Discurso no Senado Federal

EXPECTATIVA DE S.EXA. QUANTO AOS RESULTADOS DAS NEGOCIAÇÕES, EM ANDAMENTO, ENTRE A FEDERAÇÃO UNICA DOS PETROLEIROS E A PETROBRAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • EXPECTATIVA DE S.EXA. QUANTO AOS RESULTADOS DAS NEGOCIAÇÕES, EM ANDAMENTO, ENTRE A FEDERAÇÃO UNICA DOS PETROLEIROS E A PETROBRAS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, José Eduardo Dutra, Lauro Campos, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/06/1995 - Página 9804
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, FEDERAÇÃO SINDICAL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), OBJETIVO, CONCLUSÃO, GREVE, PETROLEIRO.
  • DEFESA, CANCELAMENTO, PROCESSO, DEMISSÃO, GREVISTA, PETROLEIRO, PERIODO, NEGOCIAÇÃO, CONCLUSÃO, GREVE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste instante, deve estar havendo a negociação entre a Federação Única dos Petroleiros e a Direção da PETROBRÁS em sua sede no Rio de Janeiro.

É importante que essas negociações ocorram sob um espírito de reconstrução visando à harmonia, visando à possibilidade de as partes, aprendendo com esse movimento de reivindicação que durou praticamente um mês, chegarem a um entendimento frutífero e duradouro. Sabemos que as razões que levaram os trabalhadores à greve foi o fato de terem acreditado nas palavras daqueles que realizaram negociações com os petroleiros, no caso, o próprio ex-Presidente Itamar Franco, o Ministro Ciro Gomes, o Ministro Delcídio Gomez e o Superintendente Adjunto da PETROBRÁS. O Presidente eleito Fernando Henrique Cardoso discordou dos termos do acordo. Mas ele havia sido realizado e os petroleiros acreditaram na palavra do Governo. Mais tarde, passados diversos meses, em função de não ter sido cumprido o acordo, em 3 de maio, houve a decretação da greve que só veio a ser concluída depois da mediação entre os líderes de todos os partidos no Congresso Nacional. Esse documento continha alguns itens - conforme registro feito na última sexta-feira pelo Senador Jader Barbalho, Líder do PMDB, e também pela Senadora Marina Silva - propondo que, se houvesse o compromisso de revisão das demissões e não mais o parcelamento do desconto dos dias parados, além da retomada de negociações sobre os temas econômicos - o que justamente está ocorrendo hoje -, os trabalhadores voltariam ao trabalho. E havia, no seu final, um apelo por parte de todos os líderes, Senadores e Deputados, representando praticamente todos os partidos, inclusive aqueles que dão suporte ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que houvesse o cancelamento das demissões.

