Discurso no Senado Federal

PRESTAÇÃO DE CONTAS AOS ELEITORES QUE ELEGERAM S.EXA. TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO INTITULADO O MILAGRE FRANCES E OS NEOLIBERAIS, DE AUTORIA DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, E PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE 25 DE MAIO CORRENTE.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • PRESTAÇÃO DE CONTAS AOS ELEITORES QUE ELEGERAM S.EXA. TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO INTITULADO O MILAGRE FRANCES E OS NEOLIBERAIS, DE AUTORIA DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, E PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE 25 DE MAIO CORRENTE.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/05/1995 - Página 9005
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • PRESTAÇÃO DE CONTAS, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, ELEITORADO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, JOGO DE AZAR, REGULAMENTAÇÃO, LIMITAÇÃO, CONTRATO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, FAVORECIMENTO, PEQUENA EMPRESA, DESTINAÇÃO, PARTE, LUCRO, EMPRESA ESTATAL, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT), CRIAÇÃO, PENA, EMISSORA, TELEVISÃO, AUMENTO, SERVIÇO DE SOM, HORARIO, PROPAGANDA, INCENTIVO, CONSUMO, POPULAÇÃO.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, CARLOS CHAGAS (MG), JORNALISTA, ANALISE, EFICIENCIA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, MANUTENÇÃO, MONOPOLIO, DIREITOS SOCIAIS, SUBSIDIOS, ATIVIDADE AGRICOLA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este Senador calouro iniciou seu primeiro mandato na vida há três meses. E venho hoje fazer uma espécie de prestação de contas aos 352 mil eleitores que fizeram de mim o Senador mais votado na história do Distrito Federal.

Quero falar-lhes a respeito das dificuldades que um Senador calouro tem ao chegar à Câmara Alta. Sem ter acumulado experiência parlamentar anterior, sem ter quebrado as arestas que o desconhecimento do Regimento Interno e do Regimento Comum criam ao nosso desempenho desembaraçado no Senado Federal, os obstáculos são grandes.

Nessa fase difícil de adaptação, redobrei esforços no sentido de desempenhar tarefas atraentes, novas, desafios que se apresentam tanto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania quanto na Comissão de Assuntos Econômicos, na de Revisão do Código Civil ou na de Comunicações, a qual pertenço, onde trabalho, onde procuro atuar, como Senador de um partido que tem apenas cinco membros no Senado. Nós cinco, se quisermos cobrir as atividades desempenhadas, por exemplo, por um partido que tenha vinte Senadores, teremos que trabalhar quatro vezes mais do que aqueles Senadores que pertencem aos grandes partidos. Portanto, a carga de responsabilidade de trabalho que nós, dos pequenos partidos, enfrentamos no Senado Federal não nos deixa tempo para outra coisa senão para essa pretória de trabalho que nos envolve no cumprimento de nosso mandato.

Tão grande foram essas atividades que, por vários dias, fiz meu cooper às quatro horas da manhã. Não havia outro horário para dedicar a mim mesmo.

Como sabem os meus eleitores, não descurei totalmente a atividade junto às bases; atividade que pratiquei sempre com amor, com destemor e com assiduidade, rebelando-me contra a formação dos grupos burocratas que, no meu ponto de vista, impedem o crescimento da democracia no Partido dos Trabalhadores.

Escrevi artigos, publicados, não apenas naquela pequena imprensa em que me encontravam, nos jornais dos sindicatos, mas também no jornal a Folha de S.Paulo ou, ainda hoje, no Jornal de Brasília e em outros órgãos da imprensa nacional.

Continuei a fazer minhas palestras, minhas conferências. Peço desculpas tanto àqueles do Mato Grosso do Sul, quanto aos do Maranhão, que me convidaram e que não puderam ter de mim uma resposta positiva, devido a essas atividades que não me permitem, muitas vezes, desdobrar-me em viagens mais prolongadas. Mas fui à Sorbonne. Lá fiz uma palestra para os alunos do mestrado e pude mostrar algumas novidades, maléficas modernizações por que passam a economia e a sociedade brasileiras.

