Discurso no Senado Federal

ALARMANTE CRESCIMENTO DO TRAFICO E DO CONSUMO DE NARCOTICOS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE REPRESSÃO AS DROGAS.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • ALARMANTE CRESCIMENTO DO TRAFICO E DO CONSUMO DE NARCOTICOS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE REPRESSÃO AS DROGAS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/05/1995 - Página 9001
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), ABUSO, CONSUMO, DROGA, AMEAÇA, QUALIDADE DE VIDA, SAUDE, PRODUTIVIDADE, PESSOAS, MUNDO.
  • REFERENCIA, SOLICITAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), URGENCIA, ATUALIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DROGA, AUMENTO, RECURSOS, COMBATE, TRAFICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, CRESCIMENTO, CONSUMO, TRAFICO, DROGA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, PERIGO, RISCOS, JUVENTUDE.
  • DEFESA, EFICIENCIA, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, DROGA, AUSENCIA, EXCESSO, LIBERALISMO, IMPORTANCIA, PREVENÇÃO, CONTROLE, ABUSO, CONSUMO, TRAFICO, ENTORPECENTE.
  • ADVERTENCIA, ABUSO, UTILIZAÇÃO, SOLVENTE, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BAIXA RENDA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, CONGRESSISTA, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, DROGA.
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, URGENCIA, DEBATE, PROBLEMA, LEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, PAIS.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas três últimas décadas, o uso abusivo de drogas adquiriu características preocupantes e, segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, tornou-se uma verdadeira epidemia, ameaçando a qualidade de vida, a saúde e a produtividade de milhares de pessoas no mundo inteiro.

O alarmante índice de crescimento da oferta e da demanda abusiva de drogas vem sendo objeto de constante preocupação dos governantes de quase todos os países e de numerosos mecanismos internacionais que não vêm poupando esforços para colocar em prática os meios mais adequados e eficazes de combater tão grave problema.

Em fins de fevereiro deste ano, a Junta Internacional de Controle de Drogas - JICD, órgão das Nações Unidas que acompanha a evolução do consumo indevido e do tráfico de substâncias entorpecentes que causam dependência física ou psíquica, apresentou, em seu Relatório 1994, um sombrio panorama do consumo de drogas no mundo, apontando um significativo aumento do consumo e do tráfico de todo tipo de drogas em todos os continentes, e demonstrando que há um estreito vínculo entre o aumento do tráfico e outros tipos de atividades criminosas, entre as quais o terrorismo e a lavagem de dinheiro.

Segundo essa importante agência das Nações Unidas, são as lacunas legais que transformam os narcotraficantes em poderes paralelos que ameaçam não só as estruturas políticas, sociais e econômicas do país onde atuam, como também toda a atividade econômica mundial.

Por essa razão, a Junta Internacional de Controle de Drogas vem solicitando a muitos países, entre os quais se inclui o Brasil, que atualizem a legislação sobre drogas e dêem mais recursos às instituições de combate ao narcotráfico.

Preocupado com a magnitude da questão e tendo em vista as perspectivas iminentes de alteração da legislação brasileira sobre os tóxicos, ocupo hoje a tribuna desta Casa para falar sobre o problema das drogas no Brasil e, em particular, sobre o perigo e o malefício que elas representam para a juventude de nosso País.

Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos que as drogas são um dos maiores inimigos de qualquer sociedade, pois serve de pretexto para uma série de outros delitos. No Brasil, elas têm levado nossos adolescentes e até mesmo nossas crianças, principalmente das camadas sociais menos favorecidas, ao abandono dos lares, à destruição da saúde física e mental, à criminalidade, à prostituição e, muitas vezes, à morte.

Tramitam atualmente no Congresso Nacional vários projetos que objetivam alterar a Lei nº 6.368, Lei de Tóxicos, de 1976, considerada, com toda pertinência, retrógrada e inadequada às concepções de abordagem do problema nos dias atuais.

