Discurso no Senado Federal

REFUTANDO OMISSÃO DO GOVERNO NA QUESTÃO DA GREVE DOS PETROLEIROS.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • REFUTANDO OMISSÃO DO GOVERNO NA QUESTÃO DA GREVE DOS PETROLEIROS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/05/1995 - Página 8673
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, NECESSIDADE, BUSCA, ENTENDIMENTO, GOVERNO, PETROLEIRO, PARALISAÇÃO, GREVE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), IMPROPRIEDADE, HORA, ACEITAÇÃO, VANTAGENS, READMISSÃO, TRABALHADOR, DESRESPEITO, DECISÃO JUDICIAL, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), GARANTIA, ESTADO DE DIREITO, SEGURANÇA NACIONAL.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que o tema não é agradável, em absoluto. Todos estamos preocupados, a Nação está preocupada com a greve dos petroleiros.

Na sessão realizada hoje, às 11h, diversos Srs. Senadores abordaram o tema, expuseram aqui suas preocupações. Na verdade, Sr. Presidente, a Nação vem acompanhando essa problemática há muitos dias.

É claro que o meu Partido, através da sua Liderança, ainda nesta manhã, praticamente fixou a posição da nossa Bancada, enfim, a posição do nosso Partido.

Sr. Presidente, eu não poderia deixar de manifestar a preocupação que alimento em torno do assunto, já que essa greve vem-se arrastando há vários dias, fazendo com que todos nós, brasileiras e brasileiros, sintamo-nos quase que acuados perante tal situação. E não há a menor dúvida que, chegando a esse ponto, devemos nos perguntar: O Governo deve agir? Deve. Há uma decisão judicial? Há. E se não agir, Sr. Presidente? Se não agir, começa a pairar, começa a beirar, começa a cheirar, como se diz, a omissão, e isso não podemos deixar transparecer. Caso isso aconteça, aí, sim, ficará difícil.

O Governo começou a agir? Começou, inclusive nesta madrugada. Há cuidados? Sim. Há temores por parte de todos? Há, porque, se correr sangue, não será bom para os brasileiros, embora possa haver setores que assim o desejam.

Por outro lado, não podemos deixar transparecer que existe omissão por parte do Governo perante tal situação. Hoje, a situação tal como se encontra, Sr. Presidente, já é uma questão até de segurança nacional. É um drama que atinge a todos nós. Até no mais longínquo interior do Brasil, as pessoas já estão pensando: "Mas o que é isso?"

Não podemos deixar transparecer que existe uma intranqüilidade no mercado, porque, no momento em que o Governo aceder a isso, embora haja uma decisão da Justiça do Trabalho, o que pode haver? Pode "bagunçar o coreto", como se diz na gíria. Pode abalar o Estado de Direito, e, nesse momento, como fica a Nação? Como fica o Governo? Como ficam as instituições? Como ficamos nós, que representamos uma instituição?

O que estamos fazendo no Poder Legislativo? Por acaso não representamos um Poder? Ontem, eu e muitos dos colegas representávamos um outro Poder, o Executivo; hoje, estamos a participar do Poder Legislativo, e esse compromisso, no momento da posse, juramos cumpri-lo de acordo com a Carta Magna do País.

Entendo que, hoje, o difícil mesmo - e muitos dizem isso - é administrar o próprio Governo, porque, no fundo, a PETROBRÁS é do Governo. Ela não é de um grupo, nem pode ser. A PETROBRÁS tem que ser e é da Nação.

É necessário encontrarmos uma saída e nos darmos as mãos. Eu até entendo, Sr. Presidente, que deve ser dirimida essa situação, a fim de que aqueles que foram demitidos voltem ao trabalho. Por que não recorrerem administrativamente junto à própria empresa? Quem sabe até, depois de tudo normalizado, analisando-se as pessoas que foram demitidas em função da quebra de uma decisão judicial, a orientação possa ser até de readmiti-las, considerando-se que muitas são talvez até indispensáveis ao funcionamento do órgão? Por que não?