Era tão calouro que levei cinco faltas, porque não sabia que devia apertar o botão para marcar o meu ponto. Nunca na minha vida havia marcado ponto. Sempre fui professor, com dedicação exclusiva, o único trabalho que, felizmente, me ocupou até há pouco. E como professor não assinava ponto. O expediente começava às 8 horas na UNB, e, lá, eu chegava diariamente às 7 horas. Ligava a máquina para esquentar o café, pois nosso servente chegava às 7h 50min. Nunca precisei de ser fiscalizado pelo ponto. Felizmente, trabalhei num ramo que me atraía tanto que eu dizia sempre, sem demagogia, que se preciso fosse pagaria para exercer o trabalho que me enalteceu durante a vida. E continuo. Trinta e seis vezes minha figura apagada foi alvo da luz focal da bondade de alunos meus que insistiram em elevar-me à gloriosa condição de paraninfo. No semestre passado, três vezes, neste semestre, já duas turmas lembraram de meu nome para tão significativa homenagem.

Além de todos esses trabalhos que os meus eleitores lançaram às minhas costas, redigi cerca de quatorze projetos de lei, quatro ou cinco dos quais já se encontram em início de tramitação. Hoje, pretendo referir-me, rapidamente, a esses projetos de minha autoria. E se algum mérito existe nesses projetos é a impressão digital, deixada em todos eles, da preocupação de alguém com as questões sociais, com os problemas da nossa sofrida coletividade.

Em nenhum deles existe qualquer sinal de tentativa de proteção de grupos favorecidos neste País, pelo contrário, em um deles proponho a revogação do art. 57 da Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993, a chamada Lei Zico, que instituiu o bingo como modalidade de jogo permitido neste País.

Num país em que os cassinos foram fechados, vemos, a cada momento, um trabalho de antilegislação, de desconstitucionalização, no sentido de que são criadas novas modalidades de jogos de azar, tal como são definidos na Lei das Contravenções Penais, jogos de azar que se apropriam dos meios de comunicação, que penetram todos os dias da semana sob as mais variadas formas e que deixaram de ser um monopólio da Caixa Econômica Federal e das Caixas Econômicas Estaduais para serem privatizados nesta onda de privatização inconseqüente que sofremos.

Não há dúvida alguma de que o propósito do ex-Ministro Zico, ao permitir a exploração do bingo para beneficiar, com seus recursos, algumas modalidades de esportes no Brasil, foi uma intervenção louvável. Mas de boas intenções anda calçada a estrada do inferno. O que vemos é que verdadeiras máfias privadas se apropriaram dos desvãos da lei e, através deles, passaram a dedicar apenas de 2 a 10% da receita dos bingos às entidades esportivas.

Vemos hoje, em Brasília, o noticiário de que, nesta Capital da República, um dono de bingo resolveu oferecer como prêmio, três mulheres - que, segundo a imprensa, são muito bem dotadas de recursos e de belezas físicas -, com motel pago e outras facilidades, combinando, numa engenharia genética perversa, antiética, imoral e indigna, a prostituição com a jogatina.

Infelizmente, para muitos clubes que o bingo beneficia, sobejam recursos para importar Maradonas argentinos, para pagar milhões de dólares e dar o exemplo aos brasileiros de que o pé vale muito mais do que a cabeça, neste País em que o trabalho sério, prolongado, em prol da coletividade tem tão pouco valor e os pés dos jogadores de futebol merecem os seguros, as proteções e o dinheiro que falta à grande parte da população.

Maus exemplos são dados pela jogatina institucionalizada - Sena, Telesena, Papa Tudo, entre outros -, que, todos os dias, estimula o ganho sem trabalho, o ganho pela sorte, como se apenas algo externo, uma aleatoriedade da fortuna, pudesse trazer aos brasileiros penantes os recursos que o trabalho e a seriedade não lhes conferem.

O jogo e a jogatina apontam para a abertura do cassino. Como sabemos, tudo isso também leva a algo semelhante ao problema do tráfico de entorpecentes, em que se lava dinheiro sujo, em que as várias organizações mafiosas fazem os seus quartéis-generais.

Este é, portanto, um dos meus propósitos: proibir essa modalidade de jogo de azar e para sempre estirpá-la do País.

Num outro projeto de minha autoria, procuro alterar a Lei nº 8.666, que regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

A vida ensinou-me que, neste País, as pequenas e médias empresas são exploradas por um processo em que as empresas, principalmente as empreiteiras e as grandes fornecedoras de serviços e de mercadorias para o Governo, transformam-se em vítimas indefesas.

Essas empresas fornecedoras são, na realidade, as subempreiteiras, que constituem a base real para as quais as grandes empreitadas do Governo são repassadas. As empreiteiras são simplesmente escritórios de onde se consegue, através de lobismo, organizar e sublocar estas grandes obras.