A mudança de nossa legislação tem sido muito discutida nos mais diversos fóruns e vem ganhando corpo e adesões a idéia, a meu ver, defensável apenas aparentemente, de descriminação da posse de substâncias entorpecentes para uso próprio.

A descriminação será, em breve, discutida em uma comissão especial na Câmara dos Deputados, que deverá reunir os projetos em andamento, na tentativa de dotar o Brasil de uma legislação séria e adequada aos tempos difíceis de crescimento da violência e da criminalidade em nosso País. Lamentavelmente, o Brasil tornou-se um verdadeiro armazém da cocaína produzida no Peru, na Bolívia e na Colômbia, os maiores produtores mundiais dessa droga.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador, V. Exª situa com muita oportunidade um grave problema, que não é apenas do Brasil, mas da generalidade das nações. Aproveito esta oportunidade para salientar que a chamada "Política da Globalização", de que tanto se fala e tanto se elogia, não deve restringir-se apenas ao plano econômico para a obtenção recíproca de lucros e vantagens materiais. É preciso que essa dita "Política de Globalização" signifique sobretudo a enérgica cooperação entre as nações para evitar males, como o que V. Exª descreve e condena.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço muito sensibilizado o aparte com que me distinguiu o nobre Senador Josaphat Marinho e considero que as colocações que acaba de fazer enriquecem profundamente o meu modesto pronunciamento. Por isso, incorporo-as, com muita alegria, a esse discurso.

Gostaria de dizer ao Senador Josaphat Marinho que, realmente, a questão da globalização da economia não deve ser apenas vista como um problema do nosso tempo, mas deve constituir-se também em uma preocupação, porque aí estão os cartéis, aí estão surgindo os problemas de produção, transporte e distribuição de drogas entre os países, propiciando o agravamento desses problemas enormemente, sobretudo quando atingem a nossa juventude. É uma questão preocupante. Mais adiante, no meu pronunciamento, vou citar os dados de como a droga já chegou às escolas, como já chegou nas regiões até menos desenvolvidas. Tudo isso nos preocupa. Por isso, entendemos ser extremamente importante a atenção a fim de que, quando essa matéria vier a ser discutida aqui no Senado, possamos dotar o País de uma legislação moderna e sobretudo eficiente para combater essa questão das drogas em nosso País.

Prossigo, Sr. Presidente, dizendo que, se éramos, até alguns anos atrás, mero corredor de passagem da cocaína, hoje não o somos mais. Segundo a Junta Internacional de Controle de Drogas, notou-se no Brasil um importante aumento no consumo de cocaína. Não bastasse isso, nosso País tornou-se também um entreposto de cocaína no atacado e abriga, atualmente, uma das mais lucrativas bases de lavagens de dinheiro do narcotráfico internacional.

Todos sabemos que a droga em si mesma é um mero composto químico. Transforma-se, porém, em ameaça para a sociedade quando impõe a ela o convívio com as agruras da incapacitação física e mental de legiões de jovens, as principais vítimas desse verdadeiro flagelo, e também o convívio insuportável com o submundo de marginais e traficantes que vêm colocando em risco cada vez maior a vida dos indefesos habitantes das grandes metrópoles brasileiras.

Nos grandes centros urbanos, o vício prospera como resultado natural do crescimento das quadrilhas de narcotraficantes. Pesquisa recente da Universidade de Brasília mostrou que entre os estudantes de 1º e 2º graus, de cada grupo de cem, vinte e seis já haviam experimentado uma vez algum tipo de droga - maconha, anfetaminas e também cocaína.

De um modo geral, os dados sobre o consumo das drogas ditas proibidas são preocupantes. Pesquisa realizada por professores da Escola Paulista de Medicina - EPM, publicada em novembro do ano passado, mostrou que, de acordo com a série histórica daquele estabelecimento de ensino, o consumo de drogas entre os jovens avançou 14%, entre 1987 e os dias atuais. Além disso, o atraso escolar em relação à idade se verifica em 83% dos dependentes.

