Discurso no Senado Federal

APELO AO SENHOR PRESIDENTE DA REPUBLICA POR DIALOGO COM OS PETROLEIROS EM GREVE E MANIFESTANDO TEMORES QUANTO A OCUPAÇÃO DAS REFINARIAS PELO EXERCITO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • APELO AO SENHOR PRESIDENTE DA REPUBLICA POR DIALOGO COM OS PETROLEIROS EM GREVE E MANIFESTANDO TEMORES QUANTO A OCUPAÇÃO DAS REFINARIAS PELO EXERCITO.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Suplicy, Elcio Alvares, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/05/1995 - Página 8695
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, OCUPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, REFINARIA, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DIALOGO, PETROLEIRO, SOLUÇÃO, GREVE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de manifestar-me neste dia, sabendo da preocupação que todos temos com a ocupação das refinarias pelo Exército. Trata-se de uma questão democrática, e o entendimento deve fazer parte da democracia.

Há uma população aflita - é lógico -, na medida em que não tem o gás e o combustível. Estamos observando, também, que há uma dificuldade entre os trabalhadores, porque, ao mesmo tempo em que trabalham nas refinarias, com a enorme responsabilidade de dar ao povo brasileiro a oportunidade de ter em suas mãos os benefícios produzidos pelo seu trabalho, são também consumidores.

Não é um problema, pura e simplesmente, da população, mas de milhares e milhares de trabalhadores dessa área, que também estão sofrendo com esse processo.

Acredito que a greve, depois de determinado tempo, não traz benefícios para ninguém. O mecanismo da greve é legal, constitucional. Os trabalhadores, parados há vinte e dois dias, querem negociar para por fim à paralisação. Em contrapartida, o Governo diz que só irá negociar com os trabalhadores se estes voltarem ao trabalho.

Sr. Presidente, estamos vivendo um conflito. E não podemos de forma alguma - e isso me assusta e me preocupa - tratar desse problema trabalhista como se os trabalhadores constituíssem uma verdadeira ameaça para a segurança nacional. Já passamos por esse período.

Na época da escravidão, em determinado momento, o Exército se recusou a fazer o papel de capitão-do-mato para os senhores de escravos. Não podemos aceitar que haja um desvio de função das nossas Forças Armadas, as quais possuem atribuições altamente relevantes no País. Por exemplo, entendo que o Exército deve estar presente em nossas fronteiras combatendo o tráfico de armas; mas não concordo que se deva desviá-lo de suas funções para tratar, como se fosse uma ameaça, da greve que os petroleiros estão fazendo à luz da Constituição. É preciso que haja um grande equilíbrio neste momento, uma consciência nacional. E essa consciência nacional não pode, de forma alguma, apostar no desgaste. O que quero aqui dizer é que o TST adotou uma postura numa decisão política e, neste exato momento, parece-me estar também apostando no desgaste dos trabalhadores junto à população, quando ele transfere, em meio a esse conflito, para segunda-feira o julgamento do recurso que os trabalhadores fizeram em razão da decisão daquele órgão.

Então, o papel dos Poderes, neste momento, é encontrar uma saída para esse impasse e cada um desses Poderes deve contribuir com sua parte. O TST deveria, de imediato, fazer esse julgamento para que pudéssemos, como representantes do Poder Legislativo, estar pleiteando não apenas junto ao Governo Federal, mas também aos trabalhadores, a garantia do diálogo.

Também estou apavorada. Estou com medo porque sou do Estado do Rio de Janeiro e vi quando o Exército entrou em Volta Redonda, na CSN, e o resultado foi a morte de trabalhadores. Isto porque houve uma radicalização naquele momento. Nós não podemos apostar na tragédia. Temos, evidentemente, que ter um consenso e a consciência de que há um impasse. O Governo acredita que, com o diálogo, perde autoridade, porque está cumprindo uma lei do TST. O TST não tem vontade de julgar imediatamente o recurso dos trabalhadores. Dentro da lei do direito de greve constitucional, os trabalhadores estão em greve - que o TST julgou ilegal - porque querem que seja cumprido um acordo.

