Discurso no Senado Federal

ESTERILIZAÇÃO EM MASSA DE MULHERES. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO ABORTO, COM VISTA A DIMINUIÇÃO DA MORTALIDADE DE MULHERES NO PAIS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ESTERILIZAÇÃO EM MASSA DE MULHERES. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO ABORTO, COM VISTA A DIMINUIÇÃO DA MORTALIDADE DE MULHERES NO PAIS.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/05/1995 - Página 9191
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ABORTO, OBJETIVO, REDUÇÃO, INDICE, MORTE, MULHER, PAIS.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna é um tema que não se justifica por uma data comemorativa. Gostaria de falar, neste momento, sobre as mulheres, que não devem ser lembradas apenas no Dia Internacional da Mulher, mas todos os dias.

Gostaria de reportar-me ao que tenho assistido na experiência das caminhadas, nos contatos mais diretos. Vamos nos referir aos remotos tempos, em que o povo judeu, sabiamente, no Livro Sagrado dos cristãos - a Bíblia -, fala do homem e da mulher, da árvore do bem e do mal. Ali estava a figura representativa da mulher, que já naquele momento significava a sedução e a maldade. Não foi Adão que seduziu Eva e, sim, Eva que seduziu Adão. Desde então, a mulher vem sofrendo com o tempo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em alguns povos do mundo árabe constata-se o absurdo de se mutilar a mulher no que ela tem de mais importante no prazer. Em nome de uma cultura machista, a mulher tem sido vítima de um sofrimento profundo. Dizem-na ser de segunda categoria.

Venho, neste momento, fazer algumas considerações que considero importantes sobre esse ser fabuloso, fantástico.

Na periferia das cidades vejo o sofrimento dessas mulheres, principalmente as menos favorecidas, as desprovidas e em piores condições econômicas. No que diz respeito à intelectualidade, está provado que não existe diferença entre os sexos, é só uma questão de oportunidades.

Mas gostaria de abordar uma questão importantíssima, muito séria, que é a quarta maior causa de mortalidade entre as mulheres. Falo de um direito que, a meu ver, como homem e como parceiro, no convívio da sociedade, é importantíssimo, ou seja, o direito de interrupção da gravidez.

Milhares de mulheres se submetem a caprichos vergonhosos, escusos, de métodos terríveis, talvez em protesto pelas várias situações conjunturais do momento em que se envolvem num relacionamento. Essas mulheres têm sofrido terrivelmente por causa de uma legislação perversa, autoritária e irresponsável.

Sr. Presidente, certa feita uma mulher chegou e disse-me, em tom de desespero, que havia engravidado. Pode ser que tenha tido um encontro amoroso casual e, talvez, por sua própria situação cultural ou intelectual de não ter tido a oportunidade de se prevenir, engravidou. Quando lhe perguntei sobre o que pretendia fazer, ela respondeu-me que não queria ter aquele filho, que não podia tê-lo, que tinha sido um acidente.

Automaticamente, a violência já se deu no momento em que ela não queria e não teria condições de levar a termo aquela gravidez. Então, voltei os meus olhos para os menores abandonados; voltei os meus olhos para os marginalizados, que entram no processo e depois se encaminham para o banditismo; crianças mal-amadas. Que situação terrível!

Sr. Presidente, as técnicas que são usadas pelas mulheres, quando desejam interromper uma gravidez, por causa de determinadas situações ou conjunturas - o que é um direito que têm sobre o seu corpo e sobre a sua vontade - são perigosas. Às vezes, às escondidas, nos banheiros, chegam a se utilizar de um determinado produto de limpeza, o Salsar, para provocar o aborto.

Depois de dois meses, encontrei-me novamente com aquela mulher - cuja história mencionei - e perguntei-lhe qual o método de que ela se utilizou para interromper a sua gravidez, se havia tomado remédio. E ela respondeu-me: "Gilvam, eu me escorei na parede de um muro, chamei a minha colega e pedi que ela me desse um pisão na boca do estômago". Ela foi ao extremo.

Mulheres sofredoras, mães, razão da vida!

Sr. Presidente, sempre protestei contra a hipocrisia. A Igreja, em certos momentos, tem se manifestado de uma forma hipócrita. Há um ano li uma reportagem na Veja - inclusive, escrevi alguma coisa a respeito desse artigo -, em que uma freira que convivia com essas mulheres despossuídas, desprotegidas, foi contra alguns segmentos da Igreja. Ela disse, naquela reportagem, que em determinadas situações a interrupção da gravidez se fazia necessária. Essa é dura realidade do dia-a-dia, do cotidiano da vida que levamos lá fora.

Sr. Presidente, ocupo esta tribuna em defesa da mulher, em defesa daquilo que ela tem de mais sagrado: a concepção. Trabalhar a vida e trazer no seu ventre um ser é de uma importância, de uma magnitude fantástica, inexorável; e as mulheres são sempre vítimas, sempre sacrificadas, apesar de já termos conseguido alguns avanços nas sociedades modernas.

Sr. Presidente, não venho à tribuna para fazer uma homenagem especial, como se fosse o Dia Internacional da Mulher, mas carrego no meu consciente os grandes embates de campanhas eleitorais, de vidas em que sempre, quando há oportunidade, vivenciamos. Neste momento, no Senado Federal, quero estender os meus sentimentos e o meu apreço a essas mulheres ou às mulheres que lutam, que trabalham no dia-a-dia. Quero deixar firme, patenteado, aqui desta tribuna, a posição do Senador Gilvam Borges.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Ouço V. Exª com muito prazer.

