Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DO 'DIA DO EMPREGADO DOMESTICO' E CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS RECENTES CONQUISTAS DA CLASSE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE EMPREGO. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • TRANSCURSO DO 'DIA DO EMPREGADO DOMESTICO' E CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS RECENTES CONQUISTAS DA CLASSE.
Aparteantes
Jefferson Peres, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 28/04/1995 - Página 6707
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE EMPREGO. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, EMPREGADO DOMESTICO.
  • RECLAMAÇÃO, DEMORA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LEGISLAÇÃO ORDINARIA, VIABILIDADE, DIREITO CONSTITUCIONAL, EMPREGADO DOMESTICO, SOLICITAÇÃO, ACEITAÇÃO, RELATOR, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, ESCLARECIMENTOS, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSIÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, APROVAÇÃO, PLENARIO, EMENDA, LEGISLAÇÃO ORDINARIA, ASSUNTO, EMPREGADO DOMESTICO, EMPREGADOR DOMESTICO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, sendo o Dia do Empregado Doméstico, não poderia deixar de, desta tribuna, prestar a minha homenagem e dizer da minha satisfação e da minha alegria em poder estar aqui.

Acredito que essa categoria ainda não pode comemorar o que conquistou com o art. 7º da Constituição Federal, que lhe deu grandes garantias. Nessa oportunidade, tive o prazer e a honra de defendê-la na Assembléia Nacional Constituinte.

A emoção que me toma neste momento é a da consciência de uma trabalhadora, de uma ex-doméstica, que soube, durante toda a sua vida profissional nessa área, valorizar o seu trabalho, mas não viu o seu trabalho ser valorizado.

A minha consciência de trabalhadora não foi suficiente para sensibilizar o empregador, na medida em que essa profissão, antes da Assembléia Nacional Constituinte, não dava retorno ao empregado. A categoria dos empregados domésticos, apesar de ter características profissionais, apresentava traços marcantes voltados para a época da casa grande e senzala. Era como se ainda houvesse o trabalho escravo no Brasil, sem horário determinado para começar e para terminar, sem salário determinado, sem folga nem descanso e sem qualquer reconhecimento.

Sr. Presidente, hoje, temos aproximadamente três milhões de pessoas que trabalham como empregados domésticos, entre homens e mulheres. A maioria, no entanto, é de mulheres, perdendo, em número, apenas para as trabalhadoras rurais.

Sr. Presidente, durante a Assembléia Nacional Constituinte, houve espaço para que pudéssemos ouvir a voz dessas trabalhadoras, que chegaram ao Congresso Nacional trazendo propostas das Associações de Empregados Domésticos, que já faziam um trabalho consciente e articulado para que os seus direitos fossem garantidos. Em parte, conseguimos isso. Mas a regulamentação da lei ordinária já perdura por cinco anos no Congresso Nacional. Enquanto isso, a situação dos empregados domésticos está regida por uma legislação obsoleta e altamente discriminatória, que coloca esses trabalhadores numa situação de inferioridade em relação aos demais.

Na verdade, o que buscamos com essa lei ordinária é fazer com que a regulamentação proteja não apenas o empregado doméstico, mas também o empregador. Por isso, trouxemos da Câmara dos Deputados um projeto que, aqui no Senado Federal, recebeu do relator um substitutivo. Esse substitutivo, acredito que por razões regimentais, foi encaminhado prioritariamente à Comissão de Assuntos Sociais, em detrimento da Comissão de Assuntos Econômicos, que tratou de articular um substitutivo que pudesse contemplar todas as reivindicações feitas, que iriam complementar esse projeto de lei ordinária, que estamos apresentando.

Pois bem, hoje, faço um apelo ao relator do projeto e à Comissão no sentido de que verifiquem a importância e a conveniência da aceitação das emendas que estou apresentando, porque, acredito, elas irão aperfeiçoar o projeto. Tenho certeza de que esta Casa irá referendá-las.

Estou suprimindo o inciso II do §1º do art. 3º do Substitutivo ao Projeto de Lei da Câmara nº 41/91. Por quê? A justificativa que dou para essa emenda é para garantir que se dê ao empregado doméstico o mesmo tratamento dado aos demais trabalhadores. Estou pedindo para excluir a exigência do atestado de boa conduta. Isso não mais condiz com a leitura jurídica moderna. Ao empregador caberá exigir os dispositivos que estão na Constituição: referência, habilidade e experiência no trabalho, além de outros meios modernos que garantirão ao empregador que o empregado que irá trabalhar na sua casa é uma pessoa digna, com condições para tal e boa conduta. Por isso, acredito ser dispensável esse artigo na lei ordinária, pois está no substitutivo que foi aprovado.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte ao nobre Senador.

O Sr. Jefferson Péres - Apenas um esclarecimento. Parece-me que este Plenário deveria ter aprovado o substitutivo da Comissão de Assuntos Econômicos. No entanto, por uma solicitação equivocada do Senador Bernardo Cabral, aprovou-se o da Comissão de Assuntos Sociais. Consultando V. Exª por ocasião da votação, fui informado de que o projeto da Comissão de Assuntos Econômicos era melhor. Suponho, então, que as emendas de V. Exª são no sentido de restaurar o projeto na forma do substitutivo da Comissão de Assuntos Econômicos. É isso?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Exatamente.

