Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O PAPEL HISTORICO DO SENADO FEDERAL, FRENTE AS REFORMAS DA CONSTITUIÇÃO.

Autor
José Roberto Arruda (PP - Partido Progressista/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • REFLEXÕES SOBRE O PAPEL HISTORICO DO SENADO FEDERAL, FRENTE AS REFORMAS DA CONSTITUIÇÃO.
Aparteantes
Elcio Alvares, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 20/04/1995 - Página 5741
Assunto
Outros > SENADO. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, SENADO, NECESSIDADE, ENTENDIMENTO, DEMOCRACIA, OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, DESENVOLVIMENTO, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, PLANO, REAL, GRUPO, INDUÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AGRESSÃO, ESTABILIDADE, FINANÇAS, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, BRASIL.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, ESTADO, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, SOCIEDADE, INICIATIVA PRIVADA, INDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, REFORÇO, ESTADO DEMOCRATICO, REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PROMOÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PP-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna com o respeito que ela merece.

Desde maio de 1826, o Senado e o Brasil ouvem vozes que, desta tribuna, no Império e na República, têm dado as mais importantes contribuições ao processo histórico da construção nacional.

O Senado, integrado paritariamente por todas as Unidades da Federação, é, por isso mesmo, o legítimo intérprete do princípio federativo.

É aqui, portanto, que a vontade nacional se expressa, pois nesta Casa não existe distinção entre representantes de Estados ricos e pobres, com maior ou menor área, mais ou menos desenvolvidos, Estados com maior ou menor peso político ou eleitoral.

Daí a importância do seu papel revisor de decisões da Câmara dos Deputados, onde aquelas diferenças estão presentes e podem balizar discussões e votações.

Exatamente por ser o símbolo maior do princípio federativo é que a missão do Senado não se esgota na responsabilidade do voto. Ao contrário, seu papel tem sido, historicamente, o de refletir sobre as grandes questões nacionais, pensar alternativas para os momentos de crise, discutir e propor as transformações que modelam os destinos da Nação brasileira.

O Senado, nesses 170 anos de História, tem honrado essa missão.

Da Crise da Maioridade às lutas abolicionistas, das conspirações federalistas à fermentação do espírito republicano, da agitação do Movimento Tenentista à configuração do Estado que gerou o Brasil moderno, das lutas populares pela preservação das nossas riquezas minerais até as memoráveis mobilizações de rua que levaram ao fim do regime militar e à recuperação das liberdades democráticas - jamais esta Casa se omitiu ou fugiu às suas responsabilidades perante o País.

Dessas constatações históricas nasce naturalmente uma reflexão. Todas as vezes em que se buscou alcançar avanços nas idéias de liberdade e autonomia do povo brasileiro, houve união dos segmentos mais expressivos da consciência política nacional.

Nos momentos de construção do Estado democrático, essa união se fez presente. Testada nas ocasiões de crise institucional, a convergência dos ideais democráticos marcou a sua posição. Enfim, quando se tratou de construir o Estado democrático de direito, ou de resgatá-lo, de aprimorá-lo, de manter as suas conquistas, ou de evitar riscos de retrocessos políticos ou institucionais, o Brasil assistiu à união da classe política representativa em torno das suas convergências.

Mas agora vivemos um momento singular de nossa história. As instituições democráticas, amadurecidas pelas lições desses pouco mais de cem anos de República e fortalecidas pelas experiências da última década, quando conviveram com as mais profundas esperanças e frustrações do povo brasileiro - da Campanha das Diretas à morte de Tancredo, do processo constituinte às eleições que se seguiram ao impeachment presidencial - as instituições democráticas brasileiras, repito, afirmaram-se como pilares da consciência cívica nacional.

