Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DO APROFUNDAMENTO DO DEBATE, PELO SENADO FEDERAL, ACERCA DA PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. POSIÇÃO CONTRARIA DE S.EXA. A PRIVATIZAÇÃO DAQUELA COMPANHIA.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • IMPORTANCIA DO APROFUNDAMENTO DO DEBATE, PELO SENADO FEDERAL, ACERCA DA PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. POSIÇÃO CONTRARIA DE S.EXA. A PRIVATIZAÇÃO DAQUELA COMPANHIA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Roberto Freire.
Publicação
Publicação no DCN2 de 17/05/1995 - Página 8339
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, DEBATE, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, VONTADE, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • CRITICA, GOVERNO, VONTADE, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), MOTIVO, COMPROVAÇÃO, EFICIENCIA, EMPRESA DE MINERAÇÃO, FOMENTO, DESENVOLVIMENTO, SETOR, SANEAMENTO BASICO, TRANSPORTE, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA, INFRAESTRUTURA, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, EMPREGADO.
  • COMENTARIO, ANALISE, IMPORTANCIA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PROGRAMA ESTRATEGICO DE DESENVOLVIMENTO, PAIS.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz hoje a esta tribuna deveria ser imediatamente discutido com a necessária atenção, devido a não estar diretamente relacionado com a reforma constitucional; por isso mesmo temo que acabe passando por esta Casa sem o necessário aprofundamento. Refiro-me à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, uma meta do atual Governo Federal.

Em primeiro lugar, eu gostaria de reafirmar que eu, pessoalmente, e o meu Partido não nos sentimos, em absoluto, responsáveis pelo tipo de Estado e de empresas estatais construídas ao longo dos últimos anos. Deve-se registrar que, quando boa parte dessas estatais e desse tipo de Estado foram construídos, diversos democratas, socialistas, comunistas e progressistas estavam sendo banidos, presos, mortos e torturados. É de se estranhar que muitos liberais de ocasião que foram responsáveis pela construção desse Estado venham, agora, se utilizar do argumento de que o Estado cresceu demais e é ineficiente e de que as estatais são um cabide de emprego, para justificar a sua privatização. A questão da Companhia Vale do Rio Doce merece uma apreciação à parte e profunda discussão por parte dos representantes do povo.

Em segundo lugar, eu gostaria de tecer um comentário sobre a justificativa apresentada pelo Dr. Edmar Bacha, Presidente do BNDES, tanto na audiência pública da Câmara dos Deputados, que analisou essa questão, quanto na mesma audiência, realizada hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos e Infra-Estrutura desta Casa. A justificativa principal é de que o Estado deve-se afastar de qualquer atividade empresarial. Isso é apresentado como sendo um conceito social-democrata.

Não concordo com aqueles que classificam o Governo como neoliberal, já que o preceito de que o Estado deve afastar-se totalmente de qualquer atividade empresarial não está inserido nos preceitos do neoliberalismo. É só ver os exemplos da Inglaterra e de outros países. Talvez pudéssemos classificar esse preceito como liberalismo clássico, que não tem referência e exemplo em nenhum outro país do mundo. Vale lembrar aquele ditado popular, que diz que aquilo que só ocorre no Brasil e em nenhum outro país do mundo ou é jaboticaba ou é bobagem.

No que diz respeito à Companhia Vale do Rio Doce, o primeiro aspecto que tem que ser ressaltado é que ela não é mais uma simples empresa de mineração. Ela própria se intitula uma empresa de recursos naturais e de transportes e tem sido uma importante agência de desenvolvimento em diversos setores, aplicando em saneamento básico, em obras de infra-estrutura, em locais onde o Estado não consegue chegar. Nem o mais renhido privativista poderá deixar de levar em consideração o importante papel que teve a Companhia Vale do Rio Doce, do ponto de vista de desenvolvimento social e econômico, em diversas regiões do País.