O Sr. Jefferson Péres - Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que ajuda a esclarecer o Plenário da necessidade de essas emendas serem acatadas no substitutivo que já votamos, o que irá, na verdade, aperfeiçoar o projeto.

Sabemos também da necessidade de o empregado doméstico dar o aviso prévio ao empregador, por se tratar de uma relação de trabalho diferenciada da relação empregado/empresa. Queremos também, em contrapartida, que o empregador dê o aviso prévio ao empregado.

Então, na verdade, com essas emendas, estamos assegurando ao empregador - porque é uma nova relação de trabalho, a qual reconhecemos -, garantias. Para o empregado também, porque a estabilidade nessa relação de trabalho ocorre quando as partes entendem seus direitos e deveres.

Queremos trazer como emenda, que foi tirada do projeto que veio da Câmara, a questão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Não podemos, de forma nenhuma, negar ao trabalhador doméstico essa oportunidade. Ele tem que ter as mesmas garantias dos outros trabalhadores. Se temos uma lei que garanta isso, não pode haver discriminação com relação aos empregados domésticos. É uma das emendas que estamos apresentando.

Há também uma grande discussão, que estamos recolocando na emenda, no sentido de que, na verdade, às vezes arbitrariamente, sem nenhum amparo legal, está havendo uma exorbitância no chamado desconto da alimentação por parte do empregador. O que queremos assegurar é que haja desconto de moradia, se for necessário, e de alimentação, quando efetivamente for fornecida, nos percentuais de 6 e 3% respectivamente. Por que colocamos isso? Porque entendemos que a relação de trabalho do empregador doméstico não se dá na base do vale-refeição, como nas empresas. A necessidade do desconto por parte do empregador deve levar em consideração que aquele empregado não recebe o vale-refeição, que é resultado de uma luta que os trabalhadores travaram, é uma conquista deles, e isso é negado aos trabalhadores domésticos.

Há também a questão da moradia. Entendemos que o empregado doméstico pode ou não morar no local de trabalho. Isso depende do interesse das partes. Pode ser, por exemplo, que, vindo de uma cidade para outra, o empregado tenha que morar no local de trabalho, havendo, então, a necessidade de se fazer um desconto. Mas, na medida em que haja interesse do empregador em ter ali aquele empregado, não é justo que se faça um desconto exorbitante num salário que sabemos perfeitamente estar na casa de um e meio a dois salários mínimos, no máximo.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Senadora Benedita da Silva, quero parabenizá-la pelo seu discurso neste dia, que para nós é significativo. Nós duas temos em nosso currículo registrado o fato de termos sido domésticas profissionais e de continuarmos sendo dentro de nossos lares, na medida em que as nossas atividades fora de casa nos permitem. Mas em relação ao desconto-moradia, essa questão do interesse do empregador deve ser levada em conta. Primeiro, porque quando o empregado doméstico reside na casa do empregador, geralmente isso se constitui numa vantagem para ambas as partes. Dificilmente, após o horário de trabalho, o empregado vai para uma sala assistir à televisão. Ele continua, horas a fio, cuidando da casa, e isso necessariamente não redunda em horas extras para esse empregado doméstico. Portanto, há um benefício duplo, tanto para quem tem um teto para morar - e dessa forma não estaria pagando aluguel -, como também para aquele que recebe os serviços de alguém que continua dentro da sua casa, mesmo nos horários que já seriam de repouso. Então, esse desconto aí deve ser dado na justa medida em que ambos estão sendo beneficiados. Deve haver uma visão de que, de certa forma, há um certo empate entre aquele que oferece o teto e aquele que oferece os serviços, mesmo no horário que já não corresponde mais ao seu horário de trabalho.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Essa foi uma das discussões mais ricas travadas, seja na Câmara dos Deputados, seja agora quando recebemos a representação da categoria para discutir a possibilidade de resgatar o projeto original, colocando essas emendas. Entendemos que em toda a relação cultural de trabalho do empregado doméstico sempre existiu - e é perfeitamente humano, mas não é justo do ponto de vista profissional - o costume de os empregados domésticos serem tratados como pessoas da família e, como tal, não reivindicarem profissionalmente seus direitos. Como pessoa da família, ele poderia morar na casa mas não receber seus parentes e amigos, porque a casa não é dele. Então, ele perde até essa relação familiar.

Devemos profissionalizar essa relação, fazendo justiça ao empregado doméstico. Não compete ao empregado levar para a casa de seus patrões a sua família, nem mesmo sob o pretexto - que contava com o consentimento mútuo do patrão e do empregado - de o empregado levar a filha para trabalhar sem receber remuneração.

O projeto, na verdade, procura estabelecer uma nova relação, uma relação revolucionária do ponto de vista da cultura do trabalho doméstico.

Portanto, faço um apelo, neste dia de luta para os empregados domésticos, no sentido de que este Plenário aprove essas emendas, onde garantimos, de uma vez por todas, que essa relação de trabalho doméstico seja uma relação sadia, uma relação no mesmo nível da que têm os demais trabalhadores.

Certamente outras conquistas virão para outras categorias, mas, neste momento, ressalto que essa é histórica no Brasil, porque vem desde a casa grande e senzala e hoje chega ao Senado Federal, não apenas simbolizada nas figuras de Benedita da Silva e Marina Silva, mas pelo compromisso que cada um de nós tem com os trabalhadores do nosso País.

Era o que eu tinha a dizer. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 28/04/1995 - Página 6707