Discurso no Senado Federal

TRANSTORNOS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA, DECORRENTES DO CAPITAL ORIUNDO DE OUTROS PAISES. CRISE DE DESCREDITO DO ATUAL GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • TRANSTORNOS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA, DECORRENTES DO CAPITAL ORIUNDO DE OUTROS PAISES. CRISE DE DESCREDITO DO ATUAL GOVERNO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/06/1995 - Página 9936
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, ABERTURA, ECONOMIA NACIONAL, CAPITAL ESTRANGEIRO, PROVOCAÇÃO, EXPLORAÇÃO, ECONOMIA, NECESSIDADE, REDUÇÃO, SALARIO, TRABALHADOR, AUMENTO, LUCRO, AUSENCIA, MELHORIA, TECNOLOGIA, POBREZA, PAIS, CONTAMINAÇÃO, GOVERNO, FALTA, LEGITIMIDADE, CONFIANÇA, POPULAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não poderia silenciar-me nesta data em que um plano há muito tempo urdido, a partir de um núcleo externo que se transplantou para o Brasil, aqui cresceu albergado, alimentado, por um processo de acumulação selvagem.

Entre 1890 e 1930, 32 milhões de imigrantes dirigiram-se para os Estados Unidos da América, recebendo 170 acres do governo norte-americano para incentivar o processo migratório. Noventa por cento dos estados que compõem o middle west norte-americano foram doados, em apenas 10 anos, entre 1900 e 1910.

Ao contrário, para o Brasil não vêm imigrantes estrangeiros e poucos vieram voluntariamente; os trabalhadores estrangeiros que para cá vieram foram os negros arrancados da África, para ocuparem os espaços abertos com o morticínio da população indígena aqui existente. Em alguns pontos da América Latina não sobrou um índio, foram todos sacrificados para que a produção de álcool se desenvolvesse, como aconteceu em diversas ilhas do nosso continente.

Para aqui não vieram os imigrantes do norte, nem os escoceses, que dirigiram-se para os Estados Unidos da América. Mas apenas o capital excedente, que sobrava nos Estados Unidos e que ameaçava levar aquele país a uma crise semelhante àquela de 1929.

Em 1945, os professores, os industriais, a cúpula norte-americana que, desde 1942, reuniam-se temerosos de que, com a redução advinda das compras feitas pelo Estado norte-americano nos setores bélicos, a economia norte-americana voltaria a encontrar-se numa situação caótica semelhante àquela ocorrida entre 1929 e 1943.

Em 1948, o setor de luxo, que é o dinamizador da economia capitalista e que encontrou seu aliado no setor bélico e espacial, sofreu uma queda de 42% no volume de produção. Veio a Guerra da Coréia, e, com esse remédio keynesiano bélico, novamente se ativou a economia dos Estados Unidos da América. Mas, em 1957, houve uma queda de 50% no setor de produção de carros e duráveis, ficando claro e transparente para todos aqueles que pensavam e se preocupavam com o destino dos Estados Unidos que era preciso transplantar capital. E o capital norte-americano, nesses setores, foi transplantado para a Argentina, para o México, para o Brasil, para o Canadá, para a Coréia do Sul, para a África do Sul e para a Europa.

Portanto, mais uma vez, repete-se um movimento que sempre acompanhou o processo de acumulação contraditório do capital e que já se manifestara no século passado, acarretando verdadeiros transtornos à economia brasileira, transtornos estes cujo fulcro encontrava-se na economia cêntrica dominante.

Para não nos alongarmos na descrição desse movimento global que preside o processo de acumulação contraditório em escala mundial, basta lembrarmos que, até 1843, era proibida a exportação de máquinas por parte da Inglaterra. A Inglaterra queria ser a dona e se assenhorear de todos os benefícios decorrentes da revolução tecnológica, da revolução industrial iniciada em 1780. Portanto, era preciso uma licença prévia. Era dificílimo importar máquinas da Inglaterra.