Quando há reajustes, alegando-se a questão inflacionária ou motivos de custos ou qualquer outro, os preços dos serviços empreitados são arbitrariamente elevados. No entanto, as empreiteiras não repassam às pequenas e médias fornecedoras, que já prestaram ou que estão prestando seus serviços a preços irreajustáveis, os benefícios que elas monopolizam.

Nessa lei, o meu propósito é favorecer as pequenas e médias empresas, subempreiteiras, no sentido de só se permitir reajustes de preços das obras públicas quando esse reajuste for antecedido de uma demonstração de que tais reajustes serão repassados, pro rata, às pequenas e médias empreiteiras.

Creio que um dos efeitos secundários dessa lei seria o de reduzir a voracidade que têm as grandes empreiteiras no sentido de reajustar e embolsar, com exclusividade, o resultado dos reajustes de seus contratos, reajustes esses que se valiam, como sabemos, os Anões do Orçamento, com a cooptação de funcionários públicos, principalmente de alto escalão.

Portanto, haveria um desestímulo para que esse processo indecoroso de reajuste fosse feito, porque este seria necessariamente socializado, dividido com as pequenas e médias subempreiteiras, que, na realidade, arcam com quase todo o processo de execução dessas obras.

Em outro projeto, dos 16 que até hoje a minha atividade caloura permitiu apresentar nesta Câmara Alta, proponho que 40% dos lucros que o capital estatal obtém nas empresas estatais e nas sociedades mistas sejam conduzidos para o FAT - Fundo de Auxílio dos Trabalhadores.

As empresas estatais são o resultado da coagulação do sangue dos trabalhadores brasileiros. O processo inflacionário foi colorido por promessas de que cresceria o bolo e que formaríamos aqui uma Nação forte, onde a fortaleza das empresas estatais iria garantir o bem-estar da coletividade.

Isso não ocorreu, e agora, ao invés de fazer voltar o esforço dos trabalhadores para aqueles que construíram a grandeza dessas empresas estatais, o que vemos é um processo de difamação dessas empresas e, mais do que isso, um projeto, declarado pelo Ministro José Serra, de que essas empresas serão "vendidas", ou seja, doadas aos bancos em troca da dívida pública, que foi se acumulando ao longo dos últimos 25 anos. Entregar o patrimônio feito pelo trabalhador brasileiro aos banqueiros que carregam R$72 bilhões da dívida pública mobiliária, numa aventura que já foi desventurosa no Chile e em outros locais, como a Argentina.

A Argentina vendeu, por exemplo, o monopólio estatal da aviação para uma empresa estatal monopolística da aviação espanhola. Transferir o monopólio estatal de um país para o monopólio estatal de outro é uma coisa cavalar, além daquelas outras que escutamos por aí, inspiradas no cavalo de Átila, que se instalou na Argentina e andou pisando e repisando no Brasil seus ensinamentos perversos da globalização que abre os nossos empregos para serem destruídos por formas de dumping internacional, protegidos por uma sobrevalorização da moeda nacional, aumentando o desemprego no Brasil para mais de 9 milhões e 200 mil trabalhadores.

Portanto, o que propomos aqui é que parte do lucro das empresas, lucro referente às ações detidas pelo Governo Federal, 40%, seja encaminhado para o FAT, que já está sendo saqueado, como aconteceu com o FGTS e com os recursos da Previdência e desencaminhados para fins inconfessáveis, como acontece com o Fundo Social de Emergência, que serve ou desserve à nossa sociedade, através de aplicações supérfluas, de aplicações anti-sociais.

Portanto, um objetivo não declarado desta minha proposta é também o de desestimular a compra de empresas estatais a preço de banana.

Em 1981, escrevi um artigo dizendo que as empresas estatais seriam doadas, sim, a cerca de 20% do seu valor patrimonial, como aconteceu no início do século no Japão. Mas eu não sabia que a doação chegaria a este descalabro que ocorreu no Brasil: a percepção de moedas podres em troca do patrimônio do povo.

Se conseguirmos reduzir o lucro das estatais, haverá um desestímulo para que a sanha do capital nacional e estrangeiro venham a se apoderar desse patrimônio altamente rentável. Enquanto no Brasil os nossos empresários, falidos ou semi-falidos, recebem 70% da renda nacional para desadministrarem nossas empresas, no Japão, os empresários, os capitalistas recebem apenas 11% da renda nacional. Aqui recebem 70%, acham pouco e recorrem ao BNDES, a subsídios, a estímulos e continuam, como disse Delfim Netto quando Ministro, "mamando nas tetas do Governo". Eles se proclamam altamente eficientes, quando o índice de suas falências e o mercado desmentem essa eficiência a cada dia, a cada hora.

