Discurso no Senado Federal

ANALISE SOBRE A BASE DE SUSTENTAÇÃO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • ANALISE SOBRE A BASE DE SUSTENTAÇÃO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Edison Lobão, Francelino Pereira, José Fogaça, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9265
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, VANTAGENS, ADOÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO, COMPARAÇÃO, PRESIDENCIALISMO, OBJETIVO, REPRESENTAÇÃO, MAIORIA, CONGRESSO, VIABILIDADE, EXERCICIO, GOVERNO, PAIS.
  • ANALISE, DEFESA, POSSIBILIDADE, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), OBJETIVO, GARANTIA, VIABILIDADE, EXERCICIO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, traz-me a esta tribuna uma tentativa de análise, e não propriamente defesa de teses ou de pontos de vista enfáticos.

Quero analisar com esta Casa - e o faço também na condição de Presidente do PSDB - algo que tem estado muito presente no noticiário da imprensa e nos debates políticos do instante brasileiro: a chamada aliança que caracteriza a base de sustentação do Governo Fernando Henrique Cardoso. Esta aliança é ampla e envolve cerca de seis Partidos. Habitualmente, porém, ela é considerada, do ponto de vista do noticiário, como basicamente uma aliança entre o PFL e o PSDB.

Gostaria de analisar, em primeiro lugar, a natureza do entendimento PFL/PSDB e, em segundo, a natureza de uma aliança ampla a dar sustentação a um Governo, poderia chamá-lo sui generis, exatamente em função do formato político através do qual se manifesta e age no campo político.

Semana passada, inclusive, fomos sadiamente provocados por uma bem humorada e ao mesmo tempo insinuante, do nosso nobre Senador Pedro Simon relativa ao que seria uma disputa entre PFL e PSDB, disputa essa que daria ao PFL, desde logo, vantagens, pela sua maior acuidade, e ao PSDB relativas desvantagens, no dizer de S. Exª, talvez por sua maior ingenuidade ou despreparo para o exercício do poder.

O tema é deveras interessante. O País não possui a prática da política de alianças. Temos um presidencialismo que nada mais tem sido do que a véspera do golpe. De 1923 até os dias de hoje, apenas dois Presidentes civis chegaram ao fim do mandato. Ou, se quisermos olhar pela ótica não de Presidentes civis mas de Presidentes eleitos, também apenas dois Presidentes eleitos chegaram ao fim do mandato: o Presidente Dutra e o Presidente Kubitscheck, um militar e um civil.

Portanto, de 1923 a esta data, são 72 anos quase, a prática brasileira do presidencialismo demonstra que a inexistência de bases de alianças sólidas na sustentação dos governos tem sido exatamente a causa fundamental de sua diluição, de sua dificuldade de exercício do poder até o final. Essa situação mostra que a partir do momento em que o País optou pelo presidencialismo, e o parlamentarismo ficou como um sonho daqueles que ainda nele não deixaram de crer, como o orador que vos fala, o País optou por uma situação curiosa: a de que a correlação de forças que elege o Presidente da República nem sempre ou quase nunca é a correlação de forças que elege o parlamento.

Este fato coloca no nascedouro a crise constante dos governos constitucionais brasileiros, a inexistência de uma maioria estabelecida através de alianças legítimas, feitas às claras.

O parlamentarismo opera exatamente na direção oposta. Mas falar de parlamentarismo é falar de um sonho. No parlamentarismo não é o governo que engendra a maioria; é a maioria que engendra o governo. E, portanto, de antemão, no parlamentarismo um governo nasce basicamente de uma maioria e, ao mesmo tempo, tem um conselho de ministros aprovado pelo parlamento, saído dele inclusive; e, ao mesmo tempo, possui um programa de governo que é aprovado pela maioria antes de ser posto em prática.

O parlamentarismo parte, portanto, da certeza de que, sem o estabelecimento de maiorias, a ingovernabilidade é a regra, e cria para o estabelecimento das maiorias as regras democráticas de elas se apresentarem na casa da expressão democrática, o próprio parlamento.