Mas, em 1847, vai se instaurar na ilha britânica uma crise que é, evidentemente, a crise de um país que não encontra mais dentro de suas fronteiras estreitas o mercado para vender máquinas, para vender meios de produção. Os empresários ingleses já não eram mais capazes de comprar aquela capacidade produtiva, que cresceu na Inglaterra quatro vezes mais no século passado do que o crescimento apresentado pelos setores de bens finais, de meios de consumo.

Portanto, esse vertiginoso crescimento industrial inglês fez com que a Inglaterra fosse obrigada a fazer aquilo que ela antes proibia: exportar máquinas.

E, no Brasil, em 1844, a Lei Alfandegária Alves Branco concede os estímulos e incentivos para a importação de máquinas e equipamentos, aquelas máquinas, aqueles instrumentos de trabalho que, em 1785, foram queimados, sob o mando de D. Maria, a Louca. Três mil teares foram incendiados; proibiu-se até mesmo a produção de artigos de ouro no Rio de Janeiro, na Bahia e em Minas Gerais; destruiu-se o parque industrial nascente em 1785. E a Inglaterra, que nos destruíra em 1785, agora exporta máquinas e incentiva essa importação.

O processo chamado de "Primeiro Processo Brasileiro de Substituição de Importações" foi, na realidade, comandado pelos interesses do centro, pois tiveram que fazer a exportação das máquinas, o que antes era negado pela Inglaterra por medo da concorrência internacional.

Todo esse esforço nacional, ou seja, dez mil quilômetros de estradas, construídas durante o governo de D.Pedro II e um surto industrial fantástico ocorrido em alguns pontos do Brasil, foi tudo destruído a partir de 1900, quando o capitalismo cêntrico, retomando o seu nível antigo de produção, saindo da crise de 1873, precisou ocupar os mercados que já estavam sendo abastecidos pela indústria nacional.

O que estou dizendo, portanto, é que esse movimento se repete nos anos 50, quando vem, para cá, o capital excedente, não porque tenhamos criado legislações fantasticamente estimulantes ou porque tenhamos conseguido fórmulas mágicas para atrair esse capital, através da CEPAL e dos nossos tecnocratas. Não. Como dizia naquela ocasião, aquele capital já estava com passagem comprada. Não era preciso oferecer incentivos cambiais; não era preciso oferecer reserva de mercados com preços extraordinariamente elevados para que os carros, as geladeiras e depois os televisores viessem para cá ser vendidos a preços astronômicos; não era preciso que o governo fornecesse os incentivos fiscais que forneceu, tais como, a doação de terrenos e todo contingente de auxílios e estímulos que foram dados ao capital estrangeiro.

Aquele dito nacionalismo dos anos 50 foi um nacionalismo equivocado, completamente diferente do nacionalismo que existiu no século passado, daquele capitalismo que aparece, surge com certa virulência no governo de Artur Bernardes, daquele capitalismo que caracterizou o Governo de Getúlio Vargas.

Na década de 50 criou-se uma proteção, pela primeira vez na história econômica do mundo, para que o capital estrangeiro viesse para cá obter lucros fantásticos, uma remuneração extraordinária. E ao invés do nacionalismo brasileiro dos anos 50 proteger-se contra o capital estrangeiro, ele abriu as portas cada vez mais para a entrada desse capital dominante, desse hóspede incômodo.

Dessa verdadeira violentação de uma economia atrasada, de uma economia com uma renda per capita muito baixa, com produtos de alto luxo, só poderia resultar uma concentração selvagem de renda que foi o que assistimos como resultado desse processo.

Ao contrário daquilo que prometiam Celso Furtado e Prebisch, por exemplo, não houve um combate à inflação através da penetração do capital no campo e do aumento da oferta de produtos agrícolas. Ao contrário, a inflação se exacerbou. Cada vez que o capital estrangeiro se aliava ao capital nacional e ao capital estatal aparecia a necessidade de redução de salário para aumentar a massa de lucro necessária para irrigar esse capital acumulado numa taxa superior àquela que se verificou no Japão nos últimos 100 anos.

