Discurso no Senado Federal

REGOZIJO PELA PRESENÇA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NA REUNIÃO DA SUDENE.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • REGOZIJO PELA PRESENÇA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NA REUNIÃO DA SUDENE.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/05/1995 - Página 8414
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, ANUNCIO, VONTADE, REALIZAÇÃO, VISITA OFICIAL, REGIÃO NORDESTE, OBJETIVO, EXERCICIO, PRESIDENCIA, REUNIÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).
  • COMENTARIO, ANALISE, ESFORÇO, REGIÃO NORDESTE, INTEGRAÇÃO, PROGRAMA, AJUSTE FISCAL, NATUREZA ORÇAMENTARIA, PAIS, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao ser noticiada a viagem do Presidente da República ao Nordeste para presidir a reunião da SUDENE, manifestei aqui o regozijo do nosso povo que de novo se renovava em esperanças, já tantas vezes adiadas. Agora, com o entusiasmo da crença e a emoção da fé, saúdo a presença no Nordeste, especialmente na Paraíba do Senhor Presidente da República, conforme noticiam os jornais. O Nordeste que confiantemente irá recebê-lo reivindica tão-somente o direito inquestionável da justiça mais elementar e do tratamento desigual para situações desiguais.

Em discurso que proferi há cerca de dois anos atrás perante o Conselho da SUDENE, dizia o que hoje volto a repetir, porque ainda me parece imperioso e atual. Dizia: o Brasil, como exigência de seu próprio futuro, mergulha num rígido programa de ajuste fiscal e orçamentário. Com a força de seu próprio exemplo, o Nordeste proclama ao Brasil não apenas a viabilidade do programa proposto, mas a verdade alentadora de que esta região se antecipou e arrancou da própria carne o ajuste orçamentário e fiscal que a nação agora reclama.

Mesmo pobre entre os mais pobres, mesmo sofrendo mais que todos, a crise que não provocamos e a recessão que não criamos, o Nordeste há muito promoveu cortes de despesas e pessoal, sacrifícios de investimentos e de serviços, arrastando a impopularidade inevitável de medidas amargas. O Nordeste acreditou no discernimento de seu povo, mas informado e esclarecido, aceita e até apóia o travo das medidas mais dolorosas. Mais que ninguém o povo tem a noção do que é viável e como ninguém cultiva a dimensão do impossível.

Da Bahia ao Ceará, de Pernambuco a Sergipe, do Piauí ao Rio Grande do Norte, do Maranhão a Alagoas, não emitimos um centavo sequer de títulos mobiliários.

O Nordeste, dizia naquela oportunidade, quer e vai pagar centavo a centavo toda a dívida que outros contraíram. Vai resgatar, uma a uma, todas as conseqüências de um passado recente de contínuos desacertos. A Paraíba cumpriu o seu compromisso. Mas o Nordeste que não caloteia espera que o ajuste orçamentário não seja apenas mais uma hipoteca gravada contra seu futuro e suas esperanças. Governo não faz oposição a Governo, mas o Estado não pode inviabilizar o próprio Estado, como prestador de serviços essenciais.

Por isso mesmo, esperamos que a nova rolagem das dívidas, que se pede, não siga a linearidade absurda que pune a austeridade e penaliza o ajuste. O Nordeste tem consciência clara de sua responsabilidade com o Brasil, mas exige que o Brasil tenha igual responsabilidade com a História. O Nordeste não hesitou nem mediu sacrifícios para os ajustes fiscais e orçamentários que o Brasil exige, mas não admite hipotecar à economia as esperanças de quem depositou nessa Região os sonhos de desenvolvimento e de bem estar. Hipotecamos investimentos e custeios, mas nem hipotecaremos o sonho nem venderemos a esperança.

O Nordeste espera que os sacrifícios que já fizemos sejam agora compensados ao menos com a eliminação de mitos e preconceitos, de preconceitos e discriminação, da discriminação odienta de quem parece buscar mais o separatismo que a integração. Olham-nos e nos desprezam como se fôssemos voraz desaguadouro de incentivos fiscais. Mas o Nordeste recebe apenas 9,6% de todos os incentivos fiscais do país, contra 45,8% do Sudeste e 38,8% do Norte. E, no entanto, o Nordeste reagiu, positivamente, como nenhuma outra Região aos estímulos externos de desenvolvimento. Quando o Brasil crescia e crescia muito, na década de 70, o Nordeste desenvolveu-se em percentuais ainda maiores, conseguindo reduzir o fosso que o separa das regiões mais desenvolvidas. Quando o Brasil mergulhou na recessão, a queda do PIB Nordestino foi menor que a do país como um todo. Mas os estímulos têm sido raros, esparsos, estancados pelo preconceito, desviados pelo separatismo econômico que está na base das odientas iniciativas de separatismo político e social.