Portanto, 40% dos lucros das estatais, correspondente às ações detidas pelo Estado brasileiro, destinados para o FAT - Fundo de Auxílio ao Trabalhador.

E, finalmente, um assunto talvez menor, mas que incomoda a todos nós: os meios de comunicação no Brasil estão irremediavelmente oligopolizados. E há um desrespeito total ao ouvinte neste País.

O que percebemos é que, na hora da propaganda, que é a principal hora, do ponto de vista da lucratividade das nossas TVs, eles aumentam a intensidade sonora, aumentam os decibéis para que, subliminarmente, os ouvintes recebam aquela carga adicional de barulho propagandístico, criando estímulos ao consumismo, que o Governo, do outro lado, condena e quer coibir em uma sociedade de consumo.

Portanto, esta minha proposta é de criar penas severas para aquelas emissoras de televisão que, na hora da propaganda, aumentem a intensidade do som e causem esses malefícios tanto aos tímpanos quanto à consciência dos ouvintes inermes, sentados, passivos e impassíveis nesta sociedade de pessoas desinformadas e desacorçoadas.

Para terminar, gostaria de render uma homenagem à imprensa nacional. Quando a nossa consciência individual torna-se confusa, quando se passa a ter - como dizia Rui Barbosa - vergonha de sermos honestos; quando a esperteza, as artimanhas transformam-se em uma virtude positiva; quando o nosso superego individual já é deformado pelas condições sociais que produziram a introjeção da ética para uma dessas três partes da consciência - o superego, de acordo com Freud; quando a nossa censura, interiorizada, portanto, mostra-se tão condescendente para com os nossos desvios de comportamento, é importante o papel da imprensa, mesmo que ela se engane algumas vezes e cometa algumas injustiças, mas tenha sua atividade investigatória, acusatória, de promotor, de censor do comportamento antiético, anti-social que tomou conta de nosso País e de nossa sociedade.

É da máxima importância ter-se transformado a imprensa no Brasil numa espécie de superego coletivo, de ente censor, porque a maior parte dos homens públicos deste País, infelizmente, só tem medo, só refreia seus impulsos imoderados lucrativos, como dizia Max Weber, diante do receio de ter o seu nome colocado no caput de uma página de jornal, em uma manchete arrasadora.

Portanto, eu gostaria que fosse transcrito o artigo do jornalista Carlos Chagas que, como Rubens de Oliveira Lima e outros jornalistas que moram em Brasília, que aqui trabalham, sabem exercer com coragem, com clareza de visão, a sua tarefa censora, que os transformou numa espécie de superego coletivo de nossa sociedade anômica. Trata-se do artigo "O milagre francês e os neoliberais", no qual Carlos Chagas vai mostrar que na França não houve desestatização; na França, o petróleo pertence ao Governo; na França, o trabalhador recebe como salário mínimo US$1,200.00, e o recém-empossado Ministro da Economia promete um substancial aumento, que, segundo previsões de Carlos Chagas, irá para US$1,700.00 ou US$1,800.00 por mês.

Portanto, vemos as balelas completamente peremptas dessas correntes neoclássicas, soterradas pela crise de 1929, que eles não souberam dirigir, que eles não souberam entender, que eles não souberam comandar e que agora querem retornar com plásticas de modernidades, a fim de transformar aquilo que Fernando Henrique Cardoso chamava de relações imperialistas de dominação da periferia em uma nova palavra. Muda o nome da rosa, mas a rosa continua sendo a rosa. Muda o nome do imperialismo, transforma-se em nova forma de inserção do Brasil no contexto globalizado do mundo moderno. Dão nomes diferentes a categorias desmoralizadas.

O desenvolvimento econômico-social nunca passou de acumulação de capital, acumulação protegida pelo Governo, pelo sistema financeiro ligado ao Estado nacional e pelas taxas cambiais. O nome ou o apelido disso é desenvolvimento econômico e social; a realidade é a acumulação ou a concentração selvagem de renda e a exclusão cada vez maior dos trabalhadores da coletividade para o submundo do desemprego e das drogas, da venda de órgãos, tais como córneas e rins. Dois rins é demais para um pobre. Vêem-se, assim, anúncios nos jornais, nos quais são oferecidos um dos rins para que os ricos possam sobreviver à custa do excesso de rins que os pobres portam em nossa sociedade desumana.

