Discurso no Senado Federal

A PRESERVAÇÃO DA MATA ATLANTICA PELO GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • A PRESERVAÇÃO DA MATA ATLANTICA PELO GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/05/1995 - Página 7975
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, OPOSIÇÃO, BANCADA, CONGRESSO NACIONAL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DECRETO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, EXPLORAÇÃO, MATA ATLANTICA, MOTIVO, EXCLUSÃO, HOMEM, APROVEITAMENTO, RECURSOS, REGIÃO.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, GRUPO DE TRABALHO, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, ZONA RURAL, SINDICATO RURAL, SINDICATO, EMPRESA, TRABALHADOR, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ORGÃOS, GOVERNO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, DECRETO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, APROVEITAMENTO, RECURSOS, MATA ATLANTICA, OBJETIVO, CONTENÇÃO, PROCESSO, EXODO RURAL, REGIÃO SUL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, GUSTAVO KRAUSE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), PROPOSTA, ALTERAÇÃO, REDAÇÃO, DECRETO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, EXPLORAÇÃO, MATA ATLANTICA, SUBSCRIÇÃO, ESPERIDIÃO AMIN, VILSON KLEINUBING, SENADOR, ESFORÇO, AGILIZAÇÃO, ANDAMENTO, PROPOSIÇÃO.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago para reflexão nesta tarde um tema que, para nós, de Santa Catarina, é de extraordinária importância.

Santa Catarina trabalha e quer trabalhar mais. Santa Catarina produz muito e quer produzir ainda mais riquezas. Santa Catarina contribui e quer contribuir muito mais para o progresso e para o desenvolvimento do nosso País. Tudo isso, evidentemente, acoplado a um projeto equilibrado de proteção ambiental, do qual meu Estado não se furta a participar.

Para tanto, contudo, meu Estado deve contar com a atenção e o apoio das autoridades públicas federais. Do Governo brasileiro, espera-se a conciliação de políticas públicas arrojadas com uma legislação normativa esclarecida.

Entretanto, toda essa disposição de que o povo catarinense se orgulha e pela qual é admirado em todo o Brasil está prestes a ruir diante de tanto obstáculo. A vocação natural de Santa Catarina para a liderança econômica nacional está sendo injustamente torpedeada.

E, sem hesitação, podemos afirmar que a base de todo esse projeto de deterioração se sustenta, em grande medida, na equivocada legislação ambiental que ora vigora e regula o acesso do homem à Mata Atlântica. Considerada historicamente como autêntico santuário ecológico socioeconômico, a se estender sobre grande faixa de terras ao longo da costa brasileira, a Mata se vê hoje num impasse quase suicida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Bancada catarinense no Congresso, especialmente neste Senado, ergue hoje a voz em uníssono para manifestar sua insatisfação com as normas que regulam a exploração econômica nos ditos santuários ecológicos nacionais. Com uma rigidez que beira o irracionalismo, a legislação atual exclui taxativamente o homem de suas prioridades de proteção e preservação.

Trata-se do malfadado Decreto 750, de 10 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre a exploração da vegetação da Mata Atlântica. Há mais de dois anos em vigor, o decreto, mais do que visar a disciplinar do acesso do homem à Mata, vedou abusadamente a participação do mesmo em qualquer projeto de parceria com a natureza local.

Como é do conhecimento de todos, o Decreto tinha como objetivo principal regular a exploração da Mata Atlântica, de modo a preservar sua existência contra múltiplos processos de devastação incontrolável. Ambientalistas brasileiros e estrangeiros vinham denunciando, há pelo menos duas décadas, a drástica subtração territorial e biológica a que estava sendo sujeita a Mata Atlântica em toda a sua vasta extensão ao longo da costa brasileira.

À época, talvez influenciados por uma onda moralista de preservação ecológica radical que invadiu o mundo inteiro, as autoridades brasileiras preferiram, politicamente, aderir ao movimento, sem atender à contrapartida de uma devida reflexão sobre o impacto socioeconômico nas regiões potencialmente afetadas.

Para ser mais preciso, o Governo brasileiro parece ter se sentido pressionado pelas diversas organizações governamentais e não-governamentais que, incessantemente, exigiam o "fechamento" da Mata Atlântica como única solução plausível contra os efeitos da destruição em marcha.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na verdade, ingenuamente cegos dentro de uma redoma ideológica que privilegiava o tombamento tout court de territórios identificados como patrimônios ecológicos, toda sorte de intelectuais, políticos e cidadãos comuns associados a entidades ambientalistas enveredaram por um caminho extremo de preservação da natureza.