Mas, neste momento, se aceitarmos a readmissão ou se aceitarmos certas vantagens que venham a ferir até os princípios de uma decisão judicial, o Estado de Direito estará sendo quebrado, Sr. Presidente, e aí ficará difícil para o Poder Executivo, para o Poder Judiciário, que tomou a decisão, e ficará difícil para nós, representantes do Legislativo.

Então, deixo aqui essa preocupação e digo, como disse antes: ontem, pertencíamos a um outro Poder; hoje, pertencemos ao Legislativo e juramos nesta Casa, quando assumimos, respeitar isso. Acredito que temos que seguir nesse caminho.

Lembro-me muito bem, e até trago para recordação, Sr. Presidente - muitos dos colegas passaram também por isso -, que, quando Governador em meu Estado, Santa Catarina, enfrentei uma greve da Saúde com diálogo. Íamos e voltávamos, reuníamo-nos muitas vezes à noite, durante as madrugadas, para tentar encontrar o melhor caminho. A discussão arrastava-se por dezenas de dias, sem solução. Os pacientes já não encontravam mais um lugar para serem atendidos, a tal ponto que um hospital nosso, o Regional de São José, foi cercado com correntes pelos manifestantes, numa determinada madrugada. Quando começaram a chegar os pacientes que precisavam de socorro e não tinham como ser atendidos, para que o Governo não pecasse por omissão, tive que tomar atitudes duras, apesar de sentidas: autorizei o Secretário da Saúde a tomar providências com a nossa Polícia Militar para arrebentar os correntões e levar os doentes, quase moribundos, para dentro do hospital. Tivemos que fazer isso. Um ou dois casos, é verdade, mas tivemos que agir dessa forma. Foi duro? Foi, mas tínhamos que enfrentar. Penso que é preciso fazer isso, sob pena de acabarmos com o Estado de Direito.

Recordo-me de outros acontecimentos, como o ocorrido com o Senador Pedro Simon, quando governador do Rio Grande do Sul. S. Exª enfrentou as sinetas do magistério, por todas as campanhas, na fronteira e em todos os lugares. Mas S. Exª, com mãos firmes - fui testemunha de alguns acontecimentos - agüentou tudo aquilo, fazendo prevalecer o Estado de Direito e o princípio da autoridade. Lá venceu Pedro Simon, que voltou para o Senado nos braços do povo, numa demonstração de que o Rio Grande e o Brasil inteiro o têm apoiado.

Assim, neste momento, entendo que não podemos também claudicar. Caberá recurso depois? Pois que entrem com os recursos, por que não? Mas, neste momento, estaremos conspirando contra um Poder, o Judiciário, e ficará difícil para todos nós que participamos deste outro Poder.

Por isso, trago essa minha manifestação, essa minha preocupação, pela experiência que trago também da vida pública em relação a essa situação. É a situação que está em pauta, hoje, é o assunto mais "quente" em todos os lugares. Ao ligar um canal de televisão ou de rádio, ao ler um jornal, é o assunto do dia: "Não há mais gás", "Não se sabe onde buscar o combustível", "Está fechando a fábrica", "As pessoas estão ficando em casa".