O presidencialismo não tem essa feição, e a prática brasileira hoje centralizou, na figura do Presidente, poderes muito fortes, e várias vezes o País viu esse exercício assim se fazer, ou coloca para os Presidentes da República uma prática deletéria, nada obstante presente na vida brasileira: a busca da maioria pela cooptação. A busca da maioria pela cooptação de quadros políticos é que induz, no fundo, a formas - permitam-me a palavra, ela é um pouco exagerada, talvez - corruptas de comportamento político, porque envolvem as chamadas práticas "fisiológicas", que determinam o apoio na decorrência direta das benesses que o Governo eventualmente possa dar àqueles que nele votam.

Estamos tentando construir uma filosofia de política de aliança que, a meu juízo, inova na vida brasileira. Ela não nasce agora, nem essa experiência é original - outros países a exercem - mas na virtualidade brasileira, nas condições, nas circunstâncias da vida brasileira ela passa a ser nova.

Primeiro, é uma aliança colocada em termos de campanha eleitoral;

Segundo, é uma aliança feita às claras, diante de todo o País;

Terceiro, é uma aliança que opera sobre partidos de relativa assimetria.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é o ponto central do noticiário sobre a matéria, da picuinha sobre a matéria, da dificuldade de entendimento do verdadeiro significado de uma política de alianças. O fato de que a aliança existe exatamente entre visões que não são uníssonas. Entre visões uníssonas não haveria necessidade de aliança.

Tivéssemos um partido majoritário, plenamente, não haveria necessidade da aliança. A aliança se dá exatamente entre os diferentes, senão não seria aliança.

E qual é o grau dessa diferença? É quanto ao grau dessa diferença que se estabelece, hoje, no noticiário da imprensa, nos discursos, nas manifestações, um outro ponto de perplexidade.

"Quais são as diferenças entre o PSDB e o PFL?" - diariamente nos perguntam. Perguntam-nos menos das diferenças entre o PSDB e o PMDB, até porque esses, de certa forma, nasceram da mesma fonte, possuem uma visão socialdemocrata na sua origem.

Não é por se chamar Partido da Socialdemocracia Brasileira que o PSDB tem o monopólio do pensamento socialdemocrata no Brasil. Ao contrário, ele é hoje um pensamento bastante extenso em várias siglas partidárias.

A observação, a estranheza, a interpretação equívoca dá-se exatamente em algo que está por cima das siglas partidárias, por cima de PSDB e por cima de PFL. Está na aliança entre tendências.

Duas tendências, hoje, se unem para pavimentar o caminho da governabilidade: a tendência liberal e a tendência socialdemocrata.

Em relação à tendência liberal, há muitos equívocos. Ela é constantemente confundida com o reacionarismo - não que não esteja presente o reacionarismo em segmentos da tendência liberal; ela é constantemente confundida com uma palavra que hoje surgiu no noticiário e não é bem definida, nada obstante corre o noticiário, correm os debates: a expressão "neoliberal", como se um neoliberal fosse um liberal antigo e não um liberal moderno. E o liberal moderno é alguém com uma visão extremamente aberta e ampla do processo social, que não significa exatamente a mesma visão do liberal de antes.

Então, quando se fala, como estou a falar, de uma aliança entre o campo liberal e o campo socialdemocrata, estamos a tentar para este País - e quando falo em campo social democrata, repito, para tornar claro o pensamento, não me refiro exclusivamente ao PSDB, refiro-me a outros partidos, como o PMDB, do campo socialdemocrata - algo novo na sistemática política brasileira.