Ora, não temos um impasse? Então, precisamos de uma decisão, salomônica. Penso ser este o papel que deve exercer, neste momento, o Governo Federal. Sabemos perfeitamente da sabedoria de Salomão diante de duas mulheres que pleiteavam a maternidade de uma criança. As duas se consideravam legítimas, e Salomão, inteligentemente, não tendo como provar qual das duas mulheres tinha razão, disse-lhes que seria melhor que elas dividissem aquela criança ao meio, ficando cada uma com uma parte. Salomão entendeu que aquela que fosse a verdadeira mãe da criança jamais concordaria com a tragédia de ver seu filho decepado. Ela seria capaz de abrir mão, sendo a mãe legítima, para poder ver o filho com vida, mesmo que estivesse na mão de outra. E foi exatamente o que aconteceu.

O papel do Governo federal, neste exato momento do impasse, é entender que ele é a autoridade máxima, que ele é aquele no qual estamos apostando e investindo que deve acabar com o impasse. Não haverá perda de autoridade; haverá, pura e simplesmente, um gesto salomônico do nosso Governo federal diante dessa situação. Esperamos que o Governo converse com esses trabalhadores, e aí todos nós estaremos perfeitamente felizes com esse impasse que aí está, mas que nos chama à responsabilidade.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - concedo o aparte a V. Exª, Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - Senadora Benedita da Silva, vou repetir neste aparte a comunicação da Liderança do Governo que hoje tive oportunidade de fazer. Lamento que V. Exª não estivesse no plenário na ocasião, quando na sessão das 11 horas participamos aqui, por iniciativa do Senador Pedro Simon, de um debate altamente construtivo. Vários oradores expenderam seus pontos de vista e, na ocasião, devidamente informado pelo Governo, fiz a análise correta e justa dos acontecimentos que foram registrados na madrugada de hoje, e que tiveram, naturalmente, repercussão não só no Senado da República mas também na Câmara dos Deputados. Perdoe-me V. Exª, mas vários equívocos foram adotados na sua fala. No momento em que V. Exª reclama uma decisão por parte do Presidente da República, inverte totalmente o processo democrático. Só nas ditaduras é que o Chefe do Executivo determina a sua vontade ou o que deve ser feito. Estamos vivendo um estado de direito consolidado, temos uma Constituição aprovada em 1988, onde estão claras as missões dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Temos os três Poderes harmônicos entre si e independentes. Qualquer questão de direito tem de ser elucidada através do Poder Judiciário e, no momento, não há nenhum argumento que se possa erigir em sentido contrário. Havendo uma decisão judicial, todos nós, Senadores, Deputados, Presidente da República, trabalhadores, petroleiros ou não, temos de acatá-la. Senadora Benedita da Silva, o direito do trabalhador é altamente defendido nos tribunais de trabalho - e V. Exª conhece muito bem e eu também, que sou advogado - desde os pequenos tribunais, até o grande tribunal que é o Tribunal Superior do Trabalho, é ali que o trabalhador encontra a sua cidadela para resguardar o seu direito. Quando alguém - não é o caso de V. Exª - vem pregar a extinção do TST ou duvida da idoneidade dos juízes do Tribunal Superior do Trabalho, no caso, começamos a ficar preocupados. O discurso que está sendo feito, tentando imputar ao governo a ausência do diálogo não é correto. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em todos os momentos, não somente nesse episódio, tem demonstrado, acima de tudo, ser um Presidente que tem na mediação a sua principal caraterística de diálogo. Neste caso, o que está acontecendo é que essa greve, que está se prolongando cada vez mais, não homenageia, de maneira nenhuma, não somente o nosso sentimento democrático, mas muito mais ainda, o primado do Direito. A nenhum de nós, nem a V. Exª, nem a mim, nem ao Presidente, nem aos petroleiros é dado o direito de julgar. De acordo com o texto constitucional, só há um órgão capaz de julgar, e no caso em espécie é o Tribunal Superior do Trabalho. Fora disso, vamos pretender erigir um Estado em que não existe mais tribunal, em que não existe, afinal de contas, o respeito recíproco entre os Poderes, o que poderá advir um resultado profundamente adverso. Admito até que o sentimento de V. Exª de defesa é legítimo, mas não se pode, de maneira alguma, inverter aquilo que é a razão de ser do nosso texto constitucional e da prática democrática. