Discurso no Senado Federal

LIÇÕES PARA O BRASIL A PARTIR DOS LIMITES E EQUIVOCOS DA POLITICA ECONOMICA NEOLIBERAL APLICADA NO MEXICO E ARGENTINA.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • LIÇÕES PARA O BRASIL A PARTIR DOS LIMITES E EQUIVOCOS DA POLITICA ECONOMICA NEOLIBERAL APLICADA NO MEXICO E ARGENTINA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/05/1995 - Página 7287
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APRECIAÇÃO, FUNDAMENTAÇÃO, IDEOLOGIA, CONCEPÇÃO, NATUREZA POLITICA, RELAÇÃO, FUNÇÃO, DIMENSÃO, ESTADO, SOCIEDADE, ECONOMIA.
  • DISCUSSÃO, DOUTRINA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, AMERICA LATINA.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, LIMITAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, ARGENTINA, DEMONSTRAÇÃO, NECESSIDADE, BRASIL, ADOÇÃO, POLITICA, SOLUÇÃO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, PRIORIDADE, INTERESSE NACIONAL.

O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de toda a pujança da economia brasileira, que conta com um parque industrial avançado e integrado e com uma agricultura bastante produtiva, e apesar mesmo da afirmação do Sr. Presidente da República no sentido de que o Brasil não seria um país pobre, mas apenas um país injusto, todos temos consciência, por sinal aguda e dolorosa, de que grande parte do povo de nosso País infelizmente ainda vive em uma situação material extremamente precária.

Se quisermos dimensionar, em termos numéricos, a extensão da pobreza do povo brasileiro, talvez a estatística mais pungente seja aquela calculada, no ano de 1993, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - o IPEA -, a qual apontava existirem trinta e dois milhões de brasileiros indigentes, uma população de miseráveis do tamanho de uma Argentina! Lembramos que o conceito de indigência aplica-se às pessoas cuja renda é insuficiente para o provimento de suas necessidades mínimas de consumo de nutrientes. Ou seja, indigência é sinônimo de fome. Somem-se a esse verdadeiro batalhão de famintos mais algumas dezenas de milhões de indivíduos pobres que, embora não passem fome, vivem em condições de moradia, de trabalho, de saúde e de instrução bastante precárias.

Esse é um esboço do desafio de desenvolvimento que o Brasil enfrenta e enfrentará ainda por muito tempo no futuro. Diga-se, aliás, de passagem, que a palavra desenvolvimento é um conceito vazio e oco se não se referir antes de tudo ao bem-estar do homem. O fim último do desenvolvimento de um país deve ser sempre o cidadão. Por isso devemos fazer sempre a pergunta: desenvolvimento para quem?

Há diversos obstáculos que o País deve ser capaz de ultrapassar em seu caminho para o desenvolvimento. Temos, por exemplo, de prover ocupação para um grande número de desempregados e para os jovens que, a cada ano, ingressam no mercado de trabalho. Esse objetivo leva-nos à preocupação com o sistema educacional de base, que, no Brasil, é bastante deficiente. Tão mais relevante é a ênfase na educação básica, quanto sabemos que o mundo se depara com o problema do chamado desemprego estrutural, que consiste na expulsão de trabalhadores desqualificados do mercado de trabalho. No futuro próximo, quem não tiver um mínimo de qualificação e de nível de instrução estará condenado ao desemprego permanente. É o preço que pagamos pela evolução tecnológica.

Também precisamos atuar em outras áreas para minorar o sofrimento da população pobre. No saneamento básico, no atendimento hospitalar público, na produção de alimentos, em programas de complementação alimentar, na urbanização de favelas, em projetos de geração de renda e de emprego e em muitas outras. De tudo que estamos relatando depreende-se a noção clara de que o Brasil ainda se assemelha a um canteiro de obras, a uma nação por construir, onde o Estado não pode deixar de ter um papel fundamental na condução desse processo. Não há como imaginar o Estado brasileiro ausente da batalha pelo nosso progresso.

Em razão, portanto, da relevância que deve caber ao Estado no planejamento e na execução das políticas públicas que hão de nos retirar dessa vergonhosa situação de pobreza e de miséria, queremos hoje traçar uma severa crítica a algumas concepções políticas ditas neoliberais que, na sua neurose contra o Estado, pensam que podem transplantar para o Brasil, sem maiores problemas, modelos institucionais de nações mais avançadas. No entanto, a sociedade brasileira muito se afasta de sua congênere européia e norte-americana, pois ainda temos, como demonstramos, um enorme desafio no campo do desenvolvimento social, que somente pode ser atacado de maneira eficaz pelo ação estatal. Mesmo em relação às nações desenvolvidas, acreditamos ser difícil que possam passar sem um Estado atuante.

