosa missão aos Estados Unidos.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/04/1995 - Página 6100