O Sr. Lauro Campos - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Senador Eduardo Suplicy, realmente chegamos a uma situação de terra arrasada. O Governo fez questão de preparar, dentro de sua casamata, todos os passos que culminaram nessa fracassada greve dos petroleiros. Houve, sim, uma vitória de Pirro para o Governo que planejou e, desde novembro do ano passado, conduziu orquestradamente o processo que não poderia deixar de resultar nessa greve. Utilizou-se de instrumentos tal qual a imprensa distorcida, com uma visão reacionária e unidimensional do processo. Passou por cima dos direitos alcançados e albergados pela Constituição Federal de 1988, o direito de greve. Mais do que isso, parece-me que, entre outros objetivos não declarados, essa greve visou desmoralizar o ex-Presidente Itamar Franco; um fio de cabelo seu foi arrancado para selar-se com ele um compromisso que pedia a espera dos petroleiros, um pouco de calma para que não perturbassem o índice de preço, sagrado, para que suas reivindicações salariais não pusessem em risco o Plano Real, que deixassem para depois, pois suas reivindicações seriam atendidas. Acompanhei, com preocupação, o andamento desse processo. Passo a ler um trecho do artigo "A guerra do Petróleo, de um dos mais imparciais, mais autênticos jornalistas deste País, Rubem Azevedo Lima, publicado pelo Correio Braziliense, de segunda-feira, 5 de junho, que diz: "Em reportagem de capa, que exibe montagem de foto do Presidente da República usando capacete militar, a revista Veja contou, sem ser contestada, como o Governo se preparou, desde março, para enfrentar eventual greve dos petroleiros, que só eclodiria, porém, no final de abril. Não houve, no período, interesse em evitar a greve. Pelo contrário: nos dois meses, o Governo juntou reservas de combustível. Procurou multinacionais nos Estados Unidos e Inglaterra, para contratar técnicos capazes de substituir os possíveis grevistas. Um ex-Ministro revelou que o Governo agiu junto à Justiça do Trabalho para garantir decisões contra os grevistas. Um Ministro admitiu o terrorismo de Estado contra a greve". Não são palavras de um petista, são palavras de um Ministro. Há a situação de que o Ministro Bresser Pereira, um socialdemocrata, afirma que vai demitir 80 mil funcionários; soma-se a ele, infelizmente, o meu ex-aluno, Sérgio Cutolo, anunciando que vai demitir 40 mil funcionários da Caixa Econômica Federal e fechar não sei quantas agências, e o Ministro da Fazenda dizendo que será preciso fechar agências do Banco do Brasil, demitindo 400 mil funcionários. Soma-se a isso, mais aposentadoria ameaçada, através de um conluio semelhante, em que, falsamente, se colocou a Previdência Social como falida, quando o Tribunal de Contas da União demonstrou que havia um superávit de mais de R$ 1 bilhão. Tudo isso mostra que estão criando um quadro de terrorismo no Brasil, no qual a imprensa, infelizmente, tem participado, colocando traços negros na situação. Diante disto, só podemos imaginar a forma pela qual foi centralizada nas mãos do Presidente da República a condução da greve, tornando impossível qualquer tipo de recurso e conversação, de vez que foi a última instância. Ao invés de o Presidente Fernando Henrique Cardoso vir reafirmar publicamente seus compromissos, o de seu Governo, o de seu Ministério e o da Presidência da PETROBRÁS, fizeram com que os petroleiros parecessem inimigos da Pátria; fizeram com que parecesse também que o recurso de qualquer categoria à greve seria um ato de terrorismo, quando, na realidade, a greve hoje não passa de uma prática de legítima defesa da vida e da dignidade dos trabalhadores. Gostaria de aproveitar esta oportunidade - o meu aparte já vai longo - no sentido de colocar o meu ponto de vista pessoal a respeito dos descaminhos que o Governo imprimiu a essa greve. E um dos seus objetivos não declarados é, obviamente, o de aterrorizar professores, funcionários e todos os demais trabalhadores do Brasil, no sentido de que represálias semelhantes, como a presença militar, demissão de funcionários e trabalhadores, seriam os instrumentos usados pela infeliz democracia que se implanta hoje neste País.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Lauro Campos, passados os momentos mais difíceis, penso que seja a hora de o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, inclusive do Presidente da PETROBRÁS, Joel Rennó, do Ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito, mostrarem que desejam ver este País reconstruído, com direitos para todos e, em especial, para os trabalhadores.

Ainda, na última sexta-feira, o Ministro da Casa Civil, Clóvis Carvalho, dizia que o Governo iria ser duro com os petroleiros e que iria demitir a muitos. Hoje, o Presidente da PETROBRÁS, segundo a imprensa, mostrava-se mais generoso e com disposição de anunciar o cancelamento de diversas demissões antes realizadas.

Lembro-me de que, Senador Lauro Campos, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem que, certo dia, foi afastado de suas atividades e proibido de lecionar na Universidade de São Paulo, permanecendo quase dez anos afastado das funções de professor, de pesquisador daquela Universidade. Voltou e praticamente viveu um bom tempo como que exilado, depois, finalmente, passou a exercer outra vez os seus direitos políticos como cidadão e como professor neste País.

Uma pessoa que passou por essas circunstâncias deveria ter a disposição, de fato, de ser um homem da mediação, um homem compreensivo, no momento em que se precisa reconstruir a relação com os petroleiros.

