Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO DA CONCEPÇÃO TRABALHISTA NO PAIS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO DA CONCEPÇÃO TRABALHISTA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/06/1995 - Página 9780
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, RELAÇÃO, GOVERNO, TRABALHO, SUJEIÇÃO, LEGISLAÇÃO SINDICAL, CONTROLE, GOVERNO FEDERAL, EFEITO, CRIAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), EPOCA, GESTÃO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEDIMENTO, DIREITO DE GREVE, TRABALHADOR, NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
  • ANALISE, CRITICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MANUTENÇÃO, CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA, OBJETIVO, FINANCIAMENTO, SINDICATO, PRESERVAÇÃO, COMPETENCIA NORMATIVA, JUSTIÇA DO TRABALHO, DIFICULDADE, VIABILIDADE, RELAÇÃO, DEMOCRACIA, PODER ECONOMICO, EMPREGADOR, TRABALHADOR, LIMITAÇÃO, ATUAÇÃO, AÇÃO SINDICAL.
  • COMPARAÇÃO, BRASIL, MODELO, ADMINISTRAÇÃO SINDICAL, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, FRANÇA, ALEMANHA, JAPÃO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ITALIA, CONTEUDO, NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO, CONTRATAÇÃO, EXISTENCIA, CENTRAL SINDICAL.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, JUSTIÇA DO TRABALHO, PAIS, CONCESSÃO, LIBERDADE, AÇÃO SINDICAL, POSSIBILIDADE, NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO, RELAÇÃO, PODER ECONOMICO, TRABALHO.
  • DEFESA, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, GARANTIA, EXERCICIO, AÇÃO SINDICAL, LIBERDADE, ATUAÇÃO, SINDICATO, PAIS.
  • CRITICA, COMPETENCIA NORMATIVA, JUSTIÇA DO TRABALHO, RELAÇÃO, PODER ECONOMICO, CLASSE EMPRESARIAL, TRABALHADOR, SINDICATO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Srs. Senadores, a pauta de discussão política sofreu significativa alteração no Brasil, ao longo dos últimos anos. Hoje, pouquíssimos atrevem-se a contestar que o modelo de desenvolvimento autárquico adotado pelo País durante décadas encontra-se esgotado. Trata-se de evidência que deflui, clara e cristalina, não apenas da observação da conjuntura nacional, mas, ainda com maior nitidez, daquilo que se vê ocorrer no mundo todo. Nessa medida, a necessidade de ampla reestruturação da nossa economia, visando torná-la competitiva em nível internacional, já não é mais objeto de disputa. As polêmicas que hoje se travam giram em torno do ritmo e do direcionamento mais preciso a serem dados a esse processo de transformação. Aliás, a necessidade de modernização da nossa economia não é mais apenas objeto de consenso. Na verdade, avanços concretos nesse sentido já se têm verificado nos últimos anos.

Ocorre, todavia, que esse avanços havidos no sentido da modernização do sistema econômico não ocorreram de forma paralela na esfera do subsistema trabalhista. Essa é, Sr. Presidente e Srs. Senadores, a preocupação que me traz hoje à tribuna.

Digo preocupação porque o descompasso é mesmo significativo e seu enfrentamento se me afigura urgente. Os processos da inovação tecnológica e organizacional das unidades produtivas e de reestruturação competitiva da economia, bem como o regime democrático que hoje vive a sociedade brasileira, não podem mais conviver com um sistema de relações de trabalho delineado há mais de meio século, de corte francamente corporativista e autoritário, inspirado diretamente no modelo fascista italiano dos anos trinta.

A concepção corporativista que informou a elaboração de nossa legislação trabalhista sindical funda-se na recusa da legitimidade dos conflitos entre capital e trabalho. O fascismo esforçava-se ao máximo para mascarar a natural disputa existente entre as forças do capital e do trabalho em torno do excedente econômico verificado no processo produtivo. A imagem que se procurava criar era a da cooperação não conflituosa em prol do interesse nacional, tudo sob o controle do Estado, concebido este como instância suprema de regulamentação, sob cuja inspiração era promovido o bem comum.