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje, mantendo contato comigo, deixou claro que não houve invasão e violência. Apenas está havendo um direito que é legítimo. E, aí, V. Exª que é uma democrata deveria também impugnar. Ninguém pode obrigar qualquer outra pessoa a fazer aquilo que não é da sua expressa e absoluta vontade. Infelizmente, estamos vendo não só nesta greve, mas também em outras o patrulhamento daqueles que querem trabalhar. O que aconteceu foi que a PETROBRÁS recebeu dos trabalhadores petroleiros a vontade manifesta de trabalhar e se sentiam impedidos, em razão dos tradicionais piquetes que V. Exª conhece muito bem. Então, o que aconteceu? Apenas houve a colocação de algumas tropas à porta de algumas refinarias, garantindo o direito do trabalhador. E, aí, o PT deveria estar defendendo, porque não é só trabalhador que faz greve. O trabalhador é aquele que quer trabalhar também, principalmente numa hora dessa gravidade, e que tenha a serenidade de compreender que esta greve não acrescenta nada ao desenvolvimento do País. Estou fazendo esses esclarecimentos a V. Exª em respeito ao estado de direito constituído e, muito mais ainda, restaurando o verdadeiro julgamento do comportamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em nenhum momento, o Presidente está inteiramente infenso ou indiferente à negociação, mas é um Presidente da República que preza a autoridade. E o Presidente Fernando Henrique está consciente disso e tem que respeitar, sobretudo, as decisões judiciais. No dia em que este País não respeitar a decisão judicial, Senadora Benedita da Silva, estaremos caminhando exatamente para aquilo que nós abominamos, ou seja, a prevalência da vontade de um só em detrimento da vontade da grande maioria. No caso, só há uma definição para esse estado de coisa: a ditadura. E V. Exª não vai querer, de maneira alguma, que nosso Estado venha a ter um regime em que o Presidente da República tenha de dispor sobre a lei, sobre o direito de greve ou sobre qualquer outro tipo de direito. Portanto, o discurso do PT tem de ficar dentro da realidade do Estado de direito constituído, ou seja, respeito intransigente à lei, respeito intransigente ao texto constitucional e, muito mais ainda, ao tribunal constituído. Esse Tribunal Superior do Trabalho que aí está representa uma justiça chamada Justiça do Trabalho. Eu diria a V. Exª, como advogado que sou, que é ali onde o trabalhador brasileiro encontra guarida para os seus reclamos. Eu diria, até mesmo, que alguns elementos representantes das classes patronais reclamam que a Justiça do Trabalho quase sempre fica a favor dos empregados. Não vamos atacar a Justiça do Trabalho. Será um erro do PT se o fizer, porque a Justiça do Trabalho garante o direito do trabalhador. Devemos fortalecê-la, porque daí teremos a garantia de tudo isso que está na Consolidação das Leis do Trabalho. Nós, Senadores ou Deputados, temos a obrigação de preservar o texto legal. Faço este esclarecimento a V. Exª com muita homenagem, porque já tive oportunidade de abordar o aspecto fático da posição que o Governo assumiu, mas, a meu ver, V. Exª merece a homenagem deste aparte. Isso porque sei do inteiro propósito de V. Exª de que haja realmente um clima de paz e tranqüilidade. O Ministro Raimundo Brito hoje, num pronunciamento que considero lapidar, deixou clara a posição do Governo. S. Exª disse que a greve não interessa a ninguém, que o Governo deseja o diálogo, mas, acima de tudo, quer que seja preservado o respeito à decisão judicial. Se V. Exª tiver oportunidade de ler o pronunciamento do Ministro Raimundo Brito, feito, hoje, com inteira serenidade, verá que é profundamente elucidativo de todas as questões. E faço um apelo ao PT no sentido de examinarmos o caso dentro da ordem, da lei e do direito que está aí para o conhecimento de todos. E peço sinceramente a V. Exª que, ao examinar o problema, coloque seus aspectos partidários, mas não deixe de fazer justiça ao Ministro Raimundo Brito, que tem sido exemplar na condução desse delicado problema, e, principalmente, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja história de vida e participação nesta Casa dizem muito bem do seu espírito democrático. Vamos torcer ardorosamente. Tive conhecimento de que 70% dos petroleiros já retornaram ao trabalho. Vamos torcer para que os demais petroleiros também tenham bom senso e ajam da mesma forma. E amanhã, dentro do respeito ao Texto Legal, possamos erigir aqui, conforme pediu o Senador Pedro Simon, um diálogo que venha a construir a favor do País, principalmente das partes envolvidas, no caso a PETROBRÁS e os petroleiros brasileiros.

