Discurso no Senado Federal

MANIFESTANDO PREOCUPAÇÕES NO SENTIDO DE QUE SEJAM ADOTADOS CRITERIOS RIGOROSOS E TRANSPARENTES, NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO PROPOSTO PELO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • MANIFESTANDO PREOCUPAÇÕES NO SENTIDO DE QUE SEJAM ADOTADOS CRITERIOS RIGOROSOS E TRANSPARENTES, NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO PROPOSTO PELO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE.
Aparteantes
Jefferson Peres, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/05/1995 - Página 8620
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, REMESSA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ORIGEM, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, OBJETIVO, REFORMULAÇÃO, ESTADO, SENADO, EXAME, MATERIA, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • HISTORIA, RELEVANCIA, FUNÇÃO, ESTADO, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, BRASIL, DEFESA, ATUALIDADE, NECESSIDADE, DESESTATIZAÇÃO, ALIENAÇÃO, PATRIMONIO DA UNIÃO, OBJETIVO, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, ADVERTENCIA, INSUFICIENCIA, COMUNICABILIDADE, SOCIEDADE, EFEITO, DUVIDA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PROBIDADE, PRIVATIZAÇÃO, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, APOIO, SOCIEDADE, DECLARAÇÃO, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, DESTINO, RECURSOS FINANCEIROS, DISTRIBUIÇÃO, ALIENAÇÃO, AÇÕES, EMPRESA PUBLICA.
  • INFORMAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PARTE, RECURSOS FINANCEIROS, PRIVATIZAÇÃO, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já se encontra no Senado a primeira das propostas de emenda constitucional, enviada pelo Presidente da República, visando à reforma do Estado brasileiro.

Já temos, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a emenda que trata da quebra do monopólio para a exploração do gás canalizado e, em breves dias, chegarão para exame do Senado outras propostas de emenda constitucional que já se encontram em fase de votação na Câmara dos Deputados.

Nesse momento, os Srs. Senadores vão se aprofundar no exame dessas matérias para formular o seu voto, o seu juízo. Todas elas tendem a produzir grandes transformações na vida nacional e uma profunda reformulação no papel do Estado brasileiro, principalmente nas reformas econômicas. Salvo as medidas da Previdência Social, as demais se destinam à liberação da nossa economia e à redução significativa do papel do Estado como empresário.

Se olharmos um pouco para trás, vamos verificar que, depois do marco da industrialização brasileira com a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional, graças às bem-sucedidas negociações que o Presidente Vargas empreendeu junto ao Governo dos Estados Unidos, na década de 50, os políticos brasileiros decidiram transformar o Brasil agrícola de então - o Brasil que tinha uma população eminentemente rural - num país industrial e urbano.

Para tanto, foram adotadas várias providências: o País passou a obter financiamentos externos a juros baixos, em financiamentos de longos prazos, para promover a nossa industrialização; adotou simultaneamente uma série de providências que se destinavam a defender a então nascente indústria nacional, uma vez que ela não tinha condições técnicas e financeiras para competir com a indústria dos países desenvolvidos.

Ao mesmo tempo em que a ausência de capitais privados pudesse promover com êxito esse processo de industrialização, foi o próprio Estado, foi o próprio Governo brasileiro que veio a montar toda uma estrutura industrial, cuja expressão maior é a PETROBRÁS, a empresa detentora do monopólio estatal para a exploração e o refinamento do petróleo.

Assim como a PETROBRÁS, outras empresas vieram, como a ELETROBRÁS, juntamente com a mobilização dos capitais privados, protegidos pela barreira da importação, que transformou o Brasil, do ponto de vista econômico, numa economia autárquica, quer dizer, era praticamente impossível a importação de bens produzidos no País. Daí se ter chamado essa fase da industrialização brasileira de "processo de substituição de importações".

Passados os anos, conseguimos desenvolver um parque industrial moderno, competitivo. O Brasil urbanizou-se; transformou aquela sociedade agrícola, rural, do passado, em outra eminentemente urbana. O País estava industrializado, capaz de produzir quase tudo aquilo de que precisa uma sociedade para o seu desenvolvimento, para a prestação dos serviços e o cumprimento das tarefas que lhe são próprias.