Desse modo, considerada como patrimônio congelado, inerte e estático na linha do tempo e do espaço, a Mata Atlântica não teve a oportunidade de reivindicar sua participação na discussão como entidade autônoma. Em outras palavras, não teve a oportunidade de se expressar na voz de centenas de trabalhadores que dela extraem sua sobrevivência, mas a ela devotam um respeito quase religioso.

Portanto, imaginada como um ente destituído de um movimento próprio e historicamente determinado em sua interação com o homem e com as comunidades que ali vivem e sobrevivem, a Mata Alântica se converteu, equivocadamente, em vitrine ecológica. Isolada de qualquer contato, se destinaria apenas à admiração distanciada dos olhos e da memória.

Na mente desses extremistas do verde, patrimônio ecológico se confunde com patrimônio cultural, o que resulta na deturpada equivalência de sentidos quando se imagina a preservação da Mata enquanto museu que conserva um estimado inventário de "objetos biológicos" em extinção. Numa versão mais sofisticada, se compararmos com a invenção dos sofríveis zoológicos no século XIX - sofríveis para os animais, é claro - os ecossistemas que nos sobram tendem a tomar a forma de uma excepcional geladeira botânica.

Contudo, se adotarmos tal visão, cometeremos um erro crasso na concepção de nosso mundo. Julgaremos o destino dos bens da natureza na artificial condição de proprietários objetivamente alheios de seu ciclo de desenvolvimento. Afastados de nossa relação de pertencimento, condenaremos à morte não só os diversos ecossistemas do planeta, mas também - o que é pior - o próprio homem. Sem nos incluirmos como parte necessariamente envolvida no processo de relacionamento com a natureza, invalidaremos toda e qualquer iniciativa de preservação ambiental. Nesse sentido, confundiremos os conceitos de cultura e natureza de maneira absolutamente irresponsável.

Sr. Presidente, felizmente, com a velocidade das trocas de informações de que a mídia e a ciência se valem hoje, a política ambiental adquire novos parâmetros em sua conduta no mundo e no Brasil. Foram revistos diversos paradigmas, e abandonadas outras dezenas de doutrinas ortodoxas no campo da preservação ambiental.

Com efeito, a legislação que normatiza a exploração da Mata Atlântica trouxe nesses dois anos de aplicação inúmeros contratempos à população catarinense, sobretudo àquela que trabalha no campo dentro da área ambiental atingida. Sem a terra para plantar, os segmentos ruralistas se sentiram profundamente prejudicados pelo forte cerceamento imposto pelo decreto.

Com essa discriminação para com aqueles que mais se empenhavam em preservar a Mata Atlântica, reuniram-se em Santa Catarina, no início deste ano, os segmentos populacionais e as entidades direta ou indiretamente envolvidas com o assunto.

Em fevereiro, formou-se Grupo de Trabalho de alto nível, composto por representantes do meio rural, dos sindicatos de empresários e de trabalhadores, do IBAMA, do IBGE, de várias Organizações Não-Governamentais, órgãos de Governo e várias associações florestais. Competia ao Grupo discutir a obsolescência do decreto e procurar alternativas para o impasse.

Naturalmente, Sr. Presidente, o consenso se materializou na reivindicação conjunta de propor a alteração do Decreto nº 750. Segundo os relatórios divulgados pelo Grupo de Trabalho, as conseqüências lesivas do decreto se configuram, entre outras razões, na equivocada conceituação da Mata Atlântica em relação a seus limites geográficos e composição florística, haja vista que o decreto considera a Mata Atlântica no meu Estado, Santa Catarina, não só abrangente da Costa Atlântica, mas também de todo o Estado, até a fronteira com a Argentina; tudo é Mata Atlântica; não há limites.

Do ponto de vista da redação, ele peca pela incongruência de seus artigos no que concerne às possibilidades de uso ou proteção dos recursos florestais. Além disso, limita as possibilidades de expansão das áreas reflorestadas, necessárias ao suprimento de atividades industriais consumidoras de biomassa florestal.

No entanto, de tudo o que foi examinado, a conseqüência mais funesta para o povo catarinense tem sido o aumento do êxodo rural. Sem perspectivas de trabalho com a terra e com a vegetação enquadrada no patrimônio da Mata Atlântica, os camponeses vendem o pouco que lhes resta e partem sem esperança para a periferia de nossas cidades.

Ora, o decreto se esqueceu da preservação e da proteção do homem da terra. Ele cria dificuldade para a realização de atividades agro-silvo-pastoris tradicionais, historicamente desenvolvidas pelas populações rurais, que utilizam a prática do "pouso" como instrumento de fertilização e conservação do solo.

Por isso, Sr. Presidente, além de apontar os problemas da legislação atual, o Grupo de Trabalho fez questão de elaborar uma proposta de projeto que viesse a substituir em curto espaço de tempo o Decreto nº 750. Todavia, a iniciativa de revisão do mesmo é de competência do Governo Federal.