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Agradeço-lhe pelo aparte. Todavia, penso que V. Exª se equivocou por não acompanhar, atentamente, o que eu estava dizendo a respeito da decisão salomônica. Entendo que ao Governo compete garantir a tranqüilidade, mas não atribuo o dever de garantir esta tranqüilidade apenas às Forças Armadas mas também a um diálogo maior com o Presidente.

Pleiteamos que o Presidente da República receba uma comissão que possa dialogar neste momento. Só que houve, por parte do nosso Presidente, em vários pronunciamentos, a informação de que Sua Excelência não conversaria com os trabalhadores em greve.

O Sr. Elcio Alvares - Senadora Benedita da Silva, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não afirmou isso; disse apenas que quer que seja respeitada a decisão judicial: a dos petroleiros retornarem ao trabalho. O próprio Ministro Raimundo Brito teve a oportunidade de elucidar as questões. Peço-lhe novamente o aparte. V. Exª está afirmando em sentido contrário, e eu quero redargüir no momento exato.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Então concedo-lhe o aparte. Antes quero esclarecer que este é o meu pronunciamento, é a minha fala; portanto, cabe-me a responsabilidade. Não a estou atribuindo a V.Exª. Permito-lhe o aparte.

O Sr. Elcio Alvares - Eu apenas não posso concordar, Senadora Benedita da Silva, com todo o respeito, na condição de Líder do Governo, que V. Exª faça a afirmativa de que o Presidente está dizendo que não vai dialogar. O Ministro Raimundo Brito deixou muito claro, hoje, em pronunciamento do qual talvez V. Exª não tenha conhecimento. Tive a oportunidade de exibi-lo ao Senador Eduardo Suplicy. Nesse pronunciamento, o Ministro esclarece que com os petroleiros retornando ao trabalho - o que acredito sinceramente ocorrerá dentro em breve - o Presidente Fernando Henrique estará inteiramente aberto ao diálogo. Agora, não podemos inverter, de maneira nenhuma, o que considero fundamental para a questão. Se não for cumprida a decisão judicial, haverá uma quebra de autoridade. Não tem o Presidente da República o poder de interferir em outro Poder, no caso, numa decisão do Tribunal Superior do Trabalho.

A SRª BENEDITA DA SILVA - É uma questão semântica, V. Exª é inteligente...

O Sr. Elcio Alvares - Não se trata de questão semântica, Senadora Benedita da Silva.

A SRª BENEDITA DA SILVA - ...e sabe perfeitamente do que estou falando.