Até recentemente, o debate permanecia circunscrito aos limites da repressão, seja do tráfico, seja do consumo. Hoje, limitarmos os termos do debate que se impõem ao tema "repressão ou não" significa um total desconhecimento do verdadeiro drama dos farmacodependentes. O usuário dependente é um problema médico-social e deverá merecer especial atenção de nós, legisladores, que teremos de dotar o País de um novo instrumento jurídico sobre as drogas.

No Brasil, o tema ganhou atualidade e maior relevância quando o Ministro da Justiça, Nelson Jobim, falou, no início deste ano, da forma mais ponderada possível, da necessidade de a legislação antidrogas brasileira diferenciar melhor os consumidores e os traficantes e de se estudar mais seriamente a descriminação do uso de drogas no País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a descriminação do uso de drogas para o usuário é um tema extremamente complexo, que reclama uma análise profunda de todos os seus aspectos, e não pode ser apreciado como mero posicionamento contra ou a favor.

Preocupam-me os argumentos que vêm sendo divulgados pelos defensores da descriminação. Os dois grandes argumentos favoráveis à descriminação do consumo de drogas são: o primeiro, o de que o dependente, o viciado, é um doente, vítima do tráfico e carecedor de tratamento médico e não de repressão; o segundo, o de que essa medida privaria os traficantes de sua principal fonte de lucro, o chamado imposto da ilegalidade, que dá aos controladores de narcotráfico o poder de gerar tanta violência e corrupção.

Vários outros argumentos são também evocados a favor da descriminação: "se não é possível evitar o mal, vamos legalizar o consumo"; "o estigma do crime é superior ao malefício da droga"; "o usuário de droga não pode ser considerado como caso de polícia"; "penalizar o usuário de drogas incentiva a corrupção no meio policial"; "penalizar o usuário é uma invasão do direito de liberdade sobre os atos e a privacidade dos cidadãos". Existem, ainda, outras tantas justificativas para a questão.

Essas teses podem ser mais fáceis de aceitar no campo das idéias. Quando se trata de passar da teoria à prática é que surgem os questionamentos. Será que o crime diminuiria com o fim da proibição? O consumo diminuiria? A descriminação não funcionaria como uma espécie de aval para o consumo, ampliando o universo de usuários? Drogas livres ou mais acessíveis não seriam consumidas em quantidades maiores? Como educar crianças e adolescentes a não usar drogas, se a legislação aceita o seu uso?

Sr. Presidente, a meu ver, descriminar o consumo de drogas é uma saída arriscada. Nada nos garante que a descriminação provocaria a queda do consumo. Seria mais fácil acreditar que a descriminação para os usuários só teria vantagens para os traficantes. As experiências de liberação do consumo de drogas no mundo revelaram-se desastrosas, transformando cidades como Amsterdã, na Holanda, e Zurique, na Suíça, em verdadeiras mecas do consumo de drogas. A experiência na Platzpitz de Zurique foi suspensa recentemente. O fracasso da experiência na Suécia não foi diferente.

Quem convive com o mundo real dos jovens sabe que as drogas ditas lícitas - álcool, cigarro, tranqüilizantes e inalantes - têm demanda crescente, quase incontrolável. A descriminação de drogas ilícitas, que conseqüências teria?

Que drogas seriam descriminadas? Todas? Cocaína, crack, ópio, heroína, LSD ou só a maconha?

Do ponto de vista médico, ninguém duvida dos malefícios causados pelas drogas de modo geral. Pessoas inertes, incapacitadas para o trabalho e para o convívio social tornam patentes os danos físicos e morais dos entorpecentes que, muitas vezes, levam à morte, em caso de overdose.

A overdose é responsável por muitos problemas de saúde, Srªs e Srs. Senadores. Constata-se significativo aumento do número de casos de infarto em pessoas cada vez mais jovens. E o infarto não é o único risco de quem consome drogas. Os prejuízos vão mais além: o coração nunca mais volta a ser o mesmo; os mecanismos imunológicos são alterados, tornando o organismo mais vulnerável; os reflexos e a coordenação motora diminuem; a memória e o raciocínio são prejudicados, sem contar uma série de outros riscos e conseqüências de ordem psicológica e física a que os usuários de drogas estão expostos.