A partir daí verificamos que, ao invés da estabilidade política e da democracia estabilizada como prometeram os "cepalinos", entre eles se incluía na ocasião Fernando Henrique Cardoso, essa situação exigiu a presença de um estado totalitário, do estado militar capaz de segurar o paciente Brasil a fim de que ele sofresse a anestesia, anestesia de sua consciência, de suas forças vitais, para que fosse reduzido o salário da base, fossem reduzidas as disponibilidades orçamentárias destinadas à Educação, à Saúde e à proteção da vida, dirigindo todo o capital para São Paulo e para os centros de concentração nacional.

Tal como se faz hoje, diziam que o capital estrangeiro a entrar seria portador de alta tecnologia. O que desejo é enfatizar que atualmente nos encontramos numa situação bastante parecida com a ocorrida em 1950, cujas conseqüências nefastas e anti-sociais perduram até hoje.

Tais conseqüências não foram amenizadas nem mesmo agora, quando nova fase se inicia e força a alteração da Constituição, estimulando a entrada do capital estrangeiro e abrindo nichos para que ele aqui penetre, retirando qualquer privilégio do sofrido capital nacional, que conseguiu sobreviver como auxiliar, como secundário, como fornecedor de peças e equipamentos, alocado em médias e pequenas empresas.

Verificamos que, de novo, repete-se o mesmo erro dos anos 50, dando-se a impressão de que os "atrasados" não querem a nova tecnologia que se dirigiria para o Brasil com o capital estrangeiro.

      "SHELL aceita assistência técnica da Petrobrás para pesquisa na foz do Amazonas.

      A SHELL aceitou a oferta de assistência técnica da Petrobrás, que colocará seus técnicos à disposição da multinacional nas pesquisas que ela vem fazendo na Foz do Amazonas (área de risco)."

Os americanos, que pesquisam petróleo no Brasil desde os tempos de Sargeant, no século passado, nunca conseguiram descobrir aqui uma gota de petróleo. Quando, no Governo Geisel, foram abertas as áreas de pesquisa para o capital estrangeiro, como acabamos de ler em notícia publicada no Jornal do Brasil em 6/5/78, a SHELL quis valer -se da técnica da PETROBRÁS e por isso a contratou. Imaginem como hoje a SHELL e as outras cinco irmãs irão precisar da técnica que a PETROBRÁS tem na pesquisa em águas profundas e em diversos setores em que encabeça a tecnologia mundial.

Portanto, não é verdade que precisamos de mais capital estrangeiro, nem que esse capital, como se dizia nos anos 50, irá quebrar o círculo vicioso da pobreza e trazer tecnologia nova. É tudo mentira. A História do Brasil provou que não eram verdadeiras aquelas promessas, que a tecnologia não se transplantou com o capital. Ela permaneceu no centro onde a indústria de pesquisa e desenvolvimento - R & D - research and development - desenvolve-se com recursos dos quais 68% são financiados pelo Governo dos Estados Unidos.

Vamos abrir nossa economia ao capital estrangeiro. Enquanto isso a United States Steel confirmou ao nosso correspondente em Washington, Antônio Pimenta Neves, ter solicitado ao Governo brasileiro um financiamento de US$1 bilhão para participar do Projeto Carajás (Gazeta Mercantil, 11 de novembro de 1976).

Em vez da entrada de capital estrangeiro, o que vemos é o fornecimento pela América Latina de capital líquido para os países que aqui montaram várias formas de exploração da economia. Vemos o capital produtivo explorador, que aqui usa e abusa da redução dos salários dos trabalhadores. Enquanto isso, sabemos, por exemplo, que o salário mínimo na França este mês é de US$1.200, mas que o Governo já promete elevá-lo para US$1.700.

Sabemos também que a renda per capita no Japão é de US$33 mil. Desde 1945, a grande força dinamizadora da economia japonesa foi, sem dúvida nenhuma, as organizações sindicais, as organizações dos trabalhadores, que promoveram as greves. Os trabalhadores, movidos por ideais socialistas desde 1915, conseguiram ocupar 50% das cátedras de Economia no Japão a partir de 1946.

