Discurso no Senado Federal

PROBLEMA DOS JUROS ALTOS E SUA REPERCUSSÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PROBLEMA DOS JUROS ALTOS E SUA REPERCUSSÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/05/1995 - Página 9194
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS, RESULTADO, MANUTENÇÃO, AUMENTO, TAXAS, JUROS.
  • CRITICA, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, MANUTENÇÃO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, MOTIVO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, NATUREZA SOCIAL, INFLAÇÃO, DEFICIT, FINANÇAS PUBLICAS, LIMITAÇÃO, ATIVIDADE COMERCIAL, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, INDUSTRIA.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora, Srs. Senadores, todo governante é eleito para resolver problemas humanos. Decerto que diferentes problemas humanos exigem critérios técnicos para a sua solução. Tais critérios podem ser mais ou menos amplos em razão da extensão ou da gravidade dos problemas.

Seja, porém, qual for a extensão ou a gravidade dos problemas, os critérios técnicos não podem preponderar sobre os fins maiores das soluções que interessam à comunidade.

Sei que esse é também o pensamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso, exposto, aliás, na parte inicial do documento convertido em livro, que representa o seu programa de ação. Nesse documento, ele salienta que, diante dos desafios que ameaçam a sociedade brasileira e, conseqüentemente, os governantes, não se deixaria envolver por critérios tecnocráticos frios e acabados. Ao contrário, que procuraria dar soluções adequadas, ouvindo a sociedade e tendo em conta as exigências comuns do povo.

Exatamente por isso é que trago neste instante, ao lado de tantas outras palavras que aqui já foram proferidas, uma ponderação a respeito do problema dos juros e de sua repercussão sobre a sociedade em geral.

Sei que os técnicos e os economistas observarão que os juros são altos pelas exigências adotadas para resguardar uma orientação do Governo, notadamente com relação à manutenção da inflação em termos razoáveis.

Não os contesto, até porque não sou economista. Mas o que quero ponderar é que esses critérios técnicos não podem prevalecer indefinidamente, nem mesmo diante da inflação ou com a preocupação de evitar que ela retome um fluxo prejudicial ao conjunto das soluções previstas. Sem dúvida que a inflação precisa ser contida por si mesma e pelos seus efeitos sobre várias ações do Governo. Mas o combate à inflação não é um fim para o Governo: é apenas uma situação que há de ser examinada e contida, tendo como ponto fundamental o de que o governo se exerce para dar solução àqueles problemas essenciais, que estão ameaçando a tranqüilidade da população.

Ora, dentro desse critério, se há de ver que o problema dos juros elevados não pode ou não deve prorrogar-se além do tempo suportável pelos dirigentes da vida econômica e pelos que sofrem as conseqüências dela.

Nesse instante, já se observam, de todos os ângulos da sociedade e de todas as representações das duas Casas do Congresso, palavras e reclamações, pedindo ao Governo que contenha a taxa de juros, enquanto não se entra em grave recessão e não se produz um efeito extremamente danoso ao conjunto da população.

Os fatos que a imprensa vai revelando nos mostram objetivamente a gravidade da situação. Valem mais do que os argumentos que poderia eu desenvolver, por métodos puramente racionais, desta tribuna. Veja-se como toda a imprensa vai revelando fatos e circunstâncias, indicadores das dificuldades por que passa a sociedade brasileira em face dos juros elevados.

De um lado, vê-se o anúncio: "Política de juros agrava déficit público". Vale dizer que essa manutenção de taxa extremamente alta de juros começa por prejudicar a própria ação do Governo, num ponto fundamental como o relativo à redução do déficit público.

Prosseguindo, um jornal anuncia: "Servidores acumulam dívidas com juros altos". Do setor do Governo, portanto, chega-se a uma expressão da população que vive de salários reduzidos e que não os altera, senão na medida em que o próprio Governo pode alterá-los.

A seguir, um outro jornal observa: "Calote se espalha por todo o interior de São Paulo". Mas, se forem consultados outros jornais, vê-se que a dificuldade não é peculiar ao Estado de São Paulo. O importante é ver-se que, quando as dificuldades atingem gravemente um Estado como o de São Paulo, de economia muito mais desenvolvida do que a do conjunto da Federação, evidentemente que os Estados economicamente mais fracos estarão passando por dificuldades já insuportáveis e as transmitindo a uma população já extensamente fraca, nas suas condições de vida.

