Discurso no Senado Federal

PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA IMPLANTADO EM BRASILIA E CAMPINAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA IMPLANTADO EM BRASILIA E CAMPINAS.
Aparteantes
Lúcio Alcântara, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/05/1995 - Página 8519
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, EXECUÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), JOSE ROBERTO MAGALHÃES TEIXEIRA, PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, gostaria de fazer um registro das experiências que estão ocorrendo, no Distrito Federal e em Campinas, dos Programas de Garantia de Renda Mínima e das inovações que estão sendo apresentadas.

O Governador Cristóvam Buarque, do Distrito Federal, iniciou um programa, objeto de apresentação e debate durante a campanha eleitoral, denominado "bolsa-educação", que guarda relação com o Programa de Garantia de Renda Mínima aprovado pelo Senado.

Por esse projeto, toda família carente, cuja renda não atinja, pelo menos, meio salário mínimo por mês e que tenha filhos em idade escolar, de 7 a 14 anos, freqüentando a escola, tem direito a receber um complemento de renda.

A inovação anunciada esta semana pelo Governador Cristóvam Buarque é relativa à poupança que receberá aquele estudante carente que continue seus estudos de primeiro e segundo ciclos.

Qual a proposta do Governador Cristóvam Buarque? Na medida em que, nas famílias carentes, as crianças acabam deixando de freqüentar a escola precocemente porque precisam ajudar seus pais, seria interessante criar um incentivo, inclusive de natureza econômica, para que elas possam continuar os seus estudos de 1º e 2º ciclos.

E qual seria este incentivo? Para cada ano que a criança cursar, ela passará a ter o direito de receber 100 reais, que serão depositados numa caderneta de poupança. A criança que completar os quatro primeiros anos, terá direito de receber metade da poupança acumulada, acrescida dos seus rendimentos. Entretanto, se prosseguir os estudos e completar o 1º grau, poderá retirar, ao final, toda a poupança que foi depositada e os respectivos rendimentos.

Obviamente que esta é uma inovação interessante e criativa, merecendo, pois, a análise e atenção de toda a sociedade brasileira.

Essa iniciativa do Governador Cristóvam Buarque mereceu elogios, nesta semana, em coluna assinada pelo jornalista Gilberto Dimenstein e em editorial da Folha de S.Paulo.

Também na cidade de Campinas, o Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira iniciou o programa de garantia de renda mínima familiar, pelo qual toda família, com crianças em situação definida como de risco, onde a renda per capita seja menor do que R$35 por mês, passa a ter o direito a um complemento de renda até que se atinjam R$35 per capita na família. Suponhamos: se houver uma família com dez membros, marido, mulher e oito crianças, e aquela família não tiver pelo menos R$350 per capita, se a renda do pai e da mãe, somados, for de R$150, essa família passa a ter o direito a receber mais R$200 com o compromisso de seus filhos, com idade de 7 a 14 anos, estarem freqüentando escola. Para aqueles com idade de zero a sete anos, ou de zero a quatorze, com algum problema de saúde, como, por exemplo, de nutrição, devem os pais ter o compromisso de levar as crianças ao posto de saúde.

Na cidade de Campinas, o Partido dos Trabalhadores tem realizado debates a respeito, fui crítico de alguns aspectos do programa, disse ao prefeito que seria importante que fosse objeto de apreciação junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. As sugestões do Vereador César Nunes não foram de pronto consideradas pelo prefeito que as vetou, mas depois considerou-as na regulamentação do projeto de lei já em vigor, aprovado pela Câmara dos Vereadores.

Na cidade de Campinas, no primeiro mês, em março, 109 famílias foram contempladas; no segundo mês, em abril, 210 famílias e, neste mês de maio, cerca de 500 famílias serão contempladas. A meta até o final do ano é de aproximadamente 3 mil ou mais famílias serem contempladas. Tal como aqui no Distrito Federal, o Governo de Campinas prevê gastar cerca de 1% do orçamento com o Programa de Garantia de Renda Mínima ou de Bolsa de Estudos do Distrito Federal.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª se refere à administração em Campinas do Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira do PSDB?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Exatamente.