O Sr. Lauro Campos - Senador Joel de Hollanda, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Pois não. Ouço com satisfação o nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Senador Joel de Hollanda, eu gostaria de parabenizar V. Exª pela escolha do tema que aborda, nesta tarde, no Senado Federal. Desde 1981, no exercício da cátedra na Universidade de Brasília, tenho procurado, e todos os anos repito, algum aluno que se interesse pelo estudo da economia subterrânea, da qual a produção, o tráfico e o consumo de drogas constituem um dos ramos mais perigosos e de maior peso econômico. Na Bolívia, o DEA já provou que o PIB produzido subterraneamente, principalmente através do cultivo da cocaína, superou o PIB visível. Vemos na Venezuela e na Colômbia que, através do Cartel de Medellín e de suas influências, vários candidatos à Presidência da República foram assassinados, porque pregavam um sério combate a essa atividade perniciosa em suas plataformas. Nas minhas conjecturas, que passava a meus alunos, procurava mostrar sempre que para muitos economistas é o consumo que produz a produção. Se não houvesse um mundo consumidor, um mundo rico, um mundo que tem de se refugiar e viajar, porque realmente não suporta ver no mundo real os resultados de sua ação nefasta; se não houvesse essa sociedade neurótica de nosso tempo, certamente nossos próprios trabalhadores ainda continuariam pegando na enxada para ganhar o quê? Uma professora ganha seis reais por mês no Maranhão? Quanto ganha um trabalhador, por exemplo, para trabalhar de manhã até noite adentro na nossa ordem econômica marginalizada? Sendo assim, diante da opção de trabalhar com a enxada e ganhar R$1,00 ou R$2,00 por dia ou trabalhar com a enxada plantando cocaína e ajudando no preparo da droga ganhando cem vezes mais do que em qualquer outra atividade, não há como escapar. Vemos, assim, que essas condições de pobreza, miséria e marginalização, a que o mundo nos levou, fizeram com que a cocaína se transformasse em um setor tão importante da produção que, no Peru, Fujimori, que fez uma revolução em nome da moralidade, declarou expressamente que seu país não pode passar sem a produção de cocaína. Se o fizer, o desemprego e a queda da renda nacional se tornarão insuportáveis e catastróficos. Portanto, vemos que essas atividades penetram não apenas na polícia, mas também na política. E, infelizmente, enxergamos isso em alguns Estados brasileiros e também no plano federal. De modo que quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento, solidarizando-me com ele no sentido de enfatizar, cada vez mais, a necessidade não apenas de uma legislação vigorosa, mas de uma ação globalizada, como já disse o Senador Josaphat Marinho, que possa fazer com que sejam abolidos esses males plantados no nosso solo.

Para terminar, lembro-me que, quando era criança, ouvia falar na papoula, ouvia falar nas drogas do Oriente. Eram coisas tão distantes que minha imaginação infantil não podia se avizinhar dessa atividade. Não podia prever naquele momento que, ainda em vida, veria novas formas de produção de drogas como o crack, a cocaína, etc., serem transplantadas para a América Latina e para o Brasil com a intensidade perversa que aqui estão assumindo. Muito obrigado.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço ao nobre Senador Lauro Campos a gentileza de seu aparte e sobretudo as oportunas observações que fez, chamando a atenção para o inter-relacionamento que de fato existe entre a questão criminal, a questão econômica e também a questão política, envolvendo as drogas no Brasil e no mundo. As observações que V. Exª fez foram muito importantes. E eu as incorporo com muita alegria ao meu modesto pronunciamento.

