Discurso no Senado Federal

TEORIAS SOBRE A CONSTANCIA DO ARROCHO SALARIAL NAS POLITICAS ECONOMICAS DO BRASIL NOS ULTIMOS 20 ANOS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • TEORIAS SOBRE A CONSTANCIA DO ARROCHO SALARIAL NAS POLITICAS ECONOMICAS DO BRASIL NOS ULTIMOS 20 ANOS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 20/05/1995 - Página 8537
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, PAIS, CRITICA, BENEFICIO, BANQUEIRO, ANTERIORIDADE, REPETIÇÃO, ATUALIDADE, COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, INFLUENCIA, BRASIL, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, RESULTADO, REDUÇÃO, SALARIO, CONTENÇÃO, CONSUMO, ABERTURA, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • PROTESTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL, CUSTO, PREJUIZO, TRABALHADOR, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, CRITICA, GOVERNO, AUMENTO, TRIBUTOS, PESSOA FISICA, BENEFICIO, BANQUEIRO, CRESCIMENTO, JUROS.
  • CRITICA, INCOERENCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, PROTESTO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, DESTINAÇÃO, PAGAMENTO, BANQUEIRO, DIVIDA PUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo preencher a tranqüilidade desta sexta-feira tecendo algumas considerações sobre o que vai lá fora, sobre a convulsão que a cada dia se aprofunda mais e que, infelizmente, não penetra na nossa emoção, não se afirma como um sinal de alerta a respeito daquilo que o futuro está armando contra a sociedade brasileira.

Há vinte e tantos anos alertávamos para as conseqüências nefastas das medidas tomadas em nome do desenvolvimentismo, que se tornou armado, desenvolvimentismo que se tornou excludente, desenvolvimentismo que mostrou o seu egoísmo, desenvolvimentismo que mostrou as suas entranhas, desenvolvimentismo que demonstrou as suas ligações perversas com o capital estrangeiro, desenvolvimentismo que se armou da dívida externa para mais espoliar, para mais sangrar o povo brasileiro, desenvolvimentismo que transformou uma situação de equilíbrio orçamentário existente até 1972 em algo incontrolável, numa dívida pública crescente, cujo objetivo principal foi, sem dúvida alguma, sustentar aquilo que havia de mais bem constituído, de mais bem organizado, mas de mais improdutivo e nefasto na economia brasileira.

Os bancos, neste País, tornaram-se os grandes beneficiários da dívida pública, a tal ponto que o Governo brasileiro transformou-se num refém da "bancocracia" aqui instalada.

E agora novamente isso se repete, em nome de um futuro que se apresenta como maravilhoso, nas palavras do Senhor Presidente da República.

Depois de elogiar a grande oratória de Trotski, mostrando a tranqüilidade da sua presença na Presidência, depois de se referir ao fato de que, segundo o grande orador Trotski, é pela palavra dos grandes oradores que Deus se pronuncia, depois de ter elogiado aquele que foi, realmente, o inspirador de muitas das suas idéias, o Senhor Presidente da República transplantou para o Brasil, para o contexto nacional, algumas determinações feitas por Trotski, inclusive a respeito da formação da tecnoburocracia na União Soviética, que se repetia no Brasil.

Naquele tempo, Fernando Henrique Cardoso não tinha tempo para elogiar a oratória de Trotski. Agora, Sua Excelência a elogia e fala daquelas transformações que ocorreram na União Soviética, que Trotski já prenunciava e acusava, quando da formação da nomenclatura, da classe privilegiada, daqueles que se apropriaram da produção de carros, de objetos individualistas, egoístas, capitalistas, quando da formação daquela classe privilegiada na União Soviética que se formou em torno de um Governo que só poderia ser despótico, porque lá não existia o despotismo oculto do mercado para distribuir a renda de uma maneira desigual, privilegiando aqueles que eram os grandes beneficiários de um processo produtivo devido à tecnologia capitalista lá instalada, para lá transplantada, voltada exclusivamente para os privilégios de uma classe muito pouco numerosa.

Portanto, recebemos, agora, de repente, a palavra do Senhor Fernando Henrique Cardoso, que se recorda daquilo que havia esquecido, de seu entusiasmo pela oratória de Trotski, que considerou, há três dias, como um dos maiores oradores da história. Mas, ao fazê-lo, Sua Excelência afirma que foi justamente devido ao cerceamento cultural, devido à censura que pesou sobre a capacidade crítica do povo da União Soviética que a experiência socialista, lá, não deu os resultados esperados, e que aqui um futuro alvissareiro, um futuro róseo , um futuro grandioso nos aguarda.