O Sr. Lúcio Alcântara - Sem dúvida, o relato que V. Exª está fazendo contribui para o quanto é importante uma gestão democrática, porque as sugestões boas, viáveis, que não sejam apenas boas intenções, mas que não tenham amparo na prática, na realidade, venham de onde vierem, devem ser muito bem-vindas. De forma que o Prefeito José Roberto Magalhães dá uma demonstração de que, realmente, refletindo sobre essas idéias, as está colocando em prática, e, pelo que V. Exª está nos informando, com um crescimento mensal bastante significativo. Isso mostra também, a propósito do trabalho desenvolvido pelo Governador Cristovam Buarque, que soluções locais são perfeitamente possíveis; aliás, são até as melhores, porque elas nascem de uma realidade e têm, portanto, uma possibilidade muito maior de atenderem àqueles reclamos, àquelas exigências dessas comunidades. De maneira que quero, associando-me ao pronunciamento de V. Exª, dizer que essas idéias não têm fronteiras políticas, elas devem pertencer, em primeiro lugar, à própria comunidade, seja quem for, a qual partido pertencer, na direção da coisa pública.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Estou de pleno acordo com V. Exª, Senador Lúcio Alcântara. Tenho procurado aqui reiterar como que o Programa de Garantia de Renda Mínima, na verdade, pertence à humanidade, não é propriamente um projeto desse ou daquele partido. Economistas do mais variado espectro têm sido favoráveis e, felizmente, há um enorme interesse por parte de pessoas de todos os Partidos, nos mais diversos Estados.

Tenho recebido convites de cidades de todos Estados. Por exemplo, em Jundiaí, próxima a Campinas, um Vereador de Partido independente, Antônio Carlos Giardelli, apresentou um projeto no mesmo sentido; em Ribeirão Preto, a Vereadora Joana também apresentou um projeto na mesma direção; em Franca, o Vereador Gilmar Gianini, do Partido dos Trabalhadores também procedeu da mesma forma.

Senador Lúcio Alcântara, o Presidente da Comissão de Finanças e Tributação, o Deputado Gonzaga Mota, que é um entusiasta do projeto - S. Exª é do PMDB, do Estado representado por V. Exª aqui nesta Casa -, acatando a minha sugestão, resolveu fazer uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação, na Câmara dos Deputados, no dia 1º de junho, para discutir apenas sobre o tema Programa de Garantia de Renda Mínima.

S. Exª convidou para debater o Governador Cristovam Buarque, que falará a respeito da experiência pioneira na cidade do Paranoá e em cidades vizinhas; na cidade do Paranoá, quase 1.700 famílias estão sendo beneficiadas pelo programa. S. Exª convidou também o Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, do PSDB, para falar a respeito da experiência de Campinas; o economista Antônio Maria da Silveira, que há vinte anos vem propugnando pela instituição de um programa de garantia de renda mínima, através de um Imposto de Renda negativo no Brasil - ele que foi o pioneiro, ao escrever artigo na Revista Brasileira de Economia de junho de 1975 sobre esse tema -, está convidando Herbert de Souza, da Ação pela Cidadania contra a Miséria e a Fome e pela Vida, e o Deputado Germano Rigotto, Líder do Governo, mas que é autor do parecer, já favorável, ao Programa de Garantia de Renda Mínima, a mim próprio como autor do projeto e irá convidar também - ainda hoje consultei o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso sobre a conveniência do convite - a Srª Ruth Cardoso como presidente do Conselho da Comunidade Solidária, na medida em que este Programa tem por objetivo o combate mais direto e eficaz possível ao problema da fome e da miséria no País.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª que acresça algumas considerações ao seu pronunciamento, além daquelas já apresentadas em meu aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Para não deixar nenhuma lacuna em meu aparte, quero prestar todos os créditos ao empenho e ao esforço de V. Exª, que tem sido realmente um cruzado nesta luta pela implantação de um programa de garantia de renda mínima. No entanto, quando V. Exª começou o seu pronunciamento, imaginava que se estava referindo - e também no caso de Campinas - especificamente a uma vinculação da renda com a educação, que me parece ser o caso do Distrito Federal. O salário mínimo está vinculado à matrícula e à permanência das crianças na escola, não é isso?

