Discurso no Senado Federal

ANALISE DA RESPOSTA DO MINISTRO DO PLANEJAMENTO A REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES DE SUA AUTORIA SOBRE PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • ANALISE DA RESPOSTA DO MINISTRO DO PLANEJAMENTO A REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES DE SUA AUTORIA SOBRE PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS.
Aparteantes
Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/05/1995 - Página 7164
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, RESPOSTA, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, RELAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS.
  • CRITICA, PROCEDIMENTO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PROGRAMA NACIONAL, MOTIVO, DESVIO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT), RESPONSABILIDADE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), OBJETIVO, FAVORECIMENTO, GRUPO ECONOMICO, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, CLASSE EMPRESARIAL, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Lucídio Portella, Srªs e Srs. Senadores, no dia 16 de fevereiro, praticamente o início desta legislatura, juntamente com o Senador Roberto Requião, apresentamos um requerimento de informações ao Ministro do Planejamento, para que o BNDES nos informasse sobre o processo de privatização de diversas empresas, segundo o Programa Nacional de Desestatização.

Perguntamos sobre o valor contábil do estoque de ativos detidos pelo BNDES e aceitos no PND; sobre as operações de venda de ativos realizadas pelo BNDES, com a especificação do agente financeiro, do valor da operação, do tipo de ativo e das normas; sobre as operações de transferência de dívidas dos agentes financeiros para com o BNDES; sobre as operações que se utilizaram da prerrogativa do art. 13 das Resoluções nºs 786/92 e 803/93, com a indicação do agente financeiro e das respectivas garantias pactuadas; sobre os limites máximos estabelecidos por agente financeiro, conforme dispõe o art. 16 da Resolução 803/93; sobre os contratos celebrados até 28 de fevereiro de 1995, com base no art. 19 das Resoluções nºs 786/92 e 803/93, com a identificação das instituições, do valor da operação, do terceiro investidor e do respectivo processo de privatização em que os ativos foram utilizados.

Obviamente, era muito importante obter essas informações para avaliar os procedimentos do Programa Nacional de Desestatização, que, afinal, envolve um conjunto significativo de ativos e passivos pertencentes à União e que são cancelados, transferidos ou vendidos para o setor privado. O Ministro do Planejamento, José Serra, encaminhou-nos a resposta no dia 30 de março, com diversas informações extremamente importantes e que agora, juntamente, com o Senador Roberto Requião, passo a analisar:

"A Resolução nº 786/92 foi promulgada em 15 de junho de 1992, sendo posteriormente modificada pelas Resoluções nºs 803/93 e 809/93. O objetivo principal contido nestas Resoluções é a transferência de ativos financeiros de propriedade do BNDES, que são aceitos como "moeda" no programa de privatização, para investidores interessados em adquirir ações de empresas estatais em processos de privatização.

Na prática, o BNDES vende debêntures da extinta SIDERBRÁS e dívidas securitizadas da PORTOBRÁS para terceiros investidores com a intermediação de uma instituição financeira. Deste modo, é a instituição financeira que escolhe os investidores que comprarão as moedas/ativos do BNDES em condições excepcionalmente favoráveis: 2 anos de carência, pagamento de apenas 12% do principal nos primeiros cinco anos, 88% restantes em parcelas semestrais do sexto ao décimo-segundo ano e juros incidentes sobre o saldo devedor (atualizado pelo IGPM) a uma taxa fixa de 6,5% ao ano, pagos semestralmente.

As obrigações acima junto ao BNDES, num primeiro momento, são de responsabilidade das instituições financeiras que intermediaram a operação. Posteriormente, as obrigações do empréstimo podem ser transferidas ao investidor mediante a anuência do BNDES, desde que satisfaçam alguns indicadores contábeis. É importante ressaltar que as próprias ações adquiridas com o financiamento são dadas como garantia real pelo investidor, após a transferência das obrigações do empréstimo da instituição financeira para o mesmo investidor.