Temo que a elegância, temo que o sorriso confiante do Senhor Presidente da República, temo que a sua visão a respeito desse horizonte róseo que prevê para a sociedade brasileira não possa se confirmar, esteja sendo inviabilizada, por diversos motivos óbvios. Como é possível uma economia capitalista subdesenvolvida, uma economia capitalista que, de acordo com as palavras do Senhor Fernando Henrique Cardoso, deixou penetrar e se constituir no Brasil um antiestado nacional - um antiestado de que talvez o Senhor Fernando Henrique Cardoso seja um dos Presidentes - viabilizar esse horizonte róseo? Esse antiestado nacional a que se refere o Senhor Fernando Henrique Cardoso no seu livro O Modelo Político Brasileiro é justamente aquele Estado que, desde as suas origens, foi penetrado pelos interesses externos, pelos interesses dos colonizadores e pelos interesses dos neocolonizadores, e, como diz Sua Excelência, dos neo-imperialistas. 

Capital é poder, e ao se transplantar o poder sobre o cadáver de Getúlio Vargas para este País e para toda a periferia mundial. Se capital é poder, é óbvio que o poder no Brasil só poderia ser um poder contaminado, determinado, entranhado pelo capital externo que para aqui se transplantava.

Portanto, o primeiro transplante não foi de máquinas e equipamentos que sobravam nos Estados Unidos e no capitalismo cêntrico, as máquinas e equipamentos que detinham a tecnologia de ponta voltada para a produção de artigos de luxo. Foi o transplante da ideologia, das idéias de que deveríamos nos render à necessidade de fazermos sacrifícios, de reduzirmos salários, de contermos o consumo, de abrirmos as portas para o capital estrangeiro, a fim de quebrarmos o ciclo vicioso da pobreza.

Essa conversa fiada tornou-se completamente desmoralizada pela prática, e ao invés do combate à inflação prometido pelo aumento da produção, o que vimos foi o contrário, o exacerbamento do processo inflacionário. Depois do pico salarial atingido em 1959, o salário mínimo foi rapidamente consumido, e só entre 1964 e 1967 houve uma queda do salário mínimo real de 25%.

O processo de crescimento e de acumulação de capital fez-se, portanto, desde o princípio, às expensas dos trabalhadores brasileiros, da massa dos consumidores excluídos e de uma concentração perversa de renda, de saber, de poder, de riqueza e de consumo. Mais uma vez, o Governo escolhe aqueles que tiveram que reduzir o seu consumo, aumentando a carga tributária das pessoas físicas e deixando os banqueiros livres para colocar as taxas de juros mais elevadas do mundo. Ao invés da renda disponível para o consumo ser reduzida e controlada através da tributação, ela o é através da taxa de juros, que reduz o dinheiro, o poder de compra, o consumo, a capacidade do estômago dos brasileiros, transportando essa capacidade para os bolsos dos banqueiros nacionais e estrangeiros.

Srs. Senadores, é de estarrecer que diante de uma situação que se agrava, com 34 milhões e 700 mil brasileiros abaixo do nível da pobreza, com 30 milhões de analfabetos neste País, os mesmos grupos dominantes que estão dominando este País há centenas de anos vêm repetindo as medidas que Campos Salles tomou no início de seu governo, medidas de demissão salarial, de demissão de funcionários, de venda da Central do Brasil, de queima do dinheiro. Campos Salles foi obrigado a queimar dinheiro por imposição de Rotschild.

O nosso dinheiro não foi apenas queimado. Virou dólar, o que é muito pior.

Assim, companheiros, não vejo e não posso ver, infelizmente, esse colorido róseo que o futuro mostra ao Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso e ao seu Governo.

Ao contrário, o que vejo é que os comerciantes, os industriais e a população brasileira se mostram perplexos diante de um governo indeciso, ambivalente, dúbio e que, a cada momento, apregoa as virtudes de um instrumento de política financeira, um instrumento de política cambial oposto àquele que o governo pregava e defendia há 10 ou 15 dias.

Senão vejamos: vamos reduzir, diziam há pouco tempo os tecnocratas de plantão no Banco Central e alhures, vamos reduzir as nossas exportações, vamos aumentar as importações e para isso nós vamos dar um subsídio ao real. O real se fortalece artificialmente e um real passa a valer mais do que um dólar, com um dólar valendo 84 centavos de real.

Esse câmbio permitiu que mercadorias estrangeiras invadissem o território nacional, que aumentasse para 9 milhões e 200 mil o número de desempregados no Brasil, que as indústrias começassem a fechar. Hoje as televisões mostram, na rua, os trabalhadores revoltados contra os efeitos nefastos provocados em diversos setores da economia por essas importações devastadoras.

No momento seguinte, o mesmo Governo inventa a banda cambial, muda a parte de câmbio, retira a isenção das alíquotas de importação, aumenta em 70% as alíquotas sobre mais de cem produtos e pratica a política oposta, sem dar satisfações a ninguém. O que era importante, as importações subsidiadas, castigando o povo brasileiro, aumentando o poder de compra dos importadores que importavam carros, geladeiras, computadores, gravatas, perfumes, chocolates, vinhos finos, não é mais.