É uma questão de segurança para todos nós, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Por isso, precisamos encontrar um denominar comum, um basta em relação a isso, sem romper o Estado de Direito, o princípio da autoridade, respeitando-nos uns aos outros, buscando soluções, mas nunca ferindo princípios que estão consagrados na Carta e que todos temos defendidos.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Casildo Maldaner, gostaria de cumprimentar V. Exª que, como outros Senadores, coloca a questão da importância de o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso realizar um esforço maior para que seja superado o impasse. Pode parecer difícil, mas é possível. Conforme V. Exª historia a sua própria experiência como Governador de Santa Catarina, quando teve a oportunidade de enfrentar situações de tamanha complexidade e gravidade quanto a que está sendo enfrentada pelo atual Governo, é natural que ocorram problemas tais como esses. É próprio da vivência econômica, que, por vezes, nos mais diversos segmentos da economia, possam ocorrer pontos de vista diferentes, possam haver conflitos, divergências, particularmente sobre a remuneração, os direitos dos trabalhadores, seja em empresas privadas, seja em estatais, como, no caso, a PETROBRÁS, a maior empresa brasileira. Como é o Estado o responsável por seu patrimônio, cabe ao Governo responder pela direção da empresa. Mas há muitas formas de se resolver isso: existe a forma - e a história demonstra - da intransigência, a forma da força, a forma que leva aos conflitos, a forma que, por vezes, chega à violência, como, por exemplo, aconteceu quando as Forças Armadas acabaram intervindo na Companhia Siderúrgica de Volta Redonda, ali causando a morte de operários; e há outras tantas experiências em que, por mais difícil que seja a circunstância, a vontade de se chegar a um entendimento acabou dando resultado. O Senador Pedro Simon fez, hoje, uma proposição de que a Mesa do Senado, dada a relevância da matéria e a preocupação de todos com esse assunto, até reúna as Lideranças hoje a fim de chegarmos a uma solução. O seu pronunciamento, o seu testemunho é uma contribuição importante, pois permite que o Governo veja a necessidade de realizar todo o esforço possível para evitar qualquer problema mais grave, resolvendo esse impasse de forma civilizada e democrática.

O SR. CASILDO MALDANER - Nobre Senador Eduardo Suplicy, recolho o aparte de V. Exª, que vem corroborar a preocupação desta Casa no sentido de encontrar uma solução para esse caso. Entretanto, há uma decisão da Justiça do Trabalho, no sentido de que os trabalhadores voltem ao estado normal de trabalho, podendo os demitidos entrar com recurso administrativo. Acredito que, depois de normalizada a situação, certamente se encontrará um caminho para esses trabalhadores, pois ninguém deseja ver pais de famílias desempregados, sem poder ganhar nada. Ninguém quer ver dez mil contracheques em branco. Que tristeza para eles chegarem em casa, olharem para a esposa e para os filhos e não poderem levar nem um pão, nem um leite, nada! Não terem como saciar a fome das crianças, da esposa, da família! Eu não quero ver uma situação dessa, e sei que nenhum dos Senadores ou Senadoras também. Portanto, penso que deve ser normalizada essa situação e encontrado um caminho.

Agora, neste momento, se o Governo voltar atrás, nós estaremos quebrando o Estado de Direito do nosso Poder, rasgando a Carta e jogando os pedaços aos ares, para que o vento os leve. Não pode ser assim!

Agora, repito, após a normalização, serei companheiro, irei, juntamente com os dez mil trabalhadores que estão com os contracheques em branco, à empresa, ao Presidente ou ao Ministro das Minas e Energia. Os demitidos não podem passar fome; alguns deles são imprescindíveis na empresa. Mas, antes disso, é preciso acabar com a greve, porque, se não, estaremos rompendo com o que é nosso, com o que juramos defender. A nossa jura se foi. Não pode haver isso. Depois de normalizada a situação, a conversa é outra.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER - Pois não, Senador Geraldo Melo, com muita honra.