Um dos aspectos que norteiam os investimentos na área mineral é a chamada rigidez locacional. Normalmente, os investimentos são aplicados perto das jazidas minerais. Infeliz ou felizmente, as jazidas minerais não ocorrem em Ipanema, ou no Leblon, ou em São Paulo, ou nas proximidades das capitais; geralmente ocorrem nos rincões do País, no interior de Minas Gerais, da Bahia, do Espírito Santo, de Sergipe, do Pará e do Maranhão.

A Companhia Vale do Rio Doce deverá desempenhar papel relevante num Governo que se preocupa com estratégia de política industrial. Um dos aspectos a considerar, em primeiro lugar, é que a Vale do Rio Doce detém os direitos de concessão dos recursos minerais da chamada Província de Carajás, uma das mais ricas do mundo; inclusive, em extensão, essa província é superior a alguns países da Europa.

É bom registrar que o modelo de administração dos recursos minerais brasileiros é baseado numa legislação caduca, que remonta ao ano de 1934. Esse modelo é baseado numa forma de concessão cartorial, que faz com que seja letra morta o caput do art. 176 da Constituição brasileira, que diz serem de propriedade da União os recursos minerais do subsolo.

Na verdade, em função desse modelo de concessão cartorial, os recursos minerais brasileiros somente são de propriedade da União enquanto não forem descobertos. A partir do momento que são descobertos, esses recursos passam a ser de propriedade da empresa de mineração que recebeu a concessão de lavra.

A Companhia Vale do Rio Doce somente recebeu todos esses alvarás de concessão na Província de Carajás por se tratar de uma empresa estatal. Gostaríamos de saber o que acontecerá se houver a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. É preciso lembrar, inclusive, que o Dr. Edmar Bacha disse hoje que todos os direitos minerais concedidos à Companhia Vale do Rio Doce naturalmente também seriam privatizados.

Outro aspecto importante que deve ser levantado para a discussão da privatização da Companhia Vale do Rio Doce é a sua diversidade de atuação. Trata-se de uma empresa que explora variados recursos minerais como o ferro, ouro - já é hoje a maior produtora de ouro do Brasil -, prata, cobre, potássio, manganês; além disso, trabalha com celulose, indústria de papel; teve uma participação decisiva na privatização de diversas indústrias siderúrgicas, em parceria com siderúrgicas na França e na Argentina. Enfim, é um grande grupo econômico que, caso venha a ser privatizado, dará origem a um grande oligopólio privado que, com certeza, não serviria à estratégia industrial da Nação brasileira.

É importante chamar a atenção ainda para a atuação social da Companhia Vale do Rio Doce nesse período. Ela é a única empresa estatal que tem um fundo de desenvolvimento social aplicado em diversas áreas. Particularmente, tem aplicado até agora em atividades relacionadas a saneamento básico, pontes, rodovias localmente essenciais, tratamento de água, tratores, escavadeiras, recuperação de patrimônios histórico-culturais, desassoreamento de ribeirões, construção de creches e escolas, aparelhamento policial, reflorestamento de encostas, galerias pluviais etc, nos diversos municípios onde a Companhia Vale do Rio Doce atua.

De 1954 a 1992, a Companhia Vale do Rio Doce aplicou, por meio desse fundo de desenvolvimento, em empréstimos a fundo perdido ou subsidiados, U$200 milhões, aplicados em 194 municípios, sendo 155 no Estado de Minas Gerais e 39 no Estado do Espírito Santo.

Deve-se registrar que, por deliberação do Conselho de Administração da companhia, a partir de 1995, esse fundo de desenvolvimento será utilizado também nos outros Estados onde a Companhia Vale do Rio Doce atua, a saber, o Pará, Maranhão, Sergipe, Bahia e Mato Grosso do Sul.

Eu queria fazer referência ao depoimento de um ex-Presidente da companhia, Paulo José de Lima Vieira, efetuado na audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, sobre a discussão por ocasião da construção da ferrovia que liga a mina de Carajás a um porto do Maranhão que viabiliza o escoamento daqueles produtos.