A nossa democracia, forte, não escondeu as suas mazelas e nem evitou ser questionada. Ao contrário, teve a coragem de mostrar as suas vísceras, de expor-se, nua, às críticas da sociedade, de revelar seus defeitos, vícios e fraquezas - e nesse processo, desgastante e profícuo, consolidou-se, não como conceito estático, mas, ao contrário, como conquista de todos que devem estar em constante aprimoramento.

Ao expor suas vulnerabilidades e afirmar-se no processo continuado de crítica e autocrítica, o Estado democrático brasileiro fortaleceu-se e criou as raízes mais profundas na consciência coletiva nacional. E é justamente por isso que vivemos um momento singular.

Sem riscos para as instituições democráticas, o grande desafio da nossa geração não é mais a união para salvar a democracia, como em momentos importantes da nossa história.

Há um outro desafio. Trata-se de buscar as nossas convergências para, a partir do Estado democrático, construir um novo tempo de desenvolvimento e de justiça social para o País.

O regime democrático, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nós já temos. Mas o regime democrático não é um fim em si mesmo. A democracia, com todas as suas imperfeições, consolidou-se entre nós como regime mais adequado, porque se constitui em instrumento de representação da vontade nacional e de defesa dos interesses da sociedade.

A nossa responsabilidade - e nosso maior desafio, reitero -, é, a partir da consolidação das instituições democráticas, construir um caminho que nos liberte das desigualdades sociais e de um quadro de miséria, incompatível com qualquer padrão de dignidade humana.

Temos hoje, no Brasil, uma estranha democracia, que nega alimento a quem tem fome; temos uma singular cidadania, que nega abrigo a quem não tem onde morar; temos um Estado de Direito que exclui 30 milhões de seres humanos e que lhes nega educação básica, assistência primária e até o direito mais elementar do homem - o de ter esperança.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se somos vitoriosos porque construímos um Estado democrático que nos deu, inclusive, o nosso mandado, lamentavelmente não temos sido capazes de cumprir bem esse mandato, vez que fracassamos na missão maior de dar resposta adequada aos desafios impostos pela infeliz paisagem brasileira de contrastes e de injustiças sociais.

Desigualdades e contrastes sempre existirão. Os homens, feitos iguais em dignidade e espírito, são por natureza desiguais em formas e talentos, capacidade e aspirações.

Mas o que não se pode admitir é que as desigualdades alarguem-se a partir de variáveis econômicas e sociais e sejam tão agudas como ocorre entre nós, ferindo a dignidade humana.

Volto à idéia do nosso maior desafio.

Não se trata mais de união da classe política brasileira para defender a democracia.

Trata-se, agora, de buscar as nossas convergências, as convergências programáticas, as convergências entre ideologias e partidos políticos, para construir, a partir do Estado Democrático, os pilares de um novo tempo, de desenvolvimento e de diminuição gradativa dos contrastes e das desigualdades.

E por que essa reflexão? Primeiro, porque a sociedade brasileira exige isso de seus representantes. Segundo, porque temos, além de clima de liberdade e de democracia, um processo de estabilização econômica que, se não nos tranqüiliza em definitivo, ao menos nos dá base estável para um encontro e a discussão de nossas idéias e nossos ideais.

Os números falam melhor do que qualquer palavra sobre o êxito do Plano Real. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, a inflação acumulada do primeiro trimestre deste ano foi de 3,68%, o mais baixo índice dos últimos 25 anos. Não é só isso. No último meio século, em apenas seis vezes, a inflação acumulada do primeiro trimestre de cada ano foi menor do que a de 1995. E todas ocorreram antes de 1960. Mais ainda, o Produto Interno Bruto cresceu 5,7% em 1994, e estima-se em US$15 bilhões o imposto inflacionário que foi deslocado dos bancos e do Governo para a população de baixa renda.

Mas o Plano Real tem que ter continuidade, para não assistirmos à volta da inflação descontrolada e à desmoralização de mais uma moeda. A continuidade da estabilização econômica pode ser mais um ponto de convergência das diversas correntes políticas. Mas há grupos articulados que apostam no atraso, que defendem privilégios, que não querem uma moeda forte e estável. São esses grupos que levam as pessoas às ruas para manifestações que, com facilidade, transformam-se em baderna, em desrespeito, em ataques frontais ao Plano Real e à própria consciência crítica da sociedade brasileira.

