Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9432
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente José Sarney, do Estado do Amapá; Sr. Ministro da Aeronáutica; Senador Nabor Júnior; Srªs e Srs. Senadores e demais autoridades aqui presentes, é muito importante observarmos neste plenário a presença de autoridades e da sociedade. Mais importante ainda porque parte desta sociedade tem aquele compromisso com o futuro, referido pelo Senador Coutinho Jorge, que é a nossa juventude, a qual parabenizo por estar presente nesta sessão.

O Dia Mundial do Meio Ambiente, que foi criado durante uma Conferência da ONU, na qual participaram 113 países, na verdade, é uma tentativa da humanidade de, aprendendo com sua história, tentar reparar os erros cometidos no passado. E países do mundo se reuniram para nos dar esse alerta. Isso é muito importante, é fundamental.

Como diz o provérbio que os últimos serão os primeiros, em se tratando de vir a esta tribuna, os últimos talvez até sejam prejudicados porque, depois de ouvirmos o nobre Senador Valmir Campelo, a quem parabenizo por esta iniciativa, e o nobre Senador Coutinho Jorge, que já foi Ministro do Meio Ambiente, talvez fique difícil ser o último. Melhor seria ser o primeiro. Mas vou tentar fazer um esforço para colaborar com este dia, que deve estar sendo debatido - espero - dentro e fora das instituições. Principalmente fora delas.

Aprender a partir dos equívocos cometidos pela humanidade durante todo esse processo é o desafio que temos e para o qual fomos chamados a debater nesta sessão.

E por que isso é fundamental para todos nós? A humanidade já cometeu inúmeros crimes contra si mesma. Talvez pudesse elencar vários crimes cometidos no mundo, mas fica muito difícil falarmos da casa dos outros, quando eles ocorrem dentro da nossa própria casa. Por isso, é fundamental observarmos o que ocorre dentro da nossa casa.

Estive participando ontem, em Porto Velho, da Reunião dos Parlamentares da Amazônia. Dizia um deputado - parece-me que S. Exª, além de deputado, é também pesquisador - que 30% da água doce do planeta se encontra no Brasil e que daqui a algum tempo isso se constituirá num grande problema para a humanidade. E o Brasil, se não tiver o devido cuidado, poderá vir também a colaborar para mais um crime contra a humanidade.

Vários problemas de doenças muito graves estão ocorrendo em função do desmatamento de nossas florestas. Portanto, cada um de nós é chamado neste dia para transformar nossas atitudes em algo que vá além dos nossos discursos, transformá-las em ação concreta, efetiva, para que esses jovens não venham dizer depois que pecamos por omissão, no mínimo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, autoridades presentes, o nosso discurso deve se traduzir, necessariamente, em ação no Poder Executivo, em políticas públicas que levem em conta as experiências que já foram gestadas no seio da sociedade - e temos muitas -, que levem em conta os tratados que já foram assinados. Podemos falar da Eco-92, da Agenda 21 e na série de tantos outros que já ocorreram. Devemos traduzir esses tratados em ações concretas para não morrerem no papel.

Aqui, nesta Casa, também. Como é que se pode traduzir? Com certeza na Lei dos Cultiváveis, na Lei de Patentes, na lei contra a questão do crime ambiental. Aí cada um de nós é chamado a conferir na prática, na ação aquilo que diz.

Aproveito este momento, também para fazer um pequeno alerta. Penso que há algumas coisas que fazem com que nos sintamos impotentes, incapazes, parece que são mais fortes que nós.

