Discurso no Senado Federal

ABERTURA DO TRANSPORTE DE CABOTAGEM NO PAIS A EMPRESAS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. HOMENAGEM. :
  • ABERTURA DO TRANSPORTE DE CABOTAGEM NO PAIS A EMPRESAS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9279
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. HOMENAGEM.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, SENADO, ABERTURA, NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM, EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SETOR, NAVEGAÇÃO, PAIS, ATUALIDADE.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CRISE, SETOR, NAVEGAÇÃO, PAIS, EFEITO, PREFERENCIA, GOVERNO, INVESTIMENTO, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, PREJUIZO, PORTO, NAVIO, TRANSPORTE, EMBARCAÇÃO, TRANSPORTE MARITIMO.
  • COMENTARIO, AMEAÇA, DECADENCIA, FALENCIA, INDUSTRIA NAVAL, PAIS, RESULTADO, ABERTURA, CONCORRENCIA, EMPRESA ESTRANGEIRA, SETOR, REDUÇÃO, OFERTA, EMPREGO, AUMENTO, GRAVIDADE, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, BRASIL.
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, AUSENCIA, FUMO.

A SRª SENADORA BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Câmara dos Deputados estará discutindo e votando esta semana, em segundo turno, a Proposta de Emenda que retira da Constituição a exclusividade para o trânsito das embarcações nacionais na navegação de cabotagem, entre os portos do País. No primeiro turno de votação, a emenda foi aprovada na Câmara, com 359 votos favoráveis. Caso seja aprovada também no Senado Federal, provocará a abertura da costa brasileira à concorrência das embarcações estrangeiras.

A abertura da navegação de cabotagem às empresas estrangeiras, proposta pelo Governo e inserida na Mensagem nº 195/95, em tramitação na Câmara dos Deputados (Proposta de Emenda à Constituição nº 007/95), é mais uma das muitas falácias do credo neoliberalista, que vê no desmonte do Estado, na abertura irrestrita do mercado e no poder do capital a panacéia que pode levar ao desenvolvimento e à prosperidade.

É o reflexo, Sr. Presidente, do modismo em que se transformou a utopia liberal, articulada nos países desenvolvidos e imposta, com graves conseqüências, aos países periféricos. A primeira vítima, em grande escala, do terremoto liberal, foi o México, antes tão elogiado por cumprir à risca a receita do Fundo Monetário Internacional e por perseguir com tenacidade a tão decantada modernidade. A caminho do abismo está indo a Argentina, e atrás dela o Brasil, para citarmos apenas alguns exemplos da América Latina.

No México, o ajuste econômico levou a miséria a extremos até então desconhecidos, provocando convulsão social e contestação do regime sob a forma de guerrilhas, que fizeram lembrar os tempos de Emiliano Zapata.

Mas voltemos, Sr. Presidente e Srs. Senadores, à questão da navegação de cabotagem, historicamente reservada às embarcações nacionais nas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, em vigor. Pretende o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome da abertura de mercado, da eficiência e da modernidade, flexibilizar a navegação de cabotagem - entenda-se, entregá-la à sanha das empresas estrangeiras. Alega, para isso, que os atuais custos operacionais são muito elevados, que há restrição de concorrência, que as tarifas portuárias são caras e que os navios especializados são escassos.

Inicialmente, salta à memória o ditado "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". É esse, certamente, o conselho que nos dão os países do hemisfério Norte, que pregam a total abertura de mercado, para que possam agir livremente e impor seu poder econômico, mas não abrem mão, eles próprios, de uma política protecionista. Basta dizer que a navegação de cabotagem é privativa das embarcações nacionais na maioria das grandes potências marítimas, como Japão, Holanda, Estados Unidos e Alemanha. Aqui, no Brasil, no entanto, proteger o mercado para as empresas nacionais é sinônimo de atraso.

Que o setor de navegação mercante brasileiro vive um momento crítico, não há como negar. Temos hoje 40 empresas de cabotagem que são responsáveis pelo transporte de 18 por cento da carga nacional. Muito pouco, convenhamos, para um país de grandes recursos hídricos e 8 mil quilômetros de costa. O pesado ônus representado pelos encargos sociais, as altas tarifas de seguro, o reduzido uso de contêineres e até o preço do combustível depõem contra a reserva desse mercado para as empresas brasileiras, conforme relatam técnicos do GEIPOT em estudo solicitado pelo Ministro dos Transportes, Odacir Klein.

"A cabotagem perde na concorrência para as modalidades terrestres de carga geral, sendo competitiva apenas para cargas de grande tonelagem, como grãos, minérios e combustíveis", destaca o relatório do GEIPOT. Em relação à reserva do mercado, o documento, que teve trechos reproduzidos pelo Correio Braziliense do dia 25 de abril último, destaca: "(...) a abertura não significa, necessariamente, escancarar os serviços a empresas estabelecidas no exterior, permitindo apenas a atuação do capital estrangeiro sediado no Brasil". Mais adiante, o relatório conclui que "as empresas nacionais ficarão em desvantagem frente à concorrência estrangeira".