Não devemos nos iludir. A vitória contra a inflação ainda não está assegurada. Há um longo caminho pela frente na construção de uma economia permanentemente estável. Para atingirmos esse objetivo, são necessárias reformas estruturais: reforma do Estado, reformas políticas, reforma da Constituição.

Esse conjunto de mudanças pode garantir aquele objetivo, que é permanente. As reformas são a única maneira de edificarmos uma Nação onde haja menos sofrimento, menos desigualdades, onde haja estabilidade da moeda, haja crescimento que gere desenvolvimento e, enfim, se alcance realmente melhor distribuição social de renda.

Qual a sociedade que desejamos? Qual o papel do Estado nessa nova sociedade?

Em torno dessas questões podemos reunir os mais diversos pensamentos políticos, se imbuídos do propósito comum de dar impulso ao processo de crescimento econômico e de realização do bem de todos.

O que me anima e motiva a propor essas reflexões são as idéias lançadas, Sr. Presidente, desta mesma tribuna, por líderes políticos de diferentes matizes ideológicos, de diferentes histórias de vida, mas de inegável amor ao Brasil.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, fez, entre outras importantes reflexões, a seguinte: "O Brasil tem pressa, não de resultados milagrosos, mas de sentir que tem rumo certo e que dá passos nesse rumo. O Brasil precisa tanto de mudanças como de continuidade. Precisa de continuidade nas mudanças". Mas mudanças que não significam imposição, como ele próprio assinalou: "A política democrática deve ser uma forma de convivência civilizada: a arte de transformar a sociedade acreditando nas próprias razões, mas ouvindo as razões do outro e medindo as conseqüências dos próprios atos. Porque o modo democrático de mudança significa também mudança das consciências através do convencimento. E este, quando não é imposição disfarçada, é um processo de esclarecimento recíproco que supõe a possibilidade tanto de convencer como de ser convencido".

O Presidente Fernando Henrique disse ainda, defendendo a desconstitucionalização, que "o detalhismo da Carta de 88 (da qual foi signatário) teve o efeito indesejado de despolitizar questões, de tribunalizar decisões, mostrando que matérias próprias de lei ordinária ou de programa de Governo, uma vez congeladas na Constituição, ficam excluídas do processo político, engessam os governos, sejam eles quais forem, diminuem o poder político de decisão do Congresso Nacional e trazem o Judiciário para arbitrar questões cujo fórum de decisão, ao contrário, deveria ser o Parlamento".

O Estado que desejamos foi sintetizado há dias, também desta tribuna, com rara felicidade, pelo Senador Geraldo Melo, que defendeu "o Estado em que o cidadão seja o verdadeiro patrão, em que a relação do soberano com o súdito não exista, em que o soberano seja o cidadão". "Respeitemos a esperança que se reacendeu no coração do povo brasileiro", conclamou o Senador Geraldo Melo, para defender a seguir a união de todas as correntes políticas no esforço pela construção de um novo País.

Quanto à urgente necessidade de promovermos as mudanças estruturais de que o Brasil depende, quem a definiu foi o Senador Roberto Freire, com a indiscutível autoridade de um passado de lutas em defesa dos mais legítimos interesses nacionais. Disse S. Exª: "Colocar-se em trincheira contrária ao processo de reformas, obstruindo-as a qualquer custo ou meramente reagindo, antes de um erro político, é arremeter-se contra a sociedade que já se decidiu pelas reformas. E acrescentou o nobre Senador: "Se não participarmos positivamente das reformas em marcha, elas ocorrerão. E, o que é pior, talvez desconhecendo nossas principais bandeiras. A hora não é de ampliar o campo de adversários, é de aprofundar as divergências".

