Discurso no Senado Federal

O TRATAMENTO DAS QUESTÕES AGRICOLA E PECUARIA BRASILEIRAS.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • O TRATAMENTO DAS QUESTÕES AGRICOLA E PECUARIA BRASILEIRAS.
Aparteantes
Carlos Bezerra, Jonas Pinheiro, Osmar Dias, Ramez Tebet, Valmir Campelo, Vilson Kleinübing.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/04/1995 - Página 6305
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, IMPASSE, RELACIONAMENTO, GOVERNO, PRODUTOR RURAL, FALTA, DIALOGO, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, TAXA REFERENCIAL (TR), CORREÇÃO, FINANCIAMENTO AGRICOLA.
  • ADVERTENCIA, IMPORTANCIA, AGRICULTURA, REPRESENTAÇÃO, FONTE, RENDA, MAIORIA, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), NECESSIDADE, MELHORIA, TRATAMENTO, SETOR.
  • ANALISE, NECESSIDADE, POLITICA AGRICOLA, LONGO PRAZO, COMPATIBILIDADE, ESTABILIDADE, MOEDA, IMPEDIMENTO, ALTERAÇÃO, NORMAS, CREDITO RURAL, COMERCIALIZAÇÃO, ARMAZENAGEM, PRODUÇÃO AGRICOLA, PERIODO, SAFRA, IMPORTANCIA, APRESENTAÇÃO, GOVERNO, SOLUÇÃO, EMERGENCIA, PROBLEMA, DIVIDA AGRARIA, ADAPTAÇÃO, POLITICA, IMPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, MOTIVO, REDUÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.
  • SUGESTÃO, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, DEPOSITO COMPULSORIO, BANCOS, RECOLHIMENTO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), FINANCIAMENTO, AGRICULTURA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, com tristeza, temos assistido à comprovação de que o relacionamento entre os produtores rurais e o Governo chegou a um impasse. A falta de diálogo e a truculência - verdadeiras antíteses da atividade política - resultaram no confronto e na diminuição da racionalidade e do bom senso, o que é comum acontecer em situações desse tipo.

Entretanto, não podemos, nem sequer por um minuto, pensar em deixar o tratamento da questão agrícola brasileira ao livre curso das reações intempestivas das duas partes em conflito, reações que incluem ameaças, acusações e retaliações. Além de produzir alimentos de que todos necessitamos para sobreviver e de constituir um setor econômico cujo declínio resulta na expulsão de grandes contingentes populacionais para as cidades já totalmente saturadas, a agricultura também representa fonte principal de renda para a maioria dos Estados brasileiros, em especial o meu, o Estado do Mato Grosso.

Recentemente, um grande jornal do Brasil, em editorial, referiu-se a um estudo encaminhado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que indicava qual deveria ser o aumento na produção nacional de alguns alimentos para que o País lograsse atingir o padrão mínimo internacional de nutrientes necessários ao conjunto da sua população.

De acordo com a pesquisa, a produção de leite teria de ser incrementada em 25 bilhões de litros. Quanto ao arroz, requerer-se-iam 9 bilhões de toneladas adicionais. Quanto ao feijão, mais 4 bilhões de toneladas. Segundo o mesmo estudo, o aumento da produção de tais itens e de outros demandaria a ocupação de uma área superior a 13 milhões de hectares e geraria mais de um milhão de novos empregos.

Portanto, em razão da importância da agropecuária para o bem-estar de nossa gente, cabe a nós, homens públicos, buscar soluções para o impasse e restaurar a serenidade e a racionalidade nesse debate.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a agricultura brasileira tem-se ressentido de um tratamento inadequado das políticas públicas que a ela dizem respeito. As medidas voltadas ao setor, bem como os pacotes agrícolas, sucedem-se ao sabor dos caprichos e das veleidades dos governantes do momento, numa longa série de iniciativas provisórias, improvisadas e desarticuladas.

Certamente, essa falta de consistência e de planejamento de médio e de longo prazo poderia ser estendida a várias outras áreas da economia. Parece-nos, entretanto, que, no caso da agricultura, esse vício da Administração Pública é particularmente daninho. Isso porque, a cada nova safra, o agricultor, ao lado de não saber o que o clima reservará à sua lavoura, também fica totalmente no escuro a respeito dos termos dos mecanismos que estarão em vigência quanto ao crédito para plantio, para comercialização, bem como quanto às condições da política de preços mínimos. Naturalmente, não estamos levando em conta as elevadíssimas e erráticas taxas de juros, verdadeiro flagelo da economia produtiva nacional - juros que realmente envergonham qualquer cidadão brasileiro.