Tal concepção implicava o cerceamento do direito de greve, o atrelamento da organização sindical ao Estado e a inviabilização da negociação e da contratação coletivas. Em substituição à via democrática da negociação - instrumento apto para a definição livremente pactuada entre as partes das questões referentes a emprego, renda e direitos sociais -, o que se erigiu foi um sistema de rígida regulação do mercado de trabalho. Os níveis dos salários nominais e os direitos trabalhistas são usualmente objeto de determinação legal. Os conflitos trabalhistas são compulsoriamente submetidos a arbitramento pela Justiça do Trabalho. A atividade sindical estava submetida, até a Constituição de 1988, à intervenção e à interferência de um Ministério do Trabalho hipertrofiado e repressivo. O exercício de muitas atividades profissionais é, ainda hoje, objeto de regulamentação em abundante legislação que, contrariando seus propósitos originais, tornou-se instrumento da manutenção de privilégios corporativos e de reserva de mercado, restringindo, não poucas vezes de modo abusivo, a própria liberdade do trabalho. Em resumo, pode-se afirmar que o modelo corporativista sempre conferiu especial ênfase ao papel tutelar e paternalista do Estado na proteção das relações individuais de trabalho enquanto fórmula para evitar a confrontação direta, aberta e democrática entre os agentes econômicos, entre capital e trabalho.

É facilmente compreensível, Srs. Senadores, a opção fascista no sentido de conferir papel tutelar ao Estado no que tange às relações entre o capital e trabalho. Não se trata apenas de que a concepção forte e onipresente é inerente também a essa ideologia política. Ocorre que a via alternativa - da livre negociação entre as partes - pressupõe a criação de um arcabouço legal que assegure aos trabalhadores os instrumentos adequados para a autotutela coletiva dos seus interesses, pois na ausência desses instrumentos a evidente desigualdade entre as partes - decorrente de sua inserção diferenciada dentro do processo produtivo - implicará a imposição unilateral, por parte do poder econômico de suas regras. Ora, trabalhadores organizados de forma autônoma em relação ao Estado representavam, é óbvio, uma ameaça para os governos autoritários.

Assim sendo, preocupado em frear o ascenso do movimento sindical que começa a mostrar força nas décadas de 20 e 30, o Governo de Getúlio Vargas começou a implantar, em novembro de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, o modelo corporativista de organização sindical. Já em março de 31, determinava-se a sujeição da estrutura sindical ao controle governamental. 

Mas foi a Carta Constitucional de 37 que definiu as linhas básicas da concepção corporativista. Foi aquela Constituição que impôs a estrutura vertical à organização sindical, com os sindicatos, de nível local, as federações, de âmbito estadual ou regional, e as confederações, órgãos de cúpula com abrangência nacional. Todas elas, porém, quer fossem entidades patronais, quer fossem de empregados, estavam submetidas ao Ministério do Trabalho, situado este no topo do modelo piramidal. No texto da Carta também estava a caracterização das entidades sindicais como pessoas jurídicas de direito público, verdadeiras extensões do aparelho estatal, tanto assim que a representação das categorias, profissionais ou econômicas, decorria de uma delegação do Estado. Quer dizer: o sindicato só passava a existir de direito a partir do momento em que lhe era conferida, pelo Ministério do Trabalho, a chamada "Carta Sindical". O enquadramento sindical, ou seja, a classificação e organização de grupos profissionais e econômicos em "categorias", para efeito de representação por um sindicato e oficial em cada base territorial, era efetuado pelo governo, na conformidade de seus desígnios políticos, por meio de comissão específica. Era o Estado, portanto, que definia quem seria representado e quem representaria.

Aliás, a intervenção e a interferência do Ministério do Trabalho nas entidades sindicais não se resumia ao mecanismo de registro e autorização para funcionamento. Essa ingerência era constante, através da fiscalização da gestão e da contabilidade, destituição de diretorias, expulsão de trabalhadores sindicalizados e até mesmo definição das competências e atribuições das entidades. Até para o custeio das entidades foi criado um mecanismo compulsório: a contribuição sindical obrigatória, impropriamente conhecida como imposto sindical.

A proscrição do conflito entre capital e trabalho implicava o cerceamento da autonomia sindical e do direito de greve, e, por via de conseqüência, a imposição da Justiça do Trabalho como instância legal para a resolução de quaisquer disputas.

Tratava-se, como se pode ver, de um modelo rígido e de caráter público, no qual inexistia qualquer espaço para o exercício da autonomia coletiva das partes, tanto empregadores quanto trabalhadores. O rígido controle e a constante interferência por parte do governo nos assuntos internos das entidades sindicais, inclusive restringindo suas funções, inviabilizava uma efetiva atuação em defesa dos interesses dos representados.

Foi nesse contexto - de completa ausência de condições para que as forças econômicas exercessem uma ação autônoma no sentido de definirem as normas que melhor lhes conviessem através da negociação coletiva - que se desenvolveu, progressivamente, o amplo aparato legislativo de regulamentação do mercado de trabalho, até hoje vigente, que confere especial enfoque às relações individuais e à ação tutelar do Estado na proteção dos direitos trabalhistas.