O Vice-Presidente e ex-Senador Marco Maciel, em recente pronunciamento, disse: "Nós, brasileiros, temos dois motores: a democracia e o desenvolvimento. Já temos a democracia, que deve ser colocada a serviço do desenvolvimento. Por isso, Juscelino Kubitschek marcou seu período de governo, porque se pautou por esses dois vetores".

O Senador Pedro Simon, num discurso denso e bem-humorado, afirmou também desta tribuna: "Deveríamos nos reunir para colaborar nessa hora difícil que estamos vivendo. O que digo é que todos deveriam se reunir, pois, se Fernando Henrique Cardoso der certo agora, o Brasil dará certo; se o Governo der certo agora, nós daremos certo. O que não aceito é que ninguém tenha um projeto mais importante do que o Projeto Brasil". O Senador Pedro Simon também fez enérgica condenação aos atos de violência em manifestações de rua contrárias às reformas, dizendo que elas "não são contra o Presidente da República, mas contra a sociedade, contra a democracia". Há momento para tudo na vida - disse o nobre Senador. Desde 1964 vamos à rua gritando e berrando, mas agora estamos vivendo um momento em que deveríamos estar debatendo em mesa redonda, discutindo, convocando Ministro, convocando Presidente, convocando Senador, discutindo e debatendo as teses contra e a favor".

Conclamação no mesmo sentido do debate das divergências para o encontro das convergências foi feita pelo Senador Jader Barbalho, ao afirmar que "no regime democrático, que é o regime do pluralismo, quem discorda das reformas que apresente, que dê sua contribuição, que divirja. O que não é possível é criar-se um clima artificial de instabilidade política para o País e para a sociedade brasileira. A reforma constitucional não pode ser tratada como matéria para um governo. Uma reforma constitucional é para a sociedade, com vistas ao futuro. Não imaginamos fazer uma reforma constitucional para quatro anos, e sim para os próximos quarenta anos.

O Senador Antonio Carlos Magalhães, ao defender as reformas, disse que "há uma compreensão do povo brasileiro para essas reformas; e do Poder Legislativo, para reformar. Tenho certeza de que os Líderes, as Srªs e os Srs. Senadores estarão inteiramente dentro dessa mentalidade - que é nova no Brasil - de um entendimento feito em outros termos que não os do passado, para que o País encontre o rumo certo e o Presidente Fernando Henrique Cardoso possa realizar uma administração eficiente".

Várias foram as vozes, Sr. Presidente, que desta tribuna convergiram em pontos de vistas para o País, embora tivessem histórias de vida e ideologias diferentes.

O Senado Federal, que reúne esses sinais claros de convergência entre contrários, abriga hoje as maiores expressões políticas deste País: ex-Presidente da República, ex-Ministros, ex-Governadores, professores, estudiosos, pensadores. E falo com a tranqüilidade de ser a exceção que confirma a regra; mais ainda, com a exata dimensão do privilégio desse convívio.

Este Senado, ponto máximo do conceito de federalismo e expressão maior do somatório das vidas públicas brasileiras - não há dúvida - tem agora o desafio de, talvez pela primeira vez na história republicana, reunir essas convergências. Não mais para salvar ou buscar a democracia, mas para de forma mais rápida fazer da democracia o instrumento de modificação da nossa realidade social.

As convergências não aparecem apenas nos conceitos, mas também em idéias que podem compor esse projeto de País. Buscam-se formas de um capital privado ser indutor do crescimento em áreas economicamente produtivas e rentáveis, mas deseja-se um Estado, ao mesmo tempo que menor, mais forte e melhor aparelhado para cumprir sua missão reguladora e fiscalizadora, em nome da sociedade, da prestação de serviços considerados como públicos.

Tem-se consciência de que a necessidade de investimento de R$20 bilhões por ano em áreas como Energia, Transporte e Comunicação não pode prescindir da atração de capitais privados, mas há também a certeza de que as regras têm que ser claras e não se pode, a pretexto desses investimentos, dilapidar o patrimônio público.