      "A Privatização da CVRD. Depoimento do Engenheiro Paulo José de Lima Vieira em 10/05/96.

"Na época, as jazidas de minério de ferro de Carajás eram propriedade de uma sociedade formada pela Vale e pela United States Steel e que estudava o projeto para desenvolvê-las e aproveitá-las. A U.S. Steel, numa posição típica e compreensível em empresa privada, concordava com os investimentos a serem feitos na mina e no porto de São Luiz, mas recusava-se a participar do investimento na ferrovia, que considerava obrigação pertencente ao Estado Brasileiro.

O impasse não foi resolvido e somente foi superado com a compra, pela Vale do Rio Doce, da participação da U.S. Steel, paga em dinheiro pela compradora.

Se tivesse perdurado aquele impasse, é possível que não tivéssemos, até hoje, a Ferrovia de Carajás e a exportação em pleno desenvolvimento, com reflexos importantes em toda a região..."

Afinal de contas, por que o Governo tem interesse em privatizar a Companhia Vale do Rio Doce? Seria pelo seu empenho empresarial? Acreditamos que não. Por exemplo, no contrato de gestão, assinado pela Companhia Vale do Rio Doce, é oportuno registrar que a única boa ação, feita pelo então Governo Fernando Collor, foi introduzir a figura do contrato de gestão nas empresas estatais. Esses contratos vêm sendo, cada vez mais, resumidos ou impedidos de ter a sua atuação em toda a sua plenitude, em função das medidas draconianas baixadas pelo atual Governo Federal.

No contrato de gestão, de 1990 a 1993, o endividamento global passou de 1 bilhão, 742 milhões de dólares para 1 bilhão, 150 milhões de dólares em 1993.

A geração operacional de caixa deu um saldo de 450 para 700 milhões de dólares. O número de empregados, de 21.826 foi reduzido para 17.952. É oportuno registrar que esse número, em 1993, foi reduzido em mais dois mil empregados, tendo hoje a Companhia Vale do Rio Doce em torno de apenas 15 mil.

Os gastos com serviços contratados saíram do percentual de 15,3% sobre a receita para 10%, e a produtividade econômica ampliou-se de U$99.67 mil/homem/ano para U$113.08 mil/homem/ano no período de 1990 a 1993. Seria o motivo da privatização da Companhia Vale do Rio Doce pelo fato de ela ser uma estatal pouco competitiva internacionalmente? Os números mostram que não. Como maior mineradora e exportadora de minério de ferro do mundo, tem joint ventures com empresas de doze países, sendo o Japão o seu principal parceiro. Foi recomendada por empresas de consultoria internacionais para investidores estrangeiros, como saiu no Jornal do Brasil de 20 de janeiro de 1994. O Banco de Investimentos Salomon Brothers está indicando a seus clientes a compra de ABRs da CVRD como a melhor opção oferecida pelo mercado brasileiro de ações este ano e no próximo.

Será que a justificativa é para usar o dinheiro na construção de infra-estrutura, como, por exemplo, ferrovias, ou para conseguir escolas e hospitais? Quantas ferrovias?

São dois exemplos: A linha Vitória-Minas, da Companhia Vale do Rio Doce, em consórcio com a Rede Ferroviária Federal e a CODESA, resulta em um corredor de exportação que liga sete Estados aos portos e se beneficia de acordos para redução de tarifas com os corredores europeus de Trieste, na Itália, da Holanda e da Bélgica. Outros acordos estão sendo negociados com a Espanha, França, Cingapura e Japão.

Em segundo lugar, transportando 57% das cargas ferroviárias no País, a CVRD dispensa o frete se o trem atrasar. Essa garantia de eficiência não foi acionada uma só vez, porque os trens da Companhia Vale do Rio Doce não atrasam além das margens contratadas. Esforçando-se para estimular o uso do transporte ferroviário por outras empresas, hoje a Vitória-Minas já tem 30% da carga de terceiros. Seria porque a Companhia Vale do Rio Doce tem médias espúrias?

