Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DRAMATICA REINANTE NO SISTEMA PORTUARIO BRASILEIRO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • SITUAÇÃO DRAMATICA REINANTE NO SISTEMA PORTUARIO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/05/1995 - Página 8413
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, SISTEMA, ADMINISTRAÇÃO, PORTO, ZONA PORTUARIA, ATIVIDADE PORTUARIA, EFEITO, PREFERENCIA, CAMINHÃO, SUBSTITUIÇÃO, NAVIO MERCANTE, TRANSPORTE, MERCADORIA NACIONAL, RESULTADO, AUMENTO, CUSTO DE VIDA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PESSOA JURIDICA, OPERAÇÃO, PORTO, MOTIVO, IMPEDIMENTO, EXECUÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, COMPANHIA DOCAS DE SANTOS, EMPRESA, MUNICIPIO, SALVADOR (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), COMPANHIA DOCAS DO RIO DE JANEIRO (CDRJ), COMPANHIA DOCAS DO RIO GRANDE DO NORTE (CODERN), PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, FORMA, ATUAÇÃO, SINDICATO, EMPREGADO, PORTO, DEFESA, REDUÇÃO, INTERVENÇÃO, ESTADO, ADMINISTRAÇÃO, OPERAÇÃO, ATIVIDADE PORTUARIA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, EMPRESA PRIVADA, SETOR, OBJETIVO, MELHORIA, EFICACIA, SERVIÇO PORTUARIO, MODERNIZAÇÃO, EMPRESA DE PORTOS, TRANSPORTE, MERCADORIA, PAIS.

O SR. GILBERTO MIRANDA PMDB/AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não são poucos os problemas que atormentam o País nesta fase em que se tenta a transição do intervencionismo no domínio econômico para a vigência da economia de mercado.

No discurso que ora pronuncio destaco um desses problemas, cuja gravidade é a todos perceptível. Refiro-me à dramática situação reinante no sistema portuário nacional. Não hesito em afirmar que o tema que abordo preocupa profundamente analistas do assunto em todo o País.

Há alguns decênios o corporativismo, que domina o complexo porto-navio, prejudica o bem-estar das populações concentradas nas zonas portuárias, ao longo da extensa costa brasileira. Por isso é que a unidade nacional serve de pano de fundo ao meu discurso.

Causa-me apreensão o desaparecimento do intercâmbio comercial, sobretudo de gêneros alimentícios, entre os grandes portos do Sudeste e Sul do País e as regiões metropolitanas do Nordeste e Norte.

Percebe-se, claramente, que as aglomerações humanas, que se adensam ao longo da costa, são vítimas de precário e oneroso abastecimento de produtos alimentares, como conseqüência do abandono da carga seca na navegação de cabotagem.

No lapso de tempo decorrido desde 1960, tiveram crescimento desmesurado as populações que ocupam as zonas portuárias entre Rio Grande e Manaus. Diante do fenômeno, junto minha voz à de alguns estudiosos, que consideram perturbadores os efeitos sociais do encarecimento do custo de vida nas regiões metropolitanas, acima do porto de Santos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, os reflexos da crise do sistema portuário podem ser avaliados em poucas palavras: um navio de quinze mil toneladas, tripulado por vinte e cinco homens, substitui mil e quinhentos caminhões de dez toneladas. Fazendo uso da estrada líquida, criada pela natureza e oferecida aos possuidores de uma costa, que se estende por mais de sete mil e trezentos quilômetros, esse navio desloca mercadorias a um custo dez vezes menor.

Toda vez, portanto, que o navio é substituído por caminhões, a economia nacional incorre num custo desnecessário. Do ponto de vista social, esse custo atenta contra o interesse imediato dos consumidores de bens duráveis e não-duráveis, ao longo da costa.

Enquanto o navio percorre uma estrada natural, que é dádiva da natureza, o caminhão se desloca provocando o desgaste de si mesmo e de estradas pavimentadas ou de terra. O custo é consideravelmente menor quando vinte e cinco homens manejam o navio de 15 mil toneladas, em comparação com os mil e quinhentos motoristas que tripulam igual número de caminhões.

No caso desses veículos, o custo do transporte rodoviário poderá ser avaliado, se considerarmos o apoio logístico indispensável à sua movimentação. Para tanto são indispensáveis os postos de abastecimento de combustível, as oficinas mecânicas, os motéis e pensões ao longo da estrada, além de outros serviços, como postos telefônicos e de saúde, barbearias, etc.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, chega o momento em que se impõe um balanço da situação, ao verificarmos a ocorrência de grandes perdas na substituição do transporte sobre água pelo transporte sobre pneus.

Não é de hoje que especialistas no assunto chamam a atenção para a repercussão social do encarecimento do custo de vida sobre as populações de baixa renda, nas regiões Nordeste e Norte. O próprio Estado do Rio de Janeiro, cuja região metropolitana abriga mais de doze milhões de pessoas, depende de compras em outras áreas para suprir o seu déficit de alimentos.