A Srª Marina Silva - Nobre Senador, em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo pela coragem de trazer um tema desta natureza para a tribuna desta Casa. Devo dizer que V. Exª, ao abordar a questão da interrupção de uma gravidez indesejada, o faz do seu ponto de vista, da sua ótica, até mesmo colocando uma crítica que considero justa ao falso moralismo que, muitas vezes, perpassa essa questão. No entanto, gostaria de alertar para alguns aspectos. A questão do aborto como uma forma de anticoncepção jamais deve ser defendida, no meu ponto de vista. O aborto não é uma coisa desejável por ninguém. Uma mulher que lança mão dessa forma de interromper a gravidez está se submetendo a uma violência contra ela mesma, por mais que, em um momento de dificuldade, da não aceitação de uma gravidez, ela o faça, mas, com certeza, ela o faz de forma bastante sofrida. Penso que devemos lutar para que sejam implementadas políticas públicas no que se refere à questão do planejamento familiar e a questão do aborto, que envolve muitas vezes não apenas a questão do falso moralismo, que V. Exª colocou, por parte das religiões, mas envolve também questão de consciência, que é muito sincera. Particularmente, não defendo o aborto por uma questão de consciência. A minha concepção religiosa extrapola qualquer racionalidade que eu possa estabelecer sobre essa questão, muito embora os dados estatísticos nos mostrem a quantidade de mulheres que morrem à míngua por causa das práticas mais terríveis como, por exemplo, perfuração do útero com agulha de tricô ou lavagem uterina com água sanitária. Tenho conhecimento de todas essas práticas e, exatamente por isso, entendo que não deve haver um falso moralismo ao discutirmos a questão. A rede pública tem que encarar esses casos também como uma questão de saúde pública, sim. No entanto, até para tristeza das mulheres que defendem o aborto, eu não o faço - parece-me que nem a Senadora Benedita da Silva, que é evangélica - mas procuramos encarar essa questão sem nos apegar aos falsos moralismos e respeitar inclusive a posição daqueles que a defendem. Mesmo os que defendem a legalização do aborto não o fazem de uma forma pura e simples, achando que é um meio. Esse é um meio extremo que prejudica as mulheres, tanto do ponto de vista da sua saúde física quanto psicológica. Nenhuma mulher gostaria de praticar o aborto; disso tenho absoluta certeza. No entanto, isso ocorre nas piores condições. O Estado e esta Casa têm que encarar essa discussão. E nós defendemos um ponto de vista por uma questão de consciência, pois a fé não obedece a nenhum quesito racional e, portanto, não pode ser questionada. Nem todas as pessoas que se colocam numa posição contrária o fazem por falso moralismo, mas, sim, por uma questão de consciência verdadeira.

O SR. GILVAM BORGES -  Agradeço seu aparte, nobre Senadora Marina Silva, e compreendo perfeitamente o seu posicionamento, principalmente pela formação que teve, e que tem, nas comunidades eclesiásticas de base.

Mas, nobre Senadora e nobres Senadores, há de se convir que esse ato não é desejo de nenhuma mulher e de nenhum homem. Falo de situações concretas, em que as circunstâncias são tão graves que a mulher, na verdade, vai ao suicídio, vai ao extremo, não encontra outro caminho.

E, pelo direito de conceber, fico do lado da mulher, daquela mulher desesperada, que, depois de fazer um exame de consciência e avaliar a situação de um modo geral, não encontra outro caminho.

A Senadora Marina Silva, tenho certeza, já teve oportunidade de presenciar diálogos e situações como essas que vivenciei e sabe que é uma situação terrível, intolerável.

O fato de a mulher não ter o direito à interrupção da gravidez faz com que o aborto seja a quarta maior causa de mortalidade feminina.

Venho defender aqui uma posição de apoio e homenagem a essas mulheres e não para dizer amém às instituições que defendem os seus dogmas e que, em certo momento, defendem até a hipocrisia.

Deixo registrado nesta tribuna o meu compromisso com as mulheres, o meu compromisso com esse avanço que se faz necessário, esperando que a Igreja venha a fazer uma reflexão, porque grande parte, hoje, dos padres, freiras e pastores são favoráveis. Abordo esse tema com muita coragem e determinação, com um posicionamento transparente e deixo um grande e forte abraço - e, hoje, não é o "Dia Internacional das Mulheres" - como homenagem às mulheres.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um novo aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Pois não. Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Nobre Senador, apenas queria pedir o apoio de V. Exª para que possamos lutar, junto ao Ministro Adib Jatene, pela implementação no País do Plano de Saúde Integrada da Mulher, que é uma proposta muito boa e, aliás, será uma das bandeiras principais do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Mulher. Nesse sentido também há uma política voltada para a questão do planejamento familiar, do atendimento às mulheres, pois uma das causas também da morte das mulheres é a falta de assistência médica, mesmo numa gravidez comum. Milhares de mulheres morrem pela falta da assistência mesmo numa gravidez, digamos assim, com direito a toda assistência. Não precisamos nem recorrer à questão do aborto, pois as mulheres que praticam este ato são recebidas da pior forma possível, de uma forma desumana nas instituições públicas de saúde. As mulheres grávidas, de um modo geral, das camadas populares também têm um índice de mortalidade muito grande durante a gravidez ou após o parto.

O SR. GILVAM BORGES - Nobre Senadora Marina Silva, coloco-me a sua inteira disposição no que tange à luta por essas conquistas. Tenho consciência de que o ideal realmente seria um investimento maciço na questão do planejamento familiar. Não entendo que essas comunidades solidárias, com relação as quais tenho severas críticas, não façam uma política séria. Seria uma medida fantástica o investimento na educação e no planejamento familiar sério.

Sr. Presidente, muito obrigado pela sua paciência e pela paciência dos nobres Srs. Senadores, sempre atentos aos pronunciamentos feitos desta tribuna.

Que Deus nos proteja e nos abençoe!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/05/1995 - Página 9191