O outro exemplo é o do próprio Presidente da PETROBRÁS. Na sexta-feira, conversei com o Presidente Joel Rennó, quando ainda estavam se realizando as assembléias de trabalhadores. Mencionei a ele que houve um documento assinado por praticamente todos os líderes dos partidos no Congresso Nacional, solicitando que a PETROBRÁS não apenas revisse, mas que, por ocasião dessa revisão, cancelasse todas as demissões. Lembrei ao Presidente Joel Rennó que ele mesmo havia sido um dia afastado da PETROBRÁS, como, de fato, está aqui registrado neste documento, datado de 2 de julho de 1990, quando ele recebeu um ofício do Sr. Celso Cardoso, Chefe da Divisão de Pessoal do Serviço Executivo da Administração Central da PETROBRÁS, dizendo:

Comunicamos a V. Exª que, em face da atual conjuntura econômico-financeira da empresa, está rescindido seu contrato de trabalho, a partir desta data. Em conseqüência, fica V. Sª - aqui há um trecho um pouco apagado - mas, na última linha, está escrito:

      "Solicitamos comparecer ao SEACE, no dia 11 de julho de 1990, às 10 horas, para providenciar a homologação de seu distrato e recebimento dos direitos decorrentes da rescisão contratual, motivada por momentânea situação da companhia".

Ou seja, o Presidente Joel Rennó foi demitido da PETROBRÁS no dia 02 de julho de 1990.

Relembrando-lhe esse fato, ele me disse: "Mas, posteriormente, fui contratado para ser o Presidente da PETROBRÁS". Ao que eu disse: "Maior razão tem, ainda, V. Sª para ser mais generoso, porque não haverá possibilidade de todos os petroleiros voltarem à empresa como presidentes, pois este é um cargo que, por definição, pode ser de apenas uma pessoa".

Acredito que diante daquilo que V. Exª mencionou, Senador Lauro Campos, ou seja, o fato de o Presidente Itamar Franco ter realizado um entendimento com os petroleiros, o jornalista Rui Azevedo Lima, que se encontra em plenário, retratou à Veja, na sua primeira página, o Presidente Fernando Henrique Cardoso com o capacete de um militar, como se estivesse todo imbuído de ser o homem de ferro, um presidente duro com os petroleiros.

E a reportagem da Veja, desta semana, sobre os petroleiros, indica, com objetividade, que os petroleiros têm uma remuneração que, em absoluto, é exagerada. Mostra suas duras condições de trabalho, de responsabilidade; mostra, também, como operadores e caldeireiros, com oito, dez, doze anos de trabalho, recebem uma remuneração que, de maneira alguma, é exagerada para a responsabilidade, exercício e competência exigidos para as funções que exercem. Isso está numa reportagem da revista Veja, a qual foi realizada após a greve. Esse fato é muito interessante porque há que se reconhecer que não houve exagero na demanda dos petroleiros. Infelizmente, a revista Veja só destacou esse aspecto na reportagem pós fim da greve.

Mas gostaria de ressaltar que esta é a hora de construção...

A Srª Marina Silva - V. Exª permite-me um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Parabenizo-o, Senador Eduardo Suplicy, por estar debatendo a questão, até porque reconheço o empenho que V. Exª tem feito desde o início do processo da greve, no sentido de abrir as negociações para que os petroleiros tivessem ganhos do ponto de vista das suas reivindicações, mas que a sociedade - porque não dizer o Estado brasileiro - também os tivessem, na medida em que se resolvesse um conflito de forma civilizada, por intermédio do diálogo e da negociação, numa relação democrática entre Governo e trabalhadores. Foi muito bem lembrado, ainda há pouco, que na época do Presidente Tancredo houve um acordo para que os petroleiros demitidos em 1983 - eram mais de trezentos - fossem anistiados. O Presidente Tancredo Neves veio a falecer, mas o Presidente Sarney cumpriu esse acordo anistiando todos os demitidos. Ao compararmos o processo político daquela época com o de hoje, era de se esperar que houvesse uma brandura ou uma relação mais democrática entre o Estado e os trabalhadores que, pelos motivos de sua categoria, entram num processo de greve e, em alguns momentos, de confronto com o Governo. Mas o governante poderia usar de sua autoridade, não com mão-de-ferro, para resolver adequadamente os problemas e não fazer o que fez, o que muito me entristeceu. Além de demitir petroleiros, foi feito todo um processo, Senador Eduardo Suplicy, para aterrorizar os trabalhadores, pois incluiu-se na lista dos demitidos funcionários antigos que tinham uma ação exemplar na empresa, no sentido de fazer os outros terem medo ao pensar da seguinte forma: se o fulano, que é um funcionário exemplar, foi demitido, quanto mais eu que sou atuante, ativista sindical. Portanto, é todo um processo que abominamos e que espero - para que o nosso País não fique com essa mácula - venhamos a corrigir. Para isso devemos nos colocar inteiramente à disposição do trabalhadores para tentar mediar uma saída que seja satisfatória ao conjunto da categoria, e, acima de tudo, que seja satisfatória aos novos tempos de democracia que muitos professam mas, na prática, não efetivam. Muito obrigada.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço, Senadora Marina Silva, o aparte de V. Exª