A estratégia da referida Companhia até o final do milênio é a seguinte: em primeiro lugar, buscar sociedade com a iniciativa privada quando o parceiro for dono de boa parcela do mercado internacional ou o parceiro dispuser de tecnologia de ponta; em segundo lugar, diversificar a extração e beneficiamento de minerais e produtos florestais; em terceiro, verticalizar a produção e globalizar a atuação; em quarto, participar da privatização e arrendamento de ferrovias; quinto, aumentar a produção de ouro para 30 toneladas/ano; sexto, desenvolver a utilização comercial de suas ferrovias e portos.

Finalmente, uma outra consideração a respeito da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. A empresa pode valer de 16 a 18 bilhões de dólares, estimativa para venda em bloco, ou de 6 a 13 bilhões caso ela seja parcelada.

Não há investidor nacional com recursos suficientes para comprar a Companhia Vale do Rio Doce inteira e, nesse caso, ou os japoneses - aí por intermédio da Nippon Steel, uma empresa estatal japonesa - ou os australianos são os mais fortes candidatos. Para os japoneses, ela é fornecedora e parceira estratégica e deveria manter a mesma estrutura; para os australianos, ela é a maior concorrente, e ninguém garantiria a continuidade da empresa, sem contar com o monopólio, que poderia elevar os preços internacionais dos produtos siderúrgicos.

Outro aspecto que gostaríamos de ressaltar é o valor estratégico que tem a Companhia Vale do Rio Doce, particularmente no meu Estado, Sergipe.

A Vale do Rio Doce opera em Sergipe a única mina de cloreto de potássio existente no Hemisfério Sul. Essa mina era explorada anteriormente pela PETROBRÁS Mineração, uma subsidiária da PETROBRÁS extinta pelo Governo Collor.

É um empreendimento com retorno financeiro profundamente reduzido, mas que tem um interesse estratégico para o País, já que o Brasil consome cerca de um milhão e meio de toneladas de cloreto de potássio por ano e ela deverá produzir, este ano, em torno de 600 mil toneladas. Então, por ser a única mina, não só do Brasil mas também do Hemisfério Sul, ela tem um interesse estratégico, principalmente por ser o cloreto de potássio um produto utilizado na indústria de fertilizantes.

Deve-se registrar também que, quando da extinção da PETROMISA, a sociedade sergipana se mobilizou no sentido de evitar o fechamento daquele empreendimento e ele foi assumido pela Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal. Justamente por ser um empreendimento de pequeno retorno econômico provavelmente não interessaria a uma empresa privada. Portanto, também nesse caso, a privatização da Companhia Vale do Rio Doce poderia ter repercussões profundas do ponto de vista da economia sergipana e do ponto de vista da estratégia do País na parte de agricultura e do setor de fertilizantes.

Lembro um outro fato que diz respeito à questão dos dados relativos ao Fundo de Desenvolvimento da Companhia Vale do Rio Doce aplicado nas regiões onde a empresa atua. Se a Companhia Vale do Rio Doce for vendida, que multinacional aplicará parte significativa dos seus lucros num fundo de desenvolvimento, visando à interiorização do progresso e da infra-estrutura social e municipal, como tem feito a Companhia Vale do Rio Doce ao longo dos anos?

Vários prefeituras do interior e mesmo governos de Estado reconhecem que têm encontrado na Vale justamente o instrumento que, com maior eficiência e presteza, tem cumprido o papel efetivo e social do Estado em suas regiões. Por intermédio daquele fundo, a empresa tem exercido o papel não apenas de gerador de empregos mas também de criador de hospitais, de um grande número de escolas onde o Estado jamais construíra alguma e de implantador de infra-estrutura social e ferroviária pioneira. Só no ano passado, a Vale transportou quase 2,5 milhões de passageiros em suas ferrovias.