Quarenta bilhões de dólares são reservados para isso, ajudando a custear a eleição mais cara do País, em toda a sua história - a eleição do Senhor Fernando Henrique Cardoso. Quarenta bilhões de dólares foram postos em reserva, para que a economia brasileira sofresse essa invasão por parte dos produtos estrangeiros.

Mas, no momento seguinte, o que importa de novo, é exportar. Devemos conter as importações, aumentar as exportações, porque aqueles recursos artificialmente conquistados, conseguidos, aquela reserva artificial de 43 bilhões de dólares se esvaía rapidamente.

E o Governo, que assinalava com o aumento das importações, passa agora a defender o aumento das exportações como um dos instrumentos de redinamização da economia brasileira. Mas se aumentarmos as nossas exportações, reduziremos a oferta interna; os produtos disponíveis internamente serão reduzidos na medida em que aumenta a exportação. A renda dos exportadores aumentará, causando uma segunda pressão inflacionária. A primeira, devida à redução do fluxo de oferta de mercadorias na economia brasileira, fluxo esse desviado para as exportações. Num segundo momento, o aumento da receita dos exportadores faz com que o Banco Central, cuja preocupação principal é enxugar a base monetária, encharca essa base, transformando os dólares de exportação em reais, fornecidos para os consumidores, os privilegiados exportadores, até então castigados pelas medidas do próprio Governo.

Não há parâmetro, não há estabilização possível diante de uma situação como esta. A taxa de juros, que parecia cair como resultado da queda da inflação, se eleva a patamares anteriormente desconhecidos.

A rede bancária anuncia no jornal que, na década perdida, teve uma receita de 14 bilhões de dólares. E nós percebemos que, de acordo com as intenções do Ministro da Fazenda, o que se pretende agora é pagar a dívida pública, transferindo-a para os banqueiros. Pretende-se trocar patrimônio, conseguido através do sangue extraído dos trabalhadores brasileiros, coagulado nas empresas estatais, por papéis da dívida pública, pelos 70 bilhões de reais que correspondem à dívida pública mobiliária atual.

Se isso acontecer, se esse patrimônio - e, de início, diziam que os recursos provenientes da sua venda seriam destinados ao social - destinar-se apenas ao pagamento da dívida aos banqueiros e aos tomadores dos títulos da dívida pública brasileira, o sistema bancário vai, dentro de pouco tempo, procurar socorrer-se de novos estímulos e incentivos. Sabemos que a rede bancária brasileira cresceu, multiplicou-se e apropriou-se do poder, neste País, através justamente do serviço da dívida pública, dos juros escorchantes que ela obteve durante décadas, devido ao serviço da dívida pública que o Governo lhes pagava.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Lamento informar a V. Exª que seu tempo está esgotado.

O SR. LAURO CAMPOS - Apenas peço, Sr. Presidente, mais alguns minutos para terminar minha oração.

Dizem agora que as estatais não são bem administradas, que os tecnoburocratas das estatais não sabem administrá-las. E querem privatizá-las e entregá-las para quem? Para os banqueiros? Para as empreiteiras que estão falindo? Entregá-las para os grandes empresários nacionais que estão à beira da falência? Para a Mendes Júnior? Entregá-las para quem? Entregá-las para os que não souberam administrar as suas próprias empresas? Para aqueles que criaram neste País "Os Anões do Orçamento", a fim de se manter com recursos do Erário? Entregar para quem? Para o capital estrangeiro que está de olho nas nossas riquezas?

É, portanto, realmente um excesso de otimismo do Senhor Presidente da República não perceber a situação real, concreta em que se encontra. E esse otimismo é realmente perigoso. É o otimismo de um aviador diante de uma grande turbulência, de um aviador diante de problemas na hora da aterrissagem que não percebe que a situação real é de temor, é de perigo e continua a navegar como se estivesse em céu de brigadeiro.

Eu gostaria, Srs. Senadores, nesta sexta-feira calma, nesta sexta-feira tranqüila, que o Senado Federal pudesse realmente manter-se longe dos problemas que estão a nossa volta, dos problemas que estão a nossa porta, que nos agridem a cada momento. Mas, infelizmente, tenho um dever a cumprir, o dever que recebi dos meus eleitores. E creio que o cumprirei. Mais uma vez, depois de 25 anos de fracasso, continuo alertando para o fato de que é possível sim, é possível que algo pior nos espere, é possível que o fundo do poço não tenha chegado. É preciso trabalhar muito para que ultrapassemos este momento de intranqüilidade e de turbulência, para que encontremos o céu de brigadeiro que todos desejamos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 20/05/1995 - Página 8537