Gostaria, portanto, de ver transcrito esse artigo de Carlos Chagas, porque nele aprendemos como andam as aposentarias integrais pagas aos trabalhadores franceses. E na Itália, até pouco tempo, qualquer italiano que tivesse trabalhado lá por qualquer período receberia, no Brasil, na Argentina ou em qualquer parte do mundo, a sua aposentadoria integral paga pela previdência social italiana.

Aqui no Brasil forjam a falência da Previdência e, quando se vê, o Tribunal de Contas flagra que, ao invés de falência, existe uma saudável sobra de recursos, um superávit da Previdência, do qual o Governo quer se apropriar, unificando os orçamentos da Previdência e da União para, legal e constitucionalmente, se apropriar do fundo fornecido pelos trabalhadores.

Vou propor, já está redigido, que aqui no Brasil, se se quer privatizar a Previdência, que se faça como no Japão. Por que não fazemos como no Japão, onde o capitalismo deu tão certo, onde a renda per capita é de U$33 mil por ano? Por que não fazemos como no Japão, onde a previdência social, a assistência aos trabalhadores, a aposentadoria é integralmente paga pelo empregador? Privatizar, sim, mas não sobre as costas de quem ganha R$100 por mês. Para quem ganha essa quantia por mês e tem que pagar médico, remédio, o caixão que os espera, o resultado de sua vida é decepcionante. Que venha a pagar a sua aposentadoria e os sacrifícios acumulados em sua velhice.

No Japão a Previdência é privada, isto é, paga integralmente pelos empregadores. Por isso, naquele país há uma estabilidade muito grande no emprego, sendo a rotatividade do trabalhador japonês doze vezes menor que a do trabalhador norte-americano. Os trabalhadores japoneses dedicam grande parte de sua vida trabalhando para o empregador que lhes garantirá não apenas uma boa assistência de saúde, de educação, mas também uma tranqüila e farta aposentadoria.

Privatizar sim, mas não nas costas daqueles que já foram descarnados em suas fibras, em seus músculos, pelos pagamentos feitos durante toda uma vida; ignorados, relegados a segundo plano, para que de novo voltem, agora, a retirar de seus minguados salários os recursos que deverão pagar à previdência privada, à saúde privada, à escola privada, à educação privada.

O que se pretende é a privatização de tudo para que o governo neoliberal consiga equilibrar o tal do Orçamento. Nos Estados Unidos, o Governo Federal desequilibra o orçamento em US$300 bilhões por ano. Aqui, a mando do FMI, devemos equilibrar o orçamento e perder a guerra contra a fome, o desemprego, a miséria, a dengue, a febre amarela e todo o medieval que volta nessa nossa infeliz modernidade.

Assim, portanto, peço que seja transcrito nos Anais do Senado este artigo importantíssimo "O milagre francês e os neoliberais", do jornalista e professor universitário Carlos Chagas, para mostrar que a França está dando certo, porque lá não existe esta sub-raça de pacoteiros, seres formados na esquizofrenia, para os quais se dirigiram os ensinamentos das universidades norte-americanas, as quais são incapazes de criar seres que transformem o mundo, que o entendam e usem o intelecto para entendê-lo e transformá-lo.

Criam-se naquele país centros de estudos econômicos completamente desvinculados da realidade, fora do mundo e dos interesses sociais; nesses centros, não há a possibilidade de se enxergarem as relações perversas que transformaram os Estados Unidos no ponto do qual partem aquelas relações imperialistas, a que o Presidente Fernando Henrique Cardoso se referiu durante tantos anos de sua brilhante carreira.

Assim, portanto, espero que também essa contribuição seja realizada, essa colocação a respeito do papel da imprensa como o superego de uma sociedade cujo superego individual perdeu a capacidade de censura.

Espero, dentro de mais alguns dias, ter feito uma colheita do resultado de meus trabalhos para prestar contas novamente àqueles que tiveram confiança no meu passado e que apostaram que, apesar dos meus 66 anos, ainda seria capaz de cumprir, não sem sacrifícios, pelo menos uma parte importante do ônus que a mim foi delegado no exercício difícil do mandato de um Senador.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/05/1995 - Página 9005