O SR. EDUARDO SUPLICY - É verdade.

O Sr. Lúcio Alcântara - E V. Exª, que tem percorrido o Brasil inteiro, é autor de um projeto buscando justamente assegurar essa renda mínima às famílias brasileiras. Voltei a pedir uma nova intervenção no discurso de V. Exª, para prestar-lhe, com toda a justiça, uma homenagem por esse seu esforço. Finalmente, vou sugerir à Secretária Executiva Ana Peliano, do Programa Comunidade Solidária, que faça uma espécie de banco de êxitos, porque, por todo este Brasil, nos diferentes Estados e nas diversas localidades, existem centenas de iniciativas bem sucedidas, simples, baratas, viáveis, factíveis, que precisam ser disseminadas, divulgadas. Há necessidade de se trocar essas experiências, por isso acho que o Deputado Gonzaga Mota age muito bem, quando promove essa reunião na comissão que preside na Câmara dos Deputados. Se pudéssemos congregar essas informações, não só quanto a esse projeto de renda mínima, mas também as relacionadas com a área de transporte, saúde, educação, gestão da administração pública e assim por diante; se pudéssemos reunir em um determinado local o que estou chamando de banco de êxitos, teríamos, talvez, uma oportunidade de rapidamente disseminá-las, evidentemente adaptando-se cada experiência às peculiaridades locais e, assim, contribuiríamos para a maior eficiência da administração pública em nosso País.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Considero muito positiva essa sugestão no sentido de termos um banco de experiências exitosas e, inclusive, um banco de experiências que não deram certo porque, obviamente, a humanidade aprende a partir dos erros e acertos. Desse modo, teríamos um banco de dados sobre as experiências e poderíamos verificar quais as que deram mais certo e as que não deram, para sabermos as razões do sucesso ou do insucesso a fim de superarmos obstáculos.

É fato que o Programa de Garantia de Renda Mínima, aprovado aqui no Senado Federal, não possui a vinculação necessária à educação. Por que considero importante esse debate? Quando da discussão desse projeto, num encontro de economistas do Partido dos Trabalhadores, em Belo Horizonte, o economista José Márcio Camargo ponderou que o Programa de Garantia de Renda Mínima deveria estar vinculado à educação. Diagnosticava ele um círculo vicioso da pobreza pelo qual as famílias, cujos pais tinham um rendimento muito baixo, faziam com que os seus filhos abandonassem precocemente a escola para trabalharem na roça ou na cidade ou até terem um atividade marginal. E, segundo José Márcio Camargo, se garantíssemos o mínimo de renda à família, com a obrigatoriedade de freqüentar a escola, teríamos a possibilidade de quebrar esse círculo vicioso.

Aí eu pensei muito nas vantagens e desvantagens dessa obrigatoriedade. Acredito que as experiências de Campinas e do Distrito Federal, que estabelecem essa obrigatoriedade, vão mostrar se esse é o melhor procedimento.

Sempre imaginei que os pais, em qualquer família, têm vontade que seus filhos freqüentem a escola. Na medida em que eles tenham condição econômica suficiente, eles encaminharão seus filhos à escola. Mas se isso puder ser um estímulo até obrigatório, talvez seja uma experiência relevante, à qual não me oponho.

Pensei durante toda a discussão na seguinte hipótese: pais que tenham filhos de sete, dez, doze anos freqüentando a escola terão direito ao Programa de Renda Mínima. E a família vizinha, igualmente carente, se tiver filhos com idade de seis meses, dois e quatro anos, não deveria ter também esse direito? Entendo que o direito deve ser universal.

A experiência de Campinas, diferentemente da do Distrito Federal, concede esse direito, porque lá define-se a família carente com crianças de zero a quatorze anos. Portanto, mesmo as de zero a sete anos, por exemplo, que estejam subnutridas, têm direito de se inscrever no Programa de Garantia de Renda Mínima

Então, é uma experiência muito interessante, que não restringe esse direito às famílias com filhos de sete a quatorze anos, mas estende-o às crianças com idades de zero a quatorze anos.