Deseja-se que o Governo possa fazer menos usinas hidrelétricas e mais escolas. Deseja-se a continuidade do processo de estabilização econômica como base para um modelo de desenvolvimento sustentado, mas deseja-se, ao mesmo tempo, que haja mecanismos que garantam uma melhor e mais farta distribuição dos resultados positivos desse desenvolvimento.

Foge-se do Estado paternalista, mas exige-se o Estado regulador.

Enfim, parece estar sendo delineado, a partir das divergências, debates e discussões - essência do Poder Legislativo -, o perfil de sociedade que se deseja construir. Aparece, nesses contornos, o desenho do papel do Estado.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Elcio Alvares - Nobre Senador José Roberto Arruda, em primeiro lugar, é grande a alegria por vê-lo na tribuna, no seu discurso vestibular que deixa, logo nos primeiros momentos, a certeza de que V. Exª, com muito brilhantismo, vai representar o Distrito Federal. Quero registrar que o Distrito Federal tem sido, realmente, bastante importante na composição dos quadros do Senado. V. Exª encontrou aqui um Senador que, durante quatro anos, deu também ao Distrito Federal o luzimento de sua inteligência: o Senador Valmir Campelo honrou, de todos os modos, meios e forma essa representação, que considero fundamental em se tratando, exatamente, da Capital do País. V. Exª, hoje, nos honra muito, participando da Liderança do Governo. Jovem, brilhante, cheio de idéias, traz já um acervo magnífico de vida pública e, por certo, neste momento, conforme falei, vai-se juntar aqui ao Senador Valmir Campelo para continuar uma luta indormida em favor do Distrito Federal. Recebemos, com todo aplauso, o primeiro pronunciamento de V. Exª. Por outro lado, é mister ressaltar a importância do seu pronunciamento com uma característica que considero muito relevante na vida política, a da observação, a de convergência de idéias para aquilo que seja o ideal construtivo. V. Exª busca, exatamente, em pronunciamentos outros, a moldura exemplar de sua oração. Senador José Roberto Arruda, neste instante, V. Exª está a inaugurar de maneira oficial sua participação no grande debate desta Casa, mas nós, que estamos acompanhando de perto seus primeiros passos, não temos dúvida em afirmar que V. Exª hoje, dando já essa demonstração de Parlamentar altamente preocupado com o desenvolvimento da economia brasileira, da grande política nacional, vai engalanar muito bem a moldura daqueles que vão fazer aqui o grande relevo do Distrito Federal, que, conforme já afirmei, encontra um precedente altamente honroso na pessoa do nosso querido Líder e grande amigo Valmir Campelo. Parabéns pelo seu primeiro discurso!

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado.

Todos sabem que tenho aprendido muito nesta Casa com o Senador Elcio Alvares e com o Senador Valmir Campelo.

Gostaria, Sr. Presidente e Srs. Senadores, de dizer mais: que essas concordâncias que recolho da minha observação, aqui no Senado Federal, na verdade, refletem consensos que vão-se formando no seio da sociedade brasileira; e aí também não é um movimento isolado, porque encontra paralelos em experiências vividas em vários outros países, que colocaram em prática pontos convergentes das doutrinas social, democrata e liberal. Na verdade, foi a junção desses pontos que elegeu Fernando Henrique Cardoso Presidente da República; mas sua vitória foi mais que a eleição de um homem, foi a eleição de um projeto para o País.

Em recente entrevista a um jornal francês, o Presidente François Mitterrand, numa autocrítica lúcida e desprendida, disse que fez várias propostas de reforma da constituição francesa buscando simplificá-la sem sucesso, e elogiou os ingleses, porque, consuetudinários, não aprisionam a vida num escrito e têm a sabedoria de extrair dos costumes suas leis.

