Pronunciamento de Valmir Campelo em 05/05/1995
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES ACERCA DE ENTREVISTA PUBLICADA NO MES DE ABRIL, COM O HISTORIADOR INGLES ERIC HOBSBAWN, NA QUAL DISCORRE SOBRE A REALIDADE ECONOMICA, SOCIAL E POLITICA DOS DIAS ATUAIS. ELIMINAÇÃO DA MISERIA ATRAVES DA GERAÇÃO DE PLENO EMPREGO.
- Autor
- Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
- Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DE EMPREGO.:
- CONSIDERAÇÕES ACERCA DE ENTREVISTA PUBLICADA NO MES DE ABRIL, COM O HISTORIADOR INGLES ERIC HOBSBAWN, NA QUAL DISCORRE SOBRE A REALIDADE ECONOMICA, SOCIAL E POLITICA DOS DIAS ATUAIS. ELIMINAÇÃO DA MISERIA ATRAVES DA GERAÇÃO DE PLENO EMPREGO.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 06/05/1995 - Página 7705
- Assunto
- Outros > POLITICA DE EMPREGO.
- Indexação
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- COMENTARIO, ENTREVISTA, ERIC HOBSBAWN, HISTORIADOR, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, ANALISE, FALTA, SEGURANÇA, POSSIBILIDADE, CAPITALISMO, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, RESULTADO, POBREZA, DEFESA, ESTADO, INSTRUMENTO, REDISTRIBUIÇÃO, RIQUEZAS.
- ADVERTENCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, POBREZA, REPRESENTAÇÃO, AMEAÇA, SEGURANÇA, ESTABILIDADE, POLITICA, PAZ, MUNDO.
- REFERENCIA, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), AUMENTO, PERCENTAGEM, BRASILEIROS, SITUAÇÃO, MISERIA, POBREZA, FOME.
- COMENTARIO, ESTUDO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA DE EMPREGO, FORMULA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
- COMENTARIO, NECESSIDADE, BRASIL, CRIAÇÃO, EMPREGO, CORREÇÃO, SITUAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, POBREZA, CIDADE, CAMPO.
- DEFESA, URGENCIA, REFORMULAÇÃO, MODELO, POLITICA DE EMPREGO, EXECUÇÃO, AMBITO REGIONAL.
- SUGESTÃO, ATIVIDADE, SETOR, INCLUSÃO, PROGRAMA, EMPREGO.
O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante o mês de abril do corrente ano, a revista Veja publicou entrevista com o inglês Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores vivos deste século. Manifestando-se sobre a realidade econômica, social e política dos dias atuais, marcados pela ilusão perdida da experiência histórica do comunismo e pela insegurança quanto à possibilidade de solução pela via capitalista das desigualdades decorrentes da pobreza, Eric Hobsbawm afirmou, na entrevista, que "o sucesso das economias industriais depende de uma distribuição razoavelmente equilibrada da riqueza nacional".
Segundo o eminente historiador, o capitalismo não encontra dificuldades para gerar riquezas, mas possui limitações muito grandes no que diz respeito aos problemas sociais, seja pela dificuldade que tem de resolver as questões ambientais, seja porque funda uma economia alimentada pela acumulação e crescimento ilimitados. Na sua opinião, "um dos maiores instrumentos para a redistribuição da riqueza social é o poder público - o Estado ou alguma outra instituição".
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após a queda do "muro de Berlim", acontecimento que simboliza o fim da União Soviética como potência ideológica e militar contrária aos países capitalistas, o problema da distribuição da riqueza tornou-se questão central nas preocupações dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos; o assunto deixou de ser problema social para converter-se em questão de Estado.
Em nível mundial, admite-se que a pobreza, hoje em grau tão alto e em processo crescente, passou a representar a mais séria ameaça à segurança global, à estabilidade política e à paz.
A Organização das Nações Unidas promoveu Conferência Mundial, realizada de 6 a 12 de março deste ano, em Copenhague, com chefes de Estado e de governo, para discutir o desenvolvimento social. A justificativa para a conferência, de acordo com a agenda, apresentava a necessidade de parar para "avaliar o que foi feito durante os cinqüenta anos das Nações Unidas".
Nos termos ainda da agenda, "o que mais chama a atenção é o quadro de progresso humano, sem precedentes, a par de uma indescritível miséria humana, de avanços da humanidade em várias frentes, em oposição aos recuos em muitas outras, de um surto global de prosperidade, lado a lado com uma depressiva globalização da pobreza".
Apesar do progresso, um quinto da população mundial passa fome diariamente; um quarto não tem acesso aos meios adequados para satisfazer as necessidades básicas - água potável, por exemplo -; e um terço vive em situação de miséria absoluta, "numa existência tão marginal que não existem palavras para descrevê-la".