Daí, avalio que a riqueza do debate poderá servir para o aperfeiçoamento do projeto.

O Sr. Lúcio Alcântara - Mas pode ser que essa vinculação seja para adequar as disponibilidades financeiras ao Programa, porque os recursos não são inesgotáveis, não são infinitos. Isso talvez possibilite adaptar...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Eduardo Suplicy, sei que o assunto é encantador, e até poderíamos passar aqui algumas horas pela importância dessa manifestação de V. Exª. Esse projeto poderá, talvez, trazer um pouco mais de tranqüilidade às famílias menos favorecidas, inclusive com essa obrigatoriedade da freqüência à escola.

No entanto, respeitando o Regimento, devo adverti-lo de que seu tempo está esgotado.

A Sra. Marina Silva - Senador Suplicy, V. Exª concede-me um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Permita, Sr. Presidente, na conclusão do meu pronunciamento, que eu ouça o aparte da nobre Senadora Marina Silva.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - V. Exª poderá terminar e conceder o aparte à nobre Senadora, até porque S. Exª abriu mão do seu tempo.

A Sra. Marina Silva - Gostaria, apenas, de parabenizar o Senador Eduardo Suplicy pela sua capacidade e empenho em discutir essa questão e, acima de tudo, implementá-la. Ao ver, em vários municípios, esse Programa de Renda Mínima sendo implantando, Senador Eduardo Suplicy, fico pensando que a sociedade brasileira parece estar criando um movimento em espiral em torno do seu projeto. Espero que aconteça isso. Só lamento que o Governo Federal talvez venha a ser atropelado pelas ações dos municípios, quando todo o Brasil estiver assumindo esse programa de renda mínima e essas experiências estiverem dando certo. Mas, creio que é muito bom que isso esteja acontecendo, pois são experiências localizadas em prefeituras, às vezes, pequenas outras vezes nem tanto. Esses exemplos talvez possam se tornar um referencial para o Governo no que diz respeito à sua política social. Quero parabenizá-lo e, acima de tudo, registrar minha satisfação por verificar que vários prefeitos e governadores já estão praticando essa ação, mesmo sem uma coordenação por parte do Governo Federal.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª, Senadora Marina Silva.

Felizmente são diversas as prefeituras e assembléias municipais que estão implementando esse programa. V. Exª, inclusive, mencionou a atividade de Assembléias Legislativas. Por exemplo, Paulo Rubens Santiago, Deputado Estadual de Pernambuco, apresentou projeto de garantia de renda mínima para seu Estado; o Deputado Paulo Teixeira, da Assembléia Legislativa de São Paulo, também apresentou projeto em igual sentido; o Vereador Ítalo Cardoso, do PT, está formulando para a Câmara Municipal de São Paulo projeto semelhante, e assim por diante.

O Prefeito Antônio Palocci, de Ribeirão Preto, perguntou-me qual seria o melhor procedimento a adotar. Sugeri a ele que houvesse um grande debate na cidade, na Câmara Municipal de São Paulo, sobre o projeto de autoria da Vereadora Joana para que a população pudesse conhecer e aperfeiçoar o projeto. Ele me disse que seria interessante que o projeto fosse instituído em Ribeirão Preto, cuja Prefeitura teria os recursos suficientes para financiar o projeto. Entretanto, seria importante que fosse estabelecido em todo o Brasil, para que não seja Ribeirão Preto, por criar mais um projeto como esse, um pólo de atração tão grande. Implantando-se o projeto em todo o País, evitar-se-iam problemas como os que podem surgir de efeitos migratórios.

No Distrito Federal, as famílias têm que estar morando ali há pelo menos cinco anos para terem direito à bolsa-educação. Em Campinas, a família deve estar morando na cidade há pelo menos dois anos, para assegurar o direito ao programa de garantia de renda familiar.

Na medida em que esse programa for instituído nacionalmente, esse problema desaparecerá. Acredito que será muito importante, até para o aperfeiçoamento do projeto, que tenhamos experiências municipais e regionais. O programa será mais eficazmente administrado, se puder haver a coordenação do programa nacional com as administrações locais.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/05/1995 - Página 8519