O Sr. Elcio Alvares - Não entendi, perdoe-me.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Já tive a oportunidade de falar com o Chefe da Casa Civil. Não sei acerca das palavras do Ministro Raimundo Brito, porque não li o documento, mas sei o que tenho lido. V. Exª diz que o Presidente quer um diálogo. Na interpretação de Sua Excelência qualquer conversa com representantes dos trabalhadores, neste momento, poderia dizer que o Presidente da República estaria contra a decisão do Tribunal. Falo do diálogo, não de que o Presidente vai baixar uma ordem autoritária, porque não gostamos de radicalismo nem de esquerda, nem de direita, e muito menos do autoritarismo. Não queremos que o Presidente baixe uma norma. No entanto, o diálogo é muito mais forte diante de uma decisão como a do Tribunal.

O Sr. Elcio Alvares - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Desculpe-me, nobre Senador, mas eu gostaria de concluir o meu raciocínio.

O Sr. Elcio Alvares - Mas V. Exª, por favor, me devolva a palavra, porque V. Exª está afirmando uma coisa que é inteiramente sem propósito; um diálogo, perdoe-me, Senadora Benedita da Silva...

A SRª BENEDITA DA SILVA - Eu não poderei conceder o aparte a V. Exª. O nobre Senador é um cavalheiro, sobretudo.

O Sr. Elcio Alvares - Por isso, estou pedindo o aparte.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Além disso, tenho uma profunda admiração pelo político que é; V. Exª não vai, evidentemente, sem que eu lhe permita o aparte, atropelar a minha argumentação.

O Sr. Elcio Alvares - Já que V. Exª me nega o aparte, eu não me pronunciarei.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Gostaria que V. Exª me ouvisse com toda a gentileza que lhe é peculiar.

O Sr. Elcio Alvares - Pois não, com muito prazer.

A SRª BENEDITA DA SILVA - V. Exª me faz lembrar uma outra passagem bíblica. Não estamos diante de um púlpito de uma igreja, mas me lembro de uma outra passagem em que uma prostituta apanhada em flagrante deveria ser apedrejada, e Jesus Cristo, como filho de Deus, não poderia jamais deixar de cumprir aquela lei, porque estava evidentemente escrito. Ao ter a lei em mãos, deveria informar àquela multidão que a mulher fora apanhada em flagrante de adultério e, segundo a lei, ela deveria ser apedrejada. Qual o instrumento que Ele usou naquele momento? Ele foi contra a lei? Não, Senador. Jesus Cristo não foi contra a lei, porque Ele era da ordem, da decência; Ele não aceitava a vida que aquela mulher levava e também não iria contra a lei ali escrita. Foi uma palavra, apenas uma palavra. Veja a força que tem o diálogo; isso o que estamos colocando aqui: a força do diálogo. Jesus simplesmente disse: - "Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra." Ele não foi contra a lei - ninguém pode provar que o foi; tampouco aceitou que aquela mulher fosse uma adúltera, mas disse uma palavra. Essa é a força. Estamos pleiteando uma palavra do nosso Presidente Fernando Henrique. Sabemos da sua enorme responsabilidade neste momento. Tenho certeza de que uma palavra para esses trabalhadores, para os seus representantes, fará com que eles possam interromper essa greve, porque é tudo o que querem. Os trabalhadores querem falar com o Presidente para saber se Sua Excelência tem condições de negociar com eles depois, ou dizer que não aceita qualquer negociação, no momento, mas que isso será possível mais tarde. Estamos pedindo ao Chefe desta Nação uma palavra.

O Sr. Pedro Simon - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Essas citações bíblicas são de V. Exª ou fazem parte da nova linha do PT? Estou gostando muito; estou achando magníficas essas citações.

A SRª BENEDITA DA SILVA - V. Exª não pode imaginar o conhecimento do PT. Os membros do PT conhecem o Livro, da Gênese ao Apocalipse. No Partido dos Trabalhadores, há conhecimento cultural; há conhecimento da obra de Marx, de Trotski.

