Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A INTERFERENCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA NA APRECIAÇÃO DA LEI DE PATENTES. COMENTARIOS SOBRE A DISCUSSÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 115, DE 1993, NA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A INTERFERENCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA NA APRECIAÇÃO DA LEI DE PATENTES. COMENTARIOS SOBRE A DISCUSSÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 115, DE 1993, NA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/04/1995 - Página 6325
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, INTERFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IMPOSIÇÃO, BRASIL, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, INDEPENDENCIA, LEGISLATIVO, EXERCICIO, COMPETENCIA, DELIBERAÇÃO, MATERIA.
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, RATIFICAÇÃO, TEXTO, PROTOCOLO, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, EMENDA, PRORROGAÇÃO, ACORDO, COOPERAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, DEBATE, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, AUSENCIA, ACEITAÇÃO, SUBORDINAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania prosseguiu, na manhã de hoje, na discussão do Projeto de Lei da Câmara nº 115, de 1993, que dispõe sobre os direitos e obrigações da Propriedade Industrial, mais conhecido como Lei de Patentes.

Inúmeros pares têm assomado à tribuna para alertar o Plenário sobre os efeitos da aprovação de proposição de tal envergadura e complexidade. Muito se tem chamado à atenção para a necessidade de resguardo da soberania nacional e da independência do Poder Legislativo, no exercício da atribuição que, constitucionalmente, lhe é outorgada de deliberar sobre a matéria.

Nesse particular, avultam-se denúncias de pressões exercidas pelos Estados Unidos da América, no sentido de aprovação de um projeto consentâneo com os interesses de segmentos empresariais estabelecidos naquele país. O Brasil, neste caso, não estaria sozinho. Em países em desenvolvimento, na África, na Ásia, na América Latina e até mesmo no continente europeu têm sido ameaçados por sanções previstas na Consolidação das Leis de Competitividade e Comércio, de 1988, também conhecida como "Super 301", por não adotarem efetiva proteção à propriedade intelectual, conforme o diktat norte-americano. Diga-se de passagem, retaliações absolutamente ilícitas, porque unilaterais à luz dos atos constitutivos da Organização Mundial de Comércio -OMC - resultante da Rodada Uruguai, do GATT.

Gostaria de usar da palavra, nesta tarde, para trazer à colação mais um exemplo da inequívoca intenção do Governo norte-americano de fazer com que o Brasil curve-se aos interesses de entidades sediadas naquele país. E ainda: uma demonstração da subserviência com que os porta-vozes dos interesses brasileiros perante a comunidade internacional têm-se portado neste tipo de questão.

Sras. e Sres. Senadores, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional um projeto de decreto legislativo que tem por finalidade ratificar o texto do Protocolo celebrado entre o Governo Brasileiro e o Governo Norte-Americano, em 21 de março de 1994, para Emenda e Prorrogação do Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia entre os dois países, de 6 de fevereiro de 1984.

A prorrogação deste acordo encontrava-se obstaculizada, tendo em vista a posição dos EUA de só sustentar o seu dilatamento se o Brasil adotasse uma legislação patentária que espelhasse os interesses norte-americanos nesse tema. Chegou-se a uma solução mitigada, firmada em 14 de novembro de 1991, segundo a qual, na Exposição de Motivos do Embaixador Celso Amorim, os dois países "trocariam notas, indicando as áreas nas quais a cooperação não seria possível, em razão da inexistência, em um dos dois países, de proteção adequada aos direitos de autoria gerados no quadro da cooperação bilateral".

"Desde 1991, no entanto - ainda segundo as palavras do ex-Chanceler brasileiro -, modificaram-se substancialmente as condições nacionais e internacionais no cenário da propriedade intelectual. Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a Lei de Propriedade Intelectual, cuja aprovação tornaria desprovidas de sentido as disposições do Protocolo firmado em 14 de novembro de 1991, referentes à proteção dos direitos de autoria não regulamentados pela legislação de um dos dois países. Além disso, a Rodada Uruguai criou um ordenamento jurídico novo nessa área, que contará com a adesão dos dois países".

Vê-se, pois, que houve uma sensível alteração da posição brasileira nesse quadro, o que só vem agregar novos indícios de pressão internacional acerca da deliberação sobre o PLC nº 115, de 1993. Analisando, à primeira vista, o texto do protocolo em referência, constatamos a seguinte passagem: "Se um tipo de propriedade intelectual estiver previsto nas leis de uma Parte, mas não nas de outra, serão atribuídos à Parte, cujas leis se refiram a esse tipo de proteção, todos os direitos e rendimentos em escala mundial"!

Ora, Sr. Presidente, nenhuma outra conclusão se depreende. Não obstante os argumentos do antigo Ministro das Relações Exteriores, de que este Protocolo iria ao encontro da vontade política dos dois países de aderirem aos tratados da Rodada Uruguai, o que se constata é a perseverante intenção dos EUA de impor seus interesses, pela via de negociações bilaterais, desconstituindo, desta forma, o fórum multilateral privilegiado para discutir, normatizar e controlar a aplicação de diretrizes sobre o tema "Propriedade Intelectual".