Eduardo Martins, um ilustre batalhador das causas ambientais, que já participou do governo, que hoje está à frente de uma instituição não-governamental, disse-me a respeito disso o seguinte: "Marina, li um artigo fantástico. Você tem que ler também. Fala sobre a "tragédia dos comuns". E começou a traduzir o que era isso. Ninguém deixa uma criança entrar no quintal da sua casa e derrubar um pé de goiabeira. Podemos até permitir que ela tire algumas goiabas, jogue algumas pedras, mas preservamos a goiabeira. Ninguém deixa uma pessoa bater no espelho do seu carro até quebrar. Temos cuidado com aquilo que nos é particular, aquilo que identificamos como nosso. Mas será que temos cuidado com aquilo que é comum a todos nós? Será que temos cuidado com o oxigênio, por exemplo? Temos a idéia de que o oxigênio, por estar na natureza, não necessita de cuidados; as indústrias podem poluí-lo à vontade, e podemos fazer o que quisermos com o oxigênio. Com esse pensamento de não preservarmos aquilo que nos é comum, criamos a "tragédia dos comuns", que atinge a todos.

Quem se preocupa em cuidar das águas, por exemplo? Posso pescar à vontade no rio; posso caçar à vontade. Com isso, criamos a "tragédia dos comuns". Mas, graças a Deus, depois de compreendermos os prejuízos causados por essa atitude, começamos a tentar evitar que todos nós caminhemos para o caos.

Mas, muitas vezes, sentimo-nos impotentes. Diante dessa impotência, faço um alerta para esses jovens que estão nos observando. Talvez, alguns desses jovens e dos senhores presentes já tenham ouvido a parábola a que farei referência neste momento.

Tal parábola cita um escritor que precisava de paz para escrever um livro. Todos os dias, ele se dirigia a uma praia deserta com esse intuito - talvez, ele escrevesse até mesmo sobre o meio ambiente. Naquela praia, distante do escritor, à beira do mar, um jovem parecia bailar o tempo todo. Um dia, o escritor ficou intrigado, dirigiu-se até o jovem e lhe perguntou: "Por que, todos os dias, você fica nesse bailado incansável, à beira do mar, debaixo deste sol quente?" O jovem respondeu: "O senhor não observou que aqui existem milhares e milhares de estrelas do mar e que estas irão morrer, pois está muito quente? Estou devolvendo algumas ao mar, para que não morram!" O escritor disse ao jovem: "O que adianta isso? Nesta praia, há milhares de estrelas! Que diferença faz você jogar algumas delas ao mar?" O jovem olhou para o escritor e disse: "Para essas que devolvi de volta ao mar, eu fiz a diferença".

Temos que aprender a fazer a diferença naquilo que fazemos, porque, por mais insignificante que seja, por mais que pareça que somos impotentes, se fizermos corretamente a nossa parte, estaremos dando a nossa parcela de colaboração.

Falo em nome da Região Amazônica, onde, com um esforço muito grande, estamos tentando sair da mera retórica, da denúncia dos problemas; procuramos apresentar concretamente aquilo que entendemos ser o desenvolvimento sustentado. Para isso, apresentamos a proposta dos sistemas agroflorestais, das reservas extrativistas, da combinação de tudo isso com a agroindústria, do levantamento ecológico, econômico, do zoneamento para que as ações empresariais sejam orientadas de acordo com a natureza e a especificidade da nossa região.

Já há muitas propostas. Precisamos sair do plano da retórica e efetivarmos concretamente todas essas propostas através de políticas públicas.

Nesta data em que comemoramos o Dia do Meio Ambiente não devemos nos limitar somente ao discurso; não podemos também ficar só no "muro das lamentações". Acredito que temos até algumas sinalizações para isso.

Li um artigo do Presidente da República, no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, do dia 28 do mês passado, onde o Presidente Fernando Henrique Cardoso reconhece o papel da reflexão ecológica nos rumos do desenvolvimento, principalmente o de mostrar que "as políticas de desenvolvimento devem ser estruturadas por valores que não são os da dinâmica econômica". Ou seja, devem levar em conta todas essas questões que enumerei anteriormente, para que não ocorra conosco aquilo que aconteceu com a raposa estúpida: o de achar que pode engordar facilmente às custas de atividades que, às vezes, são rentáveis durante um certo período.