Pois bem, se em lugar da Vale estivessem trustes ou um grupo de capital internacional explorando o minério de ferro no Pará, por exemplo, quando eles se ocupariam de construir ferrovias, infra-estrutura pesada pelo nosso interior afora?

O Sr. Roberto Freire - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo o aparte ao Senador Roberto Freire.

O Sr. Roberto Freire - O debate sobre privatização no Brasil parte de um equívoco do Governo ao lidar com conteúdo ideológico. Os setores conservadores e liberais que dão sustentação ao Governo têm evidentemente essa visão ideológica. Há todo um clima no mundo demonstrando que a privatização é a solução para os problemas dos países que enfrentam crises econômicas. A discussão sobre privatização deve ser feita, inclusive por nós, homens que pertencemos a partidos de esquerda, mas sem o caráter ideológico. Devemos discutir questões de eficiência econômica da atividade, se ela é estratégica ou se é esse o papel do Estado nesse novo mundo que estamos vivendo, em meio a uma revolução que implica Estado com outra função, uma função muito mais nas fronteiras da Ciência e da Tecnologia. Mas este Governo comete ainda outro equívoco ao analisar a questão da privatizações, não numa visão da abertura da economia, da captação de recursos, de investimentos externos, do capital privado para gerar emprego e renda, com investimentos em risco. Vê a privatização, única e exclusivamente, como meio de cobrir o déficit público, para fazer caixa. Vender patrimônio é "vender a casa, para almoçar". É evidente que se trata de um equívoco. Mais do que isso: é não ter a completa noção de que o processo de integração competitiva da economia brasileira - devemos lutar por isso - não se vai dar se não tivermos empresas competitivas, se não tivermos condições de disputar mercado com empresas que tenham aqui, em função dos interesses nacionais, não apenas a sede, mas também capitais em nosso território. A Vale do Rio Doce é uma empresa competitiva, talvez uma multinacional brasileira. Não tem por que ser vendida, para fazer caixa do Governo. Se aprovado o final da distinção entre empresas brasileiras e empresas de capital nacional, os recursos minerais poderão ser, por concessão, explorados por investimentos privados nacionais e estrangeiros. Esses investimentos serão bem-vindos. Vão gerar emprego e vão gerar renda. Mas, comprar patrimônio que gera emprego e renda e, mais do que isso, torna a economia brasileira competitiva, repito, é um equívoco. A nossa posição é a de que precisamos discutir a questão da privatização com novos enfoques e usar da pressão, da influência, da mobilização para mostrar que esse não é o caminho da privatização que o Governo deva adotar. E não apenas na questão da Vale do Rio Doce. Precisamos discutir também todo esse processo que o Governo intenta para a privatização do setor energético e do setor hidroelétrico. Essas são questões que o pronunciamento de V. Exª traz para a Casa em um bom momento de discussão.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA -  Muito obrigado, Senador Roberto Freire. A questão é exatamente esta: o Governo está com a simples visão de contador. E, nesta Casa, durante o debate que tivemos com o Ministro José Serra - quando eu disse que o Governo tinha visão de contador e disse que o Conselho Regional de Contabilidade deveria começar a cobrar anuidade do Governo - fomos acusados de populistas. Populismo, entretanto, foi o que fez hoje o Dr. Edmar Bacha, quando disse que vai implantar o chamado capitalismo de massa e que vai vender ações da Companhia Vale do Rio Doce por intermédio de agências dos Correios, onde pessoas que não têm conta bancária poderiam comprar ações. Sabemos que, na verdade, isso não vai acontecer.

A Companhia Vale do Rio Doce é uma empresa competitiva a nível nacional. É empresa estatal cujo processo de novas formas de gestão introduzindo o controle de qualidade total é o mais avançado do Brasil.

Mas vejamos meramente do ponto de vista do negócio, sem levarmos em consideração todas essas questões - de visão estratégica, da competitividade que tem a Companhia Vale do Rio Doce - já colocadas aqui por mim e, em aparte, pelo Senador Roberto Freire. O relatório da Companhia Vale do Rio Doce, do ponto de vista das ações estratégicas, diz que estariam, entre outras ações, joint ventures com os chineses, diversificação de produtos, renegociação de tarifas de energia, renegociação das dívidas das empresas do sistema e otimização do sistema de transportes.