A idéia de que visões aproximadas, embora diferentes, da organização política possam, num determinado momento da história, num determinado momento do processo de desenvolvimento do País, articularem-se naquilo em que tenham um pensamento comum, e, de certa forma até, deixar para depois naquilo em que o pensamento não é comum, no sentido de sentar as bases de uma renovação da vida política brasileira.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço com prazer o aparte de V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Bernardo Cabral - Nobre Senador Artur da Távola, eu não ia interrompê-lo - até pelo prazer de ouvi-lo - mas receio que, ao final, eu acabe perdendo a oportunidade de registrar o meu pensamento. V. Exª, que foi Constituinte como eu, sabe que o fio condutor filosófico que saiu da Comissão de Sistematização para o Plenário era a aprovação do Sistema Parlamentarista de Governo. V. Exª, ao longo do seu discurso, afirma que precisa ser feito algo novo na política social brasileira. Faço-lhe uma pergunta que, evidentemente, não se trata de nenhum reparo, porque o sei parlamentarista como eu. V. Exª acredita que será possível no presidencialismo, sistema de governo, termos partidos fortes?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Essa é uma das perguntas essenciais, nobre Senador Bernardo Cabral, e V. Exª pede a minha opinião. Creio que o futuro propende muito mais para tendências do que para a organização atomizada de partidos. Acredito que o futuro brasileiro terá uma clara tendência de direita, clássica, ortodoxa, minoritária; terá um grande campo liberal, composto por um gradiente doutrinário bastante amplo, desde liberais tradicionais a liberais modernos; creio, do outro lado, num grande campo socialdemocrata; e, finalmente, num quarto campo menor, do tamanho da direita clássica, com a esquerda tradicional, ortodoxa, com base nos padrões que marcaram os pensamentos de esquerda no Século XX.

E é exatamente entre os setores liberal e socialdemocrático, entre essas duas grandes tendências, numa sociedade brasileira já modernizada, a partir das reformas, já integrada na economia mundial, já aberta, do ponto de vista institucional, que se dará, durante um longo tempo, ou a aliança para governos duradouros ou o antagonismo e o enfrentamento na luta pelo poder.

Estamos, portanto, a meu juízo, Senador Bernardo Cabral, na pré-história, nos momentos que antecedem também uma modernização, que não virá pela atomização partidária, mas por meio de tendências, que poderão, ou não, aglutinarem-se em grandes ou novos partidos.

Amanhã, pode ser que o campo da socialdemocracia junte essa tendência onde quer que ela esteja, nos vários partidos; idem, no campo liberal. Pode ser que seja o PFL o partido a capitanear esse segmento. Pode ser que o próprio PFL se transforme num partido de outra sigla, mas dentro da tendência liberal, abarcando plenamente o campo liberal.

Razão pela qual, na evolução do presidencialismo possível ao Brasil, poderemos ter no País a consagração de partidos estruturados dentro de campos doutrinários amplos - nesse caso, não se trata propriamente de ideologia -, com uma labilidade doutrinária capaz de abarcar, no campo socialdemocrata e no campo liberal, inúmeros segmentos da vida política brasileira.

É exatamente nesse sentido que, a meu juízo, deve ser compreendida esta complexa, mas nem por isso indesejável, aliança entre o PSDB e o PFL no Governo Fernando Henrique.