Na mesma seqüência, um outro jornal anuncia: "Vendas caíram além do esperado no mercado". Outro: "Indústria demite 1.021 na segunda semana de maio", anunciou o jornal Folha de S. Paulo. Mais outro: "Juros altos aprofundam desaceleração da economia e elevam a dívida pública". "Indústrias já reduzem o ritmo da produção". "Metalúrgicos e FIESP unidos contra juros altos".

Vê-se, então, que, ao lado das notícias gerais referentes a toda economia, os obstáculos ao desenvolvimento crescem de tal modo que até o capital e o trabalho se unem para a mesma reclamação. Quando patrões e empregados agem conjuntamente, tentando superar suas dificuldades, é evidentemente porque as perturbações no plano econômico atingem a sociedade na sua inteireza.

Capital e trabalho, que vivem tanto em divergências, não unificam procedimentos senão quando a política que se desdobra é, a um tempo, danosa à atividade produtora e ao que tem como força apenas a capacidade de trabalho.

Em face dessas dificuldades, que vão reduzindo a produção, limitando a atividade comercial, os efeitos recaem sobretudo na população.

Por isso ainda, em maio deste ano o jornal A Tarde, do meu Estado, anunciava: "Alimentos sobem mais de 10% em um mês" Por que sobem assim? A inflação não está crescendo. Se a elevação dos gêneros começa a desdobrar-se, é porque se está reduzindo a capacidade produtiva.

Na medida em que se reduz a capacidade produtiva, limita-se naturalmente o produto ofertado, e os preços passam a acelerar-se à revelia do poder do Governo.

Mesmo aqui, no Distrito Federal, um jornal anunciou: "Crise no DF une lojistas e comerciários". A crise vem unindo-os a tal ponto que a notícia circulou sem nenhuma contestação do Governo ou das atividades empresariais. Nesta semana, haverá uma paralisação do comércio, durante determinado tempo, como forma de pedir a atenção do Governo para medida corretiva das dificuldades correntes.

Nessa linha geral de alteração da vida econômica, a imprensa noticia: "Mercado em baixa favorece comprador".

No comércio imobiliário começa, por igual, a ocorrer uma enorme dificuldade. São prédios construídos e não vendidos, construtoras que começam a reduzir sua capacidade de realização de obras. Tudo, portanto, a revelar que há uma contenção do processo econômico extensiva a toda a população, e desmedida.

Se houvesse uma restrição que atingisse parcialmente as atividades produtivas apenas, e por um prazo limitado, compreendia-se. Compreendia-se sobretudo porque os que detêm o poder econômico têm capacidade de suportar por mais tempo as restrições advindas da limitação das atividades.

O problema, porém, é mais grave. Na medida em que a economia sofre uma contenção exagerada por efeito de uma política, as conseqüências se dão em cadeia, de classe a classe, de região a região, de Estado a Estado, atingindo enfim o conjunto da sociedade.

Decerto que há conseqüências que não são diretamente advindas desse quadro. Mas há situações que revelam o quadro de pobreza da sociedade brasileira e que podem agravar-se com uma situação como a que estamos vivendo.

Quando, por exemplo, o jornal anuncia que a desnutrição em São Luís chega a 47%, o problema não é para ser visto diante de métodos tecnocráticos de governo, mas para ser analisado diante de exigências da população, sobretudo daquela parte economicamente fraca.

Está aqui, em um jornal que não é de São Luís do Maranhão - é a Folha de S. Paulo, de 22 deste mês, que declara: "Quase metade, 47% das crianças entre 0 e 5 anos sofrem de desnutrição crônica, apresentando déficit na altura em relação à idade".

Esse fenômeno pode variar de percentual, porém é extensivo a quase todo o território nacional. Sobretudo os Estados do Norte e do Nordeste revelam, com relação a doenças e a debilidades físicas, conseqüências dessa natureza, da que acaba de ser exposta, e que não podem prolongar-se, sob pena de parecer que o Governo, obediente a critérios tecnocráticos, esquece as soluções de bases humanas.