Estou certo de que V. Exª dará uma contribuição muito importante quando o tema estiver sendo discutido aqui no Senado para que possamos aperfeiçoar a legislação, tendo, inclusive com a cooperação internacional, uma legislação moderna, atualizada, que possa servir de base para combater tão grave mal.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Joel de Hollanda?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Pois não, nobre Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Joel de Hollanda, V. Exª aborda o tema: tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. De logo, salto o capítulo do registro oportuno que V. Exª faz. Tráfico, usuário, dependente, consumo e traficante. O fio condutor filosófico do discurso de V. Exª prende-se, exatamente, a esse roteiro de forma densa, porque o discurso de V. Exª está calcado no aspecto de quem meditou, debruçando-se sobre o tema, para vir esta tarde lançar ao País a reflexão do perigo que assola a nossa Nação com o alastrar das drogas, inclusive, conforme V. Exª registrou, no interior dos estados. À certa altura V. Exª falou sobre uma legislação mais severa, mais dura. Quero lembrar a V. Exª que o Texto Constitucional, no art. 5º, inciso XLIII, diz que lei considerará como inafiançável - veja bem V. Exª - e insuscetível de graça ou anistia o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. A Constituição já sinalizou para o caminho que nós legisladores deveremos tomar. Paira uma pergunta no ar: será que apenas uma legislação dura fará com que esse fantasma que sobrevoa sobre nossos filhos e netos desapareça? Será que não falta uma educação nos nossos colégios que advirta os alunos de que, à porta dos colégios, há traficantes que distribuem balas ou drogas? Hoje as mães estão atormentadas por não saberem se seus filhos ou se suas filhas estão ou não começando a trilhar o caminho do consumo de drogas, tornando-se, como V. Exª disse, usuários dependentes. Deve ser feita uma distinção clara entre o usuário dependente e o traficante. Ouço V. Exª com muita atenção. A cada semana, este assunto deveria comportar uma manifestação dessa natureza. Creio que V. Exª voltará a essa tribuna para tratar desse assunto, e quantas vezes a ela votar, terá V. Exª a minha solidariedade. Muito obrigado.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço ao nobre Senador Bernardo Cabral, pela distinção desse aparte extremamente profundo e oportuno.

Nobre Senador Bernardo Cabral, estou preocupado justamente com a questão das sugestões que estão sendo discutidas na Câmara, para flexibilizar - vamos dizer assim - a legislação que hoje disciplina a questão das drogas em nosso País. Não estou necessariamente solicitando uma legislação mais dura, mas estou, sim, preocupado com as propostas que estão surgindo no sentido da descriminação de drogas como a maconha e, a partir daí, talvez, a de outras drogas atualmente consumidas em nosso País.

V. Exª foi mais adiante e tocou em dois pontos que também considero importantes. A questão da educação é fundamental, o trabalho nas escolas, sobretudo, para fazer com que os jovens não trilhem esse caminho das drogas.

Os meios de comunicação têm uma responsabilidade muito grande em nosso País para evitar que os nossos jovens se entusiasmem por esse caminho. É importante chamar a atenção para o fato de que a televisão, o rádio e os jornais podem dar uma contribuição muito importante no sentido de evitar que esse mal atinja contingentes maiores de nossa população.

Por isso agradeço com muita alegria o aparte que V. Exª me concedeu e com muita satisfação incorporo-o ao meu pronunciamento.

Prossigo, Sr. Presidente, os meios de comunicação brasileiros não se cansam de divulgar um dos aspectos mais tenebrosos do uso das drogas: a alarmante escalada do uso de drogas injetáveis em nosso País e sua estreita vinculação com a assustadora propagação do vírus da AIDS em território nacional.

Na seringa compartilhada numa roda de dependentes pode estar o temido vírus HIV. Cerca de 70% dos adolescentes com AIDS no Estado de São Paulo, por exemplo, infectaram-se dividindo seringas quando usavam drogas. Dos cerca de oitocentos e cinqüenta jovens do sexo masculino, entre quinze e dezenove anos, contaminados, cerca de sessenta e sete por cento contraíram a doença devido ao uso de drogas injetáveis.

