Pronunciamento de Lúcio Alcântara em 12/05/1995
Discurso no Senado Federal
NATUREZA DESUMANA COM QUE SÃO TRATADOS OS PACIENTES DAS UTIS. SITUAÇÃO DA SAUDE NO PAIS.
- Autor
- Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
- Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.:
- NATUREZA DESUMANA COM QUE SÃO TRATADOS OS PACIENTES DAS UTIS. SITUAÇÃO DA SAUDE NO PAIS.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 13/05/1995 - Página 8183
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, CRITICA, FORMA, TRATAMENTO, PACIENTE, GRAVIDADE, INTERNAMENTO, MOTIVO, FALTA, DIGNIDADE, HOMEM, EFEITO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR.
- OPOSIÇÃO, PROPOSTA, CRIAÇÃO, IMPOSTO PROVISORIO SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (IPMF), INVESTIMENTO, SETOR, SAUDE, PAIS.
- APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, VINCULAÇÃO, RECURSOS, PROCEDENCIA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, DESTINAÇÃO, EXECUÇÃO, PROGRAMA, SETOR, ASSISTENCIA SOCIAL, PREVIDENCIA SOCIAL, SAUDE, EDUCAÇÃO.
- APREENSÃO, CRITICA, SITUAÇÃO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, RELAÇÃO, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, INTERNAMENTO, VINCULAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), MOTIVO, INSUFICIENCIA, RECURSOS, CUSTEIO, TRATAMENTO, HOSPITALIZAÇÃO.
- DEFESA, NECESSIDADE, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, CLASSE ECONOMICA, RELAÇÃO, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, DESTINAÇÃO, POPULAÇÃO, PAIS.
- CRITICA, SISTEMA, PAGAMENTO, MEDICO, ADOÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), MOTIVO, DEPENDENCIA, FORMA, ESPECIALIZAÇÃO, TRATAMENTO, RESULTADO, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE ECONOMICA.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:
"Não é por culpa de nossos médicos que a assistência médica à comunidade, tal como é prestada hoje, é um absurdo sanguinário. Qualquer nação que observe que se deve compensar um padeiro, dando-lhe um interesse pecuniário por cada pão produzido e evolua dando a um cirurgião um interesse pecuniário para cortar uma perna, desencadeia o processo suficiente para levar qualquer um a desanimar de qualquer política humanitária. Entretanto, foi precisamente isso o que nós fizemos. E quanto mais pavorosa for a mutilação, maior o pagamento do mutilador. Aquele que corrige uma unha encravada recebe algumas moedas; aquele que lhe corta por dentro recebe centenas de milhares, exceto quando ele faz isso em um pobre para o exercício da prática." (in Jorge Bernard Shaw, prefácio aos médicos, O Dilema do Médico, 1906.)
Sr. Presidente, a revista Veja desta semana trouxe uma matéria muito bem conduzida e fundamentada sobre o problema das UTI's - Unidades de Tratamento Intensivo.
Congratulo-me com o autor da matéria e também com os responsáveis por essa publicação, pela forma isenta e bastante objetiva com que trataram a questão, retratando um drama que aflige milhares de brasileiros que, eventualmente, necessitam ou venham a necessitar de tratamento médico intensivo em uma dessas Unidades que existem Brasil afora, em numerosos hospitais públicos, filantrópicos e privados.
Se essas palavras escritas pelo grande Bernard Shaw, em 1906, chocam, devemos dizer que, feitas as devidas adaptações, ainda continuam muito atuais. Se, por um lado, as Unidades de Tratamento Intensivo contribuem para salvar muitas vidas, recuperando pacientes gravemente enfermos, principalmente em razão de doenças agudas que colocam em risco a vida, por outro lado, elas também compõem um cenário de desumanidade e, muitas vezes, de tratamentos inadequados. Ali estão, dias a fio, pacientes cuja recuperação é muito lenta ou impossível, portanto, incompatível com o tipo de tratamento ministrado nessas Unidades. Além disso, deparamo-nos com um tratamento impessoal e pouco solidário. As próprias dependências dessas Unidades, os equipamentos que são utilizados, a movimentação do pessoal técnico, o isolamento em que esses pacientes se encontram, muitas vezes convivendo com situações desesperadoras de outros enfermos que clamam pela sua salvação ou que lastimam as condições nas quais se encontram naquele momento, enfim, todo esse quadro contribui para um cenário realmente deplorável.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início da minha atividade profissional, trabalhei nessas Unidades em hospitais privados e públicos. Tenho, portanto, alguma experiência com esse tipo de tratamento. Ao chamar a atenção para o conteúdo e para a natureza da matéria que a revista Veja publicou esta semana, pretendo alertar as nossas autoridades, os responsáveis pela saúde do Brasil, para os rumos perigosos que ela toma, seja em função da carência de recursos, crônica e permanente, como se fora um problema insolúvel, seja também quanto ao próprio tipo de atenção médica dispensada aos pacientes, pela natureza desumana, fria e impessoal que contrasta com a própria natureza da nossa atividade profissional.