Em suma, se é verdade que o maior benefício que a estabilidade da moeda carreia ao setor econômico produtivo é a previsibilidade, pelo menos para a agricultura, em razão do que dissemos, essa benesse ainda não deu o ar da sua graça, o ar da sua presença.

Assim, o que falta à agricultura brasileira é uma política agrícola que não seja elaborada para durar uma ou duas safras apenas, mas para que permaneça em vigência pelo menos por alguns anos, por uma década. Temos que nos acostumar, no Brasil, a pensar no médio e no longo prazo. O incentivo a investimentos produtivos de longa maturação depende de regras fixas que não mudem da noite para o dia. Antes, a superinflação destruía qualquer tentativa nesse sentido, pois não há planejamento que resista a preços relativos desordenados, variando enormemente de uma forma imprevista. Com o Plano Real e a estabilidade da moeda, tornou-se possível um planejamento. Resta-nos agora substituir a nossa mentalidade viciada no curto prazo, por conta de décadas de inflação alta e absurda, por uma nova maneira de pensar, coerente com o novo regime monetário implantado no Governo passado e seqüenciado pelo atual Governo, de Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço o nobre Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias - Muito obrigado. Aproveito a oportunidade do discurso de V. Exª para louvar a iniciativa do Líder do Governo, Senador Elcio Alvares, de convocar-nos ontem para iniciar discussões sobre o tema. Espero que tais debates resultem em soluções para os problemas que angustiam o campo. Ainda hoje, ao meio-dia, reunimo-nos novamente e definimos os pontos que pretendemos abordar na reunião que será realizada hoje, às 17h, com o Ministro da Fazenda, com o Ministro da Agricultura, com o Governo enfim. Procuraremos estabelecer um cronograma segundo o qual dividiremos em etapas os assuntos a serem abordados. Primeiramente, queremos tratar dos problemas emergenciais, mais urgentes, porque, sem a solução desses problemas, não dá para falar em elaboração de um plano para a agricultura; e, sem isso, ficaremos sempre tentando apagar incêndios cada vez maiores e inapagáveis, como será esse se o Governo não adotar uma postura imediata em relação aos problemas do setor rural que ora apresentamos. O grupo de trabalho é composto pelos Senadores Jonas Pinheiro, Iris Rezende, Wilson Kleinübing, Ramez Tebet, que também esteve nessa reunião, e o Senador Lúdio Coelho. Iremos, a partir de hoje, juntamente com os Srs. Deputados, iniciar uma série de reuniões. Queremos não apenas questionar as ações do Governo, mas principalmente oferecer alternativas, que, esperamos, sejam ouvidas e aplicadas prontamente. Nesse Governo - concordo - há gente que pensa que sabe tudo, mas não sabe que o campo está vivendo uma situação dramática. Se o Governo não tomar medidas urgentes, milhares de agricultores vão se transformar em futuros sem-terra, engrossando, assim, a fila daqueles que hoje querem terra em nosso País. Agradeço a V. Exª.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Obrigado, nobre Senador Osmar Dias. Incorporarei, com muita honra, o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento, dada a experiência que V. Exª tem como brilhante ex-Secretário de Agricultura do Paraná, Estado líder em termos de produção rural do nosso País. Nesses 90 dias de trabalho nesta Casa, V. Exª tem colaborado para que a agricultura esteja realmente bem representada no Senado Federal.