Esse mecanismo de financiamento foi utilizado na privatização de 17 empresas - ÁLCALIS, FOSFÉRTIL, Companhia Siderúrgica de Tubarão, NITRIFLEX, ACESITA, CSN, ULTRAFÉRTIL, AÇOMINAS, COSIPA, PETROQUÍMICA UNIÃO, ARAFÉRTIL, COPESUL, Mineração Caraíba, POLITENO, CIQUINE, POLIALDEN, EMBRAER - envolvendo um valor aproximado de 1 bilhão e 800 milhões de dólares (US$/URV), equivalentes a 20% do valor acumulado nas privatizações, que é de 8 bilhões e 595 milhões de dólares. Se levarmos em conta apenas as privatizações que ocorreram após a vigência da resolução 786/92, ou 15/06/92, que introduziu esta modalidade de financiamento, a participação do mesmo eleva-se para 30% do valor privatizado.

O resultado dos leilões foi em grande parte influenciado pelo acesso de bancos e investidores aos financiamentos do BNDES. Especificamente, o quadro 1 resume o impacto dos financiamentos sobre os leilões de algumas empresas.

Nesse quadro, apresentamos o valor de venda, o valor financiado pelo BNDES e os bancos investidores. A ÁLCALIS, por exemplo, apresenta valor de venda (49,2) e valor financiado pelo BNDES (46,9), correspondendo a 96% do valor de venda, sendo o banco e investidores a OMEGA, a VEGA e a Companhia Industrial do Rio Grande do Norte. No caso da FOSFÉRTIL, 116,3 milhões de dólares (64%) foram financiados pelo BNDES, correspondendo a um valor de venda de 182,0. Portanto, 64% foram financiados. O principal agente financeiro e o respectivo comprador foram, no caso, a BBA e o Consórcio FERTILOZ. No caso da NITRIFLEX, 26,2 ou 100% do valor financiado foi igual ao de venda, e os bancos investidores foram GRAPHUS e OMEGA, e os investidores, ITAP S/A.

No caso da ULTRAFÉRTIL, foram financiados 75% ou 154,4 milhões do valor de venda de 205,5. BBA e BFC foram os bancos, e FOSFÉRTIL a investidora. No caso da POLITENO, 80%, ou 35,8, foi o valor financiado de 44,8, valor de venda. O Banco foi o Econômico e investidores, Suzano e CONEPAR. No caso da CIQUINE, 18,9 (80%) foi o valor financiado de um valor de venda de 23,7 milhões de dólares. Banco Econômico; investidor, CONEPAR. No caso da POLIALDEN, 82%, ou 13,9% foram financiados, sendo o valor de venda 16,8, o foi o Banco Econômico e o investidor, CONEPAR.

Em todos os casos, fica evidente que a venda dessas empresas foi praticamente decidida no acordo entre a instituição e o investidor, através do acesso a financiamentos em condições excepcionais feitas pelo BNDES.

O dirigismo deste processo é incrementado com a transferência do financiamento para o investidor, com o aporte de "garantias reais" que são as próprias ações da empresa adquirida. Este procedimento foi utilizado no processo da ÁLCALIS (Bancos OMEGA e VEGA/CIRNE), da NITRIFLEX (Bancos GRAPHUS e OMEGA/ITAP S.A.), da ULTRAFÉRTIL (BBA, BFC e outros/FOSFÉRTIL).

Em outras privatizações, o mesmo mecanismo foi praticamente decisivo. No caso da CSN, o valor de compra da empresa foi de 1,495 bilhão (URV/US$) e o financiamento do BNDES, 542 milhões, dos quais uma parcela significativa foi utilizada no financiamento dos bancos BAMERINDUS e Nacional, que optaram pela retenção das ações em sua carreira própria. No caso da AÇOMINAS, o valor de venda foi de 598,5 milhões (US$/URV), sendo financiados 251,1 milhões ou 42% do total, com o principal controlador, a Cia. Mineira de Participações, obtendo financiamentos de 118,9 milhões, que responde pela quase totalidade de sua participação no processo.

