Discurso no Senado Federal

AUMENTO DA VIOLENCIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • AUMENTO DA VIOLENCIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Gerson Camata, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/05/1995 - Página 7965
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, POLITICA, SEGURANÇA PUBLICA, RESPONSABILIDADE, PODER PUBLICO, COMBATE, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, NECESSIDADE, MELHORIA, ATUAÇÃO, PODER PUBLICO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, VIOLENCIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • CRITICA, DEMORA, JULGAMENTO, ANDAMENTO, PROCESSO JUDICIAL, JUSTIÇA, PAIS, RESULTADO, FALTA, PUNIÇÃO, MEMBROS, CRIME ORGANIZADO, AUMENTO, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na verdade, hoje, eu gostaria de falar a respeito da privatização, ou melhor, da flexibilização do petróleo, segundo os argumentos do nosso Presidente.

Lamentavelmente, o Estado do Rio de Janeiro, nesse final de semana, deu um show à parte no que diz respeito à criminalidade. Eu não poderia, como representante daquele Estado, deixar de estar aqui para compartilhar com esta Casa de um sentimento que nos assola, moradores do Estado do Rio de Janeiro.

Nem todos sabem, mas temos muito medo de que não seja ajustada uma política de segurança pública e que fiquemos entre a ineficiência do Poder Público e a eficiência do crime organizado.

A Secretaria de Segurança do nosso Estado já constatou as suas dificuldades para conter a criminalidade. Tivemos um momento de operação em que a intervenção militar foi um fato relevante, mas não o mais importante. Dizia eu, naquela época, que aquela ação era dura, mas de um efeito altamente psicológico, porque teríamos que ter uma atuação democrática do Poder Público que inibisse a violência. E isso só podemos garantir quando temos um fortalecimento da cidadania. E o que é fortalecimento da cidadania senão a participação do povo, a participação da população no implemento das políticas? Porque obriga o Estado a exercer a sua função.

Temos visto, ao longo do tempo, novos governos se instalando e constatamos que há por parte dos mesmos o interesse pelo grande capital e um enorme abandono social. Estamos verificando que a violência - que não é causa, e sim efeito - está acontecendo todos os dias e não temos a solução para esse grande problema. Na verdade, o problema é estrutural, decorre de uma ineficiência conjuntural.

Estamos vivendo esse problema no Rio de Janeiro e também, por que não dizer, no resto do Brasil. Não podemos aceitar que o Estado tenha apenas uma visão apenas autoritária, militarista e repressiva; ele tem outras responsabilidades. Não podemos aceitar também apenas a ação das forças democráticas, corretas na defesa dos direitos humanos, mas exageradas nas críticas às causas econômicas e sociais da violência. Não podemos permitir, de forma alguma, que essa dificuldade continue desafiando o Poder Público e cada um de nós que temos responsabilidade pública.

Temos, nesse momento, que derrubar mitos; não podemos aceitá-los na questão da violência. A abordagem genérica não vai ajudar a resolver a questão. Temos a necessidade de fazer um debate profundo, consciente e leve, destacando a importância do crime organizado.

Não podemos aceitar a medida do Estado autoritário, repressivo, militarista; e não podemos também apenas falar dos direitos humanos sem garantir que a população esteja tranqüila, seja qual for a classe social.

A abordagem genérica não tem levado a uma ação estratégica para que o combate à violência possa ser amadurecido com propostas sociais. Temos que tratar a questão e destacar a importância do crime organizado, porque ele está muito mais vinculado a situações conjunturais do que à violência de origem social. Não podemos aceitar o entendimento de que o crime está de tal forma integrado no nosso País que não possamos combatê-lo.

Na minha avaliação, o crime pode acabar, podemos destruí-lo, mas ele é proporcional à ausência do Poder Público. Não vejo de outra forma, porque todas as vezes que o Poder Público agiu, garantindo democraticamente a cidadania, o crime foi combatido, em outras instâncias, em outras situações.

Por que, agora, nos sentimos abandonados? Temos a tarefa - eu, como representante do Rio de Janeiro, e os meus Pares -, nesta Casa, de lutar para que este País possa crescer. Mas constatamos, depois de uma semana de cansaço, a impotência diante da ausência do Poder Público e do crime organizado, com todas as suas manifestações, no Estado do Rio de Janeiro.

É para dar medo, mas temos que agir imediatamente. No Rio de Janeiro não tivemos ainda condições para implementar uma política de segurança pública. E, por falta dessa política de segurança pública, temos visto apenas o autoritarismo. Não é possível conviver com o autoritarismo, pois somos humanistas e como tal devemos tratar dessas questões.