Há poucos anos, quando tivemos os choques do petróleo e, depois, com a súbita elevação dos juros internacionais, quando o Brasil passou a enfrentar grandes dificuldades para obter os financiamentos externos; quando esses financiamentos passaram a ser feitos com juros extremamente onerosos; quando o Brasil se viu, como muitos países do mundo, impossibilitado de honrar suas obrigações financeiras e veio a declarar moratória, ficou bem claro que o Estado brasileiro atravessava ou principiava ali uma fase de insolvência. Assim, impossibilitado de cumprir suas obrigações financeiras, externas e internas, começou-se a questionar o papel do Estado empresário, o Estado que investia em atividades econômicas para produzir bens, para acionar indústrias e, assim, ter um papel relevante na economia nacional.

Faço esse retrospecto para situar o momento em que nos encontramos. Há alguns anos, estamos assistindo a um debate - infelizmente, no meu ponto de vista, ainda muito restrito - sobre as dimensões e o papel do Estado: que Estado queremos e para que o queremos? Tem sido um debate fragmentado, pouco esclarecedor, cheio de preconceitos, muitas vezes, envolvido em uma espécie de nuvem que não nos deixa enxergar com clareza onde realmente está o melhor para o País e para a sociedade brasileira.

Pois bem, agora nos defrontamos com o exame dessas medidas, dessas propostas de reforma da Constituição, que visam a uma maior abertura da economia do País, objetivando a sua inserção na economia mundial e a redução do seu papel de empresário, de agente dessas atividades econômicas, que até então vinham sendo exercidas tradicionalmente pelo Estado brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é o momento de examinarmos essa questão com muito cuidado, atenção e clareza, para que cada um de nós possa decidir, com o melhor do nosso conhecimento e do nosso entendimento, onde está o interesse nacional nessa matéria.

A meu ver, a questão da privatização, a questão da desestatização surge primeiro como reflexo de um movimento mundial: um pouco do que se está passando no Brasil, um pouco do que aconteceu e do que vem acontecendo em diversos países do mundo, tanto nos desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.

Por outro lado, creio que esse debate irrompeu na sociedade brasileira com muita força em razão da falência do Estado brasileiro, que não foi mais capaz de exercer aquelas atividades que vinha cumprindo à custa de recursos próprios ou de financiamentos a juros módicos, a longo prazo, junto ao mercado internacional.

A nossa situação assemelha-se à de alguém que pediu moratória ou requereu concordata. O País deve honrar seus compromissos financeiros, mas não pode; o que faz agora? Em primeiro lugar, reduz os seus gastos; em segundo, desfaz-se dos seus ativos para pagar as suas contas. Essa é, evidentemente numa imagem bastante simplificada, a situação em que nos encontramos.

Se atentarmos para o volume realmente assustador de recursos que o País está empregando no pagamento de juros - já não falo em amortização, mas apenas no serviço da dívida, ou seja, no pagamento das obrigações financeiras -, veremos que não há como sair dessa situação de dificuldade. Precisamos ficar livres dessa dívida que tolhe o desenvolvimento nacional.

Creio que esse tipo de raciocínio está ao alcance do homem comum, que pode transplantar sua situação pessoal para a situação do nosso querido Brasil. Preocupa-me, no entanto, o fato de o Governo, ou a elite nacional, não ter conseguido transmitir, com clareza, essa imagem para a sociedade brasileira. Há sempre insegurança, há algo que não está bastante esclarecido em relação a esse processo de alienação do patrimônio nacional. De um lado, porque não há um projeto bem definido. O que queremos com a alienação desse patrimônio? Ela se dará apenas em função do entendimento de que o Estado deve recuar, retrair-se no cumprimento de certas funções, ou ocorrerá porque precisamos desse dinheiro para reduzir a nossa dívida e conseqüentemente liberar os recursos fiscais para a realização do grande sonho de engrandecimento e de progresso do País?

Ainda nessa mesma linha de raciocínio, procurando esclarecer melhor tudo isso, preocupamo-nos com certos movimentos obscuros e sorrateiros, que nos deixam com certa apreensão, que nos deixam, de alguma maneira, em dúvida quanto ao próprio processo de privatização.