Gostaria apenas de salientar algo muito interessante. Conheci mais de perto sindicalistas, líderes da FUP, do movimento dos petroleiros nesses dias. E pude observar, nos contatos com Antonio Carlos Spis, engenheiro, com os demais que participaram da coordenação, como Aderaldo, caldeireiro, Presidente do Sindicato dos Petroleiros de Cubatão, que são pessoas que haviam se destacado pela qualidade, responsabilidade de seu trabalho profissional. Nessas circunstâncias, tornaram-se líderes, dirigentes sindicais.

É muito interessante como os petroleiros normalmente escolhem para serem seus dirigentes - agora ameaçados de punição - exatamente aqueles que foram extremamente responsáveis, trabalhadores exemplares. Portanto, são pessoas que moralmente estão em excelentes condições de liderança.

Foi importante o Presidente da PETROBRÁS ter recebido o Sr. Antônio Carlos Spis. Ontem, o Sr. José Lima, Superintendente de Recursos Humanos, disse ao Sr. Antônio Carlos Spis que o mesmo estava sendo aguardado hoje na PETROBRÁS como Presidente da Federação Única dos Petroleiros. Isso significa o reconhecimento da PETROBRÁS por aquele que foi escolhido por seus pares para exercer a representação e a liderança dos petroleiros.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Concedo o aparte a V. Exª

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Eduardo Suplicy, com relação a essa greve da PETROBRÁS, alguns ensinamentos têm que ser levados em conta. Em primeiro lugar, devemos assinalar que uma greve de pessoas responsáveis, como são os funcionários da PETROBRÁS, não poderia redundar, de maneira alguma, na quebra do nosso patrimônio, conforme foi aventado pelo Governo quando deslocou forças militares do Exército, sob a alegação de que iriam proteger o patrimônio da PETROBRÁS e garantir o retorno dos funcionários dessa empresa à produção normal. Não aconteceu o quebra-quebra apregoado pelos mais radicais do Governo, e, por outro lado, a greve terminou não por meio de imposições decorrentes da força militar, mas sim através de uma negociação pacífica, da qual participaram lideranças partidárias do Senado e da Câmara, que aconselharam os funcionários da PETROBRÁS a retornarem ao trabalho, o que eles fizeram.