No Brasil dirigem apodos aos trabalhadores, que são apelidados de ...... desprezível. Gostaria de lembrar que foi essa ..... desprezível que promoveu rapidamente a grandeza econômica do capitalismo japonês, mediante a organização sindical, que defendia as reivindicações dos trabalhadores, e a participação na direção das empresas, como ocorreu em 1946. Nesse ano, os Estados Unidos incentivaram a reforma agrária no Japão, não para dividir terras, porque lá a propriedade fundiária média é de 8 mil metros quadrados apenas, mas porque 25% da mão-de-obra era assalariada, o que contrariava os princípios norte-americanos. Os Estados Unidos estavam acostumados a ver a atividade agrícola ser desempenhada pela família e não pelo trabalho assalariado. Julgaram, assim que 25% de trabalho assalariado na agricultura japonesa era demais. Então, resolveram promover uma reforma agrária para reduzir o trabalho assalariado nesse importante setor da atividade econômica. Foi o aumento de salários que obrigou o Japão e todos os países capitalistas onde isso se verificou, como a Alemanha, a investir em tecnologia. Com o aumento de salário, era preciso substituir a mão-de-obra, esse fator caro, por fator mais eficiente. Aí surgiram as inovações tecnológicas que são continuamente injetadas na economia dos grandes países, onde os salários constituem item muito elevado no custo da produção.

No Brasil, os salários foram achatados pela elite, que não conhece e não tem a experiência histórica das outras formas de desenvolvimento capitalista. Os capitalistas brasileiros foram incapazes de reconhecer os caminhos que deveriam trilhar para constituir um capitalismo aceitável. Preferiram um capitalismo selvagem, e o resultado foi o achatamento salarial que se verificou desde 1959. Então, os capitalistas brasileiros puderam deixar de investir em inovações tecnológicas caras, preferindo investir seu dinheiro num fator barato, ou seja, na mão-de-obra aviltada. Portanto, se tivesse havido um sindicalismo mais forte, ao contrário de ....., como foram chamados aqui hoje, neste plenário, os trabalhadores que reivindicam o direito sagrado à sua sobrevivência; se, ao invés de serem chamados de ....., tivessem sido respeitados os trabalhadores brasileiros e incorporados ao processo produtivo, não como um apêndice incômodo, não como um resquício de escravos submissos, mas como seres humanos capazes de oferecer a sua contribuição ao processo de crescimento e de soerguimento de uma Nação verdadeiramente ampla e sólida, teríamos hoje um Brasil muito diferente.

Quando o Governo se lembra dos trabalhadores, é para aplicar-lhes, em nome de qualquer princípio falso, o arrocho salarial. Uma hora, para promover o crescimento econômico, para fazer o bolo crescer. E esse bolo envenenado cresceu e, agora, mudaram de desculpa: se aumentarmos o salário, a Previdência quebra; se aumentarmos o salário, a inflação volta.

E, assim, o Governo vai-se contaminando por uma crise de descrédito, de falta de legitimação. E agora, quando o capitalismo apresenta sinais óbvios de uma crise que se aprofunda e se descontrola, o Japão está, neste mês, dando sinais evidentes de que não pode mais continuar a encontrar no mercado norte-americano e no mercado comum europeu os mercados para o excedente de sua produção de carros, computadores, FAX, telefones celulares etc.

O Brasil sempre foi exportador líquido de riqueza, teve saldo na sua balança comercial. Quem vende mais do que compra deveria ser credor dos outros países, mas as relações de dominação, que Fernando Henrique Cardoso chamava de imperialistas até há pouco tempo, essas relações imperialistas de dominação transformam um país - que deveria ser credor porque exporta, vende mais do que compra, que deveria ter um saldo a receber em dinheiro e ser credor dos outros países - em devedor permanente. Com exceção dos anos 70 do século passado e deste século, o Brasil conseguiu, graças ao endividamento externo fantasticamente elevado, importar mais do que exportar, alavancada essa importação pela crescente dívida externa que nos sufocou a partir de 1982.