Esse quadro é bem conhecido de todos nós, brasileiros. O Brasil ingressou na década de 90 com um contingente de 64 milhões de pessoas em situação de pobreza, isto é, com rendimento per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. Esse rendimento não é suficiente para atender às necessidades básicas, alimentares e não-alimentares. Desse total, aproximadamente 7 milhões encontravam-se em situação de indigência, com rendimento per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo; portanto, sem condições de comer diariamente.
De acordo com dados organizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Social - IPEA, hoje "32 milhões de brasileiros - uma população equivalente à da Argentina - defrontam-se, diariamente, com o problema da fome".
Vale lembrar que a Organização Internacional do Trabalho considera necessidades básicas as fundamentais para uma sobrevivência humana digna em sociedade: comida, casa, serviços médicos e remédios, vestuário, produtos de higiene, transporte, serviços e materiais escolares, lazer, seguro em caso de acidente, morte ou desemprego.
A Organização das Nações Unidas há tempo tem conhecimento de que a progressão econômica na maioria dos países é acompanhada pelo aumento da pobreza.
Esse resultado, no entanto, é produzido. Surge em decorrência de falhas conceituais e institucionais na condução política das economias. A Conferência Mundial de Copenhague, a que já me referi, realizada em março deste ano, foi promovida em atenção ao dramático quadro mundial da pobreza.
Na década de 70, década estabelecida para ser o "Segundo Decênio do Desenvolvimento", a Organização Internacional do Trabalho incumbiu-se de estudar e debater a questão do emprego, partindo da consideração de que, dentro de cada sociedade, dentro de cada país, a fórmula capaz de associar o desenvolvimento social está na adoção de uma política de pleno emprego.
Hoje, gerar empregos, voltar a crescer, são expressões correntes, tanto no âmbito dos governos quanto no meio empresarial e na sociedade como um todo. O Brasil vivencia essa mesma realidade, uma realidade de tensão, em razão das altas percentagens de desemprego e do crescente aumento da pobreza nas cidades e no campo. Para corrigir a situação, faz-se necessário gerar empregos e crescer.
Nesse contexto, o emprego produtivo passou a ser "objetivo essencial" para reverter o quadro de desequilíbrio criado entre crescimento econômico e pobreza, por ser o emprego produtivo o caminho de ascensão social para os assalariados e o fator interno adequado à distribuição da riqueza produzida.
A sociedade progride, portanto, quando se orienta pela compreensão de que o desenvolvimento econômico é atingível por meio da promoção das pessoas pelo trabalho, quer dizer, pelo emprego produtivo e livre.
Desenvolvimento por meio do pleno emprego, esse é o princípio balizador do Programa Mundial de Emprego. É a idéia-força lançada para incentivar os países a se aplicarem na identificação da política de emprego com a política de desenvolvimento, de tal modo que o emprego, o crescimento e a distribuição de renda aconteçam simultaneamente.
Diz o relatório da Conferência Internacional sobre Trabalho, realizada em Genebra em 1969, "se os Estados conseguirem assegurar trabalho produtivo à força de trabalho disponível, isto é, trabalho que resulte na produção de bens e serviços de valor superior aos seus custos, eles não estarão diante do dilema: aumentar o emprego ou aumentar a produção e as rendas reais; as mesmas medidas hão de concorrer para ambos os resultados. Gerar empregos para aumentar a produção não é, de forma alguma, criar cargos para serem ocupados de forma improdutiva".
Criar empregos, então, constitui-se não em simples meta, mas "objetivo direto em si", prioritário, fim e meio para as ações de governo, tanto no plano nacional quanto em nível local, objetivo direto da estratégia que visa à satisfação das necessidades básicas.
No entendimento da Organização Internacional do Trabalho
No entendimento da Organização Internacional do Trabalho, o emprego, produtivo e livre, como fim e meio, está ligado à solução do problema da pobreza. A pobreza de uma população subdesenvolvida é eliminada por meio de uma política de pleno emprego.
Esse entendimento tem por base, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a visão conceitual de que a pobreza não é resultante da etnia, da cor ou da religião. A pobreza é efeito, decorre do desequilíbrio da economia. É criada pela má gerência política da economia, inclusive em nível local, o que provoca a exclusão ou marginaliza do processo produtivo grande parte da força de trabalho. A parte excluída acumula carências e a favorecida, afluência de bens.