É importante esclarecer que a nossa preocupação não é a de saber quem é culpado, quem está certo ou quem está errado. A nossa preocupação é no sentido de convocar esta Casa, para que possamos pleitear, junto ao nosso Presidente da República - eu disse: o nosso Presidente da República - esse diálogo com os trabalhadores, para que eles, confiantes na palavra do Presidente, possam retornar ao seu trabalho e, mais adiante, travar o acordo que se faz necessário. Aliás, esse acordo foi feito, mas não foi reconhecido.

A Srª Marina Silva - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Senadora Benedita da Silva, eu estava acompanhando, muito atentamente, o pronunciamento de V. Exª e também o do Senador que a aparteava. Com a argumentação bíblica levantada por V. Exª, ocorreu-me que, se porventura o nosso Presidente, como sociólogo e professor, nunca defendeu o diálogo ou o entendimento entre as partes como uma forma de resolver problemas e não de passar por cima da lei, então deve atirar a primeira pedra. Mas, pelo que conheço da trajetória do Professor Fernando Henrique Cardoso em vários momentos da História do nosso País, sem desrespeitar a Constituição, sem desrespeitar a autoridade e sem defender a ação ditatorial de qualquer presidente, Sua Excelência sempre foi adepto do diálogo e do entendimento. Muitas vezes defendemos com excessiva veemência a lei. Isso é correto. É justo que nesta Casa se defenda a lei, se defenda a Constituição Federal. No entanto, gostaria de fazer uma alusão ao Texto constitucional que diz que é dever do Estado, que é obrigação do Estado oferecer saúde e educação para todos. Será que vamos colocar o Exército em frente aos hospitais para dar atendimento a milhares e milhares de trabalhadores que não têm assegurado esse direito pelo Estado? É claro que não, porque sabemos que o Estado brasileiro, com todos os problemas sociais que enfrenta, não tem condição de assegurar esse direito, embora seja ele preceito constitucional. Devemos entender que há uma grande distância entre o que preceitua a Carta Magna e o que de fato ocorre, mas nem por isso há que se aplicar dois pesos e duas medidas para casos diversos que se nos apresentam. Não pode acontecer que, de um lado, a lei seja cumprida com rigor e, de outro, se faça vista grossa. Ocorreu-me aludir a esse fato, sem com isso pretender interferir em debate tão interessante até mesmo pela forma educada e respeitosa com que se conduzem as partes divergentes. Apenas gostaria de fazer essa observação, Senadora Benedita Silva, porque não podemos, em nome da lei, tratar de forma tão rigorosa alguns aspectos e com negligência outros. Muito obrigada.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª.

Sei que mesmo o Líder do Governo tem a consciência de que estamos diante de um impasse e que o diálogo é o único instrumento de que dispomos. Apenas a letra da lei, muitas vezes fria, não vai resolver essa situação.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães - V. Exª me concede um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Tenho a palavra do Presidente da República, pelo seu Ministro da área própria, neste pequeno trecho que vou ler para V. Exª e para a Casa.

      "A volta desses petroleiros ao trabalho é uma demonstração de bom senso, de responsabilidade e de respeito à lei. Sobretudo de compromisso com o público. Esta é a tradição dos petroleiros, que construíram esta grande empresa que é a PETROBRÁS e que tão bons serviços já prestaram ao País.

      Estamos diante de uma situação em que não deve haver vencidos ou vencedores. Trata-se somente de acatar uma decisão judicial e garantir o menor prejuízo possível à população.

      Conclamo todos os petroleiros que ainda não voltaram às suas atividades normais que sigam o exemplo da grande maioria, que já está trabalhando. Este é o exemplo a ser seguido.

      Eu garanto a todos que a PETROBRÁS está aberta às conversações. E isto vai acontecer tão logo os petroleiros cumpram a decisão do Tribunal.

      Chegou o momento de pôr fim à greve. Com ela, todos perdemos. Com o diálogo e entendimento, todos ganhamos. É isto que o País inteiro espera de nós."

É justamente isso, Senadora Benedita, que V. Exª está pedindo que o Governo já atendeu, por antecipação, pela voz do seu Ministro de Minas e Energia.