O que poucos dizem, por deliberada omissão ou por desconhecimento, é que a indústria naval e a navegação de cabotagem brasileiras já provaram, em passado recente, que podem ser competitivas. E mais, que desenvolveram alta tecnologia, que se perdeu em grande parte não porque fôssemos incapazes de buscar soluções criativas, mas por estratégia política equivocada, que redundou na opção pela malha rodoviária, em detrimento das demais modalidades ou do transporte intermodal.

No ano passado, Sr. Presidente, a navegação de cabotagem transportou 18 milhões e 300 mil toneladas de mercadorias, com ampla predominância de granéis líquidos (9 milhões e 200 mil toneladas) e granéis sólidos (8 milhões e 600 mil toneladas), e irrisória participação de carga geral - apenas 500 milhões de toneladas. Há apenas dois anos, porém, o total transportado pelas embarcações de cabotagem foi de 78 milhões de toneladas de granéis líquidos, 17 milhões de granéis sólidos e um milhão de toneladas de carga geral. É de se concluir, portanto, que o setor de cabotagem tem pujança suficiente para responder à demanda.

Ao buscar a redução dos custos de transporte, talvez influenciado pelo lobby das grandes empresas estrangeiras de navegação marítima, o Governo não mediu criteriosamente as conseqüências da abertura de mercado que pretende fazer. O próprio Ministro da Marinha, almirante-de-esquadra Mauro César Rodrigues Pereira, em audiência na Câmara dos Deputados, afirmou que o Brasil cometeria suicídio se abrisse totalmente seu mercado de navegação de cabotagem às empresas estrangeiras.

"Num primeiro momento, o preço do frete baixaria muito, mas a longo prazo seria suicídio, pois teríamos fretes inalcançáveis", afirmou. Nós não temos nenhuma dúvida quanto a isso, Sr. Presidente. Seria muita ingenuidade acreditar que as empresas de navegação estrangeiras viriam operar na costa brasileira apenas para nos trazer progresso e desenvolvimento.

O Sindicato Nacional dos Oficiais de Náutica e de Práticos de Portos da Marinha Mercante alerta igualmente para a ação predatória que pode ocorrer com a pretendida flexibilização da cabotagem. As tarifas, num primeiro momento, iriam baixar, efetivamente, mas para eliminar a nossa frota própria, caracterizando dumping.

Enquanto o Governo brasileiro se omite, aguardando que nossos problemas se resolvam pela ação pura e simples da economia de mercado, os países estrangeiros defendem seus interesses, como ocorre na Comunidade Européia, que concede subsídios para que os armadores adquiram embarcações de seus próprios estaleiros. Aliás, é necessário ter em mente, na discussão da navegação de cabotagem, seus reflexos sobre a indústria naval brasileira.

Nossa indústria naval, apesar da falta de incentivos e das estratégias equivocadas do Governo, tem competitividade e domina a tecnologia do setor. Nossas embarcações rivalizam com as melhores do mundo, mas a indústria naval, já debilitada, pode sucumbir definitivamente, deixando de gerar milhares de empregos diretos, e também indiretos, em áreas que vão da mecânica pesada à informática sofisticada.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proposta governamental que abre a navegação de cabotagem às empresas estrangeiras envolve riscos que não podemos admitir em hipótese alguma. Dentro de mais alguns dias estaremos apreciando a proposta contida no bojo de uma reforma do capítulo da Ordem Econômica.

Quando viermos a deliberar sobre essa proposta, deveremos ter em mente que sua aprovação pode significar o aniquilamento das empresas nacionais; que o setor de cabotagem, no Brasil, pode ser competitivo, bastando, para isso, contar não com privilégios, mas com incentivos, como redução da carga tributária, revitalização dos portos e garantia de política estável. Finalmente, Sr. Presidente e nobres colegas, deveremos ter em mente que o poder econômico internacional, predatório e egoísta, não tem qualquer compromisso com o povo brasileiro. O desenvolvimento nacional deve resultar de uma política governamental consistente, que junto com a nossa capacidade de trabalho possa assegurar emprego, prosperidade, bem-estar e justiça social.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro assunto me traz à tribuna.

Não poderia concluir o meu pronunciamento sem antes prestar uma às Comissárias de Bordo, o que faço em meu nome pessoal e em nome do Senador Romeu Tuma, que gostaria de fazê-lo de viva voz, o que não foi possível dada a questão do tempo.

Por outro lado, queria referir-me à comemoração do Dia Mundial sem Tabaco, que passou praticamente despercebido. Não ouvimos aqui ou na Câmara alguém que pudesse levantar voz a respeito disso, embora seja extremamente importante.

Gostaria apenas de lembrar que, anualmente, o fumo mata, no mundo, três milhões de pessoas e, no Brasil, 100 mil. Dezoito milhões de homens e 12,5 milhões de mulheres são fumantes no Brasil.

O fumo causa doenças cardiovasculares e câncer. Enquanto no Primeiro Mundo o consumo de cigarros cai desde a década de 70 em função de campanhas e medidas preventivas; no Terceiro Mundo aumentou 67%.

90% das ocorrências de câncer do pulmão e 30% dos casos de todos os tipos de câncer, 85% dos enfisemas, 45% das doenças coronárias, 55% dos derrames fatais são causados pelo fumo, na fumaça existem 4.720 substâncias tóxicas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9279