O Sr. Geraldo Melo - Estou acompanhando o discurso de V. Exª, assim como o aparte do Senador Eduardo Suplicy, que é testemunha de que, desde o início dessa crise, sou um daqueles que tem procurado, modestamente, com possibilidades extremamente reduzidas, contribuir, não digo nem para as negociações, mas para que exista diálogo entre o Governo, a PETROBRÁS e os petroleiros. Acredito, Senador Casildo Maldaner, que não há ninguém sofrendo mais, além da população, do que o próprio Presidente Fernando Henrique. Esta Casa, onde Sua Excelência passou boa parte de sua carreira de homem público, é testemunha do seu espírito democrático e de como o Presidente repudia a prepotência, o autoritarismo. Agora, não podemos considerar, como disse o Senador Suplicy, que apenas o Governo seja intransigente, porque penso que o Governo não é nem intransigente nem transigente nesse episódio. O Governo, de fato, não é parte, porquanto o conflito que determinou a precipitação dessa crise é, na realidade, entre os petroleiros e a Justiça. Quem é que está sendo intransigente? Quem é que está radicalizando? É o Governo que tem a obrigação constitucional de garantir à Justiça que as suas decisões sejam executadas ou é, infelizmente, o movimento dos petroleiros, que se sente no direito de escolher quais são as decisões da Justiça que podem ser cumpridas ou não? Se isso for verdade, se valer para os petroleiros, vai valer para todos os cidadãos, e todos nós vamos ter o direito de selecionar quais as decisões judiciais que cumprimos, acatamos, respeitamos, e quais aquelas que não aceitamos. Para o Governo, qualquer instituição que se rebele contra uma decisão da Justiça está tomando uma atitude de sedição, de desafio às instituições. É uma atitude revolucionária. O Governo pode não estar de acordo. Não sei se está, porque não disse nada sobre estar ou não. Ninguém está apreciando se a Justiça agiu bem, ou agiu mal. A questão que se põe hoje aqui é: tem um Presidente da República o direito de deixar de garantir a execução de uma sentença judicial pelo simples fato de que essa sentença contraria interesses de uma categoria que é cercada da simpatia e do carinho de todos nós? Acho que o Governo não tem esse direito. Então, na minha maneira de ver, Senador, os petroleiros ultrapassaram o limite na hora em que queimaram os navios. Ficaram sem saída e deixaram o Governo sem saída. Se se está falando em transigência, a transigência precisa acontecer, mas não por parte do Governo e, sim, dos petroleiros, para criar o ambiente que permita uma revisão de posições enrijecidas. E, finalmente, a população precisa ser tratada com um pouco mais de carinho. Quero encerrar, narrando um episódio a que assisti numa greve civilizada de trabalhadores de transporte na Inglaterra. Decidida a greve, eles levaram três dias para parar. Por quê? Porque eles desejavam distribuir os trens. Em um país onde a ferrovia é o meio de transporte de massa mais importante, desejavam distribuir os trens dentro da grande malha ferroviária da Inglaterra em tal posição que, no momento em que a greve se resolvesse, eles estariam em condições, numa determinada hora, de reiniciar a operação de todo o sistema com todos os trens no horário. Foi uma atitude em que eles defenderam o seu direito e respeitaram a população. Não existe, em uma greve civilizada, a possibilidade de se deixar a população sem gás para fazer o almoço das famílias brasileiras pelo simples fato de que um litígio como esse existe. Agradeço a V. Exª, mas achei que podia dar essa contribuição ao seu discurso, que ouço com muito respeito e acatamento.

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - Senador, o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. CASILDO MALDANER - Estou encerrando, Sr. Presidente.

Apenas quero dizer que recolho com muita honra a participação do Senador Geraldo Melo. Gostei muito da parte em que S. Exª disse que agora é a vez de os petroleiros transigirem, porque há uma decisão judicial. Se transigirem e voltarem à normalidade, o que pode ocorrer em seguida? Uma negociação, mas após voltar ao estado normal.

Como disse antes, proponho-me, através de um recurso administrativo, a participar de encontros no sentido de buscar o melhor para todos, para que não fiquem dez mil contracheques em branco, com os demitidos tendo que procurar emprego e sem condições de levar o pão para casa.

Se este Poder der o seu apoio, neste momento, aos petroleiros, nós estaremos contribuindo para quebrar o Estado de Direito, para desacreditar a Justiça do Trabalho. O Presidente da República deve estar sentindo dores, mas, quando assumiu a Presidência da República, jurou também respeitar a Constituição. Sua Excelência assumiu esse compromisso. Com a situação normalizada, a questão é outra, podemos encontrar os melhores caminhos.

Sr. Presidente, o assunto que queria trazer hoje ao Senado era outro, relacionado à dívida dos Estados com a União - e a situação do meu Estado até que é das mais periclitantes. Entendo que é um assunto a ser tratado com muito carinho por esta Casa, em função da resolução que existe e da própria legislação. No entanto, deixei de lado essa matéria porque entendo que o assunto em pauta é esse: a apreensão do Governo e de toda a Nação. Não podemos continuar nesse estado, sem dúvida alguma.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/05/1995 - Página 8673