Esse modelo corporativista prevaleceu durante cinco décadas, sobrevivendo incólume a profundas alterações sociopolíticas ocorridas no País ao longo desse lapso temporal, como a redemocratização de 1946 e o período de governos militares pós-1964.

Todavia, embora inalterado no nível formal, institucional, o modelo corporativista foi sendo progressivamente erodido, foi-se tornando disfuncional em face de uma realidade sócio-econômica e política em acelerado processo de transformação. No que tange a esse aspecto, é de todo desnecessário arrolar dados para exemplificar o quanto o Brasil mudou, o quanto nosso tecido social tornou-se mais complexo entre 1930 e 1980. Basta que lembremos a vasta parcela da população que deslocou-se, nesse período, do meio rural para os grandes centros urbanos, o agigantamento e a progressiva sofisticação verificados em nossa base econômico-industrial, a diversificação sempre crescente de nossa estrutura produtiva e, last but not least, no nível político, o vigoroso processo de democratização vivido a partir do final da década de setenta.

Nesse particular, importa lembrar que a transição democrática na virada dos anos setenta e início dos anos oitenta implicou a alteração dos papéis e funções dos principais atores da cena política brasileira, com a ascensão, de modo fulminante e surpreendente, do movimento sindical. Além das reivindicações de caráter marcadamente econômico, ganhou relevo também, no decorrer da década de oitenta, uma pauta de natureza política que incluía entre os pleitos a garantia do direito de greve e da liberdade e autonomia sindical.

Alterada nessa proporção a realidade sócio-econômica sobre a qual deveria atuar o poder corporativista, sua dessintonia com o tempo presente foi-se tornando cada vez mais gritante.

O processo constituinte de 87/88 mostrou sensibilidade parcial para com essa situação. Seria injusto não reconhecermos os grandes avanços garantidos pela nova Carta Magna ao assegurar a autonomia das entidades sindicais perante o Estado e ao reconhecer, na sua plenitude, o direito de greve. Por outro lado, é lamentável termos de apontar que a nova Constituição, redigida com o intuito de preparar o Brasil para o Século XXI, não teve a necessária coragem para romper de uma vez com todos os institutos de um modelo de relações de trabalho absolutamente arcaico.

Embora tendo garantido os importantes avanços já mencionados, a Constituinte de 88 optou por manter intocados alguns pilares da velha e esclerosada ordem laboral vigente desde a década de trinta. Refiro-me à imposição vertical da unicidade e do monopólio de representação sindicais - um único sindicato para cada categoria em cada base territorial -, à manutenção das contribuições compulsórias para o financiamento dos sindicatos e à preservação da atribuição normativa da Justiça do Trabalho.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esses resquícios do modelo corporativista autoritário, de inspiração fascista, mantidos no bojo da Constituição democrática, impedem, ainda hoje, a democratização das relações entre capital e trabalho e entre os sindicatos e seus representados.

Embora libertas as entidades sindicais da interferência estatal; revogado o arcabouço legal intervencionista que lhes atribuía natureza eminentemente assistencial e as submetia à supervisão do Ministério do Trabalho; consagrado em sua essência, pelo artigo oitavo da Constituição, o princípio da liberdade de associação sindical; rompido o cordão umbilical que vinculava os sindicatos ao Poder Público, através da conferência de personalidade jurídica privada às entidades, ainda assim não se pode, de forma alguma, desprezar a limitação da liberdade sindical representada pela imposição da unicidade e pela permanência da contribuição sindical compulsória.

Hoje, extintos o enquadramento sindical pelo Governo e a comissão encarregada de efetuá-lo, compete aos próprios interessados, trabalhadores ou empregadores, definir o âmbito das representações profissionais ou econômicas e a abrangência das bases territoriais de suas entidades, registrando-as no cartório de registro civil de pessoas jurídicas. Todavia, mantido o princípio da unicidade pelo inciso 2º do artigo 8º da Constituição, permanece a proibição de existência de mais de um sindicato para a mesma categoria, na mesma base territorial.

Na nova sistemática, a representatividade e a legitimidade das entidades sindicais devem decorrer da manifestação de vontade dos próprios interessados, cabendo aos mesmos, primordialmente, a resolução dos conflitos de representação.

Conquanto reconhecendo o importante avanço representado pelo rompimento do cordão umbilical que ligava os sindicatos ao Estado, não podemos deixar de apontar o grave erro do legislador Constituinte ao impor, de cima para baixo, a obrigatoriedade de que o sindicato seja único, e a exigência de contribuição sindical compulsória, pois, com isso, impediu a pronta democratização das relações entre o sindicato e os seus representados.