O Sr. Jonas Pinheiro - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Jonas Pinheiro - Senador Júlio Campos, V. Exª, que já foi Prefeito de Várzea Grande, Deputado Federal por duas vezes, Governador do Estado do Mato Grosso e que tem em seu currículo a importante profissão de engenheiro agrônomo, é, além de tudo isso, um profundo conhecedor do Estado do Mato Grosso e do Brasil. Por isso, quero parabenizá-lo por esse pronunciamento. Concordo com as palavras do Senador Osmar Dias quanto à nossa unidade de propósitos, que hoje levaremos ao Governo Federal, devidamente protegidos pela Liderança do Governo nas duas Casas do Congresso, bem como pelos Líderes dos Partidos que apóiam o Governo Federal. O que queremos é solução, principalmente de problemas do passado. Sei que esse tema já foi largamente debatido, mas ainda vale a pena comentar a respeito do pagamento do PROAGRO novo e velho e do "descasamento" do Plano Collor, que está para ser discutido. Enfim, queremos solução, como disse o Senador Osmar Dias, para o passado e para o presente, para depois, Senador Júlio Campos, também com a participação de todos, estabelecermos a política agrícola que V. Exª reclama, uma política duradoura, permanente e com toda a credibilidade para o meio rural. Agindo dessa forma, poderemos obter a safra a que V. Exª tão bem se referiu, ao nos informar a respeito do levantamento feito pelo jornal. Queremos, portanto, somar esforços nesse sentido, ou seja, para que se adote uma política agrícola permanente, duradoura e com total credibilidade. Muito obrigado.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Agradeço-lhe pelo aparte, Senador Jonas Pinheiro.

Acredito que, com esse Governo sério, competente e justo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, teremos, no Brasil, uma política agrícola definida para as próximas décadas.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço, com atenção, o nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Júlio Campos, quero cumprimentá-lo efusivamente. Era isso mesmo que eu esperava e que os seus coestaduanos esperam de V. Exª. Aliás, outro dia, disseram que nós, do Centro-Oeste - e se referiram ao Mato Grosso, representado por V. Exª e pelos Senadores Jonas Pinheiro e Carlos Bezerra; ao Mato Grosso do Sul, que eu represento; ao Estado de Goiás, de Iris Rezende, além do Paraná do extraordinário Senador Osmar Dias; pois bem, disseram que nós só falamos pelas nossas regiões. Esquecem-se de que a vida do Centro-Oeste é a agricultura e a pecuária. Respondi, então, ao meu interlocutor que falamos também pelo Brasil, na medida em que nós do Centro-Oeste, do Paraná, de Santa Catarina e de outras Unidades da Federação clamamos por uma política agrícola definida que ajude o produtor rural, como V. Exª está solicitando dessa tribuna; estamos falando pelos 30 milhões de brasileiros que estão subnutridos; estamos falando de uma contribuição que a agricultura e a pecuária podem dar, trazendo divisas para nosso País. Vejo, com alegria, que estamos avançando, que realmente estamos vivendo um momento diferente neste País. O aparte do nobre Senador pelo Estado do Paraná é verdadeiro. O Poder Legislativo, convocado pelo nosso Líder Elcio Alvares, consciente desse sentimento nacional e sabendo que entre os seus companheiros estão as vozes representativas daqueles por quem V. Exª está pedindo dessa tribuna, está mediando esse encontro que se iniciará hoje. Tomara que esta data seja histórica! Oxalá, Senador Júlio Campos, este 26 de abril seja realmente o início de uma conversação que resolva os problemas emergenciais da agricultura e daqueles devedores agonizantes junto ao Banco do Brasil! Citarei o exemplo de um humilde proprietário rural da cidade de Glória de Dourados, proprietário de dois alqueires de terra, que me dizia do seu infortúnio, da sua luta e do desespero em que ele e sua família se encontram, mergulhados em vultosa dívida, e com seus produtos sem preço no mercado nacional. Acho que vamos encontrar, sim, a solução emergencial. Por quê? Porque está havendo vontade política por parte do Legislativo, e já não tenho nenhuma dúvida também da vontade política do Executivo. Senador Júlio Campos, em nossos discursos sempre falamos que a agricultura é prioridade para a economia nacional. Por isso, estamos certos de que encontraremos uma feliz solução. Congratulações a V. Exª por estar tratando deste assunto no mesmo dia em que teremos um encontro que, esperamos, seja promissor para agricultura e para a economia do Brasil. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Assim espero. Deus queira que isso seja uma realidade!

De fato, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são muitas as mudanças de mentalidade que se fazem necessárias para a convivência com o regime monetário e econômico estável, realidade à qual não estamos acostumados. Na presente questão de que nos estamos ocupando, devem mudar os produtores rurais e deve mudar o Governo.