Em relação aos recursos, aqui mesmo desta tribuna já tive ocasião de deplorar a falta de meios para que o Governo possa prover as necessárias condições para o atendimento justo aos nossos pacientes, aos brasileiros, principalmente aqueles que têm uma condição econômica e social difícil, inferior, e que não têm como obter, por seus próprios meios, o tratamento de que necessitam ou a assistência à saúde a que têm direito.
Agora cogita-se de ressuscitar o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), a título de acudir as insuficiências de recursos da saúde brasileira. Entendo que essa medida, de caráter puramente paliativo, não oferecerá os resultados necessários. E explico por quê.
Na própria Constituição de 88 - Constituição muitas vezes incompreendida, muitas vezes apresentada como a raiz de todos os males do Brasil, a meu ver impropriamente - consignamos, no Capítulo da Seguridade Social, as receitas para atender à assistência social, previdência e saúde.
O que acontece é que o Governo dá com uma mão e tira com a outra. Quando se descobre uma nova fonte de recursos para financiar a saúde, o que costuma acontecer - isso é histórico - é que aquela fonte não adiciona novos recursos. Esses recursos novos entram por um lado, e o Governo subtrai recursos de outro, de tal maneira que o montante total gasto permanece praticamente o mesmo.
Imaginem V. Exªs que hoje, no Brasil, estamos gastando cerca de US$72 por habitante/ano com saúde, que é uma cifra absolutamente insuficiente e mesmo incompatível com o nosso estágio de desenvolvimento, comparando-se, inclusive, com a de países de condições assemelhadas à nossa.
Penso que se deva encontrar soluções definitivas para o problema, inclusive no momento em que o Governo aliena o seu patrimônio, em que o Estado brasileiro desiste de ser um Estado empresário, um Estado empreendedor no setor econômico, tendo em vista o programa de privatização que está em curso. Pergunto, então: que tipo de Estado vamos querer? De que esse Estado vai se ocupar? Seria das suas atividades clássicas, como justiça, segurança pública, saúde, educação?
No entanto, não estou vislumbrando, pelo menos a curto e médio prazo, como esses recursos poderiam chegar para que o Estado brasileiro pudesse, pelo menos, cumprir bem as suas funções nessas áreas. Ainda ontem, o Ministro José Serra, desta tribuna, disse com todas as letras que, no seu entender, os recursos advindos da privatização deveriam servir para abater o estoque da dívida interna.
Ora, hoje está circulando no jornal Folha de S.Paulo, na coluna do jornalista Luís Nassif, que, com a alienação da Vale do Rio Doce, é possível pagar quatro meses de juros. O que estou vendo, diante dessa situação, é que iríamos apenas alienar o patrimônio, como se fôssemos uma família arruinada que vende os seus bens, para pagar a conta do armazém, e que, portanto, empobrece a cada ano.
Imagino que poderíamos vincular as receitas advindas da alienação desse patrimônio público nacional para a execução de programas na área social, na área da previdência, na área da saúde e na área da educação. Nesse particular, o Governo Itamar Franco vinculou percentuais da alienação de empresas públicas a programas de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, buscando aproveitar esses ativos de que estamos nos desfazendo, para construirmos, talvez, um desenvolvimento científico e tecnológico que possa contribuir para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.