Outro flagelo vem sendo causado pelo uso do crack, droga preparada com a pasta-base da cocaína. Mesmo não sendo uma droga injetável, o crack vem causando efeitos devastadores entre os usuários de drogas. Estimulante muito mais potente e perigoso do que a cocaína, o crack é, hoje, uma das drogas mais consumidas nos principais centros urbanos do País.

Segundo a matéria publicada pelo Jornal da Tarde, em dez de abril passado, as estatísticas do Departamento de Narcóticos da Polícia Civil - DENARC -, revelam que, em São Paulo, de 1991 até os dias atuais, houve um aumento de sessenta por cento no número de usuários de crack. Somente no ano de 1994, cerca de sessenta e um por cento dos mais de quatro mil e duzentos dependentes pertencentes a todas as classes sociais e, em grande maioria, com idade variando entre quinze e vinte e cinco anos, foram atendidos pela Divisão de Prevenção e Educação do DENARC, e lá buscaram ajuda na tentativa de livrarem-se das pedras de crack.

A direção do DENARC denunciou que na chamada "Boca do Lixo", no centro da capital paulista, a venda de crack está concentrada nas mãos de crianças e adolescentes, usados pelos traficantes para driblar a polícia. Além do aumento do número de usuários e de garotos traficantes, a Polícia Civil paulistana revela outra estatística assustadora, Sr. Presidente: noventa por cento das cento e oitenta e uma mortes violentas de menores, ocorridas no ano passado em São Paulo, estão relacionadas com o crack.

Por essas e outras razões, o consumo de drogas ilegais é motivo de preocupação cada vez maior para as nossas autoridades. Há, porém, um outro aspecto no problema do consumo de substâncias entorpecentes que causam dependência física ou psíquica que preciso mencionar aqui, pois não vem merecendo o devido destaque nos debates sobre a questão das drogas no Brasil. Trata-se do uso abusivo de substâncias inalantes e de solventes nas grandes cidades brasileiras.

Sr. Presidente, não há dúvida de que são os solventes as drogas mais abusivamente consumidas no Brasil, e seu uso por crianças e adolescentes das camadas sociais mais carentes constitui-se em um dos maiores problemas sociais e de saúde pública nas áreas urbanas de nosso País. Colas, tintas, thinners, removedores, esmaltes, acetona, vernizes, loló e tantas outras são as drogas mais utilizadas por meninos e meninas de rua.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID, entidade pertencente ao Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, realizou uma pesquisa com cerca de 560 crianças de rua, a maioria adolescentes, de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Fortaleza.

A pesquisa detectou que o uso dessas substâncias entre os entrevistados é muito superior aos percentuais verificados entre estudantes brasileiros do I e II graus. Para se ter apenas uma idéia, em Recife, cerca de 90% das crianças de rua fazem uso diário de solventes e inalantes. Em São Paulo, o índice atinge cerca de 82% desses menores. Os efeitos dessas substâncias no cérebro levam à perda do senso de orientação, do autocontrole e da coordenação motora; levam também à ocorrência de perturbações visuais e auditivas, de depressão, de euforia, de alucinações. Quando inalados abusivamente, os solventes podem provocar lesões na medula óssea, nos rins, no fígado, nos nervos periféricos. O acúmulo dessas drogas no organismo pode provocar futuras paralisias, e as intoxicações por essas substâncias podem levar ao coma e à morte.

Como podemos ver, Srªs e Srs. Senadores, temos pela frente uma ampla e árdua tarefa que exigirá de nós um exame detalhado e profundo da verdadeira dimensão do problema das drogas em nosso País, antes de votarmos uma nova legislação.

Todos sabemos que, há anos, o mundo trava, sem muito êxito, uma luta sem tréguas contra o narcotráfico. Os fatos têm demonstrado que as estratégias voltadas unicamente para o combate à produção e ao tráfico estão condenadas ao fracasso. O combate aos narcotraficantes é e continuará sendo ineficaz, a menos que cada país, em particular, e todas as nações, em conjunto, se unam e deflagrem uma ação para conter o consumo mundial de substâncias entorpecentes que causem dependência física ou psíquica, buscando meios de reduzir a demanda de drogas pela educação e pela prevenção ao uso abusivo de tóxicos.