Até os anos 60, a cabotagem era o elemento decisivo no intercâmbio entre os portos do Sul e do Nordeste e Norte. Com a deterioração do sistema portuário, ocorreu o abandono progressivo do navio no transporte de carga geral.

Recorda-se que o Lóide Brasileiro e a Companhia Costeira chegaram a ter em uso mais de noventa navios. A Costeira desapareceu e o Lóide ainda existe por força de sua enorme folha de pessoal. Porém é uma empresa falida sob o peso de dívidas, que não tem meios de resgatar. O navio "Lloyd Pacifico" continuava até há pouco arrestado no porto do Rio por uma dívida trabalhista de 1968.

Da antiga grande frota da companhia, somente três embarcações estão em tráfego entre portos brasileiros e argentinos. E a empresa não se arrisca a trafegar no Hemisfério Norte, evitando o arresto de navios por falta de pagamento de débitos no exterior.

A situação não poderia ser mais dramática. Pois a destruição das duas grandes companhias de navegação brasileiras resultou da ação irrefletida de sindicatos de portuários e marítimos. É comum ouvir-se de especialistas que o corporativismo causou esse dano irreparável, mas torna-se necessário salientar, ao mesmo tempo, o papel do Estado, com seu intervencionismo perdulário.

O sindicalismo irresponsável na beira do cais e a estatização transformaram os portos num sistema não-confiável, obsoleto e de baixa eficiência.

Com a Lei nº 8.630, aprovada pelo Congresso em fevereiro de 1992, o Executivo tentou purgar a sua culpa pelo desastre. Lastima-se, entretanto, que o Governo não tenha conseguido até o presente implantar esse diploma legal, como a sociedade em peso o exige.

O complexo porto-navio continua afetando a vida de exportadores e importadores e causando enormes prejuízos à Nação. Somente a aplicação da lei citada poderá extinguir essa fonte de males que se propagam por toda a economia do País.

A Lei nº 8.630, que teve como relator o ilustre Senador José Eduardo Andrade Vieira, definiu alguns objetivos prioritários para fazer dos portos brasileiros uma grande base do intercâmbio com o mundo exterior. Se fossem plenamente atingidos esses objetivos, os portos reconquistariam a função primacial que tiveram até os anos 60, de servir de elo econômico entre o Centro-Sul e as Regiões Nordeste e Norte.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, destaco a seguir alguns aspectos da Lei dos Portos. O Conselho de Administração Portuária, que a lei criou, representa a contraparte brasileira da Autarquia Portuária (Port Authority), que rege e fiscaliza a execução das operações em grandes portos internacionais, como os de Nova Iorque, Rotterdam, Hamburgo, Havre, Cingapura e outros.

Em segundo lugar, a nova legislação define o papel das empresas Operadoras Portuárias, que, como o Conselho, já foram instituídas, mas continuam bloqueadas pela administração das Cias. Docas. Significa que o corporativismo impede a firma Operadora de funcionar, principalmente porque ela irá competir com as Docas.

A situação chegou a tal ponto que as reuniões dos dirigentes das empresas operadoras têm sido impedidas por ameaças físicas às pessoas convocadas para deliberar sobre assuntos da área. Esse fato levanta a ponta do véu da situação que, ao longo dos últimos decênios, reduziu a atividade da cabotagem ao transporte de derivados do petróleo e de carvão.

Foram desviadas para as rodovias, hoje em estado precário, as cargas de alimentos, matérias-primas, produtos químicos, tecidos e outros itens.

O terceiro instrumento importante criado pela Lei nº 8.630 é o Órgão Gestor de Mão-de-Obra, cuja principal função consiste em substituir os sindicatos na escolha dos trabalhadores, para as diferentes operações, determinando o número deles para a execução de cada tarefa. Embora controlado pelos operadores, o órgão gestor tem a participação de representante dos sindicatos. Cada porto brasileiro deverá ter um desses órgãos.

Conforme expõe Carlos Tavares de Oliveira, consultor da Confederação Nacional do Comércio e colunista de O GLOBO, a representação operária nesse órgão corresponde a uma adaptação no País do modelo belga do Centro de Empregadores do Porto de Antuérpia, que é constituído apenas de empresários.

Diz esses especialistas que, "nos principais portos do planeta, onde imperam a economia de mercado e a competição, quem paga os serviços portuários obviamente decide quantos trabalhadores devem ser contratados".

Em vigor há mais de dois anos, a lei não tem sido cumprida nos aspectos acima comentados. Os termos desse importante diploma legal continuam ignorados nos portos públicos de Santos, Rio de Janeiro, Rio Grande, Salvador e outros de maior movimentação de cargas.