A SRA. BENEDITA DA SILVA - Agradeço-lhe o aparte. Acompanhei atentamente a leitura do documento que já me havia sido passado às mãos pelo nobre Senador Eduardo Suplicy. As palavras ditas pelo representante do Governo na figura do Ministro soaram maravilhosas aos nossos ouvidos. Quiçá tenham soado assim também aos ouvidos dos trabalhadores.

Imaginem V. Exªs, se essas palavras ditas pelo Ministro soaram tão bem aos nossos ouvidos, como soariam se pudéssemos ouvi-las do nosso Presidente da República? Seria um maná! É exatamente isso que estamos buscando. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso pode dizer isso, não há por que deixar de fazê-lo.

Alguns gostam de valsa; outros, de rumba; outros, de samba. Os acordes soam bem ou mal aos nossos ouvidos de acordo com o nosso interesse. Essa fala é suave, macia, desejada por todos nós. Como não soariam aos nosso ouvidos essas palavras ditas, à Nação, pelo Presidente da República!

Em nenhum momento, a partir do instante em que ocupei a tribuna, descartei a possibilidade de ouvir do meu Presidente essas palavras. Mas ainda que não as ouça, só o fato de saber que Sua Excelência pode dar aos trabalhadores e à Nação inteira a tranqüilidade de retirar o Exército das refinarias e oferecer a a oportunidade de um acordo com os trabalhadores logo adiante, nós - eu, particularmente - estamos verdadeiramente felizes. Ofereço neste momento a minha contribuição para o Ministro e para o Presidente da República no sentido de, se necessário for, iremos ao Planalto para que possamos dialogar.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª não é nada exigente. V. Exª tem o bom gosto de querer ouvir a voz do Presidente da República. Esse foi o seu apelo. O Presidente falou pela voz do Ministro de Minas e Energia. E eu diria a V. Exª que estou muito satisfeito de ouvir a voz de V. Exª em vez da voz do Lula. Prefiro a voz de V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte. A voz do Lula, evidentemente, não poderia ser ouvida aqui porque ele não é do Senado. Mas a voz do Presidente do Partido dos Trabalhadores é suave a meus ouvidos. Aprendi nessa escola alguma coisa que pratico aqui e vejo nele a esperança, que não é remota, daquilo que eu ainda não consegui alcançar: sapiência e inteligência e a e a possibilidade que ele traz à Nação brasileira de ser o representante do interesse dos trabalhadores.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora Benedita da Silva, primeiro, quero cumprimentá-la por trazer novamente este tema à discussão no plenário do Senado. Acredito que esta é a terceira ou quarta oportunidade, neste dia, em que Senadores manifestam a sua preocupação no sentido de contribuir para solucionar esse impasse. De fato, as palavras do Ministro de Minas e Energia, lidas pelo Senador Antonio Carlos Magalhães em seu aparte, têm um ponto importante: "Garanto a todos vocês que a PETROBRÁS está aberta às conversações, e isso vai acontecer tão logo os petroleiros cumpram a decisão do Tribunal". É preciso também conhecer, em profundidade, em que medida essas palavras, efetivamente, terão o efeito que V. Exª está imaginando possam ter. Parte dos trabalhadores já retornou ao trabalho, mas o cerne do movimento, pelo menos ao que se sabe, ainda continua. Não sei se a transmissão dessas palavras fará alguma diferença, mas, pelo que entendo, seria importante algum sinal, quem sabe ele possa surgir daqui mesmo. O Senador Pedro Simon conduziu a superação do impasse no segundo trimestre do ano passado, por volta de novembro, quando o Presidente nacional do PT, Luís Inácio Lula da Silva, preocupado com o agravamento da situação, confiando numa larga tradição de amizade e de respeito que tem pelo Senador Pedro Simon, ligou para ele. S. Exª, então, ponderou ao Presidente Itamar Franco que seria interessante e importante realizar um esforço de entendimento, o que acabou resultando no diálogo com Vicente Paula da Silva, naqueles termos de acordo que hoje estão sendo objeto do julgamento que V. Exª aqui registra. Não se compreende porque o julgamento foi adiado para segunda-feira, poderia ter sido hoje ou poderá ser amanhã, mas quem sabe as pessoas que aqui estão - os Senadores Pedro Simon, Jader Barbalho, Romeu Tuma, Elcio Alvares, Antonio Carlos Magalhães, Leomar Quintanilha, Marina Silva, Levy Dias e V. Exª - poderiam colaborar para isso. Acabo de falar com o Presidente da Federação Única dos Petroleiros, Antônio Carlos Spis, transmitindo a ele o que se passou no dia de hoje no Senado Federal. O Presidente em exercício, Teotônio Vilela Filho, diante dos apelos dos Senadores, transmitiu-me que conversou, na hora do almoço, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem informou que diversos Senadores querem colaborar para resolver essa situação. O Presidente da FUP, dentro de instantes, fará uma visita ao Senador Teotônio Vilela Filho. Seria interessante que pudéssemos ouvi-lo - já conversei com o Senador Pedro Simon e convido o Senador Elcio Alvares e os demais presentes. Será que as ponderações feitas nesta Casa e o pronunciamento do Ministro de Minas e Energia, que, sabemos, tem um elo de amizade histórica com o Senador Antonio Carlos Magalhães, serão suficientes? Será que, além dessas palavras, há algo mais que possa ser transmitido aos petroleiros como sinal de uma provável conversação? Será verdadeira a expressão de que o Governo não está interessado em que haja vencidos e vencedores, que é possível ambos continuarem a trabalhar com dignidade, de cabeça erguida? Qual será esse sinal? Senadora Benedita da Silva, V. Exª se pronunciou na hora certa do dia: quem sabe haja sinais do conhecimento bíblico que possam trazer luz para evitar, inclusive, a repetição de quaisquer episódios, como o mencionado por V. Exª, em Volta Redonda, em 1988. E que o Exército não seja levado a qualquer ação, como aquela que ocasionou a morte de três operários. Portanto, toda energia e empenho devem ser realizados. Felizmente, o Senado hoje mostra estar com a energia voltada para resolver esse problema nacional, além de outros.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Quero concluir, salientando que temos orgulho da PETROBRÁS. Os trabalhadores ali demonstraram o quanto são eficientes e responsáveis para tornar a referida empresa reconhecida a nível internacional.