O Sr. José Fogaça - Senador Artur da Távola, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Com muito prazer, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Senador Artur da Távola, irei aproveitar da fertilização intelectual e do clima de reflexão, neste momento oferecidos ao debate político por V. Exª, para fazer algumas colocações a respeito desse tipo de aliança que se estabelece hoje, no Brasil, para dar sustentação ao Governo Fernando Henrique Cardoso. Parece-me claro que, de um lado, temos dois Partidos com uma tradição socialdemocrática, com algumas tendências liberais, principalmente no PMDB, e, de outro lado, um Partido de um amplo doutrinário no campo liberal, como disse V. Exª. No entanto, erram os analistas mais afoitos quando imaginam que o produto dessa aliança, o resultado desse conjunto de forças, será necessariamente mais à direita do que o próprio Partido Liberal. Por uma questão centrípeta do processo político, não há como não ser produzido, a partir daí, um meio termo entre essas duas forças. Os partidos de esquerda e os partidos socialdemocratas do Brasil, principalmente, ainda não formularam um projeto político nacional posterior à queda do socialismo; ou seja, uma forma de repensar o Brasil, de reconstruir um programa abrangente sobre a realidade nacional. E é por isso, talvez, que partidos como o PMDB e o PSDB às vezes pareçam frágeis no bojo do processo de alianças. Quando indagados sobre questões modernas, como privatização, como a reforma do Estado - que qualquer partido socialista tem de fazer no Brasil -, esses partidos, ou parcelas consideráveis deles, ficam, às vezes, perplexos, hesitantes, sem saber que caminho trilhar. De outro lado, há um partido sólido, organizado, que não tem nenhuma dúvida, não está em nenhum processo de mudança, não está em nenhuma fase mutante da sua base conceitual e ideológica, que é o PFL. Portanto, o PFL é a solidez, a organização e a estabilidade ideológica. É evidente que, nesse processo, pode se dar a parecer que o PFL tenha o domínio da cena política e da resultante ideológica dessa aliança. Creio que seja um engano; ele não domina, mas também não é soterrado e nem dominado, tem uma convivência equilibrada. Tanto isso é verdade que o que temos aprovado, por exemplo, no setor de telecomunicações, é uma flexibilização muito tímida do monopólio. O que temos no setor de gás canalizado não é a privatização, mas a abertura para a possibilidade de concessões, o que já é uma tradição da legislação brasileira. Portanto, as reformas que estamos fazendo têm, sim, um corte socialdemocrata. Como está fazendo o Partido Socialista na Espanha, como fizeram outros partidos que ocuparam governos na Europa, recentemente, partidos de corte socialdemocrata. Apenas interpreta-se isso como uma crise da socialdemocracia porque, de fato, é uma crise. O que é uma crise? É perspectiva de mudança, é impasse e mudança. E essa é a realidade dos partidos socialdemocratas. Estão passando por uma profunda revisão conceitual e, por isso mesmo, aparentemente, são frágeis. No entanto, quando se observa o resultado das votações, verifica-se que o mesmo é sempre aquele meio termo de uma reforma do Estado sem abandonar o controle do interesse público. E isso está presente em todas as reformas que estão sendo feitas no Brasil. Obrigado a V. Exª.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço a V. Exª o lúcido aparte. V. Exª coloca muito bem que esses partidos de gradiente doutrinário amplo não são unidades estáticas, paralisadas, mas estão a passar por processos de evolução.

Existe apenas um ponto no qual não concordo integralmente com V. Exª; é um ponto tópico, já que a visão geral do aparte parece-me totalmente procedente.

Também não creio que um partido como o PFL seja hoje uma unidade estática do ponto de vista doutrinário. Ele pode ser estático do ponto de vista de ser um partido apto ao uso do poder, pelo hábito, pela constância, pelo pragmatismo dos seus membros.

Tenho visto, dentro do PFL, dentro do setor liberal, do pensamento liberal, uma transformação - ou, para usar a expressão mais feliz, usada por V. Exª, uma crise, no sentido de "risco mais oportunidade", que é o verdadeiro sentido da palavra "crise".

Uma crise bastante grande em relação a como operar a modernidade dentro do pensamento liberal, ou seja, entre aquele clássico pensamento liberal tradicional, em que tudo seria entregue ao mercado com a presença de um Estado mínimo, praticamente ineficaz; nem mesmo um Estado que fizesse a mediação da ação política, um Estado praticamente ausente, voltado ali, exclusivamente, para algumas pequenas ações. Certos setores do pensamento liberal contemporâneo defendem a presença de um Estado mais participante, exatamente como ponto de vista socialdemocrata, que quer um Estado socialmente necessário, um Estado pequeno, eficaz, porém capaz de intervir; um Estado reitor, digamos, com base nas preferências democraticamente expressas nas urnas.

Sente-se também no setor liberal, a meu juízo, um certo movimento, até porque quando setores liberais são provenientes de segmentos do desenvolvimento industrial, ou do desenvolvimento econômico, oriundos de atividades de serviços, ou de atividades terciárias, ou de um tipo de organização industrial contemporânea, o pensamento é avançado. Já não há mais, no próprio campo liberal, aquele velho antagonismo entre patrão e empregado; entre salários aviltados e lucros exorbitantes. Há, portanto, no campo liberal, uma espécie de movimentação, uma espécie de crise que lhe abre uma discussão interna e que permite, por isso mesmo, a proposta de aliança como essa que hoje se faz no Brasil.