É o caso da pecuária no meu Estado, que, durante um período de cinco anos, tem a sua melhor pastagem, depois disso, essa atividade não compensa porque os investimentos são muito grandes em termos de insumos para manter o pasto. Daí decorre a política nefasta - não é, Senador Coutinho Jorge? - de derrubar mais e mais pelo lucro fácil como a raposa estúpida.

Dizem que havia uma raposa muito esperta que resolveu comer umas galinhas, só que não dava para passar pela brecha do galinheiro. Assim, ela resolveu fazer um regime e ficar bem magrinha para atingir seu objetivo. Entrou no galinheiro, comeu todas as galinhas, ficou muito gorda e, depois, novamente, não conseguia sair pela brecha. Resultado: teve que fazer um novo regime e emagrecer para poder sair do galinheiro.

Não podemos, em nome da nossa ânsia, da nossa ganância de "enricar" facilmente, cometer esse tipo de atitude, pois iremos ficar da mesma forma como começamos, talvez piores, ainda mais porque começamos dentro de cavernas, matando bisões, matando alguns animais de grande porte para nos alimentarmos.

Gostaria ainda de, aqui, no Dia Mundial do Meio Ambiente, fazer uma ressalva. Um Senador daqui do Distrito Federal fez um pronunciamento muito interessante com relação aos institutos de pesquisa. Nenhuma política de desenvolvimento ambiental pode ser levada a cabo se as instituições de pesquisa não tiverem, de nossa parte, o apoio de que necessitam.

O INPA, na Amazônia, está quase à falência. Continua resistindo bravamente, a pão e água e, às vezes, só água.

A EMBRAPA - como já foi dito aqui por um outro Senador - não conta com os recursos necessários e hoje faz, em relação ao desenvolvimento agroflorestal, pesquisas muito importantes para que possamos implementar essas idéias que aqui estamos debatendo. No entanto, corre o risco de perder seus melhores técnicos porque não há para eles uma política salarial condigna, e eles não vão morrer de fome. Se a iniciativa privada oferecer melhores salários, muitos deles sairão daquele instituto. E aí como é que o caboclo, o seringueiro, aquele que vive lá no meio do mato e que não tem como pagar um técnico particular, vai ter acesso a essa tecnologia?

Então, minhas Srªs e meus Srs, falando aqui de improviso, porque muito do que eu iria dizer já foi dito pelos Senadores Coutinho Jorge e Valmir Campelo, gostaria de, mais uma vez, relembrar o nosso compromisso de fazer com que o Dia Mundial do Meio Ambiente deixe de ser apenas um dia de retórica para tornar-se o dia em que o desenvolvimento sustentável seja uma prática no cotidiano de todos nós.

Isso é exercer cidadania, que pressupõe a ação do Estado, a ação das autoridades, mas, acima de tudo, a ação dos indivíduos, sem a qual não haverá sucesso em qualquer política pública. Se os indivíduos decidirem o seu caminho, também não será possível às autoridades fazê-lo diferente. Por isso, muitas vezes, as leis no Brasil - que são muitas com relação ao meio ambiente - não dão certo, pois, por melhores que sejam, elas saem da cabeça dos iluminados - que somos nós aqui muitas vezes -, e não são fruto de um desejo construído cultural e socialmente.

Como professora, digo que é fundamental discutirmos, sem muito oficialismo, dentro das escolas, no ambiente de trabalho, nas instituições de pesquisa, uma forma de como exercitar cidadania através da preservação do meio ambiente para evitarmos a "tragédia dos comuns".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minhas Srªs e meus Srs, parabenizando mais uma vez o Senador Valmir Campelo pela iniciativa desta sessão solene, gostaria de concluir citando Friedrich Nietzsche, um polêmico pensador, porque o nosso desafio nos remete a uma vida digna e a uma vida melhor no futuro. E foi ele quem disse uma frase que acho muito bela: "E, na árvore do futuro, façamos o nosso ninho".

Muito obrigada. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9432