Por ocasião do depoimento do Dr. Francisco José Schettino, Presidente da Companhia Vale do Rio Doce, hoje à tarde, no Senado, perguntei o que significariam essas ações estratégicas do ponto de vista da valorização do patrimônio da empresa. E a resposta do Presidente da Companhia Vale do Rio Doce foi a seguinte: caso fossem implantadas todas essas ações, e o processo desse certo, num período entre um e cinco anos a Companhia Vale do Rio Doce seria valorizada em torno de US$2 bilhões. Até do ponto de vista do mero negócio, a venda a toque de caixa da Companhia Vale do Rio Doce, como vem sendo anunciada pelo Governo, seria um péssimo negócio?

A Companhia Vale do Rio Doce deve ser encarada como uma companhia estratégica para qualquer governo que se proponha a adotar uma ação séria, do ponto de vista da política industrial.

O Governo acena também com uma forma, segundo ele, de democratização do capital: os empregados da Companhia Vale do Rio Doce teriam acesso à compra de 10% a 15% das ações.

Ora, vejamos a situação do percentual das ações vendidas aos empregados nas diversas empresas privatizadas, particularmente aquelas do setor siderúrgico, como CSN, ACESITA e AÇOMINAS. Em todas elas, a comparação do volume de ações em poder dos empregados hoje é muito inferior àquele da ocasião da privatização, pelo fato de o cidadão comum ter uma visão imediatista. Se ele dispõe de algumas ações da Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, e precisa de dinheiro, em função do arrocho salarial, para pagar a escola de seu filho ou para comer, naturalmente ele as vende.

Essa visão imediatista pode ser natural para um cidadão comum. Entretanto, o mesmo não se aplica ao Governo, que deve analisar a importância da continuidade da Companhia Vale do Rio Doce, do ponto de vista estratégico.

A sua venda simplesmente para fazer caixa, como já registrou o Senador Roberto Freire, é uma ação imediatista. Inclusive, se formos verificar quanto já foi vendido das empresas estatais até hoje e em quanto já se abateu a dívida interna e se reduziu os juros, possivelmente chegaremos à conclusão de que, se continuarmos com essa política de vender o patrimônio público a fim de reduzir a dívida interna e possibilitar a diminuição dos juros, daqui a 3 ou 4 anos teremos a mesma dívida, os mesmos juros e não teremos mais nada que possa ser vendido para regularizar a situação.

Para concluir, gostaria de registrar que estamos estudando ações legislativas no sentido de evitar a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Já vimos algumas fórmulas, como, por exemplo, através da Medida Provisória nº 995, reeditada no dia 11 de maio, que altera a Lei nº 8.031, que é a Lei de Privatizações.

Essa medida provisória prevê, no seu art. 2º, § 3º, que não se aplicam os dispositivos da Lei de Privatizações com relação a algumas empresas estatais, particularmente aquelas que são preservadas pelo monopólio da União e o Banco do Brasil.

Uma alternativa seria apresentar emendas a essa medida provisória, no sentido de incluir a Companhia Vale do Rio Doce, evitando a sua privatização. A outra alternativa seria através de projeto de lei, modificando a Lei nº 8.031.

Como a tramitação de projetos de lei nesta Casa é bastante lenta, preocupa-nos a possibilidade de ainda estarmos discutindo o impedimento da privatização da Companhia Vale do Rio Doce quando esta já tivesse sido concluída.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Pois não, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, tão importante é a decisão relativa à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que avalio necessária a autorização do Congresso Nacional ou, pelo menos, desta Casa, na medida em que a Companhia Vale do Rio Doce constitui-se numa das maiores empresas brasileiras, na maior empresa de minérios do mundo e, conforme salientou V. Exª no seu pronunciamento, numa empresa que tem uma tradição de eficiência e que, inclusive, demonstrou, nos últimos anos, ser capaz de se tornar mais eficiente e produtiva. Os números que V. Exª demonstrou estão a indicar o contrário do que tem afirmado o Governo, ou seja, de que uma empresa estatal não poderia melhorar significativamente a sua eficiência.