É que esses dois institutos remanescentes do corporativismo permitem que se perpetuem entidades sem real implantação junto às bases - acabamos de ver isso agora mesmo, na greve dos petroleiros -, estimulam a manipulação dos colégios eleitorais sindicais através do estabelecimento de restrições para a filiação e, via de conseqüência, permitem a transformação dos sindicatos em aparelhos subordinados a "pelegos" vitalícios ou "as vanguardas iluminadas", ambos distantes dos anseios dos representados. Nesse contexto, a representatividade do nosso sistema sindical é muito pequena, pois, afastada a competição pelo instituto da unicidade e garantido o financiamento, através da contribuição compulsória, o sindicalizado torna-se não apenas dispensável mas transforma-se, surpreendentemente, em uma anomalia incômoda para os dirigentes. É que a sobrevivência do aparelho está assegurada, independentemente de possuir um número significativo de associados de que esses contribuam financeiramente. Portanto, é até preferível para as "direções" que as bases não se sindicalizem, pois um colégio eleitoral ampliado pode representar ameaça a sua hegemonia. Por isso são tão baixos nossos índices de sindicalização.

Na esteira da falta de democracia nas relações entre os sindicatos e as suas bases, vem a falta de democracia na relação entre capital e trabalho. Evidentemente, esse ambiente sindical recém descrito, caracterizado pela escassa representatividade, é um dos fatores a inviabilizar a instituição de um padrão relacional entre capital e trabalho, fundado na negociação coletiva. Isso porque a negociação e a contratação coletivas não podem prosperar, é óbvio, onde os interlocutores, em regra, carecem de legitimidade.

No que tange à inconveniência do sistema da unicidade e do financiamento através da contribuição compulsória, o modelo alternativo vem-nos não apenas do exterior. Aqui mesmo, fruto da ação autônoma em face do Estado de parcelas expressivas do movimento sindical, reflexo de necessidades sentidas pelas forças econômicas em atuação numa realidade dinâmica, surgiram, extrapolando a regulamentação constitucional, as centrais sindicais. Plurais, envolvidas em saudável disputa pela hegemonia no movimento, as centrais sindicais são expressão de um modelo alternativo de uma organização horizontal que deve ser estendido aos sindicatos de base. Constituem elas, hoje, o pólo mais dinâmico do sindicalismo nacional, sendo que importantes mudanças no sentido de uma inserção mais efetiva dos trabalhadores nos processos decisórios, em diferentes níveis, decorram de sua atuação. O dinamismo e o vigor demonstrados pelas centrais sindicais, decorrem, sem sombra de dúvida, de sua representatividade. Sua representatividade, por outro lado, é fruto da pluralidade e da ausência de fontes oficiais de financiamento, o que as forças a competirem por uma inserção cada vez maior junto às bases.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a consecução de um novo modelo de relações entre capital e trabalho, baseado na negociação e na contratação coletivas, exige interlocutores dotados de legitimidade, o que pressupõe entidades efetivamente representativas. A existência de entidades efetivamente representativas, por seu turno, pressupõe a mais ampla liberdade de organização dos trabalhadores e é de todo incompatível com a manutenção dos institutos da unicidade sindical e da contribuição sindical compulsória.

Devemos marchar na mesma direção das nações mais prósperas do mundo. Quer nos voltemos para o Japão ou para a Alemanha, para os Estados Unidos ou para a Itália, para a França ou para a Grã-Bretanha, ressalvadas as diferenças culturais, o quadro que vamos encontrar é o mesmo: sindicatos fortes e relações laborais baseadas na negociação e na contratação coletivas.

Na Grã Bretanha, o instituto da convenção coletiva já está tão consolidado que o desafio, hoje, reside na perspectiva da negociação coletiva internacional, ou seja, da possibilidade de celebrar convenções transnacionais em função da expansão das empresas e da participação do País na Comunidade Européia.

Na França, a tendência que se observa é o incremento das convenções coletivas interprofissionais a nível nacional, bem como das convenções salariais das grandes empresas públicas. Por outro lado, a centralização do processo de negociação coletiva pelas grandes centrais sindicais ainda é muito forte.

A Alemanha também vive ambiente de franca liberdade sindical, sendo que o sindicalismo local sempre cuidou com especial interesse da seguridade do trabalhador e de sua família. Lá, em decorrência do excelente sistema de co-gestão, as negociações coletivas se processam no âmbito das empresas. A participação efetiva dos empregados nos órgãos diretivos das empresas melhora o seu nível de interesse e de responsabilidade, além de lhes proporcionar maiores ganhos.