O Sr. Valmir Campelo - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador José Roberto Arruda?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com muito prazer.

O Sr. Valmir Campelo - Nobre Senador, estou muito feliz de ver um amigo e companheiro estreando oficialmente nesta tribuna. V. Exª, pelo discurso brilhante e profundo que hoje registra aqui, demonstra sua sabedoria e competência pelas anotações colhidas durante seus primeiros dias no Senado Federal. Eu não poderia, nesta oportunidade, deixar de agradecer a esse velho companheiro e amigo, Senador Elcio Alvares, pelos elogios que nos tece e pela maneira cortês que sempre dispensou a todos. Manifesto, acima de tudo, minha admiração pelo pronunciamento de V. Exª. Para mim não é surpresa. Conheço-o de muitos anos e sei do seu trabalho profícuo no Distrito Federal, além de todos os cargos exercidos, como diretor de departamento, chefe de gabinete, secretário de estado, coordenador do metrô no DF. V. Exª sempre foi um técnico, mas um técnico político, voltado para os problemas da nossa comunidade. Tenho absoluta certeza de que Brasília ganhou, elegendo-o, e que V. Exª não é exceção neste Senado. Aqui, temos um ex-presidente da República, ex-governadores, políticos, cientistas, mas também nós temos V. Exª, que, apesar de muito jovem, vem somar com os seus ensinamentos para o desenvolvimento e progresso da nossa Nação. Felicito-o pelo seu pronunciamento.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado, Senador.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Quero advertir que V. Exª dispõe apenas de dois minutos para encerrar o seu discurso.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Sr. Presidente, Srªs e Srs.. Senadores, este consenso que se forma no Senado é também o consenso que se forma no mundo moderno. O mais importante é que esse consenso não nasce agora, trata-se de movimento de experiências e idéias que já tinham, há muitos anos, seus intérpretes.

Vale citar, Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal, Srªs e Srs.. Senadores, o grande tribuno Carlos Lacerda. Dizia ele que,

      doutrinariamente, o Brasil não pode se prender pelas tenazes aguçadas que, com anacronismo e falta de senso da realidade mundial contemporânea, pretendem escravizar homens e partidos aos falsos dilemas do estatismo ou da iniciativa privada. Esse dilema é como um timbó doutrinário que se lança às águas para paralisar as vontades e a consciência das forças políticas e dos seus homens decisivos.

O interessante é que ele dizia isso em 1957, há quase quarenta anos.

Já estavam, àquela época, sendo sepultados o maniqueísmo político e econômico e o sectarismo nascido da leitura dogmática das teorias políticas clássicas.

Já era tempo de busca de convergências, tempo este que agora se impõe pela compreensão dos problemas brasileiros e por exigência da sociedade.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Pois não, nobre Senadora, com muito prazer.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador, o tempo de V. Exª está esgotado. Temos vários oradores inscritos e solicitamos a V. Exª que não permita mais apartes.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Pois não, Sr. Presidente.

O SR. PEDRO SIMON - Eu gostaria que pelo menos fossem destacadas as pessoas que gostariam de dar o aparte. Eu sou um deles.

A Srª Júnia Marise - Sr. Presidente, o Senador José Roberto Arruda já havia me concedido o aparte.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Lembro ao Plenário que a posição da Mesa é apenas de cumprir o Regimento, delegação que me foi dada pelo próprio Plenário, uma vez que temos vários oradores inscritos como líderes e ainda há oradores que normalmente se inscrevem para a sessão, que já são prejudicados por aqueles que pediram a palavra pela liderança.

Assim, a Mesa mantêm o princípio que tem mantido para com todos. De maneira que peço essa compreensão do Plenário e desconto do seu tempo dois minutos pela interrupção.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço aos Senadores que fizeram seus apartes e aqueles outros que marcaram sua intenção de fazê-lo.

Sr. Presidente, ao concluir minhas palavras, gostaria de acrescentar uma última reflexão, resultado de minha observação e da minha experiência de vida.