Nos últimos 20 anos, a participação do Nordeste nas despesas da União e de suas empresas despencou praticamente à metade dos 13 por cento de 1970. E em 40 anos de política regional, não há um só instrumento de política regional que não tenha sido de pronto mutilado. Foi assim com o Fundo das Secas, extinto em 1967. Foi assim com o Sistema de Incentivos, logo pulverizado para o Brasil inteiro e depois freqüentemente retido e contingenciado. Por que não lamentar. Tem sido com a própria SUDENE e com o BANCO DO NORDESTE.

Temos sustentado que os problemas do Nordeste não são exclusivamente do clima, até porque o que mata aqui não é a seca, é a miséria que depende muito mais de questões estruturais que de limitações climáticas. Mas não há como esconder efeitos socialmente perversos de fatores como a baixa produtividade de nossas atividades primárias e a presença de mecanismos de apropriação do excedente gerado pelos pequenos produtores, através da concentração da propriedade rural, dos sistemas de intermediação e das próprias formas de financiamento da produção. Tudo isso somado à seca, agrava enormemente as condições estruturais do Nordeste Rural, transformando em tragédia social o que é mera irregularidade climática.

É simplismo e ingenuidade, por isso, imaginar combater a miséria e a fome sem ampliar a base econômica da Região, hoje absolutamente estreita e insignificante para garantir um suporte adequado de emprego e renda a uma população maior que a de quase todos os países da América Latina.

Não há saída para o Nordeste fora de abrangentes soluções estruturais, não há caminho longe de ousadas medidas duradouras de convivência com a seca, a única certeza com que se pode contar no Nordeste Rural.

De olhos postos no futuro, não podemos contudo perder de vista o presente. As soluções estruturais não prescindem de soluções conjunturais não há como fugir da urgência da emergência em todos os nordestes, dez milhões de pessoas, nas estimativas mais conservadoras, aguardam das estradas e dos caminhões-pipa a água que o céu lhes negou. Esperam dos contracheques de emergência a comida que a terra lhes sonegou. O Brasil agora não pode lhes negar a sobrevivência nem pode repetir a crueldade do incruento genocídio do período seco de 79 a 83; três milhões e meio de mortos, segundo estatísticas jamais desmentidas. O Brasil tem a obrigação histórica de evitar que os horizontes desses nordestinos do sertão sejam tão cinzentos quanto a caatinga que os circunda a aprisiona. O Brasil tem a obrigação humanitária de impedir que se redesenhe no semi-árido nordestino um vasto campo de concentração a céu aberto, onde o território da morte é delimitado pelo garrancho do marmeleiro e a dor silenciosa dos que vão morrer.

O Nordeste espera agora que o Brasil e o Governo tenham hoje a coragem histórica e o discernimento político de reorientarem tudo o que até aqui foi feito em termos de política regional. Está na hora de investir na dignidade social do homem. O Brasil sempre tratou como flagelados os sertanejos alistados nas antigas frentes de trabalho. Está na hora de tratá-los como cidadãos.

Outros países do Primeiro Mundo, a quem o Brasil procura imitar e acompanhar, jamais tiveram pejo de criar espécies de bônus sociais e renda, única forma de promover a cidadania de homens de outra forma condenados à mendicância, à migração compulsória para a promiscuidade da periferia das grandes cidades ou ao extermínio puro e simples.

Este é o desafio que parece cada vez mais inevitável para o Brasil. Transformar o que seriam cruéis campos de concentração o extermínio em campos de semear o futuro e de multiplicar esperanças. Este o desafio que o futuro nos impõe, para que os gritos do desespero, o desespero da fome, todas essas inconfundíveis vozes da seca não venham ecoar na historia e no futuro como definitiva condenação do presente por omissão ou cumplicidade.

Já as vozes que ecoarão aqui não queremos que sejam gritos.

Os ouvidos que se abrem para ouvi-las e os espíritos que se oferecem para escutá-las, terão sensibilidade para entendê-las e, entendendo-as, terão a responsabilidade de não fazê-las gritos. O grito é a voz do desespero.

E aqui, a nossa voz ainda é de esperança

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/05/1995 - Página 8414