O Japão, por força das milenares tradições culturais, apresenta algumas particularidades em sua organização sindical. Lá, os trabalhadores e seus sindicatos se vinculam às empresas. Por outro lado, tal como nos demais países industrializados, o sistema é de pluralismo sindical. O grau de amadurecimento verificado nas relações capital e trabalho é tal que as maiores preocupações dos trabalhadores são referentes a questões amplas, tais como preços, impostos, segurança social e poluição ambiental.

Também nos Estados Unidos pontifica o sistema do pluralismo. O movimento sindical americano é liderado por uma poderosíssima Central Sindical, resultado de um processo voluntário de unificação, ocorrido em 1955, de duas tradicionais organizações, a AFL - Federação Americana do Labor - e o CIO - Congresso de Organizações Industriais.

Na Itália, o sistema de pluralismo sindical resultou em grande fragmentação, com numerosas centrais sindicais, que se distinguem entre si pela linha político-ideológica. Todavia, o que se observa por ocasião das negociações coletivas é que as entidades sempre promovem coalizões, a fim de defenderem unificadamente os interesses de seus representados. Também lá, a negociação coletiva é, por excelência, o método eleito para a solução dos conflitos laborais. Embora preponderem os contratos a nível de empresa, existem também contratos nacionais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a conclusão deste meu discurso seria a seguinte: devemos modificar o sistema, principalmente o da Justiça do Trabalho. Não se justifica ter um juiz que defende o empregado, um juiz que defende o empregador e um Juiz Togado. O dos empregados sempre votará com os empregados; o do patrão, com os patrões e, no entanto, a República arca com uma despesa gigantesca.

Este é um dos poucos senão o único País do mundo que continua nessa linha. A meu ver, a Justiça do Trabalho deveria ser extinta e haver apenas uma justiça especializada dentro da Justiça Comum, bem como deve-se dar completa liberdade sindical para que não aconteça, como está acontecendo hoje, de líderes, um tanto quanto deslocados, jogarem, prostrarem o Brasil ao chão porque querem fazer nada mais nada menos do que política, ao invés de defenderem os interesses das duas categorias.

Peço aos Srs. Senadores que pensem sobre esse assunto. No momento em que estamos fazendo tantas reformas, é hora de reformarmos a política trabalhista, de relação capital trabalho, que copiamos da Itália. A Itália mudou, e continuamos com o modelo ultrapassado. É preciso que tenhamos coragem para encerrarmos, de uma vez por todas, essas discrepâncias.

Finalmente, é preciso que tenhamos coragem de dar à relação capital/trabalho o tratamento e a liberdade que merece.

Sr Presidente, Srªs e Srs Senadores, o reconhecimento da negociação coletiva como a melhor, mais democrática e mais justa maneira de solucionar os conflitos coletivos de trabalho é hoje consensual. Os estudiosos são unânimes em defendê-la. A própria Constituição de 1988 arrola -- em seu artigo sétimo, inciso vigésimo-sexto -- o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho entre os direitos dos trabalhadores.

Porém, a mesma Constituição que assegura as convenções e acordos coletivos de trabalho como direitos dos trabalhadores contém diversos dispositivos que inviabilizam ou dificultam a prática da negociação coletiva, único caminho para chegar às convenções e aos acordos coletivos. Como já afirmei, essa forma moderna de relacionamento entre capital e trabalho exige interlocutores dotados de legitimidade. Legitimidade que se confunde com representatividade. Legitimidade que é conseqüência da íntima sintonia entre bases e dirigentes sindicais. De fato, o monopólio da representação sindical, assegurado pelo instituto da unicidade, e a garantia de financiamento da entidade, via contribuição compulsória, representam poderosos desestímulos a que os sindicatos busquem uma maior inserção junto a suas bases, pois tornam essa aproximação desnecessária e até indesejável do ponto de vista dos dirigentes. Mantidas a unicidade e a contribuição compulsória estaremos estimulando a perpetuação de entidades destituídas de representatividade.

