Discurso no Senado Federal

APRECIAÇÃO PELO SENADO FEDERAL DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE INICIATIVA DO GOVERNO, NO MENOR PRAZO POSSIVEL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • APRECIAÇÃO PELO SENADO FEDERAL DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE INICIATIVA DO GOVERNO, NO MENOR PRAZO POSSIVEL.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/06/1995 - Página 10222
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • DEFESA, APRECIAÇÃO, PROPOSTA, REFORMA CONSTITUCIONAL, ANTERIORIDADE, INICIO, RECESSO, LEGISLATIVO.
  • COMENTARIO, DEFESA, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), VIABILIDADE, GOVERNO, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana, o Plenário do Senado deverá estar deliberando sobre a primeira proposta de reforma constitucional, que trata do gás canalizado, uma vez que, na sexta-feira, foi lido no plenário, pelo Senador Edison Lobão, o parecer aprovado da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Desde o início da atual legislatura, por mais de uma vez, tive a oportunidade de ir à tribuna para manifestar o ponto de vista de que, quando essas emendas aqui chegassem, o Senado sobre elas se debruçasse com acuidade, observando realmente o interesse público, manifestando livremente a sua opinião, independentemente do tempo de tramitação na Câmara dos Deputados.

Até houve, em determinado momento, a idéia de se criar uma comissão informal de Senadores para acompanhar a tramitação dessas emendas na Câmara, quando tive oportunidade de me opor a essa iniciativa, por considerá-la impertinente. Achava que o Senado devia mesmo se reservar para exercitar as suas prerrogativas quando da chegada dessas emendas aqui, aprovando-as, modificando-as ou rejeitando-as pela maioria de seus membros, conforme o entendimento dominante na Casa.

Agora, há a idéia de se procurar apreciá-las o mais rapidamente possível. De antemão, quero dizer que simpatizei com a idéia inicialmente esposada pelo nosso Líder, Senador Sérgio Machado, no sentido de o Congresso não observar o período destinado ao recesso para apreciar essas emendas. Verifico, no entanto, que há um entendimento contrário e que o recesso será preservado. Verificaremos, então, o que se pode aprovar neste primeiro semestre que nos resta na atual Sessão Legislativa.

Defendi essa idéia, porque, não obstante as instituições políticas estarem funcionando plenamente, o País estar calmo, tranqüilo, creio que essas reformas, que constituem a parte vestibular do Governo do Presidente Fernando Henrique, revestem-se de grande importância, alterando profundamente a ordem econômica. Estamos às vésperas de introduzir modificações extensas, substantivas nos paradigmas que orientaram, até então, o funcionamento do Estado brasileiro. Por isso mesmo, compreendendo a importância e a própria polêmica que ela suscita - nem poderia deixar de ser diferente -, entendo que, observando os prazos regimentais e todas as exigências do rito de tramitação das propostas desta Casa, devemos tudo fazer para concluir a apreciação e sobre ela deliberarmos, no prazo de tempo mais curto possível. Uma vez concluída essa fase, certamente vamos entrar em uma segunda etapa da administração do Presidente Fernando Henrique Cardoso, justamente aquela de ações administrativas mais intensas na deflagração de programas de governo novos, principalmente em relação à área social, de maneira a que o Governo, configure, caracterize claramente a sua feição socialdemocrata. A preocupação social que o Governo tem com os problemas da saúde, da educação, do combate à pobreza absoluta, da adoção de uma série de medidas no plano administrativo, realmente confirmam essa vertente socialdemocrata, que é característica do nosso Partido, PSDB, e do próprio Presidente da República.

Muito se tem falado, inclusive no plenário do Senado, sobre essa aliança política realizada entre o PSDB e o PFL, entre iniciativas de cunho mais liberal e outras de natureza socialdemocrata, como se o Governo fosse bicéfalo, como se tivesse duas cabeças: uma que pensasse do ponto de vista liberal e outra que pensasse do ponto de vista socialdemocrata.

Devo dizer, em primeiro lugar, que essa aliança não é estranha, não é uma aliança inusitada. Cito sempre o exemplo da Alemanha, país para o qual todos olhamos quando se trata de organização partidária, onde há um partido liberal, FDP, que nunca tem mais do que 6% a 7% de votação no total do conjunto do eleitorado alemão. Esse partido tem se associado ora com o Social Democrata, ora com a União Democrata Cristã, inclusive integrando o governo e detendo ministérios de grande importância, como o das Relações Exteriores e o da Economia, sem que isso desfigure, descaracterize os programas de governo dos referidos partidos.

O que temos observado, diante de certas realidades administrativas, políticas, de integração de economia no mundo, é que esses pontos de dissenso ou de distinção entre esses partidos, ou entre essas idéias políticas, estão, de certa maneira, reduzindo-se. Há, evidentemente, alguns pontos de aproximação, senão quanto à concepção política em si, ao menos na natureza pragmática da administração pública.