Vejam bem, não podemos concordar, em nenhum momento, em que a alienação desse patrimônio não se cerque de uma transparência, de uma lisura que nos deixe a todos confortados. Afinal de contas, a permissão, a autorização para que essa alienação ocorra depende do Congresso Nacional.

Preocupo-me - repito - quando vejo certos movimentos periféricos que às vezes chegam perigosamente perto do Congresso. Ouço falar de reuniões nas quais os lobbies, a força de certos grupos econômicos, os grandes interesses movimentam-se com uma desenvoltura que chegam a me assustar, como se estivessem patrocinando a aprovação dessas reformas, para amanhã auferirem o lucro da exploração dos serviços resultantes da privatização dessa ou daquela empresa.

Aconteceu uma "quibada", à qual estavam presentes Deputados, representantes de lobbies, de empresas interessadas no processo de privatização ou de flexibilização do monopólio das telecomunicações. Há uma nuvem gasosa em torno do processo de flexibilização ou extinção do monopólio de exploração do gás canalizado. Não quero, de maneira alguma, fazer insinuações; apenas chamo atenção para o fato de que esse processo exige absoluta transparência e, de nossa parte, conhecimento profundo sobre o tema, porque sobre ele vamos deliberar.

Creio que o Governo peca quando restringe, quando limita o debate. Esse é um assunto que interessa a toda a sociedade. Não se trata de assunto circunscrito às dependências do Congresso Nacional, muito menos ao Palácio do Planalto ou aos Ministérios da Esplanada. Não, esse assunto é de interesse de todo o povo brasileiro. Quanto maior o consenso em relação a essa matéria, melhor para o Governo, melhor para o Legislativo, porque, nesse caso, estaremos decidindo respaldados pela vontade, pela decisão da sociedade brasileira.

Não espero que, em se tratando de matéria tão complexa, haja unanimidade. Não falo disso. Mas falo de um debate amplo e aberto que possa mobilizar toda a sociedade, sem preconceitos, sem corporativismos. Assim, poderemos decidir com segurança, afinal, estamos tratando de uma profunda reforma do papel do Estado brasileiro.

É preciso que o Governo diga claramente, e não por entrelinhas, o que pretende fazer com o dinheiro da privatização. Vai se destinar a quê? A abater a dívida? Haverá algum tipo de vinculação que obrigue o Governo a isso? Ou esse dinheiro vai se perder nesse cipoal de artigos e alíneas do Orçamento, esvaindo-se sem que tenhamos aproveitado essa oportunidade de ouro para nos livrar da dívida que nos pesa sobre os ombros? Ou vamos fazer apenas como o nobre arruinado, que vende a sua prata e o seu linho para pagar a conta do armazém da esquina, e a cada dia empobrece mais?

Faço esse apelo para que o Governo possa - Governo é Judiciário, Legislativo e Executivo - encaminhar essa questão com muita segurança e competência. Há urgência em relação a essas matérias, mas nenhuma urgência pode dar margem a que se releve a segundo plano o interesse nacional. Vamos examinar a privatização com clareza e segurança. Há pouco, o Presidente leu um projeto que apresentei a esta Casa. Trata-se de uma sugestão - será discutida e debatida - no sentido de que parte dos recursos da privatização seja destinada à conclusão das obras inacabadas, que se espalham por todo o País, desafiando as administrações, consumindo recursos.