Se desejamos avançar no sentido de um sistema moderno e democrático de relações de trabalho, fundado na negociação coletiva, precisamos fortalecer nossa organização sindical, para que tenhamos interlocutores representativos. Esse fortalecimento exige que sepultemos, em definitivo, o sistema sindical corporativista, eliminando do texto constitucional os resquícios que ainda o contaminam: a unicidade sindical e a contribuição compulsória. Aliás, enquanto não procedermos a essas alterações em nosso texto constitucional, o País não poderá ratificar a Convenção número 87 da Organização Internacional do Trabalho, que fixa em nível internacional os princípios básicos da liberdade sindical. É fundamental que incorporemos a referida Convenção ao nosso ordenamento jurídico interno, através da adequação da Constituição Federal às suas diretrizes.

Mas para fortalecer nossa organização sindical não basta eliminar a unicidade e a contribuição compulsória. Necessitamos, outrossim, instituir uma legislação que confira efetivo suporte e garantia ao exercício da atividade sindical autêntica. Para que capital e trabalho possam livremente negociar, em condições simétricas, devem ser proscritos todos os atos de iniciativa governamental ou patronal atentatórios à liberdade sindical. Nossa legislação interna deve por em vigência os princípios constantes das Convenções números 98 e 135 da Organização Internacional do Trabalho, banindo práticas como a organização de sindicatos "amarelos", a obstrução ao exercício -- por parte do empregado -- dos direitos inerentes à condição de sindicalizado, a demissão de dirigente sindical sem que tenha cometido falta grave, entre outras. A essas normas devem ser acrescidos mecanismos judiciais que lhes propiciem plena eficácia.

Essa edificação de um arcabouço legal que assegure aos trabalhadores os instrumentos adequados para a autotutela coletiva de seus interesses, suprindo a desigualdade decorrente da inserção diferenciada das partes no processo produtivo, propiciará os requisitos necessários para a consecução de ampla desregulamentação do mercado de trabalho, com a superação da abundante legislação paternalista, burocrática e minudente, erigida no último meio século para proteger um trabalhador hipossuficiente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, se a pouca representatividade de nossas entidades sindicais é sério entrave no caminho da modernização das relações laborais, não poderíamos deixar de analisar uma outra herança do corporativismo que constitui um obstáculo de igual relevância. Refiro-me ao poder normativo da Justiça do Trabalho, outro anacronismo inexplicavelmente mantido pelo Constituinte de 1988.

As informações que nos fornece o Direito Comparado revelam que as diferentes nações adotam sistemáticas muito variadas para a solução das controvérsias laborais.

Os Estados Unidos e o Canadá opõem-se terminantemente à solução jurisdicional das questões trabalhistas, que é entregue a um regime contratual ou convencional de composição privada. O sistema admite, por outro lado, a arbitragem facultativa. Sua eficiência é garantida pela força e vitalidade dos sindicatos norte-americanos, que nunca pedem ao Parlamento leis justas acerca da duração do trabalho, salário, férias, etc. Preferem criar suas próprias leis, usando a convenção coletiva de trabalho. Por ocasião das Conferências da Organização Internacional do Trabalho, a posição dos delegados norte-americanos e canadenses é sempre no sentido de que deve competir às partes interessadas estipular, através de convenções coletivas, os procedimentos e organismos mais convenientes para a solução dos problemas criados entre elas. Na sua visão, o sistema dos Tribunais do Trabalho representa inconveniente intromissão do Estado em assuntos que não lhe dizem respeito.

Na Inglaterra, existe um tribunal com competência para o julgamento de conflitos individuais. As controvérsias coletivas, porém, são resolvidas através de convenções entre as partes, perante juntas ou comitês, com a participação dos próprios interessados.

Outros países há que, embora admitindo a solução jurisdicional das questões trabalhistas e possuindo economias de maior pujança que a nossa, não possuem Justiça do Trabalho, como órgão judiciário especial e independente. As soluções de controvérsias laborais são dirimidas por juízes comuns, integrados à Justiça Ordinária.

Na França e no México, as demandas trabalhistas são resolvidas por órgãos administrativos, que não integram o Poder Judiciário.

Nosso modelo de Justiça do Trabalho, tal como nosso modelo de organização sindical, buscou sua fonte de inspiração na Itália fascista. No fascismo, o exercício da autotutela coletiva configurava ilícito penalmente tipificado. A conseqüência lógica era a competência judicial para todos os conflitos coletivos, inclusive aqueles em que eram reivindicadas novas condições de trabalho. Rezava o inciso quinto da Carta del Lavoro, de 1927: "A magistratura do trabalho é o órgão com o qual o Estado intervém, regulando as controvérsias do trabalho, sejam as referentes à observância dos acordos ou outras normas existentes, sejam as que versem sobre a determinação de novas condições de trabalho." Ou seja: esqueçam Locke, Rousseau e Montesquieu. O respeito à separação dos poderes nunca foi o forte do fascismo. Aí estava, garantida pela Carta del Lavoro, a possibilidade da criação de direito novo através de decisões judiciais.