Por um lado, os produtores rurais devem compreender que acabou o tempo do crédito rural ilimitado, financiado pelas emissões de moeda, sem qualquer preocupação com o equilíbrio das contas públicas. Entendemos isso. Aliás, não somente a agricultura se beneficiou dessa era generosa: aconteceu o mesmo com outros setores. Se quisermos preservar a estabilidade da moeda, que hoje percebemos ser imprescindível ao crescimento e ao desenvolvimento do Brasil, devemos estancar a sangria de recursos públicos que se expandem sem a contrapartida nas receitas arrecadadas pelo Governo. Fora dessa equação, ou se imprime dinheiro, o que resulta em inflação, ou se aumenta o endividamento público, o que significa o aumento ainda maior da taxa de juros.

Por outro lado, o Governo deve entender que é necessário, em primeiro lugar, traçar uma política agrícola de longo prazo. Os investimentos na agropecuária não podem sofrer a incerteza de, como dissemos, a cada safra, assistir às mudanças das regras para o crédito rural e para a política de comercialização e armazenamento.

O Sr. Valmir Campelo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muito prazer, Senador Valmir Campelo.

O Sr. Valmir Campelo - Nobre Senador Júlio Campos, parabenizo V. Exª pela importância do tema que traz a esta Casa. A agricultura, em qualquer país do mundo, sempre foi, é e será prioridade, seja ele desenvolvido ou subdesenvolvido. Nós aqui, no nosso País, precisamos, antes de mais nada, ter uma política agrícola que venha a atender a esse grande território que temos de terras férteis, onde falta, acima de tudo, o apoio governamental. Ouvi aqui quando se disse que uma Bancada aguerrida, que defende com entusiasmo a agricultura, é a Bancada do Centro-Oeste, porque é aqui que se localizam principalmente os grãos, suas grandes plantações. Mas não é só isso. Quando Juscelino Kubitschek criou Brasília foi com o intuito também de fazer do Centro-Oeste o pólo irradiador do desenvolvimento e do progresso para todo o nosso País. Então, não é apenas a agricultura, não é apenas a pecuária, mas é acima de tudo o desenvolvimento tecnológico, científico, enfim, de um modo geral, o desenvolvimento de que o nosso País tanto precisa. Eu não poderia deixar de aparteá-lo, nobre Senador Júlio Campos, para parabenizar V. Exª pela oportunidade do tema e dizer que, particularmente, sou um defensor ferrenho da agricultura, porque entendo que um País como o nosso deveria tê-la como uma de suas prioridades básicas. Meus parabéns a V. Exª!

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado. Incorporo com muita honra o seu aparte.

Em segundo lugar, o Governo não pode deixar de apresentar uma solução emergencial para o problema do endividamento dos produtores rurais. Deve reconhecer que é impossível a atividade agrícola sobreviver, tendo suas dívidas corrigidas pelas atuais taxas de juros vigentes no mercado, que andam na estratosfera. Estabilidade da moeda e de preços, Sr. Presidente, não combina com taxas de juros de mais de 60% ao ano. Para os banqueiros, pode ser até que combine, mas para o setor produtivo não.

Em terceiro lugar, o Governo tem de adequar sua política de importação de produtos agrícolas ao fato de que os subsídios à agricultura nacional foram brutalmente reduzidos nos últimos anos. Assim, não faz o menor sentido o Governo praticamente eliminar as alíquotas de importação para certos produtos agrícolas. Esse comportamento trai uma visão muito curta, cujo objetivo é assegurar preços baixos para os alimentos hoje, como um auxílio ao êxito do Plano Real, mas ao custo de, na próxima safra, assistir ao aumento dos preços, uma vez que os agricultores estão sendo desincentivados a plantar. Ou seja, pensa-se no agora, esquecendo-se do amanhã.

Ora, todos sabemos que a produção agrícola, tanto na Europa e nos Estados Unidos quanto em outros exportadores do Terceiro Mundo, é altamente subsidiada. Dessa forma, no mínimo, as alíquotas brasileiras de importação deveriam ser semelhantes à diferença entre os subsídios embutidos nas importações e os subsídios de que gozam os produtos agrícolas nacionais. Caso contrário, estaremos praticando uma política suicida e inviabilizando o desenvolvimento da nossa agropecuária.

Feitos tais comentários, Sr. Presidente, gostaríamos de reservar o final do nosso discurso para abordar uma questão que é paralela à do endividamento rural, por nós há pouco apresentada. Referimo-nos ao debate sobre os mecanismos que passarão a vigorar para a correção dos empréstimos agrícolas nesta e nas futuras safras. Esse é o ponto central que motivou o impasse entre agricultores e o Governo.