No entanto, caso o Governo tenha proposta clara para a destinação dos recursos oriundos da privatização, vamos debatê-la e examiná-la detidamente, para que possamos tomar a melhor decisão em relação à matéria.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Jefferson Péres - Ilustre Senador Lúcio Alcântara, compreendo a sua preocupação, mas creio que é exagerada. Privatizar, desfazer-se o Estado de seu patrimônio para abater a dívida é o que manda o mais elementar bom senso. Quando se tem uma dívida praticamente impagável, com juros elevadíssimos, é claro que se desfazer de um patrimônio que pouco lhe rende em termos de dividendos faz sentido - e muito sentido. Agora, desfazer-se desse patrimônio para atender a gastos correntes seria simplesmente uma estupidez, até um crime. Não acredito - V. Exª, como eu, é do PSDB - que esse Governo cometa tal barbaridade. De qualquer modo, compete a nós - a mim e a V. Exª, a todos os integrantes do Partido e até à sociedade brasileira - a mobilização no sentido de impedir que isso aconteça. Diminuir a dívida pública, forçar a queda desses juros brutais em troca do patrimônio de empresas estatais que a iniciativa privada pode tocar muito bem está certo; agora, desfazer-se dessas empresas para o custeio da máquina administrativa seria simplesmente inconcebível. Não acredito que o Governo o faça.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador Jefferson Péres, quero ter a mesma tranqüilidade e segurança que tem V. Exª em relação a esse tema. Digo mais: acho que o Governo deveria estender o debate. Ele não pode ficar restrito a um auditório limitado, como é o nosso, do Congresso Nacional.

O País tem que conhecer e adotar essa decisão como sendo sua e não de Governo, ainda que, como é o caso do Presidente Fernando Henrique, esse Governo tenha crédito. Por mais que nos mereça apoio, como é o caso, a matéria é de tal envergadura que precisamos saber exatamente que destino será dado a esses recursos. Será que, de fato, o dinheiro aliviará o principal da dívida - não mais os juros, mas o principal - a fim de que tenhamos fôlego para, com os recursos fiscais, promover o desenvolvimento do País?

Sr. Presidente, concluo dizendo que o que me preocupa não é só o destino do recurso, mas também o processo de privatização em si. Sobre ele, precisamos ter todo o controle possível para assegurarmos, como disse - e sei que esse é o pensamento de V. Exª -, a lisura e a absoluta transparência, fazendo desse processo o mais democrático possível, inclusive atomizando a venda da participação do controle acionário para que não sejam apenas um ou dois grupos que venham a deter o controle dessas empresas, mas sim um maior número possível de brasileiros.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Osmar Dias - Nobre Senador Lúcio Alcântara, é um grande conforto ouvir o pronunciamento de V. Exª, principalmente porque essas dúvidas também são minhas, já que me baseio no que ocorreu. Quando V. Exª enfoca o problema de como privatizar e para onde será destinado o recurso dessa privatização, uma grande dúvida me ocorre: a que preço será vendido o patrimônio do Estado? Nobre Senador, esse preço não foi o justo, pelo menos para a sociedade brasileira, quando tivemos a privatização da CSN, que, privatizada, está nas mãos de dois ou três grandes grupos. A imprensa divulgou intensamente que as ações foram colocadas à venda por um valor muito abaixo do seu preço real. Ou seja, dois ou três grupos foram beneficiados com um patrimônio que era da sociedade. Essas dúvidas que V. Exª tem, também as tenho. E vou mais longe: se a privatização não for feita com critérios rigorosos, vamos acabar partindo de um monopólio do Estado para um monopólio privado, que é muito pior. E os oligopólios, que têm sido um grande dano para a economia e para as esperanças da sociedade brasileira, podem ser fortalecidos se esse programa de privatização não for cercado dos cuidados que devemos tomar nesta Casa. Agradeço a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Osmar Dias, que vem, justamente, fortalecer a minha convicção de que todo cuidado é pouco nessa matéria. Tenho ouvido muitos economistas dizerem que um dos grandes problemas para a organização da economia brasileira é a oligopolização, ou seja, certos setores da nossa economia dominados por pequenos grupos. Esse processo tem-se consolidado ao longo das privatizações, inclusive, como V. Exª lembrou, no setor da siderurgia.

Eu não participo, de maneira nenhuma, da opinião daqueles que dizem que se o Estado brasileiro entregasse gratuitamente as empresas que tem ainda era um grande negócio, porque deixaria de gastar com elas. Não partilho dessa opinião. Acredito que, realmente, temos que diminuir o tamanho do Estado, reduzir a nossa participação na economia, mas tudo isso feito com absoluta clareza, com segurança, com lisura e com honestidade, para que não se aliene em vão esse patrimônio que o povo brasileiro construiu penosamente.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/05/1995 - Página 8620