Evidentemente, a competência normativa foi suprimida na Itália do após-guerra, conquanto mantidos os Tribunais do Trabalho, com competência para apreciar litígios trabalhistas de natureza jurídica. Na Itália de hoje, da mesma forma que na Grã-Bretanha, na França, na Alemanha, no Japão ou nos Estados Unidos, o procedimento para solucionar conflitos coletivos, nos quais se reivindicam novas condições de trabalho, é a autotutela sindical, com a greve, e a autocomposição, através de convenções coletivas, admitida a arbitragem. No Brasil, esse anacronismo denominado poder normativo ainda perdura, com nefastas conseqüências.

A própria necessidade da existência da Justiça do Trabalho é muito questionável. Como já afirmei, há países que repudiam totalmente a solução jurisdicional para conflitos trabalhistas, entendendo que tais disputas são um problema a ser resolvido pelas próprias partes, sem interferência do Estado. Em outros países, ocorre a interferência do Estado, porém, através de órgãos administrativos, e não, judiciais. Em um terceiro grupo de países, a jurisdição trabalhista é exercida por juízes comuns, integrados à Justiça Ordinária.

Mas podemos até admitir, ad argumentandum, ser conveniente a existência de um segmento da Justiça Federal especializado em causas trabalhistas. Esse segmento, porém, não precisaria ser independente. Poderia fazer parte da Justiça Federal ordinária, onde existiriam varas especializadas em causas trabalhistas, da mesma forma que há varas especializadas em causas previdenciárias, fiscais ou criminais.

O que não podemos admitir, de forma alguma, é essa gritante disfunção de um ramo do Poder Judiciário que não se restringe, como os demais, à simples exegese da lei na resolução de lides de natureza jurídica, mas que estipula normas destinadas a regular conflitos econômicos. O Poder Judiciário existe para -- quando provocado por uma das partes em uma relação jurídica, a qual entende ter havido violação de seu direito -- interpretar a lei e aplicá-la ao caso concreto. Não é sua função criar direito novo para harmonizar, de cima para baixo, interesses em disputa. Revogado o poder normativo, reduzir-se-ia a jurisdição trabalhista à mesma dimensão dos demais ramos do Poder Judiciário. Empregados e, eventualmente, empregadores recorreriam ao Judiciário em busca de tutela quando entendessem ter havido, por parte do outro pólo da relação jurídica, infringência à legislação ou a contrato coletivo anteriormente firmado.

Essa anomalia institucional que é o poder normativo, lamentavelmente recepcionada pela Constituição de 1988, provoca seriíssimas distorções.

No que tange ao almejado objetivo de estabelecer um sistema laboral moderno e democrático, fundado na negociação coletiva, o efeito deletério da competência normativa é avassalador. Sabedoras as lideranças classistas de trabalhadores e de empresários de que os conflitos não resolvidos na mesa de negociação acabarão submetidos ao Judiciário -- que determinará, a seu alvedrio, o que deve ser concedido aos trabalhadores -- são elas induzidas a "jogar para as respectivas platéias", com radicalização de posições e comportamentos irresponsáveis, que alienam a disputa entre as partes de qualquer base fática relacionada com o excedente econômico efetivamente verificado. Ou seja, as direções sindicais de ambos os lados sentam-se à mesa não com propostas que lhes pareçam factíveis, que entendam serem capazes de conduzir ao entendimento, mas com reivindicações hipermaximizadas -- por parte dos trabalhadores -- e com um discurso de absoluta intransigência -- por parte dos empresários -- na expectativa, cada uma das partes, de que o Judiciário Trabalhista, quando chegar o momento de sua intervenção, estabeleça um meio-termo que lhe seja mais favorável. Com uma tal postura inicial das partes, não há negociação que possa chegar a bom termo.

Há mais, porém. A existência na Justiça do Trabalho de juízes classistas representantes de empregados e empregadores, ao lado dos juízes profissionais, é mais uma conseqüência nefasta do poder normativo. Caso a competência do Judiciário Trabalhista se reduzisse às lides de natureza jurídica, não haveria justificativa para a presença de outros juízes além dos togados. A representação de classe foi instituída com a justificativa de que um órgão com competência para regulamentar novas condições de trabalho precisava contar com a participação dos diretamente interessados.