Nesse particular, temos de encontrar uma saída que venha, por efeito, incentivar o plantio, evitando que, amanhã, os produtores rurais vejam-se na situação em que muitos estão hoje: endividados e inadimplentes, em razão dos juros assassinos que incidem sobre o que devem aos bancos. Em relação a esse ponto, sugerimos ao Governo utilizar os depósitos compulsórios dos bancos, recolhidos ao Banco Central, para financiar a agricultura a custos baixíssimos. Sobre tais depósitos incidiriam taxas de juros fixas, de forma a permitir ao agricultor controlar a evolução de suas dívidas. As taxas poderiam ser até maiores para os grandes produtores, um pouco menores para os médios e muito baixas para os pequenos produtores. Essa nova sistemática de correção dos créditos agrícolas substituiria a famigerada TR. Vale ressaltar que o Governo, o sistema financeiro e os produtores rurais ganhariam com tal proposta, uma vez que os depósitos compulsórios, recentemente elevados, são recolhidos como uma percentagem dos depósitos à vista nas agências, os quais praticamente nada custam aos bancos. Acrescentaríamos ainda que defendemos sejam esses recursos empregados em todas as etapas da produção, inclusive no armazenamento.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Sr. Senadores, pensamos ser essa proposta bastante sensata, uma espécie de meio termo, que pode vir a resolver o antagonismo existente hoje entre o Governo, a área econômica e os produtores rurais, confronto a cuja evolução não podemos jamais - o Congresso - assistir de braços cruzados.

O que os agricultores defendiam, desde o começo, era que o Governo cumprisse a palavra empenhada num acordo costurado em maio do ano passado, no qual o então Presidente da República Itamar Franco e a mesma equipe econômica que hoje está no comando do País - entre os quais o próprio Presidente da República, que era um dos seus Ministros de Estado - concordaram em assegurar a equivalência da correção entre o crédito agrícola e os preços mínimos. O acordo foi, mais tarde, desconhecido pelo Governo, sob o argumento de que a correção dos preços mínimos significaria a derrocada do Plano Real. Caso o Governo se digne levar em conta essa sugestão, temos certeza de que o impasse será resolvido.

Quanto às duas propostas do Governo de correção dos créditos rurais e de fontes de financiamento à agricultura, elas são inadequadas e insuficientes.

A correção pela Taxa de Juros de Longo Prazo - a TJLP - não resolve o problema, não passando de um paliativo.

O Sr. Carlos Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Júlio Campos?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço o aparte do nobre Senador Carlos Bezerra.

O Sr. Carlos Bezerra - Senador Júlio Campos, estou acompanhando o discurso muito apropriado de V. Exª sobre uma das questões mais cruciais deste País, que é a questão agrícola. Não devemos ter qualquer ilusão: se o setor não se mobilizar politicamente, se o setor não lutar com todas as armas, essa situação que está aí não vai se modificar. A área econômica do Governo, cujo trabaho estamos acompanhando, está cuidando bem de outros setores - parece-me até que estamos no Governo do General Figueiredo: os banqueiros estão aí, com os mesmos lucros maravilhosos; a política econômica está-se desenvolvendo no sentido de beneficiar os maiores, os poderosos, quase que sem nenhuma preocupação social - inexiste preocupação social. Por sua vez, a agricultura, que é um setor fundamental da economia para a estabilidade do País, é vista como o "primo pobre" da República, e é torpedeada da forma como está sendo agora. Os danos que o Real ocasionou e está ocasionando à agricultura são semelhantes aos do Plano Collor. Não há diferença alguma dos danos que o Plano Collor ocasionou aos agricultores. Há toda uma mobilização em cima da questão, mas ela é tratada pelas autoridades que devem decidir o assunto como uma questão meramente tecnocrática. Portanto, o alerta de V. Exª, no plenário do Senado, é de profunda importância para chamar a atenção do Governo para essa questão. Penso, no entanto, nobre Senador Júlio Campos, que não devemos ficar apenas no discurso. Todos nós que sabemos da importância da agricultura - principalmente nós do Centro-Oeste, que estamos nos tornando um dos maiores produtores de grãos do País - devemos somar forças. Sendo a agricultura fundamental para nós, temos que usar toda a garra, toda a força para modificar esse quadro caótico que aí está; caso contrário, ocorrerá a falência não só da nossa Região, o Centro-Oeste, mas de todo o Brasil. Parabéns a V. Exª pelo discurso!