Aqui no Senado discutiremos melhor este Protocolo. Mas não poderia deixar passar a oportunidade para mostrar como se vai apertando o torniquete da subordinação científica e tecnológica, através da instituição de monopólios sobre o conhecimento, inclusive em áreas extremamente delicadas como a de experimentos com seres vivos, hoje já patenteáveis nos EUA. Também - e dirijo-me especificamente ao relator do PLC nº 115/93 - já se pode perceber como Washington procura desqualificar as instâncias supranacionais no tratamento de direitos e obrigações autorais-patentárias.

Estive observando, Sr. Presidente, que durante todo esse debate, nos dias em que a Comissão tem tratado dessa questão, que o Brasil sempre esteve voltado, dos pontos de vista econômico, político e social, para um determinado setor. Eles constam da História deste País.

Lembrei-me de que, num determinado momento da economia brasileira, alguns produtos, como o café, a cana-de-açúcar e o petróleo, foram usados de forma estratégica. Mas, hoje, o que consideramos como novo recurso é exatamente a biodiversidade. Não podemos, de forma alguma, deixar que os microorganismos, as plantas, os animais e as florestas sejam patenteados.

Deus, na sua infinita misericórdia, ao criar o mundo, olhou para nós e colocou em nossas mãos uma terra que emana leite e mel. É nessa riqueza que eles estão interessados e da qual não podemos, de forma alguma, abrir mão.

Até queremos que eles possam patentear as invenções. Temos várias invenções e, provavelmente, eles devem ter as deles. Vamos patentear as invenções, mas não aquilo que consideramos descoberta do nosso País, esse dom maravilhoso desta terra chamada Brasil! Não podemos aceitar esse desmonte da ciência, que está colocado nessa questão da patente!

A nossa comunidade intelectual não pode, de forma nenhuma, ter como segredo as informações, porque isso é um perigo para o desenvolvimento econômico do País.

A Lei de Patentes garante o segredo do negócio, e o que queremos é ter acesso à informação, para que possamos ter consciência dos papéis que cada um de nós deve exercer como cidadão deste País.

Não podemos aceitar nenhuma pressão contra o nosso País, como a que vimos nas matérias pagas de laboratórios americanos e europeus.

Os Estados Unidos da América, inteligentemente, querem garantir a matéria-prima e também a pressão sobre os nossos projetos. Por que não assinaram o acordo na ECO 92? Por que só eles ficaram de fora desse acordo?

Ora, não podemos aceitar esse rolo compressor que se quer impor, neste momento, que façamos uma lei e entreguemos, nas mãos deles, o que temos de maior valor e de melhor, o que consideramos um novo recurso para o desenvolvimento do País.

Conceder exclusividade? Além de toda essa tutela, de toda essa imposição, conceder exclusividade é demais para um pensamento altamente limitado como o meu, na concepção técnica da discussão dessa matéria e para a compreensão político-social que tenho de um País onde há miséria, doença e fome.

Devemos ter investimento para a alimentação, para os medicamentos. Não podemos abrir mão, também, das pesquisas feitas e voltadas para a população brasileira, a fim de que esse desenvolvimento garanta a alimentação do nosso povo.

A importância dessa luta que estamos travando neste momento, trazendo o problema à tribuna, propiciando discussões nas comissões, com a apresentação de emendas, é simplesmente no sentido de unirmo-nos aos interesses do povo brasileiro e não aos da Comunidade Comum Européia, do chamado Primeiro Mundo, que sequer pode fazer um debate aprofundado sobre as questões referentes aos seus recursos minerais, ou ambientais, porque lá já os depredaram. Evidentemente, nada mais lhes resta, daí por que estão querendo que, açodadamente, possamos apresentar uma lei.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é muito importante que nesta Casa cada vez mais se trave este debate que representa a garantia da soberania nacional do País e do desenvolvimento econômico; que esta discussão proporcione uma significativa participação desse povo sofrido, mal alimentado e desempregado, que precisa que a nossa comunidade intelectual produza inteligentemente. É necessário estarmos informados para que possamos acompanhar todos os avanços na área tecnológica, econômica e social desta Nação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao finalizar este pronunciamento, quero conclamar os meus Pares a que não se deixem envolver por alegações precipitadas, que podem conduzir a decisões de afogadilho. Não queremos, na realidade, ser cúmplices da conversão da tenebrosa ficção narrada por Michel Critchon, em seu brilhante "Parque dos Dinossauros", do qual se extrai a lição de que, maravilhas da biotecnologia, apropriadas para uso comercial, levam inexoravelmente ao descontrole, ao caos, à ameaça da própria existência de vida neste planeta.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/04/1995 - Página 6325