É preciso dizer, do ponto de vista até histórico, e posso fazê-lo porque participei pessoalmente desse momento, que a proposta para uma aliança entre liberais e socialdemocratas, na eleição de Fernando Henrique Cardoso, não partiu do PSDB. Partiu do PFL. Curioso, porque o PSDB era o Partido fraco, do ponto de vista de um Partido que não existia em todo o Brasil. O PSDB sozinho não era um Partido capaz de se apresentar com condições de dar base e sustentação a uma candidatura. Curiosa a idéia de que a iniciativa da aliança partiu do setor liberal e não do setor socialdemocrata. Até este setor, inclusive - e nós tivemos problemas internos por essa razão -, no Partido, teve dificuldade de compreensão dessa aliança.

E o que ocorreu, naquele instante? Algo, a meu ver, ainda não suficientemente analisado. Naquele instante, o PFL uniu-se à socialdemocracia e, curiosamente, afastou-se da direita. Quem se isolou, no processo, foi a chamada direita. Exatamente, pela aliança, a liderança dos liberais teve a consciência de fazê-lo num determinado momento eleitoral. Naquele instante nem se pensava em vitória. Naquele instante, o nome de Fernando Henrique Cardoso tinha 3% ou 4% nas intenções de voto.

Não era, portanto, digamos assim, uma aliança pragmática, ou uma aliança puramente oportunista. Havia algo de percepção, de intuição de que o campo liberal deveria se afastar da direita e o socialdemocrata encontrar um caminho de pavimentação pelo centro, que permitisse a passagem dos avanços que hoje estão em véspera de ser concluídos, graças à natureza profunda dessa aliança no plano brasileiro, com a possibilidade de passagem das reformas pelo Congresso Brasileiro.