Outra situação interessante é a da Companhia Siderúrgica de Tubarão, vendida por US$347,3 milhões, sendo que US$57,6 milhões foram adquiridos pela Fundação Unibanco, que teve o financiamento do BNDES repassado pelo próprio Unibanco S. A.

Os dados e os casos analisados anteriormente demonstram que o mecanismo de financiamento adotado pelo BNDES é altamente concentrador e sujeito ao dirigismo da instituição financeira, que tem o poder de escolher os beneficiários dos financiamentos, que, por sua vez, apresentaram como garantias reais as próprias ações adquiridas com recursos do próprio BNDES. Para se ter uma idéia da concentração deste mecanismo, foram contemplados apenas 59 investidores, por intermédio de 24 instituições financeiras, em 17 privatizações.

As informações do processo de privatização indicam que recursos que nominalmente, segundo a Constituição, são de propriedade dos trabalhadores, constituídos pelo Fundo de Amparo aos Trabalhadores, estão sendo destinados para que grupos econômicos levantem empréstimos subsidiados, com os quais passam a adquirir as ações de empresas estatais. Por que não financiar diretamente aqueles que são os proprietários nominais dos fundos ou pelo menos assegurar que haja uma maneira mais adequada de democratizar de fato a propriedade das ações das empresas públicas?

Com relação ao impacto econômico-financeiro deste mecanismo, podemos resumi-lo da seguinte forma: antes do processo de privatização, o Governo era detentor do capital de uma empresa (ações) e detinha um crédito financeiro através do BNDES (debêntures, dívida securitizada) contra o Tesouro Nacional. Quando ocorre a privatização, e o mecanismo analisado anteriormente é utilizado, o Tesouro troca suas ações pelo cancelamento de uma dívida que tinha junto ao BNDES. Por outro lado, o BNDES troca seu financiamento ao Tesouro por um financiamento subsidiado ao setor privado. Com isso, o saldo final do processo resume-se na troca de ações por crédito financeiro subsidiado, concedido aos privilegiados participantes do processo.

É importante notar que o Governo não recebe moeda e nem reduz o valor de sua dívida mobiliária e contratual junto ao mercado. Adicionalmente, mantém uma dívida mobiliária onde paga para o setor privado TR mais juros e financia o comprador de uma estatal recebendo IGPM mais 6,5% a.a e apenas 12% do principal nos primeiros 5 anos.

O Sr. Roberto Requião -  Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY -  Com muita honra, Senador Roberto Requião, V. Exª foi responsável juntamente comigo sobre essas informações.

O Sr. Roberto Requião - Senador Eduardo Suplicy, tomamos juntos essa iniciativa e chegamos à conclusão esperada, desagradável, mas esperada conclusão: o BNDES está financiando a privatização de empresas estatais brasileiras num negócio de pai para filho, um negócio rigorosamente absurdo. É como se uma família, tendo uma empresa endividada resolvesse vendê-la a um terceiro e financiasse a venda, mas conseguisse, como garantia desse financiamento um imóvel. Logo depois de feita a operação, de ter-se operado a traditio, a garantia real imobiliária seria substituída pelas ações da própria empresa que estava sendo vendida. Vendeu a empresa porque ela estava endividada, financiou a venda da empresa e troca a garantia imobiliária pelas ações da própria empresa. Num país sério, Senador Eduardo Suplicy, este tipo de operação não seria só objeto de crítica mas também objeto de cadeia. Muito obrigado, Senador.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Obrigado, Senador Roberto Requião. Suas palavras devem pesar fundo sobre os responsáveis pelo processo de privatização.