Por outro lado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em relação propriamente à prestação dessa assistência médica, especificamente em relação ao tratamento dessas doenças agudas, que requerem, pela sua gravidade - acidentes, doenças coronárias e outras mais - um tratamento intensivo, devo dizer: triste do paciente amparado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), ou seja, aquele que não tem recursos próprios para pagar a sua assistência médica ou aquele que não dispõe de seguro-saúde e que tem no SUS, no Estado portanto, a garantia da prestação da assistência médica! Triste de um paciente nessas condições que necessite de um leito na Unidade de Tratamento Intensivo! Ele não vai conseguir, porque os poucos leitos para tratamento intensivo que estão disponíveis nessas unidades são destinados ou a pacientes particulares, que podem responder pelos gastos, ou a convênios e entidades que garantem a assistência médica dos seus segurados, que são as caixas das empresas estatais, os seguros-saúde e outras instituições.
Mas o paciente pobre, o operário, o desempregado, aquele que vive do salário mínimo ou de uma renda inferior, se precisar desse tipo de tratamento, não encontrará. Porque, mesmo que haja o leito, os hospitais sonegam, alegando que a diária paga pelo Sistema Único de Saúde não remunera a despesa com o paciente. E, portanto, estamos aí diante de uma situação cruel e verdadeiramente desumana, que precisa ser denunciada e revertida.
A UTI, como diz a própria revista Veja, é paraíso, mas pode ser também inferno, porque ali, muitas vezes, o paciente não recebe o tratamento que merece, o tratamento a que tem direito, o tratamento que precisa; simplesmente ela se transforma numa espécie de máquina de produzir lucros, de produzir dinheiro para aqueles proprietários, para aqueles agentes que oferecem seus serviços, ou para o Estado, ou para essas instituições prestadoras de serviços da saúde, ou para os próprios pacientes particulares. Muitas vezes, os pacientes ficam ali dias a fio, embora não sejam casos indicados para esse tipo de atendimento; mas ali ficam, porque a ocupação do leito rende recursos aos proprietários dessas instituições.
Há mais um aspecto que é necessário enfatizar: muitas vezes, esses seguros-saúde, essas instituições que oferecem patrocínio mediante o pagamento de valores mensais para garantir a saúde de seus segurados, garantem o internamento na UTI apenas por cinco dias. E aquele que é obrigado a procurar, para proteger e recuperar a sua saúde, uma instituição desse tipo termina, às vezes, se recuperando, mas com a ruína financeira e econômica de sua família. Eu mesmo, e talvez muitos de V. Exªs também, conheço diversos casos de pessoas e de famílias inteiras que tiveram de internar seus familiares gravemente doentes em UTIs - alguns tendo recuperado a saúde e outros não, às vezes até terminando em óbito -, tendo a sua situação financeira completamente arruinada, porque tudo o que construíram com o seu trabalho, anos a fio, foi consumido rapidamente em poucos dias de internação, para que o paciente recebesse o tratamento intensivo de que necessitava.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveitando a matéria publicada esta semana na revista Veja, desejo aqui denunciar mais esse descalabro, essa situação de grande dificuldade nesse setor específico da área da saúde. É preciso garantir a quem dele precisar, seja qual for a sua condição econômica e social, o justo e devido atendimento. É necessário resolver as questões da crônica deficiência de recursos para a área da saúde e da natureza desumana de que se está revestindo o tratamento médico que vem sendo dispensado às nossas populações nos últimos anos.
Portanto, tem muita razão e atualidade Bernard Shaw, quando falava sobre a remuneração desigual que obtém o profissional em razão do tipo de tratamento que está dispensando ao paciente. Inclusive, no Sistema Único de Saúde, adota-se o método da remuneração por ato praticado, ou seja, o Governo paga ao profissional um valor que depende do tipo de ato que ele estiver praticando, se é uma cirurgia, uma consulta, que tipo de exame ele está fazendo, a que tipo de processo ele está sendo submetido.
Isso gera uma distorção muito grave. Os serviços de saúde devem ser basicamente providos e garantidos pelo Estado, porque nada torna tão insegura a pessoa quanto a incerteza sobre o atendimento que terá quando eventualmente dele necessitar.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que estamos votando reformas constitucionais, visando à mudança do caráter e da natureza do Estado brasileiro, é preciso explicitar as funções que a ele estamos reservando, para que se garanta, da melhor maneira possível, nessas funções clássicas de justiça, de segurança, de saúde, de educação, o justo tratamento que a nossa população merece.
Muito obrigado, Sr. Presidente.