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado. Incorporo, com muita honra, o aparte de V. Exª, Senador Carlos Bezerra.

Continuando, Sr. Presidente:

A correção pela Taxa de Juros de Longo Prazo - a TJLP - não resolve o problema, não passando de um paliativo. Nessa opção, os juros situar-se-iam na faixa de 25% ao ano, enquanto os preços mínimos, que representam a receita dos agricultores, continuariam congelados; aliás, como efetivamente estão desde julho de 1994.

Já o repasse de dinheiro captado no exterior pelos bancos para o setor agropecuário não pode ser levado a sério na atual conjuntura. Com a possibilidade de uma crise cambial avizinhando-se, o que levaria a novas desvalorizações da moeda, o risco cambial embutido nessas operações seria enorme. A médio prazo, a depender do desenvolvimento desse risco, a agricultura poderia ver-se numa situação ainda pior do que a de hoje.

O Sr. Vilson Kleinübing - Senador Júlio Campos, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Peço a permissão da Mesa para ouvir o aparte do Senador Vilson Kleinübing.

O Sr. Vilson Kleinübing - Senador Júlio Campos, V. Exª está nos dando a grande oportunidade de, aqui, no Senado, fazer uma grande reflexão, correta, séria, sobre esse problema da agricultura e abastecimento do nosso País. Em primeiro lugar, estamos derrubando, com essa safra, um velho discurso que se fazia no passado: se a agricultura produzir bastante vai matar a fome do povo brasileiro. Neste momento, o País está com uma enorme safra, com preços nunca antes tão baixos, e há brasileiros passando fome. Portanto, o problema desses brasileiros nunca será resolvido pelo produtor rural. O problema desses brasileiros é salário, salário para poder comprar um produto que está com grande oferta e com preços muitos baixos. Em segundo lugar, existe a questão dos juros, dependendo do Senado Federal para resolvê-la. Até podemos criar aqui a seguinte lei: emprestamos para a agricultura sem juros e quem emprestar para o Governo também o fará sem juros. Isso é impossível de se fazer. A exemplo dos fundos de desenvolvimento que se criaram neste País, para a exportação, para a indústria brasileira, o Congresso Nacional, além de formular denúncias mediante discursos como o de V. Exª, tem que criar, de uma vez por todas, o fundo de sustentação de safra agrícola. Esse fundo tem que ser criado pelo Governo. Quando o nosso produtor rural perder dinheiro, poderá sacar do fundo e, quando ganhar dinheiro, terá que devolvê-lo para o fundo. Em determinados anos, ganha-se muito dinheiro com a agricultura, e esse dinheiro fica com o produtor. Seria um fundo de equalização de safra. E, de uma vez por todas, o Senado tem que acabar com a autorização de empréstimos públicos. Os juros estão altos, todos os administradores públicos gastaram mais do que tinham, endividando prefeituras, Estados e, inclusive, a União. Para financiar essa dívida, hoje temos que pegar dinheiro no mercado com taxas elevadas, criando esse problema para a nossa agricultura. O discurso é a denúncia, mas só o discurso, como disse o Senador Carlos Bezerra, não vai resolver o problema. O Senado Federal está vivendo um momento muito bom, pois conta com posições como a de V. Exª, para dar um fim nisso. Vamos, de uma vez por todas, equalizar essa questão de juros através da proibição de novas dívidas e da criação do fundo da agricultura, a exemplo do que tem a indústria. Até o turismo já tem um financiamento do BID: o Nordeste agora tem um grande projeto de financiamento a taxas subsidiadas. Mas, em relação ao colono, ao agricultor, até hoje não criamos um fundo para suportar a agricultura.

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Nobre Senador Júlio Campos, embora considerando a importância do tema, a Presidência lembra a V. Exª que o seu tempo já está esgotado em cerca de onze minutos.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Sr. Presidente, solicito apenas um minuto para concluir o meu pronunciamento.

É lamentável o que vem ocorrendo.

Por fim, feitas todas as considerações, resta a certeza de que essa proposta - a de utilizar o depósito compulsório na criação de um fundo para a agricultura - é factível e constitui um avanço ponderável para as negociações que estão em curso. Enquanto não dispomos de uma política agrícola consistente voltada para o longo prazo, tal solução é a melhor com que podemos contar no momento. Empreguemos, pois, os recursos do depósito compulsório para financiar a agricultura.

Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/04/1995 - Página 6305