Acredito que, diante dessas informações, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro do Planejamento, José Serra, o da Fazenda, Pedro Malan e o atual Presidente do BNDES - antes Pérsio Arida - Edmar Lisboa Bacha, devem explicar melhor se esse processo de privatização não está sendo mais uma maneira de concentrar riqueza e patrimônio em nosso País, se não está sendo mais um mecanismo pelo qual o Estado privatiza suas ações.

O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, analisando a participação do Estado na economia em seus inúmeros trabalhos - o professsor Ignacy Sachs, que aqui esteve na semana passada, também fez essa análise -, disse que o Estado procurava ajudar grupos privados com formas extraordinárias de subsídios. Aqui está uma forma que, na verdade, representa uma continuação e não uma mudança profunda. Nos processos de privatização ocorridos em inúmeros países há caminhos diversos que deveriam ser objeto da atenção do nosso Presidente da República.

Eu gostaria de lembrar que a antiga Tchecoslováquia, agora dividida em República Tcheca e Eslováquia, foi visitado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, logo após a sua eleição. Ali, Sua Excelência, que esteve com o Presidente Václav Havel, poderia ter perguntado sobre o processo de privatização ocorrido naquele país.

Cada um dos cidadãos da Tchecoslováquia, maior de 18 anos, passou a ser dono de quotas equivalentes em relação a todas as empresas, ou seja, ao patrimônio nacional. Esta foi a maneira com que todos os cidadãos daquela república puderam receber as quotas na mesma proporção.

Houve, portanto, um mecanismo bastante diferente. Entretanto, há outros. Na Bolívia, por exemplo, o processo de privatização está em curso e em grande dificuldade, porque o Presidente da Bolívia decretou estado de sítio, levando para a prisão de 300 a 600 líderes sindicais. Por esse motivo, esse processo está sendo objeto de questionamento, mas ali adotou um mecanismo que guarda, pela metade, semelhança com o da República Tcheca.

Mas há outros mecanismos que poderiam ser lembrados, pois envolvem uma democratização muito maior de processos e que deveriam ser objeto da atenção. O BNDES administra recursos que são nominalmente de todos os trabalhadores, como os que compõem o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador. Precisamos ver como o BNDES está destinando esses recursos em benefício da maioria da população e não dos grupos beneficiados.

O Sr. Roberto Requião - Senador Eduardo Suplicy, mais que o absurdo do financiamento, verificamos que a lenda de que a venda das estatais deveria capitalizar o Estado para investimentos em Educação e em Saúde é uma falácia. O relatório de nossa assessoria conclui que o Governo não recebe moeda e nem reduz o valor de sua dívida mobiliária e contratual junto ao mercado. Mas mantém uma dívida mobiliária onde paga para o setor privado TR mais juros. E financia o comprador de uma estatal, recebendo IGPM mais 6,5% ao ano. Como V. Exª deixou claro, apenas 12% do principal nos primeiros cinco anos. É uma negociata. Não estão essas empresas colocadas no mercado, mas são cedidas a grupos empresariais favorecidos pelo financiamento do BNDES, através da banca privada. Acho que esse relatório que a assessoria de V. Exª tão bem preparou e que hoje é objeto da sua denúncia, nesta sessão plenária do Senado Federal, deveria, num contexto mais sério, pôr um fim definitivo a esse processo de privatização feito dessa maneira. É evidente que algumas empresas públicas devam ser privatizadas; outras não deveriam nem ter existido. Mas essa operação que nos foi revelada a partir do pedido de informação que juntos fizemos ao Ministério mostra a rigorosa e absoluta falta de controle e seriedade nesse processo.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Roberto Requião, teremos a oportunidade na próxima semana - porque estará respondendo, perante a Comissão de Assuntos Econômicos sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o Presidente do BNDES, Edmar Lisboa Bacha - de argüí-lo a respeito do procedimento que aqui analisamos, porque para atuar dessa maneira, em verdade, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso estará longe de poder atender aos seus objetivos, pelo menos assim expressos, de construir uma sociedade com mais justiça, melhorando a distribuição da renda e da riqueza em nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/05/1995 - Página 7164