Mas uma grande lição ficou para os servidores não só da PETROBRÁS, como de todas as estatais: em final de governo, nenhum acordo deve ser feito, como aquele aqui discutido, inclusive por V. Exª e por mim, e reafirmado pelo ex-Líder do Governo do Presidente Itamar Franco, Senador Pedro Simon. Efetivamente, houve um entendimento. No entanto, esse acordo não foi cumprido, conforme ficou evidenciado não só através da PETROBRÁS, mas também através de assinaturas do Ministro de Minas e Energia da época e pelo Superintendente da PETROBRÁS, que era o preposto para as questões trabalhistas. Senador Eduardo Suplicy, fica a grande lição para todos os trabalhadores do Brasil: nenhum acordo pode ser feito na democracia brasileira em final de governo, porque o seu sucessor não o cumpre, mesmo que seja da mesma corrente partidária. É lamentável que isso aconteça em nosso País. As autoridades públicas deveriam merecer a confiabilidade não apenas pelo documento, mas pela sua própria palavra. Por outro lado, é preciso que a equipe do Governo, que apregoa que as privatizações nos setores da educação, da segurança pública, da saúde vão merecer maior atenção da Administração Pública, tenha um pouco de cuidado com essa propaganda massiva. Nesses anos de PETROBRÁS no Brasil, qual foi o dinheiro que ela arrancou do País, a ponto de a educação ser prejudicada e não existir saldo no Brasil e a segurança ser um ponto fraquíssimo da Administração Pública? A Vale do Rio Doce vai ser privatizada, o decreto já foi assinado pelo Governo. Desde 1990, a Lei das Privatizações existe e está em vigência. Mais de 200 empresas já foram privatizadas, inclusive a Usina de Volta Redonda. Mas a educação e a saúde no Brasil melhoraram? A questão da segurança, no Brasil, é uma tranqüilidade para as nossas famílias? São essas as indagações que faço, Senador Suplicy, diante da corrida que hoje existe no nosso continente, do sopro que veio dos Estados Unidos para a derrocada das nossas empresas estatais e o surgimento de uma nova filosofia: a flexibilização do PSDB no seu programa, para se parecer mais com o PFL, e deste, no sentido de abrir as suas portas para uma futura fusão, que seria até mais coerente, entre o programa do PSDB, hoje flexibilizado, e o programa coerente do PFL ao longo da sua vida partidária.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte, Senador Antônio Carlos Valadares, que bem assinala as dificuldades por que passa o Presidente Fernando Henrique Cardoso com respeito à natureza da aliança que realizou com o PFL e o seu próprio partido.

Apesar de todas as dificuldades dos últimos 30 dias, há muitas lições a serem tiradas dessa greve. Os próprios petroleiros serão os primeiros a examinar em que medida devem ou não fazer acordos no final de governo.

Muitas vezes não se pode escolher a data dos acordos. O Governo Itamar Franco assumiu compromissos com diversos outros segmentos, que foram honrados pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, haja vista o que aconteceu com a Raytheon para o Projeto SIVAM. Foi assinado esse compromisso ainda na semana passada.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Eu me referi a acordos que envolvem interesses dos trabalhadores, não sobre acordos com ruralistas, com o SIVAM.