É a administração dessa aliança o grande desafio que temos.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Edison Lobão - Sr. Presidente do PSDB, procura V. Exª dar uma explicação sobre o conjunto de Partidos que hoje apóiam o Governo, e, a um só tempo, uma dissertação muito interessante sobre a aliança PSDB/PFL. Na verdade, V. Exª está, de algum modo, movido por críticas e análises, algumas das quais até irônicas, a respeito dessa aliança e do comportamento leal, correto e decente que o PFL tem tido face ao Governo da República. Senador Artur da Távola, essa questão da aliança do PFL com o PSDB não é de hoje, vem de ontem, de antes da eleição. Todos nos lembramos dos questionamentos, não apenas dentro do PSDB, mas até fora, a respeito da mesma. E devo dizer aqui que o Presidente Fernando Henrique, candidato à época, foi inabalável na preservação da aliança. Sua Excelência sabia que essa conjunção de forças, dos liberais com os socialistas, faria bem ao Brasil, mas, sobretudo, faria bem a sua candidatura. E foi o que aconteceu. V. Exª lembra os índices da pesquisa da época. Hoje, nos consideramos do Governo, temos um Vice-Presidente da República que é do PFL; temos Ministros de Estado nomeados pelo Governo. Portanto, temos que ser solidários com o Governo que pratica também o programa do PFL. Sua Excelência jamais deixou de cumprir o programa do seu Partido, o PSDB. Não houve nenhum desvio, mas cumpre também as metas do PFL. Por que, então, nós deixaríamos de apoiar o Presidente da República, o seu Governo no Congresso Nacional? Seríamos incoerentes e, até certo ponto, desleais se operássemos dessa maneira. Portanto, quero me congratular com a análise que V. Exª faz, que restaura a verdade por inteira, inclusive a verdade histórica sobre essa aliança.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço o seu aparte. V. Exª lembra um fato interessante. Possivelmente, quando a aliança se fez, ela foi imaginada como uma aliança fundamental para a vitória. De certa maneira, foi. Mas, pode-se até dizer, muito mais importante; ela está sendo para o exercício do Governo do que foi para a vitória. A vitória acabou resultando de uma série de conjuntos psicossociais ligados ao Plano Real, e, evidente, com a colaboração de todos os Partidos que dela fizeram parte. Mas, hoje, a aliança, talvez, tenha até muito mais importância para a governabilidade do que propriamente para aquilo que, no início, pareceu cimentá-la, uma aliança feita para obter a vitória nas urnas.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço-o com prazer, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Em primeiro lugar, vejo com muita satisfação a presença de V. Exª na tribuna e quero parabenizá-lo pela competência da exposição clara, lúcida e transparente que está fazendo. Eu sou um velho admirador seu. Vejo que V. Exª vem se adaptando aos momentos que estamos vivendo. Quando o Senador José Fogaça afirmou que a chamada socialdemocracia, depois da queda do Muro de Berlim, do comunismo, não encontrou o seu caminho no Brasil, podemos analisar que, a rigor, não encontrou ainda no mundo inteiro. Há uma perplexidade, no plano internacional, no sentido de para onde é que o mundo está caminhando. Logo que aconteceu a queda do Muro de Berlim, o então Presidente Collor dizia que o mundo estava caminhando para o chamado capitalismo liberal. Hoje, está se verificando que há um debate, e V. Exª está colocando, de modo muito claro, que buscamos o caminho. V. Exª coloca com muita inteligência a aliança realizada pelos dois Partidos. E eu sei, como V. Exª, que a origem foi do PFL; diga-se de passagem, uma decisão muito inteligente. Aliás, o PSDB, na eleição passada, foi uma espécie de noiva procurada por todos, porque não só os liberais procuraram-no como a esquerda também. O Lula passou o tempo todo buscando uma composição com o PSDB. A diferença foi a inteligência e a competência do PFL ao entender que o momento era aquele. O PFL tinha grandes quadros, é verdade; tinha grandes nomes, é verdade; tinha competência, é verdade; mas, com todo o carinho, era difícil encontrar um candidato, naquele momento, que pudesse interpretar o pensamento nacional para derrotar o Lula no segundo turno. Era uma situação delicada. O Partido tinha o Antonio Carlos, um grande nome, não há dúvida, e outros tantos ilustres candidatos. Mas a análise, a interpretação que toda a imprensa fazia era que o PFL tinha tido o exemplo do Dr. Aureliano Chaves, na eleição anterior e não queria fazer o mesmo que o PMDB estava fazendo e fez. O PMDB fez com o Dr. Ulysses Guimarães, que não era o candidato para aquele momento; repetiu com o Sr. Orestes Quércia e deu na mesma coisa. Nas duas eleições, o PMDB cometeu dois absurdos e teve dois resultados ridículos. O PFL, numa eleição, equivocou-se na candidatura própria, no caso de Aureliano Chaves, um grande nome, diga-se de passagem, mas na eleição seguinte perceberam que não era o momento. Nós temos quatro nomes, mas o escolhido deve ser um homem como Fernando Henrique Cardoso. É verdade. Fernando Henrique Cardoso, na época, tinha um percentual insignificante. Mas também é verdade que a candidatura Fernando Henrique Cardoso foi uma jogada que deu certo, por sua competência e porque Sua Excelência jogou no tudo ou nada. Se tivesse fracassado o Plano Real, talvez Sua Excelência não tivesse se elegido nem Deputado Federal. Mas Sua Excelência teve o arrojo, a competência, a seriedade, a grandeza de jogar. Eu, Pedro Simon, sou testemunha de que o Presidente Fernando Henrique não jogou como candidato a Presidente da República. E V. Exª também sabe disso. Sua Excelência não pensava em candidatura à Presidência da República, e pretendia, até a última hora, permanecer no Ministério da Fazenda, porque tinha medo que o Plano não desse certo. Aí o PFL lançou seu nome e foi aceito; Mário Covas optou pelo Governo de São Paulo e, então, Sua Excelência saiu do entendimento. Mas em nenhum momento, Fernando Henrique Cardoso buscou a candidatura a Presidente da República. Ao lado da competência do PFL esteve a incompetência do PT, que não teve visão para perceber que, apesar da sua força, do seu eleitorado e de Lula estar muito bem nas pesquisas, na verdade, havendo um segundo turno, aconteceria como na última eleição: inventariam um candidato anti-Lula. Se naquelas conversas do Lula com o Tasso Jereissati, quando o PT queria o Tasso como candidato a Vice-Presidente, eles tivessem invertido as posições, ou seja, se o PT tivesse tido a competência de fazer o que o PFL fez, talvez a história tivesse sido completamente diferente. Todo mundo estava namorando com o PSDB, porque o Partido representa a socialdemocracia, porque tem grandes nomes em seus quadros, vamos fazer justiça, e é um Partido que se impõe. Em segundo lugar, V. Exª está correto, as coisas estão indo no seu caminho. Fiz um pouquinho de ironia para provocar o meu amigo Senador Antonio Carlos Magalhães, mas S. Exª verá que fiz com simpatia e com respeito, porque tenho a maior simpatia pelo PFL. Considero o PFL um Partido de gente muito competente. Li na coluna do Estado de S. Paulo que o Senador Antonio Carlos vai falar que é ciúme. Pode até ser, e pode ser até inveja, porque eu gosto de gente competente. E o PFL é competente, quanto a isso não dá para discutir. E, perdoe-me V. Exª, é muito mais competente que o PMDB e que o PSDB, até pela experiência, porque a experiência faz a vida. Diz-se que o diabo entende muito mais por ser velho do que por ser diabo. O PFL tem uma experiência de longo tempo, ele sabe o que fazer e o que não fazer. O PSDB não sabe nem o que fazer nem o que não fazer, porque é a primeira vez que ocupa a Presidência da República.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ele sabe o que fazer, nobre Senador. Pode ser que não saiba o que não fazer.