Os resultados dessa situação são, como muito bem ficou caracterizado nos textos da Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: "rostos desfigurados pela fome; rostos desiludidos por promessas políticas não cumpridas; rostos humilhados de quem tem sua cultura desprezada; rostos aterrorizados pela violência diária e indiscriminada; rostos angustiados dos menores abandonados; rostos das mulheres desrespeitadas e humilhadas"; rostos de migrantes sem acolhida; rostos de idosos sem condições de viver dignamente. As conseqüências, porém, não se restringem a marcar os excluídos; caracterizam a sociedade como um todo com a substituição da ética pela lógica do mercado; marcam o próprio rosto dos incluídos que passa a refletir o medo, o conflito e uma constante situação de intranqüilidade, atingindo as raias da neurose.
"O leito da pobreza é fecundo", afirmava Josué de Castro. Isso é verdade, a pobreza não apenas se alarga vegetativamente, mas gesta também graves tensões e, historicamente, prepara o terreno para transformações violentas.
As considerações até aqui feitas sobre pobreza, bens básicos e necessidades fundamentais apontam para a urgência do estabelecimento de uma nova estratégia de política de emprego a ser executada em âmbito especialmente local. Tal estratégia, mediante estímulos específicos, deverá objetivar a constituição de uma estrutura produtiva básica, de acordo com a vocação de cada região, dinamizando e aprimorando a capacidade já instalada, de modo a aumentar a produção de bens essenciais e a absorver toda a força de trabalho disponível.
São erros tradicionais nos países subdesenvolvidos supor que o crescimento econômico tenha como resultado inercial a solução da pobreza ou que esta se vença sem a integração dos pobres ao processo produtivo.
O emprego produtivo é instrumento efetivo para transformar, mediante as forças internas, o desenvolvimento econômico em social, para propiciar a distribuição da renda, incrementar o salário real e aumentar a demanda de mão-de-obra.
Para o atingimento desse objetivo, é necessária a mobilização do País em todas as instâncias setoriais e regionais, a fim de materializar uma determinação política; é necessária, portanto, a participação do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios, bem como de entidades privadas, todos agindo segundo critérios de coerência e convergência em relação a propostas claras.
No contexto desse horizonte, de acordo com a experiência internacional, as linhas de ação de um programa de emprego devem constituir-se de um conjunto de medidas destinadas a dar eficiência às estruturas instaladas, tanto públicas quanto particulares. Compreenderiam então:
1) ativação e dinamização da capacidade instalada em todos os níveis dos setores de governo e da sociedade;
2) terceirização da produção de bens e serviços;
3) eliminação dos entraves de natureza burocrática, fiscal ou de infra-estrutura existentes e que pesam sobre as atividades produtivas;
4) desoneração do fator trabalho em referência aos encargos financeiros;
5) estímulo à criatividade e às iniciativas empresariais, de modo especial no que se relaciona com a média, a pequena e a microempresa, organizações empresariais de pessoas físicas no campo da produção agrícola, industrial, comercial, de serviços e de crédito;
6) cadastramento e reconhecimento das atividades informais produtivas tais como as dos artesãos, das costureiras, feirantes, vendedores ambulantes e demais iniciativas engendradas pela criatividade;
7) barateamento dos insumos básicos;
8) correção das falhas existentes na cadeia de produção dos bens básicos, particularmente as que sacrificam os pequenos produtores rurais;
9) estímulo às atividades hortifrutigranjeiras, às de produção de grãos, aves e ovos, pecuárias de leite e carne, de pequenos animais;
10) incremento a iniciativas que visem a superar o desequilíbrio entre o campo e a cidade em termos da infra-estrutura econômica e social.
Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses são apenas alguns aspectos que deveriam ser contemplados por um programa de emprego com tal envergadura. Muitas outras atividades e setores poderiam ser indicados como partes constituintes.
O que me propus nesta fala foi colocar para esta Casa e à sociedade em geral um tema que deve merecer a preocupação e ação de todos.
É preciso, a partir das dificuldades que o País vive, estabelecer um ideal histórico e dar-lhe realidade e concretude. "Quando se propugna o pleno emprego entende-se que a sociedade deve ser estruturada pela gerência política da economia para incorporar toda a sua força de trabalho no processo produtivo" (F. Menna Barreto, Emprego versus Pobreza. UnB, 1995).
O País não pode continuar inercialmente imobilizado diante da parcela enorme de brasileiros desempregados, sem condições de sobrevivência digna. "O fulcro da questão está em que se chegue à consciência e à cultura de que o desenvolvimento econômico e social somente se alcança de forma endógena, isto é, promovendo as pessoas através do trabalho produtivo e livre" (op. cit.)
É importante observar que as sociedades - a Conferência de Copenhague é reflexo deste fato - começam a dar-se conta de que o mundo só se tornará humano na medida em que os seres humanos se empenharem como seres solidários e de justiça, embarcados em um mesmo destino histórico.
Para a execução dessa tarefa ou para atingir objetivos tão abrangentes, razão tem Hobsbawm, o Estado possui um papel insubstituível e impostergável.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.