Por essa razão, estamos nesta Casa defendendo, dentro das convicções que temos a respeito dos direitos humanos, a tese segundo a qual as pessoas não podem ficar expostas ao crime organizado, e o Poder Público deve exercer o seu papel.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já tive a oportunidade de dizer que a ausência do Estado, do Poder Público, na verdade, é a maior responsável por tudo que estamos assistindo hoje.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Percebo o cuidado de V. Exª, nobre Senadora, em colocar o problema da violência, especialmente no Rio de Janeiro. Não creio, como lhe parece, que haja condição de extirpar o crime. Se possível fosse, ele já não haveria em nenhuma parte do mundo. Pode, porém, ser reduzido, restringido, e, aí sim, V. Exª tem razão: não basta a ação punitiva; é necessário criar condições sociais de produção, de desenvolvimento da economia em geral, de aumento da cultura, igualizando as pessoas para que as ações criminosas se reduzam. Em realidade, o que se apura - e se apura não aqui apenas, mas no mundo - é que só há um razoável cumprimento das leis na medida em que as pessoas se encontram mais ou menos iguais na satisfação de suas necessidades.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Destacamos também a questão da impunidade. É um fator que nos leva a refletir sobre a questão do crime organizado, que, na verdade, tem modalidades diferenciadas: o narcotráfico, o assalto a banco, o seqüestro, a prostituição infanto-juvenil, a receptação de objetos roubados, o tráfico de bebês - sobre o qual já tive oportunidade de falar -, o desvio de verbas públicas, a lavagem de dinheiro.

Estamos vivendo em meio a tudo isso. Não se trata só dessa situação localizada, que acontece nas favelas, sobre a qual tomamos conhecimento através das primeiras páginas dos jornais. A lentidão da Justiça, dos processos judiciais e a falência do sistema penitenciário alimentam a criminalidade.

A sociedade está desmobilizada. O aparelho policial está inadequado, ineficiente. Há corrupção, há uma cultura da violência, transmitida pelos meios de comunicação. Estamos vivendo um momento difícil e singular. Temos que desmantelar esse centro de comando; temos que acabar com a rede de cumplicidade. Tenho certeza de que não acabaremos com o crime organizado neste País, mas poderemos diminuir suas manifestações na medida em que inibirmos, uma por uma, suas ações. Estas não ocorrem isoladamente; constatamos que, no Brasil, existem verdadeiras máquinas, e sabemos onde está o comando dessas máquinas: não apenas no que chamo de pivetes do crime organizado, pendurados nas favelas, mas nos palácios, no asfalto. É preciso combater a interferência, mediante os poderes chamados legais, desses comandos na sociedade.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Gerson Camata - Senadora Benedita da Silva, acompanho, com o interesse com que o todo o Brasil deve fazê-lo, a fala de V. Exª, Senadora pelo Rio de Janeiro. Traz V. Exª ao Plenário do Senado Federal e à reflexão do País o drama que o Rio de Janeiro vive. Como há muitos anos não tenho oportunidade de ir ao Rio de Janeiro, pelo menos pelos jornais e pelas televisões acompanho o desenrolar dos fatos. Reflito sobre o assunto e, muitas vezes, receio que se estenda pelo Brasil o que lá está ocorrendo. V. Exª focaliza, com conhecimento de quem vive no Rio de Janeiro, de quem conversa com suas autoridades, o fato de que, na verdade, há uma guerra de quadrilhas no Rio de Janeiro; bandos que se enfrentam. Lembro-me de que recentemente o motivo alegado pela Rússia para intervir na Chechênia foi o de que, naquele País, atrás do movimento de independência, haveria um covil de bandidos, onde era legal falsificar dinheiro, traficar drogas. Por isto o Governo da Rússia estaria invadindo o território da Chechênia: restabelecer o que seria a normalidade. O Rio de Janeiro - parece-me - já está quase no início de um processo de conflagração, em que expedições punitivas de bandidos de um morro marcham em direção ao outro morro. Há trocas, há volta de uns vingadores de um morro para o outro. E a população, que não está armada, que vive no Rio de Janeiro, fica pressionada entre os tiroteios. Assistimos a cenas de pessoas que abandonam suas casas, correm, fogem. V. Exª enfoca o fato de as autoridades estarem despreparadas bem como o Judiciário. No entanto, preocupa-me o fato de que, segundo se informa, tudo começa com o tráfico de drogas. Quer dizer, o movimento financeiro, econômico do tráfico de drogas financia as armas, as lutas entre as quadrilhas, os seqüestros e os assaltos a bancos. No entanto, sabe-se que quem alimenta o traficante é a classe média alta do Rio de Janeiro, que vai ao morro comprar a droga. Se durante noventa dias, ou cento e oitenta, os viciados se abstivessem das drogas, certamente as quadrilhas entrariam em uma crise terrível e definhariam por falta de recursos. De modo que se trata de uma sociedade inteira que, pelo bem do Brasil, precisa meditar muito. Nós, brasileiros, temos que nos preocupar com o Rio de Janeiro, a grande vitrina do Brasil, queiram ou não. O Rio de Janeiro é a grande capital turística do Brasil. O que acontece lá reflete fora do Brasil, mas com o olho mais estendido para o Brasil do que para o Rio de Janeiro. Qualquer acontecimento ruim para o Rio de Janeiro também o é para Brasília, Vitória, Ceará, Bahia, para todos os Estados. Sendo assim, o interesse de todos os brasileiros deve, neste momento, alinhar-se à preocupação que V. Exª coloca, nesta Casa, com tanta prudência, com tanto conhecimento, à reflexão e à meditação dos seus concidadãos brasileiros.