O Sr. Pedro Simon - Perdoe-me, quis me referir à maneira de executar, a certeza das conseqüências de suas ações. O PSDB não tem experiência de ter feito e dado certo e de ter feito e dado errado. Ele sabe o que fazer, mas não conhece as conseqüências do que vai fazer. E a esse ponto que estou me referindo. Foi aí que fiz o pronunciamento no sentido da provocação que me foi feita, que é - estou lendo no Estado de S. Paulo de hoje - um pronunciamento mais ou menos igual ao dos governadores do seu Partido. Não sei se V. Exª estava no jantar de segunda-feira, onde os governadores cobraram ações sociais. Os governadores do PSDB dizem que está tudo bem com relação às reformas, mas querem também ver a questão social. Por isso fui à tribuna dizer que devemos debater um pouco o social. Perdoe-me, mas quando vi o programa de televisão onde o nosso amigo Esperidião Amin, que não está presente, dizer que votou o que sempre defendeu e que o Governo é que se aproximou... Quando vi o Deputado Roberto Campos, um grande companheiro, mas um homem - vamos ser sinceros - que durante 30 anos todos nós pensávamos que era do lado de lá, dizendo que todo mundo estava vindo para o seu lado porque estão votando aquilo que ele sempre pregou, comecei a me questionar se estava votando certo. Então, fui à tribuna buscar o debate. E agora, até pela análise que V. Exª está fazendo sobre o que estamos votando, vejo que não é bem como o Deputado Roberto Campos diz na televisão; creio que S. Exª exagerou em dizer que todo mundo está caminhando atrás dele. S. Exª também fez concessões. Receba meu abraço, carinho e respeito. Obrigado.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - V. Exª ilustrou o meu discurso com muito brilho, além do humor e simpatia que caracterizam as suas falas. V. Exª toca de novo no campo essencial, analisando pelo lado pragmático, enquanto eu procurava fazer uma análise prospectiva em relação ao significado e ao futuro dessa aliança.

É sobre ele - e com ele, infelizmente, o meu tempo acaba - que gostaria de concluir esta modesta fala. Esta aliança, portanto, está no seu nascedouro, ela não é uma prática vivida e exercitada e precisa ser compreendida como tal. 

E é justamente esta a pretensão do PSDB: procurar compreender a natureza profunda dessa aliança; compreender que ela é indispensável para a pavimentação do caminho das reformas neste momento; saber que estamos diante de uma nova concepção de Estado - concepção esta com relação a qual possivelmente até tenhamos diferenças com o PFL -; compreender que é com essa nova concepção e Estado que o Brasil vai poder superar limitações ancestrais ao seu desenvolvimento. Porque o desenvolvimento baseado exclusivamente na ação do Estado é um desenvolvimento que se prova absolutamente inviável, com o Poder Público falido na proporção, na extensão e na profundidade dessa falência.

Hoje, o caminho do desenvolvimento brasileiro tem a ver com o Estado, mas o Estado tornado eficaz, o Estado colocado na sua verdadeira dimensão de ação, o Estado que funcione muito mais como mediador das ações políticas do que propriamente como o condutor das ações políticas.