Entendemos que, com as alterações devidamente processadas, o projeto deve ser encaminhado pelo Governo ao Congresso Nacional, pois a Constituição, em seu art. 225, estabelece que a matéria deve ser objeto de lei e não de decreto.

Para acelerar o trâmite dessas alterações, Santa Catarina fez enviar, no último dia 19 de abril, ao Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, Gustavo Krause, nossa proposta de nova redação do Decreto nº 750.

Não é preciso frisar que a proposta conta com o mais sólido apoio de toda a sociedade catarinense representada no Congresso Nacional. Em destaque nesta Casa, a proposta tem como subscritores os colegas Esperidião Amin e Vilson Kleinübing, ilustres representantes de Santa Catarina, os quais comigo têm somado esforços no sentido de agilizar a revisão do Decreto nº 750.

Sem mais ocupar o tempo dos Srs. Senadores, quero apenas realçar que, graças à sensibilidade dos novos tempos, simbolicamente condensados nas iniciativas reivindicatórias do povo catarinense, a Mata Atlântica poderá voltar a ostentar uma dinâmica de equilíbrio com o homem talvez jamais testemunhada.

Tenho a convicção de que o momento atual está ávido por uma nova ordem de relacionamento do homem com o homem e deste com a natureza a que pertence. Por isso, a iniciativa de meu Estado vai inaugurar na prática uma nova política ambiental, cujas diretrizes conduzirão indubitavelmente interpretações bem mais sábias para o alcance equilibrado do homem com o seu meio ambiente.

Era isso, Sr. Presidente e Srs. Senadores, o que gostaria de trazer, na tarde de hoje, a esta Casa. Uma proposta para, no mínimo, emergencialmente resolver-se a questão, porque estamos parados. Tudo isso tem a ver com o desenvolvimento, tudo tem a ver com o social. Estamos perplexos, as entidades governamentais e não-governamentais que realizaram a proposta, nós de Santa Catarina, os segmentos do Rio Grande do Sul, do Paraná, enfim, todos que habitam a Costa Atlântica. E, no caso do meu Estado, toda a região territorial, que é considerada Mata Atlântica pelo decreto.

Ainda hoje, o Prefeito do Município de Tapiranga, no meu Estado, na fronteira com a Argentina, me dizia: "Maldaner, temos muitas dificuldades; numa comunidade, para reformarmos um paiol ou qualquer coisa, temos que pedir autorização ao IBAMA. Em Chapecó, que fica no oeste catarinense, na fronteira com a Argentina, recomenda-se que se vá à capital Florianópolis e que se encaminhe o requerimento; de lá, muitas vezes mandam que se encaminhe a Brasília, para que autorizem ou verifiquem, atendendo ou não. E isso leva meses".

De forma, Sr. Presidente, que não há como mexer num galpão qualquer de uma comunidade se não houver autorização. Hoje, se alguém tiver que alterar qualquer coisa, essa pessoa tem que se cuidar, porque é perigoso. Qualquer outro ser, vegetal ou animal, tem mais proteção do que o próprio homem, segundo esse Decreto nº 750. Por isso, precisamos urgentemente alterá-lo, o que tem que ser feito por lei, é claro! Que o Governo mande um projeto a esta Casa, ao Congresso Nacional, para que nós o analisemos.

Já entregamos em conjunto o Fórum Catarinense, no Congresso Nacional, ao Ministro Gustavo Krause, para que S. Exª leve ao Presidente da República, a fim de que esse decreto seja emergencialmente alterado, para que se possa, no mínimo, coordená-lo melhor.

E qual seria a solução mais definitiva posteriormente? A descentralização. O Brasil é muito grande para que em um decreto, genericamente falando, preveja-se as funções de conservação do meio ambiente no meu Estado, no Rio Grande do Sul, no Rio Grande do Norte, no Amazonas, ou em qualquer lugar.

Este País é muito grande, muito diverso; não há como fazermos um regulamento para que seja observado em todo o território nacional. Precisamos descentralizar, fazer com que os Estados participem da conservação do meio ambiente, do seu desenvolvimento sustentado; e os Estados, por sua vez, devem fazer o mesmo com relação aos seus Municípios. Dessa forma, daríamos mais agilidade ao desenvolvimento, para que ele também ocorresse em relação aos animais e aos vegetais. A parte humana deve estar entrelaçada nesse processo.

Por isso, Sr. Presidente, trago nesta tarde essa preocupação, que não é só minha, mas de todos, a fim de que, de uma vez por todas, sejamos mais pragmáticos na condução de um problema tão veemente.

Eram essas as considerações que queria fazer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/05/1995 - Página 7975