Eles merecem, neste momento, uma atenção, ou seja, ouvir algo mais por uma voz que compreendemos ser a grande voz do Brasil. Só faço esta afirmação porque tenho esperança. Não podemos confundir esperança com divergência. Não quero o "quanto pior melhor". Quero que este Governo dê certo e muito certo, porque, com qualquer desvio ou vacilo de um governo quem sofre é a Nação.

Não é apenas a aflição do Governo ou o sentimento dos trabalhadores, mas toda uma Nação que está sofrendo com esse impasse.

Cada um de nós, com a consciência política que temos e também com a minha consciência cristã - porque coloco fé nas coisas que faço, sentimento naquilo que acredito, por isso citei diálogos bíblicos, que estão perto de nossa realidade política e é exatamente isso que queremos -, deve ser porta-voz dos interesses dos trabalhadores e do Presidente da República, para garantir um acordo e acabar com esse impasse.

Por isso, associo-me aos demais Senadores e, principalmente, ao meu querido Senador Pedro Simon, que desencadeou hoje este debate. Acredito que S. Exª poderá dar continuidade a essa liderança que tem demonstrado nestes momentos difíceis não apenas da Nação brasileira, mas também quando há uma divergência ou discordância entre nós no encaminhamento de alguma proposta.

Portanto, disponho-me, como representante do Partido dos Trabalhadores, moradora-cidadã do Estado do Rio de Janeiro, a estar aqui como Senadora, junto aos demais pares, junto ao nosso Governo Federal, ao nosso Presidente da República, para darmos um basta nesta situação.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/05/1995 - Página 8695