A partir dessa justificativa, criou-se a figura excrescente do juiz classista, verdadeira sinecura de cooptação sindical cuja real finalidade é assegurar, à custa do erário, polpudos salários e aposentadorias privilegiadas a clientelas em geral desqualificadas para o exercício de funções judicantes. Afora a questão do despreparo da maioria desses juízes e do elevado ônus que representam, outro fator depõe favoravelmente à extinção da magistratura classista: carecem os vogais de empregados e empregadores da imparcialidade e independência que dignificam a função judicante. Sua tendência é votar sempre a favor dos interesses da classe representada, o que implica que seus votos, via de regra, anulem-se mutuamente, o que só ressalta sua inutilidade. Em Portugal, por exemplo, onde existe uma seção especializada na chamada "jurisdição social", funciona apenas a Justiça do Trabalho togada, sem a presença das categorias econômica e profissional.

Sr. Presidente, Sªs e Srs. Senadores, nossa economia vive momento de franca recuperação, tendo os empresários compreendido a importância vital da rápida incorporação das inovações tecnológicas aos processos de produção e gestão empresariais, enquanto fórmula indispensável para ganhar competitividade. Nossos agentes econômicos demonstraram sensibilidade em relação às transformações estruturais em curso no cenário internacional, às quais apontam decididamente para o esgotamento dos modelos autárquicos de desenvolvimento e da tradicional moldura regulatória estatal.

Esse contexto exige que revisemos o nosso arcaico sistema de relações trabalhistas. É hora de substituí-lo por um modelo pluralista, consubstanciado na ampliação da autonomia dos agentes econômicos no mercado de trabalho, na liberdade de organização sindical, na contratação coletiva articulada, na flexibilização pactuada do aparato legal juslaborista e na constituição de mecanismos de representação dos trabalhadores na empresa e de participação nos seus lucros e na sua gestão.

A crescente heterogeneidade e complexidade do sistema econômico já vem acarretando a obsolescência do aparato legal regulador e tem estimulado trabalhadores e empregadores a recorrerem à negociação direta. Urge agora concluir, mediante alteração do texto constitucional e revisão da legislação ordinária, a transição para o novo paradigma, de caráter pluralista, que será capaz de responder às exigências dos novos tempos. Para que se alcance esse objetivo de constituir um sistema moderno e democrático de relações de trabalho no Brasil, é fundamental, em primeiro lugar, que sejam abolidos o poder normativo e a magistratura classista na Justiça do Trabalho, a unicidade sindical e a contribuição sindical compulsória.

O parque produtivo nacional vem sofrendo crescente exposição à competição internacional, o que demanda um esforço adicional visando a incrementar a capacitação tecnológica e os níveis gerais de produtividade e qualidade da economia. A celeridade desse processo adaptativo, porém, guarda relação direta com a instituição de um novo padrão de relacionamento entre capital e trabalho e entre o setor público e o privado. Impõe-se que revisemos o papel do Estado e do arcabouço jurídico-institucional que regula o mercado de trabalho brasileiro.

É lamentável que os avanços verificados no sentido da modernização da economia não se tenham repetido no campo trabalhista, pois a reestruturação competitiva da economia e as mudanças requeridas nas matrizes tecnológicas e organizacionais das unidades produtivas só ressaltam a necessidade de acelerar a consecução do novo modelo, pluralista, democrático, fundado na autotutela coletiva e na autocomposição. Esse modelo exige, de parte do Estado, a adoção de políticas de estímulo ao entendimento entre as partes por oposição à intervenção compulsória para a resolução dos conflitos. O que se requer é um outro tipo de ação estatal: menos intervencionista, reguladora e impositiva; mais coordenadora, fiadora e estimuladora de processos pactuados.

É muito importante que se ressalte que essa metamorfose que aqui estamos a propor não implica a permutação de um espaço super-regulado por um anômico, nem a substituição de procedimentos de intervenção estatal pela imposição unilateral, por parte do poder econômico, de suas regras. Ao contrário, as mudanças que defendemos devem ser percebidas como uma migração do locus normativo, que gradualmente abandona a esfera de decisão estatal rumo ao espaço de parceria e de decisão compartilhada entre os agentes econômicos, entre capital e trabalho.

Sr. Presidente, Sªas e Srs. Senadores, a nova realidade da economia mundial, cada vez mais complexa, plena de exigências heterogêneas, requer parceria e co-responsabilidade entre empregadores e empregados. Nesse contexto, a flexibilização do arcabouço legal, mediante o surgimento de novos marcos normativos pactuados, fará da negociação coletiva o instrumento célere e maleável necessário ao entendimento. Entendimento que é, nos tempos atuais, indispensável ao progresso do Brasil.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado. Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/06/1995 - Página 9780