Assim, defendemos que um desenho institucional do tipo social-democrata para o Estado brasileiro seja muito mais adequado à nossa estrutura social e econômica. O Estado deve ter uma presença forte na sociedade, cumprindo a função de redistribuir renda dos setores mais abastados para o mais necessitados, regulamentando a economia para que o poder dos grupos econômicos dominantes não sufoquem o crescimento e os direitos dos pequenos, garantindo condições para que as pessoas vençam a pobreza, bem como agindo no sentido de minorar a desigualdade entre os grupos sociais. A História já demonstrou, por meio de reiterados exemplos, que o mercado deixado a sua própria sorte, sem sofrer intervenções, acaba por produzir uma sociedade iníqua e desumana, onde o fraco é esmagado e onde só o forte tem direito a um lugar sob o sol. A quimera neoliberal do mercado auto-regulável só é eficiente para os donos do poder. Nessa utopia, não há lugar para a massa anônima e sem voz.

Mas passemos da apreciação sobre os fundamentos ideológicos do neoliberalismo e da social democracia no que se refere ao papel e à dimensão do Estado na sociedade e na economia para uma discussão a respeito da realidade das políticas econômicas adotadas hoje no Brasil e na América Latina. A Administração Fernando Henrique Cardoso tem suscitado este tipo de questão. É um governo neoliberal? É um governo social democrata? Por um lado, vemos a origem política social-democrata do Presidente da República e o discurso oficial que defende a utilização do Estado para vencer a batalha contra a pobreza. Por outro lado, temos a aliança política com o PFL, que carrega a palavra liberal em sua sigla, e uma política econômica que tem sido tachada de neoliberal.

Pensamos, na verdade, que muita confusão tem sido feita em torno da palavra neoliberal. Essa expressão transformou-se num rótulo de sentido vago, que muitos utilizam como se tivesse um sentido preciso, mas que, se indagados, não sabem bem o que isso significa. O que é política econômica neoliberal? Preocupar-se com a ordem nas contas públicas e com o déficit fiscal é ser neoliberal? Almejar contar com uma moeda forte é ser neoliberal? Ter como meta privatizar algumas empresas estatais produtoras de bens e de serviços, que em geral somente dão despesas ao Erário, é seguir uma orientação neoliberal?

Bem, arriscaríamos dizer que, se o que acabamos de mencionar é ser neoliberal, estamos todos nos transformando em neoliberais. Achamos mesmo que, caso, no futuro, mais pessoas acordem para a necessidade de administrar com racionalidade os recursos públicos, evitando o desperdício, e entendam que expandir o gasto público por meio de emissão de moeda, em situação de normalidade econômica, só pode resultar no enfraquecimento da economia, - então, em breve, haverá somente neoliberais. E é bom que seja assim.

No entanto, de forma alguma tais políticas podem ser consideradas neoliberais. O respeito pela eficiência e a racionalidade na administração pública transcende as ideologias. Na perspectiva de um social-democrata ilustrado e bem informado, um Estado financeiramente equilibrado e sem gorduras é o melhor instrumento a ser utilizado na busca de uma menor disparidade de renda e de oportunidades entre as diversas classes sociais. Um Estado pesado, lento, paquidérmico nunca logrará atingir seus objetivos redistributivos. Já o neoliberal, ao contrário, é aquele que afirma: cuidado, não envolvam o Estado nessa aventura redistributiva, pois todo planejamento do Governo é inferior à lógica do mercado, e, quem assim proceder assistirá ao agravamento da situação que queria melhorar. Ora, com essa concepção equivocada não podemos jamais concordar!

Fala-se muito também sobre o malogro das políticas neoliberais no México e na Argentina. O que pode ser exatamente denominado política neoliberal nesses casos? Certamente podemos considerar neoliberal tudo o que se refira ao afrouxamento ou à derrubada de óbices à importação de bens e serviços e ao trânsito desimpedido de capitais estrangeiros na economia doméstica, seja para investimento em papéis ou investimentos diretos. É conhecido o receituário livre-cambista neoliberal, que se apóia na velha doutrina econômica das vantagens comparativas. Da mesma forma a doutrina neoliberal defende que todos os setores da economia de um país estejam abertos ao investimento e à aquisição estrangeira, desde a produção e a distribuição de energia, passando pela telefonia e por outros serviços públicos, até o setor financeiro e bancário.

E quanto à política cambial de valorização tanto do peso mexicano quanto do peso argentino (que, na verdade, constituiu, no México, e tem constituído, na Argentina, o calcanhar de Aquiles de seus programas econômicos)? Podemos denominar igualmente tal política de neoliberal? Bem, no caso argentino, talvez a chamada âncora cambial - ou seja, por lei, um peso pode ser trocado por um dólar - tenha sido mais o resultado do desespero de uma nação mergulhada na hiperinflação. Em situações críticas, lança-se mão das políticas mais ousadas e radicais, simplesmente porque não há outra opção. Já, no caso do México, poderíamos suspeitar de uma política neoliberal traçada para esse país pelos Estados Unidos, que tinham interesse em sustentar a recuperação de sua economia, em parte, por meio de maiores exportações para os mercados latino-americanos, estratégia que, sem sombra de dúvida, seria ajudada, e muito, por um peso mexicano supervalorizado.