Todos sabemos que a Espanha é governada, há anos, por um partido socialista, ou socialdemocrata, do Primeiro Ministro Felipe Gonzáles. No entanto, a Espanha empreendeu, ao longo dos últimos anos, um amplo programa de redução da presença do Estado na economia, de privatização de empresas das quais o Estado detinha o controle acionário.

Como o mandato presidencial na França dura seis anos e tendo exercido dois mandatos sucessivos, o Presidente Miterrand viu-se na contingência de, em um de seus mandatos, empreender um amplo programa de estatização, de nacionalização da economia, inclusive do sistema financeiro. Mas, no seu governo seguinte, teve que retroagir, retroceder e iniciar ou dar curso a um rigoroso programa de privatização de muitas instituições, inclusive financeiras, que eram controladas pelo Estado. Não acredito que ele tenha renunciado - até porque já era um homem idoso para isso - às suas convicções pessoais, mas teve que ceder diante de certas realidades da economia.

É este, pois, o panorama geral que se impõe aos países: uma revisão do papel do Estado. No Brasil, precisamos de um Estado moderno, modesto, mas que exercite plenamente as suas prerrogativas, não pelo fato de possuir muitas empresas, não pelo fato de participar, como acionista majoritário de empresas, da economia do País. Precisamos de um Estado que seja capaz de prover a população brasileira com programas de natureza social, que seja capaz de adotar medidas que defendam a sociedade contra os monopólios, os oligopólios econômicos, contra as ofensas aos direitos do consumidor, que possibilite a todas as pessoas, num clima de liberdade e de justiça, a justa ascensão social a que todas aspiram, a que todos desejam e a que todos têm direito.

O que existe no Brasil é uma grande assimetria em relação à presença do Estado. Em alguns lugares, há Estados demais; em outros, não há Estado algum. Que Estado existe, por exemplo, numa pequena vila, em um pequeno lugarejo do interior da Amazônia? Talvez um soldado de polícia ou um cobrador de impostos como representante do Estado, mas nada em relação a benefícios ou à segurança que o Estado deva proporcionar aos cidadãos.

Defendo que se proceda ao exame e apreciação dessas matérias com muito cuidado, respeitando-se e exercitando-se plenamente a prerrogativa que o Senado e que cada Senador tem. Integro o partido que está no governo, o partido do Presidente da República, apóio as iniciativas do Presidente, mas em nenhum momento em que a minha consciência ou o meu sentimento de representante do meu Estado como Senador que sou aconselhe-me a intervir no processo, a apresentar minhas sugestões, as minhas emendas e propostas, deixarei de fazê-lo.

E como essas reformas são de grande envergadura, é preciso que o processo se revista da maior limpidez e que ninguém queira valer-se de expedientes, de manobras regimentais ou de qualquer sorte de artifícios para, sob qualquer pretexto, conduzir a apreciação dessas emendas num ritmo que seja incompatível com a própria liberdade de deliberação que tem uma Casa como o Senado Federal.

Por isso, independentemente das posições que tenhamos em relação a essas matérias que são, como disse, polêmicas, que suscitam debates e discussões, todos temos que apreciá-las em respeito àqueles termos regimentais, aos prazos previstos no Regimento, que é a nossa lei interna, para que amanhã não paire qualquer dúvida sobre a legitimidade, sobre a legalidade das decisões que vierem a ser tomadas aqui.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o Senador Josaphat Marinho com grande prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª fala no particular com muita propriedade. É preciso que, em nome da pressa, não se prejudique o devido esclarecimento de assuntos tão importantes. É preciso ver-se sobretudo que, no processo de mudanças, está em discussão - e isso é grave - a qualidade do Estado. Se se perder a qualidade do Estado, perde-se também a qualidade do Governo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - O aparte do nobre Senador Josaphat Marinho é por mim acolhido como uma manifestação de grande relevo e de grande importância, porque, como já tenho tido oportunidade de dizer em outras intervenções que tenho feito da tribuna desta Casa, estamos dando um passo, a meu ver, definitivo. Se recuarmos no tempo e examinarmos a história da exploração de certas atividades econômicas no Brasil, vamos verificar que até recentemente havia muitas companhias privadas, inclusive muitas delas estrangeiras, que exploravam esses serviços. Quem explorava os portos brasileiros? Quem explorava o sistema de transportes no Brasil? Quem explorava o serviço de energia elétrica no Brasil? Eram empresas privadas. Inclusive, muitos de nós convivemos, lemos ou denunciamos, por exemplo, o famoso povo canadense que era a Light. A Light que explorava o serviço de eletricidade e o sistema de bondes que servia ao transporte urbano.