Hoje, o Presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Sr. Francisco José Schettino, comentou dos esforços que vem realizando a companhia sob sua direção para enfrentar uma situação difícil, decorrente da não-desvalorização do real em relação ao dólar. Desse modo, a remuneração em dólar das exportações da companhia tem sido, de alguma forma, sacrificada pela política cambial, que mantém o dólar subvalorizado, fazendo também com que houvesse a necessidade de uma redução de custos da ordem de cem milhões de dólares. A Vale do Rio Doce mostrou-se capaz de realizar essa redução. V. Exª apresentou informações sobre o aumento da produtividade dos empregados da Companhia Vale do Rio Doce. Assim, acredito que seja adequada a iniciativa de, por meio legislativo, o Congresso Nacional ou pelo menos o Senado Federal examinar o processo de privatização, que, segundo o Presidente Edmar Bacha, do BNDES, estaria por ser anunciado até amanhã. É tão importante para a economia brasileira essa decisão, que o Congresso Nacional precisa participar em toda a sua inteireza, na análise e na decisão. Cumprimento-o pelo pronunciamento que faz dessa tribuna. V. Exª demonstra, como geólogo da Companhia Vale do Rio Doce, o seu conhecimento profundo da importância estratégica da Vale do Rio Doce para a economia brasileira. Concordo com V. Exª quando questiona em que medida, de fato, o processo de privatização significará a democratização da Companhia. Porque, até agora, as diversas iniciativas de privatização significaram, por exemplo, no caso das 17 empresas que foram privatizadas, que, pela venda financiada, foram transferidos a 59 grupos empresariais os ativos das ex-estatais, via instituições financeiras privadas. Será isso um exemplo de democratização em larga escala? Afirmou o Presidente Edmar Bacha que qualquer cidadão, desde que seja correntista em qualquer em banco, poderá comprar ações da Vale do Rio Doce. Será mesmo que esse tipo de procedimento ocorrerá? Faz-se necessário um processo efetivo de democratização no País, onde haja oportunidades econômicas não apenas para alguns pequenos grupos, mas que se tenha uma visão de distribuição de benefícios do desenvolvimento para todos os brasileiros. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

Para concluir, gostaria de perguntar àqueles que defendem a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, tão bons em contas e em avaliações de projetos: do ponto de vista do papel social do Estado ou do ponto de vista de custos de oportunidades, qual outra aplicação renderia, em 52 anos, os empregos, o desenvolvimento, o patrimônio medido em dinheiro, em know-how e na experiência empresarial da Vale do Rio Doce, a partir de um capital relativamente ínfimo de 1 bilhão de dólares? Segundo a técnica, essa é a forma correta de se avaliar um empreendimento do ponto de vista social, deixando de lado discursos lobistas e ideologias.

Concluo o meu pronunciamento com uma frase de um artigo, publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de abril, do Governador do Pará, Almir Gabriel, que é do PSDB, do Partido do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso:

      "A Vale respeita o ambiente, é eficiente, competitiva, lucrativa. Qual a vantagem de se privatizar esse lucro?"

Gostaria de informar que no próximo dia 2 de junho, na cidade de Itabira, berço da Companhia Vale do Rio Doce, estará sendo realizado um ato em defesa da continuidade da Companhia Vale do Rio Doce como patrimônio público. Estarão presentes várias personalidades, dos mais diversos partidos políticos, do mais amplo espectro ideológico. A idéia é que este seja o primeiro de uma série de atos contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que deverão acontecer particularmente nos estados onde a Companhia Vale do Rio Doce exerce as suas atividades.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 17/05/1995 - Página 8339