Neste instante da vida brasileira - e é por isso que, aparentemente, as posições se confundem com as de um antigo liberal, lúcido, no caso, como o Deputado Roberto Campos -, a aliança se faz por semelhança, por semelhança de objetivos imediatos, em nome até de uma possível dessemelhança em relação a objetivos outros, que é onde entra exatamente a questão social.

Mas não podemos também ter a pretensão de supor conhecermos em profundidade qual é a política social que um Partido como o PFL pretende na sua evolução, como também não temos muito clara qual é a própria fisionomia social de um governo socialdemocrata.

Sabemos, sim, o princípio geral, a ênfase do social; conhecemos, sim, a orientação finalista, isto é, a visão filosófica do problema: caminhamos para quê? No nosso caso, no programa do Partido está claramente colocada a idéia de que caminhamos na direção de uma liberdade crescente e de uma maior justiça social, até porque, sem justiça social, não temos a plenitude da liberdade, que está no exercício comum dos direitos.

Esses partidos estão num processo evolutivo e, de nossa parte, estamos abertos a compreender essa aliança, a entender as suas dificuldades, a saber que, se estamos unidos no plano federal, temos desuniões graves no plano estadual e no plano municipal e vamos ter que aprender a lidar com essa contradição enquanto o País não tiver partidos efetivamente organizados em termos nacionais.

Mas essa aliança é bem-vinda, é indispensável ao momento brasileiro; ouso dizer que é patriótica, porque pavimenta o caminho do desenvolvimento.

O Sr. Francelino Pereira - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Artur da Távola?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - De minha parte, com muito prazer, mas o Presidente havia avisado o fim do meu tempo. Se S. Exª permitir, terei muita honra de conceder o aparte ao nobre Senador Francelino Pereira.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - V. Exª dispõe somente de 1 minuto para o aparte.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Tenho muito prazer em conceder o aparte a V. Exª.

O Sr. Francelino Pereira - Nobre Senador, é natural que a Casa esteja ouvindo atentamente a exposição lúcida, clara, prática e objetiva de V. Exª, que é uma das figuras exponenciais desta Casa e que tem um traço comum com a instituição parlamentar, pela valorização que a ela confere. O nobre Senador tem uma história brilhante e a ela rendemos nossa homenagem. Não quero fazer digressão sobre o que está acontecendo ou vai acontecer, mas, na verdade, existem dois sistemas: o liberalismo e o socialismo. Essas são as duas grandes vertentes históricas que vêm sendo atribuladas por centenas de anos. É preciso deixar bem claro que o partido que representamos, desde o primeiro momento, sempre teve uma inspiração voltada para essas duas vertentes. Claro que defendemos o liberalismo político, porque institui, inspira as liberdades individuais e públicas, mas defendemos, também, com a mais absoluta veemência - e aí está o desafio -, o liberalismo social, que é aquele que busca caminhos, instrumentos para diminuir a gigantesca diferença de renda e de riqueza entre as pessoas neste País. De maneira que, nessas duas vertentes - liberalismo e socialismo - é que vamos nos aproximando, ora com o liberalismo social, ora com a democracia social, na verdade, sempre em busca da construção de uma sociedade mais justa e menos desigual, como ocorre no momento. É esse o papel a ser desempenhado pelos nossos partidos, que representa um desafio não apenas neste momento, mas sobretudo nos próximos anos, em razão da dificuldade de ordem regional. Em verdade não temos ainda partidos constituídos, mas partidos em organização. Este é o nosso desafio: a formação de um quadro partidário com uma ideologia nítida e clara.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, nobre Senador Francelino Pereira.

Sr. Presidente, estamos na aurora desse entendimento e é natural, nesse instante, a carga de incompreensões que uma aliança dessa natureza traz. Mas, de parte do PSDB, por sua direção, muito mais do que nos atermos a pequenas disputas, à luta por espaços no fundo insignificantes, àquilo que seria a competição menor que muitas vezes lavra por dentro das alianças, queremos olhar o sentido histórico dessa aliança, porque ela, e só ela, pavimentará o caminho do futuro próximo do Brasil.

Obrigado a V. Exª e obrigado aos Srs. Senadores pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9265