Resumindo todas as considerações, para não cansar os Senhores Senadores com uma discussão, por natureza, extensa e complexa, diríamos que o receituário neoliberal tem demonstrado, sim, nos exemplos do México e da Argentina, seus limites e seus equívocos. Os Estados Unidos estão tentando desesperadamente salvar, no caso do México, a imagem dessas políticas livre-cambistas, por meio da aprovação de uma ajuda econômica àquele país de nada menos do que cinqüenta bilhões de dólares. Mas é tarde demais. O mundo inteiro já assistiu ao que pode resultar do conluio entre, de um lado, políticas talhadas para um país pobre de acordo com os interesses de seu parceiro rico e poderoso com, de outro lado, um dirigente venal, ambicioso, corrupto e intelectualmente dominado pelo discurso ideológico norte-americano. Referimo-nos ao ex-Presidente Carlos Salinas de Gortari, que passou de herói nacional, embalado pela mídia internacional e pelas revistas e jornais de negócios norte-americanos, a vilão de toda essa história. Por vezes, ficamos imaginando a semelhança entre a citada figura e o ex-Presidente Collor, que certamente promoveria um estrago maior na economia brasileira se não tivesse sido impedido pelo Congresso.

Ficam, portanto, - Senhores Senadores, - para o Brasil, algumas lições desse episódio.

Primeiro, uma política de câmbio fixo ou semi-fixo, embora tenha o efeito benéfico de, no curto prazo, trazer maior credibilidade à estabilização da moeda, é perigosíssima. Não há como congelar a paridade entre o real e o dólar se nossa taxa de inflação, embora tenha baixado muito, continua a ser substancialmente superior à taxa norte-americana. A âncora cambial rígida tende, dessa forma, a produzir déficits vultosos em contas-correntes difíceis de serem financiadas. Assim, o Governo agiu corretamente ao permitir uma ligeira desvalorização do real em face do dólar.

Segundo, não se pode confiar nos recursos em divisas provenientes do capital estrangeiro especulativo de curto prazo, o chamado smart money. Esses capitais evaporam ao menor sinal de mudança da relação entre as taxas de juros internas e as internacionais ou da taxa de câmbio. Devemos, portanto, assim que possível, estabelecer controles ao ingresso desse tipo de capital no Brasil, estabelecendo um período de tempo mínimo - digamos dois anos - para a permanência dos investimentos estrangeiros no País, a exemplo do que fez o Chile. Dessa forma, poderemos confiar na estabilidade de nossas reservas em divisas.

Terceiro, a abertura da economia, embora deva ser promovida, não pode ser realizada de um dia para o outro, de afogadilho, sem se ter uma clara noção estratégica de qual a política industrial que nos convém. É certo que o consumidor ganha com o aumento das importações, que, aliás, é o mais forte instrumento para combater os oligopólios, que são abundantes em nossa economia. No entanto, devemos definir o grau de proteção de que certas áreas industriais brasileiras prioritárias necessitam para não sucumbir à concorrência estrangeira. Precisamos sempre perseguir o objetivo de, cada vez mais, sermos capazes de produzir e de exportar bens de alto valor agregado que, via de regra, consistem nas mercadorias tecnologicamente mais sofisticadas. Esse é o caminho da riqueza e da prosperidade de um país soberano.

Diz-se, com freqüência, que o Brasil tornou-se um país exportador de manufaturas, de bens industriais. Tecnicamente isso é verdade. Entretanto, os bens industriais que formam o grosso de nossas receitas de exportação são, por exemplo, calçados, laminados de ferro e de aço, automóveis, autopeças e suco de laranja. Ou seja, mercadorias não muito sofisticadas tecnologicamente. Enquanto isso, importamos artigos muito mais caros, como bens de capital e computadores. É por isso que um comércio internacional totalmente isento de barreiras é muito conveniente para as nações que já chegaram lá, que são as mais eficientes na produção de bens e serviços sofisticados. Para nós outros, que ainda queremos chegar lá, faz-se necessária uma política industrial que fomente as indústrias de ponta em nosso País, quando é mister algum grau de proteção a certas indústrias.

Encerramos, por fim, esse discurso com a afirmação de que devemos aprender com os ensinamentos da técnica econômica, de que temos de ser austeros na gestão dos recursos públicos para termos uma moeda forte e de que precisamos sempre ter em mente quais são os interesses nacionais do Brasil, não adotando jamais, de maneira leviana, ideologias da moda, que muitas vezes contemplam os interesses dos outros em detrimento dos nossos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/05/1995 - Página 7287