Passado algum tempo, essas empresas foram embora do Brasil. Por que desistiram da exploração desses serviços? Certamente por razões de natureza econômica, já que a exploração dos serviços tornou-se desinteressante, pois não remunerava satisfatoriamente, segundo o entendimento deles, o capital que aqui aplicaram. E quantos de nós não participamos de movimentos de rua, movimentos de massa, como estudantes ou em outra condição, contra a elevação de tarifas?

Diante da nova possibilidade que está à nossa frente e para dar uma idéia do ziguezague que temos feito com relação a esta matéria, vimos a compra da Light no Governo Geisel, ou seja, há pouco tempo o Estado brasileiro comprou a Light e agora vai vendê-la.

Já que esta é uma viagem sem volta, pois o Estado brasileiro não vai ter mais poupança para readquirir o patrimônio que se está desfazendo, se assim o interesse público recomendar, é preciso darmos passos seguros e estarmos munidos do nosso espírito público, do nosso interesse pelo bem do País e pelo desenvolvimento da nossa terra, acautelando-nos para que no futuro não venhamos a enfrentar dificuldades em relação à exploração desses serviços pela iniciativa privada.

Tais cuidados devem residir justamente na questão da regulamentação da exploração dessas atividades na definição muito clara do papel que o Estado terá. O Estado brasileiro tem uma cultura intervencionista, uma cultura muito mais de execução inclusive através de empresas estatais que controla do que uma cultura reguladora. E nós agora vamos mudar bruscamente o papel do Estado brasileiro.

É preciso equipar, organizar, instituir agências que sejam capazes de executar esse papel. Veja, por exemplo, em relação à privatização. A legislação existente sobre privatização determina que, posteriormente à aquisição de determinadas empresas pela iniciativa privada, o Ministério da Justiça avalie se está havendo ou não oligopolização. Por exemplo, está sob exame no Ministério da Justiça o caso da siderurgia, em que foi levantada a hipótese de que empresas estão sendo controladas por um pequeno grupo de acionistas. A atividade siderúrgica está sendo controlada por um pequeno grupo de empresas, configurando um oligopólio.

Ora, vejam bem como é difícil agora ao Ministério da Justiça decidir sobre o assunto, até porque, vamos admitir que se decidisse caracterizando um oligopólio, os detentores dessas empresas ver-se-iam hoje em uma situação muito difícil, pois teriam que alienar, desfazerem-se dessas empresas e conseqüentemente não iriam encontrar preços atrativos, porque quem fosse comprar saberia que a venda era uma imposição legal.

Portanto, esse exame tem que ser prévio, tem que constar no edital, ser anterior a esse processo.

Não sou muito simpático a essa pressa, a essa afobação na realização dessas reformas, que julgo imprescindíveis, necessárias, algo que temos que enfrentar e resolver da melhor maneira em consonância com o interesse do Estado brasileiro.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Lúcio Alcântara, permita-me, ainda uma vez, ir ao encontro do seu pensamento na observação que acaba de fazer. Parece-me que em todo o processo das mudanças é preciso que se resguarde o espírito do Estado, em que reside o interesse público, para que não prevaleça apenas o propósito de lucro das empresas privadas.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - É exatamente essa a nossa preocupação, e o Senador Josaphat Marinho a menciona aqui com a precisão de sempre. Mesmo que o Estado aliene esse patrimônio, mesmo que mostre, como o faz agora, que é desinteressante para ele exercer essa atividade empresarial, executar essas atividades econômicas, não podemos incorrer no risco de atrofiarmos, de reduzirmos tanto o papel do Estado, a ponto de atingirmos uma situação, do ponto de vista econômico, verdadeiramente desconfortável, nociva ao interesse nacional.

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, quero deixar clara - o que já fiz, aliás, mais de uma vez - a necessidade de o Senado, que agora examina essas matérias, investigar, analisar, examinar os diferentes aspectos de que ela se reveste, para decidir com soberania, com independência, com liberdade, procurando, com a falibilidade própria das iniciativas humanas, o que é melhor para o País.

E, dando-se a esse processo a celeridade natural, normal, não incorramos na prática pouco recomendável de utilização de expedientes, de manobras regimentais para reduzir os prazos que temos diante de nós para a tramitação dessas matérias, de alta importância e que implicam uma transformação radical do Estado brasileiro; é preciso que sobre elas não pese qualquer dúvida, não paire qualquer incerteza de quem quer que seja sobre os procedimentos adotados no seu exame, na sua apreciação. E o que resultar dessa deliberação do Senado que saia como uma decisão livre, soberana, consciente e em perfeita observância aos prazos regimentais.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/06/1995 - Página 10222