A confiança que se deposita no Presidente da República permanece, devo declará-lo com tranqüilidade. Nele votei. Confio na sua filosofia política, de critério socialdemocrático. Mas o Presidente da República não pode repousar apenas na sua convicção, ou na expectativa de solução a longo prazo, enquanto auxiliares seus praticam uma orientação contrária a seu critério de governante.

Daí a estranheza que manifesto, quando leio que o eminente Ministro da Fazenda, por exemplo, declarou que "juros só caem com reformas". Ora, se formos esperar a realização de reformas para que os juros caiam, antes disso terá caído todo o povo brasileiro. Não é possível!

Outro dia, um jornal anunciou declaração atribuída ao ilustre Presidente do Banco Central no sentido de que os juros estariam caindo. Ninguém sentiu a queda do percentual de juros, e ainda ontem, ou há dois dias, um jornal anunciava que foi evidentemente um equívoco, que nem os juros caíram, nem estão revelando tendência à queda.

A situação, entretanto, revela-se tão grave que os jornais também anunciaram, sem contestação de ninguém, que os Líderes do Governo estavam preocupados com a ofensiva dos juros altos. Nem se poderia admitir que estivessem pensando diversamente. Todos, emprestando seu apoio ao Governo, são entretanto representantes do conjunto da sociedade brasileira e, por meio dela, cada qual desses Líderes sabe que as dificuldades se estão agravando além do limite razoável.

Um Governo que começa, e que começa com as expectativas que marcaram o início da Administração Fernando Henrique, não pode, evidentemente, permitir que essa situação se prolongue.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros) - Senador Josaphat Marinho, a Mesa prorrogará o tempo do Expediente por mais 10 minutos, para que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e terminarei nesse prazo.

Um Governo que ingressa com essa expectativa geral da população não pode permitir que auxiliares seus sustentem um critério técnico incompatível com as aspirações gerais da população.

O Presidente há de prestigiá-los, sem dúvida nenhuma. Mas há um limite no prestígio à ação dos auxiliares; é o limite em que essa ação se torna incompatível com as aspirações da comunidade. Mais do que isso: em que se torne essa ação incompatível com as necessidades da população. Se situação dessa natureza se prolonga, o Governo perde o que ninguém deseja: a confiança do espírito coletivo. Tal situação não há de ocorrer. Homem inteligente, sociólogo, conseqüentemente observador da realidade social, o Presidente Fernando Henrique há de estar atento a esse quadro, para que não se amplie o divórcio, que já se vai criando, entre o Governo e a população.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, guardo, na memória, uma observação feita logo após a Segunda Grande Guerra por um eminente Professor inglês, Harold Laski, que era o orientador do partido trabalhista inglês. Fazendo uma análise luminosa das transformações do mundo no século XX, particularmente as ocorridas na União Soviética, condenando os erros da revolução comunista e apontando as virtudes das soluções sociais ali criadas, comparando todo o quadro de um país com o quadro do mundo, Harold Laski fez esta observação: "As formas políticas são respeitadas na medida em que os homens sentem em comum os fins da vida". Vale dizer: quando, entre a forma política, ou, melhor objetivando, o Governo, e a sociedade já não há convicção dos mesmos fins, evidentemente que se cria situação perigosa para a tranqüilidade geral.

O Presidente Fernando Henrique, de certo, não vai permitir que, por motivos técnicos, por orientação puramente obediente à filosofia econômica, se perturbe sequer a confiança nos objetivos superiores do seu Governo.

É com esse objetivo, é com essa finalidade, é com esse estado de espírito que lhe transmito, desta tribuna, não como crítica, mas como ponderação, as palavras que acabo de proferir.

O que Sua Excelência declarou no pórtico do seu programa de Governo há de fazer prevalecer na sua gestão. Não uma orientação tecnocrática, fria e acabada, mas uma decisão viva, atenta às dificuldades humanas, porque para resolvê-las é que o povo brasileiro o elegeu.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/05/1995 - Página 9194