Precisamos de uma legislação antidrogas eficiente e moderna, mas sem ser liberal em excesso. É fato inconteste que a prevenção constitui-se na medida mais eficaz no controle do abuso de drogas. Como afirmou o Deputado Elias Murad, uma das maiores autoridades sobre o assunto no Congresso Nacional, "a descriminação iria aumentar os riscos de abuso e dependência da droga. (...) A descriminação traz consigo a idéia de que houve a liberação da droga. Isto trará um trabalho enorme para qualquer setor educativo. Se a comunidade admite a droga, como é que se vai educar contra ela?"

Felizmente, a sociedade brasileira e o Congresso Nacional estão revelando ter o mesmo pensamento a respeito da proposta de descriminação do uso de drogas no País: são contra.

São contrários até mesmo à proposta menos radical que concerne simplesmente à legalização da maconha, considerada a substância entorpecente menos perigosa. Têm consciência de que, das drogas consideradas ilícitas, a maconha é a mais consumida até mesmo pelos meninos de rua e de que, apesar de a maconha ser a mais leve das drogas ilícitas, seu uso funciona como porta de entrada para o consumo de outras substâncias entorpecentes mais pesadas, que causa dependência física e psíquica.

Faço tal afirmação com base na extensa matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, do dia 14 de maio, que divulgou os resultados da importante e oportuna pesquisa realizada em março deste ano pela Datafolha, em 402 municípios brasileiros e no Congresso Nacional. Os dados da pesquisa revelaram que quatro em cada cinco brasileiros são contra a legalização da maconha e que três em cada cinco parlamentares votariam contra a proposta, se esta fosse levada a votação em Plenário.

Nesse tempo de mobilização contra as drogas, é evidente que o Brasil precisa implantar, o mais rapidamente possível, uma verdadeira política de combate aos tóxicos, uma política de envergadura suficientemente ampla para contemplar não só a repressão e os aspectos jurídicos, mas também privilegiar a saúde dos narcodependentes e outros aspectos sociais, econômicos e educacionais, que são indissociáveis do problema das drogas.

Na área da prevenção, as entidades educacionais e religiosas transmitem conceitos morais importantes para a formação do caráter de nossa juventude e de nossa sociedade, reforçando e valorizando atributos pessoais, familiares e sociais necessários aos jovens, para o desenvolvimento da resistência às tentações e ao consumo abusivo de drogas.

O Governo precisa apoiar as entidades não-governamentais que atuam na recuperação de jovens envolvidos nas drogas. Religiosos de vários credos, entre os quais permitam-me citar os evangélicos, desenvolvem um trabalho meritório que precisa ser apoiado pelas autoridades e estendido a um número maior de usuários dependentes de drogas.

Os evangélicos desenvolvem um trabalho profícuo junto aos desajustados sociais, contribuindo para que eles sejam reintegrados ao meio em que vivem. O apoio espiritual que a religião dá é muito importante, principalmente para os jovens, que vivem um período da vida conturbado, cheios de dúvidas e inquietações, sem encontrarem respostas satisfatórias para as questões que angustiam sua existência.

Ao finalizar meu pronunciamento, gostaria de conclamar todos os Senhores Parlamentares a debater urgente e seriamente o problema da descriminação do uso de drogas no Brasil. É absolutamente indispensável que reflitamos sobre a amplitude e as conseqüências das decisões que viermos a tomar.

É necessário que nos voltemos para esse problema com a finalidade de equacionar e superar as extremas dificuldades que o uso abusivo de drogas impõe, sobretudo aos nossos jovens, sob pena de - por termos permitido que nossas crianças e adolescentes trilhassem "legalmente" os caminhos tortuosos das drogas e dos vícios - sermos responsabilizados pela deterioração e decadência dos valores morais da sociedade brasileira e pelo comprometimento do futuro de nossas novas gerações e do nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/05/1995 - Página 9001