O SR. EDUARDO SUPLICY - De qualquer maneira, o que se espera de um governo, ainda mais em se tratando da continuidade daquele que o precedeu, é que honre a palavra dada.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, Senador.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Eduardo Suplicy, acredito que o episódio da greve dos petroleiros vai servir para o aprofundamento de algumas constatações sobre uma série de questões relacionadas à sinceridade, maior ou menor, do Governo Federal e de algumas forças políticas. Em primeiro lugar, no que toca ao Governo Federal, este tem abordado, com muita ênfase, o que chama de acabar com a herança varguista ainda existente no Brasil. Assim o faz para justificar seu processo de privatização, argumentando que aquele ciclo nacional desenvolvimentista estaria esgotado etc. No entanto, a meu ver, no que diz respeito à herança varguista mais nefasta ainda existente na legislação brasileira, que é exatamente a questão sindical e trabalhista, que prevê poder normativo à Justiça do Trabalho, a existência dos juízes classistas, o processo de julgamento de greves, que sempre são julgados ilegais - já sabemos, de antemão, o resultado dos julgamentos - o Governo não move uma palha e continua a insistir em sempre ajuizar dissídios toda vez que surge uma greve em setor estatal. Um segundo aspecto diz respeito à sinceridade que devemos ter quando diversas forças políticas se manifestaram nesse período, cobrando o cumprimento da lei, entendendo que o cumprimento da lei é o pressuposto do estado de direito, em todos os discursos que ouvimos nesta Casa e através da imprensa. Vemos que a maior ou menor ênfase da cobrança do cumprimento da lei depende do interesse de quem está expondo a opinião. Existe mesmo uma lei, aprovada pelo Congresso, sancionada pelo então Presidente da República, Itamar Franco, que até agora não vem sendo cumprida pelo Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso. Refiro-me à Lei da Anistia - e V. Exª fez referência a um dos que, em tese, seriam beneficiados com esta lei - aprovada para beneficiar os demitidos do Governo Collor, que procedeu a uma série de demissões em empresas estatais, de servidores públicos, sem a menor justificativa ou qualquer estudo. O Dr. Joel Rennó é a prova maior de que sua demissão foi infundada, bem como tantas outras. Ele voltou, quando da substituição do Senhor Presidente da República, na condição de Presidente da PETROBRÁS. Ele, que havia sido demitido para o bem do serviço público, estava entre os quase 40 mil demitidos. Existem outros milhares de trabalhadores salvos pela Lei da Anistia, mas até hoje o Governo Fernando Henrique não cumpriu a lei, absorvendo esses trabalhadores. Vejo uma profunda demonstração, ao mesmo tempo de desconhecimento e de preconceito, quanto às manifestações de greve. As manifestações imputavam às lideranças sindicais a responsabilidade pela greve, acusando-as de radicais, de atacar o Governo Federal, cabendo-lhes pôr um termo à greve. É um desconhecimento, um preconceito julgar os trabalhadores responsáveis pela situação, enquanto cidadãos, particularmente os da PETROBRÁS, uma categoria tão esclarecida, não teriam condições de, por si só, decidir a justeza ou não de uma greve, estando subordinados à vontade de uma ou de outra liderança sindical, mais ou menos radical. Eu citaria, finalmente, uma outra manifestação, feita por parte de algumas lideranças políticas, nesse episódio da greve, que consideramos extremamente importante. Para justificar a condenação à greve, alguns Líderes políticos procuravam apresentar os chamados altos salários dos petroleiros. Surgiram, então, diversas versões: um salário de R$1550; outro de R$3000. Naturalmente, esses salários foram comparados com o salário mínimo, com a média que ganha um trabalhador brasileiro. Surpreende-nos que políticos responsáveis por essa explosão social e por esse salário mínimo aviltante tenham feito tal comparação. Na verdade, dever-se-ia comparar o salário dos petroleiros da PETROBRÁS com o dos empregados da British Petroleum, da Standard Oil, da Texaco. Dessa forma, seria possível estabelecer comparação mais justa, reconhecer que esses salários estão de acordo com o grau de responsabilidade e de especialização desses trabalhadores. Finalmente, essa greve serviu para trazer à tona algo que já vem sendo inclusive objeto de debate nesta Casa: quem manda no Governo, o PSDB ou o PFL? A manifestação feita por diversos parlamentares do PSDB, no sentido de encontrarem uma solução negociada para essa questão da greve, acabou batendo com o endurecimento demonstrado pelos liberais do PFL. Na realidade, eles tentaram adotar ou adotaram, com relação à greve, a postura de que não podia haver negociação, de que teria que quebrar a espinha dorsal do movimento sindical brasileiro. Tudo acabou prevalecendo de acordo com a orientação dada, infelizmente, por parte do Governo em relação à greve dos petroleiros.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador José Eduardo Dutra, agradeço as suas ponderações. O rigor à lei não é o mesmo quando se fala no respeito à lei e à Justiça, como no caso dos petroleiros.

V. Exª bem salientou a comparação de remuneração dos petroleiros com pessoas com o mesmo grau, nível profissional e especialização. Se compararmos os salários dos petroleiros nossos com os dos Estados Unidos, da Europa, dado que o nível de remuneração médio é bem superior, vamos encontrar diferenças significativas. Mesmo comparando a remuneração de trabalhadores, com igual nível de responsabilidade e especialização de outros segmentos da economia, como no setor metalúrgico e na indústria, em geral, a remuneração dos trabalhadores da PETROBRÁS está com um nível relativamente menor, tendo sofrido uma deterioração significativa no último ano, mesmo se se levar em conta que, em maio de 1994, o índice era da ordem de cem, em setembro de cento e sete, e, depois, de cento e treze; desde então, permaneceu nesse nível, mesmo com a inflação. Acredito que a negociação que hoje está desenvolvendo-se na PETROBRÁS, com os petroleiros, possa levar em conta todos esses fatores. Esperamos que agora a lição apreendida seja para todos os lados e não apenas para os petroleiros, como querem alguns.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/06/1995 - Página 9804