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte a V. Exª. É bom que coloquemos aqui essa questão, que é realmente importante e intensa, como pano de fundo.

Temos uma exclusão social. Não podemos fugir dessa questão, que é real. Temos o desemprego, o menor abandonado, a repressão, a discriminação, enfim, temos a ausência do Poder Público que ajuda o crime organizado, na medida em que aparece o "Robin Hood" da favela, local em que o crime organizado começa a ser uma fonte de renda, onde observamos pessoas que trabalham para esse crime, se sustentam e têm o seu salário a partir desse "emprego". Portanto, não há sequer uma perspectiva de vida para aquela criança que nasce e convive naquele meio e com aquela situação, porque falta vaga na escola, seus pais estão desempregados e há uma situação econômica que arrocha cada vez mais essa base da pirâmide social, à qual não podemos abandonar no nosso discurso, nem tampouco no nosso dia-a-dia.

Por isso estou aqui. Entendo o esvaziamento econômico que o meu Estado está sofrendo e, em conseqüência disso, o aumento dos bolsões de miséria. Penso que o Governo do Estado deve ter uma ação imediata, prioritária, não apenas por se tratar de vitrina, mas por considerar que o Estado está sofrendo politicamente por falta de injeção de recursos a nível Federal. Queremos recuperá-lo política e economicamente. No entanto, estamos vendo intervenções que, na nossa avaliação, são demagógicas, porque sofrem um efeito apenas momentâneo, mas, na verdade, não está nos dando a garantia de que precisamos. Sr. Presidente, há uma sofisticação do crime! Pergunto-lhes: para onde iremos? Nós, moradores em pânico, que assistimos, agora, o assassinato de praticamente sessenta e oito pessoas. As coisas não estão tão tranqüilas! Não foi apenas briga de quadrilhas pura e simplesmente.

Existe, na atuação dos policias mal remunerados, mal equipados, ações altamente exageradas; mesmo quando o sujeito se rende, eles têm o papel de fulminá-los, como assistimos freqüentemente. Todo esse quadro depõe contra a formação das nossas crianças, dos adolescentes e dos adultos. Por isso as pessoas estão saindo, porque, de um lado, tem-se uma polícia e, do outro, bandidos armados até os dentes. Estamos vendo que essa operação é também de execução e não desmonta nada.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Nobre Senadora Benedita da Silva, lamento comunicar-lhe que V. Exª dispõe de um minuto para concluir o seu pronunciamento.

O Sr. Bernardo Cabral - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Estou concluindo, Sr. Presidente, lamentando profundamente não poder dar apartes aos meus nobres colegas.

Sr. Presidente, gostaria de falar um pouco a respeito dos Fuzis M-16 usados pelos traficantes, pois disseram ser iguais aos usados na guerra da Bósnia.

Sr. Presidente, isso é a guerra no Brasil! Não é guerra apenas no Estado do Rio de Janeiro, é no Brasil que essas coisas estão acontecendo. Mas, como essas armas chegam a esses lugares? Como é possível não termos ação de uma polícia reciclada, treinada, com um salário digno? Como há vazamento dessas operações? Como há essa extrapolação de competência?

Temos que ter uma ação conjunta das polícias, mas temos que ter uma ação também conjunta das políticas sociais.

Faço este apelo ao Presidente da República e não mais ao Governo do Estado: que haja recursos para o Estado do Rio de Janeiro armar a polícia e colocá-la em condição de igualdade com os marginais. Mas que não se esqueçam, também, dos bolsões de miséria, do esvaziamento econômico, da tristeza e da insegurança que é total.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/05/1995 - Página 7965