No País que desejamos construir - ao nível de idéias - todos queremos diminuir desigualdades e contrastes.

A construção de Brasília, nos anos 50, mais que ser uma cidade projetada como capital, tinha o objetivo de interiorizar o desenvolvimento nacional, diminuindo os contrastes de um País que, à época, era litorâneo.

Até os anos 50, o Brasil concentrava-se, em termos demográficos, econômicos e políticos, no litoral.

Vivíamos, os brasileiros, voltados para o Oceano Atlântico, como que ainda vendo no horizonte os navios da metrópole que voltavam, depois do processo de colonização, ou os navios negreiros, que não vinham mais.

Com Brasília, olhamos para o nosso próprio território. A construção de Brasília, das estradas e das usinas hidrelétricas, iniciou o processo de interiorização do nosso desenvolvimento.

Àquela época, era comum o brasileiro humilde do interior copiar, nos muros das casas, as colunas do Palácio da Alvorada, como a representar o orgulho do poder de realização coletiva de um povo, o otimismo de um País que crescia, mostrava a sua cultura, a sua arte, a sua inteligência e a sua raça nos campos de futebol, nos congressos internacionais, na música, nos palcos, na poesia.

Era época de afirmação da nacionalidade.

A visão preconceituosa que ainda pesa sobre Brasília pode nascer de não ter cumprido, ainda, o seu verdadeiro destino - qual seja, o de ser pólo de desenvolvimento da região Centro-Oeste.

Consolidada como Capital, é fundamental resgatá-la como centro de gravidade de uma região que tem solo fértil, água abundante, nenhum acidente climático, baixa densidade demográfica, estradas prontas, ou seja, todas as bases para um desenvolvimento auto-sustentado.

Há que se resgatar Brasília, e as colunas do Alvorada, como símbolos do orgulho e da confiança de todo um povo em sua capacidade de construir uma sociedade melhor.

No projeto de País que pode nascer das convergências das mais expressivas liderança políticas nacionais, há que se ter em mente um modelo de desenvolvimento nacional - partido aqui do Senado, personificação do federalismo - que diminua diferenças regionais, que priorize investimentos e oportunidades nas regiões mais pobres, diminuindo as correntes migratórias que não só cercam de miséria as grandes cidades como destroem as raízes da nossa identidade cultural. Um modelo de desenvolvimento regional que integre o nosso território, que preserve nossas riquezas e nosso meio-ambiente, que melhore o desenho do nosso mapa demográfico e econômico, que tenha orgulho do Cerrado e do Sertão, tão belos e tão produtivos como os campos e vales do Sul-sudeste, e tão sofridos quanto o Agreste, a Caatinga e a Floresta Amazônica. Mas, ao mesmo tempo, um modelo que resgate a dívida que todo o País tem para com regiões que permanecem marginalizadas no processo de desenvolvimento - como o Norte e o Nordeste.

Espero ter contribuído aqui para o debate maior - o da busca das nossas convergências para a construção, a partir do estado democrático, de um País melhor.

O Senado, legítimo intérprete da vontade do País, é o fórum próprio para a promoção desse debate que, espero, seja a base do desenvolvimento nacional, que só será efetivo se entendido como o desenvolvimento pleno de cada brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sonho com o dia em que esse projeto de País, construído por todos nós, resgate a verdadeira significação de Brasília, que não foi feita para ser aquela cidade "bonitinha" capital do País. Muito mais do que isso, foi o símbolo maior da interiorização do desenvolvimento nacional e há que ser resgatada com esse objetivo no modelo de desenvolvimento regional que privilegie as regiões mais pobres, como o Centro-Oeste brasileiro, e que desafogue o Sul e o Sudeste desse desenvolvimento concentrado que não lhe faz bem.

A todos, muito obrigado pela atenção. Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua compreensão.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 20/04/1995 - Página 5741