Causam elevados prejuízos à economia nacional os monopólios que as Cias. Docas exercem sobre as operações ao longo do cais. Não são menores os prejuízos que os sindicatos dos empregados avulsos causam quando realizam serviços de carregamento e a bordo dos navios.

No entanto, alguns terminais privativos, organizados à sombra da nova legislação, estão operando com bons resultados, embora ainda absorvam parte pequena do movimento anual dos portos brasileiros.

Esses pontos de embarque e desembarque de mercadorias, geridos por empresas privadas, criam a expectativa de seu futuro domínio sobre as companhias estatais, se estas persistirem em insistir na conservação de métodos de operação obsoletos.

Exemplo frisante nos é proporcionado pelos terminais catarinenses, que estão conseguindo atrair cargas de produtores gaúchos. Os fabricantes de calçados do Vale dos Sinos estão-se transformando em clientes preferenciais dos terminais privativos do Vale do Itajaí.

O porto público de Rio Grande tende, portanto, ao fechamento por falta de cargas, pois seu equipamento está deteriorado. Além disso o sistema de operação continua sob o domínio de uma administração ineficiente, enquanto os sindicatos de trabalhadores atuam de forma a tornar não competitivos os produtos exportáveis do Estado.

Nos terminais privativos, operados por competentes equipes técnicas, seus usuários estão a salvo dos elevados custos dos portos públicos, onde os sindicatos costumam proclamar greves súbitas, causando tremendos prejuízos aos importadores e exportadores.

Recorda-se que, durante as greves que têm afetado o porto de Santos, a Companhia Siderúrgica Paulista, Cosipa, agora sob controle privado, tem conseguido operar o seu terminal na descarga de minério de ferro e carvão.

Essa empresa prepara-se para oferecer serviços portuários a usuários que atuam na cabotagem e no longo curso. É certo o seu êxito , se consideramos o fato de que o custo operacional no porto de Santos chega a ser quatro vezes maior do que nos terminais privativos de Santa Catarina.

É recente uma reportagem do suplemento Marinha Mercante, publicado pelo O Estado de S. Paulo, que salientava o seguinte: enquanto em Rotterdam o custo do metro cúbico embarcado é de US$ 4,70, no porto de Santos é de US$ 25,00. Segundo algumas fontes consultadas pelo grande matutino paulista, os portos brasileiros cobram em média o triplo dos europeus.

O referido suplemento fez uma comparação entre os custos em diferentes portos nacionais. Por exemplo, a movimentação de um contêiner cheio, em Santos, custa quatro vezes mais que em Imbituba, que é um porto privado. A comparação é de US$ 417,00 em Santos contra US$ 161,00, em Imbituba.

Não obstante as demonstrações de força dos sindicatos, com suas greves, que periodicamente paralisam os portos públicos nacionais, o movimento corporativista está sendo continuamente esvaziado. A Lei nº 8.630 cria estímulos ao abandono espontâneo do emprego, assegurando uma indenização de R$ 17 mil a cada trabalhador portuário que peça o cancelamento de seu registro profissional.

Dos trinta e seis mil estivadores, conferentes, vigias, etc, registrados quando foi aprovada a lei ora comentada, doze mil já pediram seu desligamento. Mas é importante salientar que, para os 24 mil empregados restantes, que costumam dar a si mesmo o título "vitalícios", existem cerca de 65 mil avulsos, sem vínculo empregatício, os chamados "bagrinhos", dirigidos e explorados pelos dirigentes sindicais.

Enquanto as lideranças do corporativismo mais atrasado do País assistem à sua constante perda de poder, como conseqüência dos pedidos de indenização para saída de trabalhadores da área do porto, os terminais privativos aumentam a sua participação no movimento portuário nacional.

O funcionalismo desses terminais, ainda no início, constitui o mais brilhante resultado da vacilante e incompleta aplicação da lei.

Quando os sindicatos da área do porto manifestam o desejo de interferir na execução da política portuária, na verdade estão tentando impedir o avanço da iniciativa privada no setor. Aquilo que representa um benefício geral para a economia do País é visto pelos sindicalistas como um atentado contra seus privilégios.

Para concluir, Sr. Presidente, Srs. Senadores, manifesto concordância com a opinião de alguns analistas, segundo os quais o problema do reaparelhamento dos portos não será resolvido enquanto o Estado não se afastar do setor.

A insistência do Governo em continuar administrando e operando o sistema portuário representa um grande obstáculo à modernização dos nossos principais portos. Espera-se que se esteja aproximando a realização de um grande entendimento entre o Governo e o setor privado, para um exame global dos problemas de comércio exterior que estão vinculados ao sistema portuário. Somente um grande esforço conjunto poderá abrir o caminho para o reaparelhamento dos portos, se ao setor privado for conferida garantia de plena liberdade de operação do sistema.

Agradeço a atenção que me foi dispensada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/05/1995 - Página 8413