O Japão, não. Agiu como se tivesse sido obrigado a inventar a alquimia, a transformar suas matérias-primas, escassas e importadas, em minimercadorias. Miniaturizou a produção e vende plástico e chips a preço de ouro. É uma verdadeira alquimia o que o Japão conseguiu para obter superávit na balança comercial. Ao mesmo tempo, conseguiu montar, entre os quinze, cinco maiores bancos do mundo, por ser, portanto, credor e não devedor do resto do mundo.

O Japão conseguiu, tal como aconteceu com a Alemanha de Hitler, quebrar as duas relações de dominação como as que pesam sobre o Brasil. Hitler conseguiu transformar as exportações alemãs, feitas em grande escala para pagar a dívida de guerra imposta à Alemanha pelo Tratado de Versalhes. Em o seu oposto, a Alemanha valorizou o marco e se transformou num grande importador líquido de riqueza.

Maurice Herbert Dobb propõe que, ao invés de se chamar déficit na balança comercial, chame-se superávit de importações o resultado líquido dessas relações internacionais de comércio.

Nós somos esvaídos secularmente pelo excesso de exportações sobre as nossas importações. Ao mesmo tempo, ao invés de sermos credores, somos devedores da banca internacional, que, desde a declaração da independência, nos afoga com uma dívida crescente.

Agora, assistimos a um novo ato desse processo que se desenrola com tanto sacrifício para as populações periféricas do mundo. O capital veio para cá nos anos 50 nos setores de ponta, de automóveis, de eletrodomésticos, o que nos obrigou a concentrar a renda para criar o mercado para essa produção. Rapidamente, recordamos que três indústrias automobilísticas que vieram para cá nos anos 50 foram embora nos anos 60, porque o mercado interno brasileiro não comportava aquela escala de produção.

Mas, a duras penas, com o sacrifício das bases da população, dos mais pobres, dos marginalizados, criou-se um mercado de 10% da população que aufere as benesses dessa indústria de luxo. O capital empregado nesses setores não é nacional, é capital estrangeiro superprotegido pela economia nacional, pelo Estado brasileiro.

Atualmente, o Japão precisa de novos mercados para a sua produção miniaturizada, promovendo uma verdadeira alquimia moderna, transformando matérias-primas, que nos pagam a preços aviltados, em produtos que vende a preço de ouro. Precisam de mercado para a produção que cresceu na Alemanha e nos Estados Unidos. Já não podem mais fazer aquilo que fizeram no outro ato do processo, não podem mais transplantar capital para a periferia porque já temos capital excessivo. Aqueles que hoje dizem que as mudanças na Constituição são de novo para atrair capital estrangeiro verão que isso é uma balela, não passa de uma mentira.

Como é que o Japão, os Estados Unidos, a Alemanha ou qualquer um dos advanced capitalist countries poderiam transplantar capital de novo para o Brasil ou para a Argentina, para produzir aqui carros, produtos de luxo, telefones celulares, computadores? Para vender para quem? Para concorrer com as mercadorias produzidas no Japão, na Alemanha e nos Estados Unidos?

O que verificamos é que não virá capital desta vez. Nem para pedir empréstimos ao Governo brasileiro, como ocorreu num outro ato desse drama: Seria louco o capital estrangeiro que viesse para cá montar indústrias concorrentes com ele próprio em Detroit ou em Tóquio.

Portanto, é falsa a promessa daqueles que afirmam que esse capital viria para cá. A não ser, talvez, para ocupar, com moedas podres, os nichos que permaneceram imunes à introdução e à dominação do capital estrangeiro.

No famoso tripé que se constituiu na década de 50, as empresas estatais, aquelas que não se aliaram ao capital estrangeiro por meio de joint ventures, é que estão sendo o alvo da ambição e da cobiça das indústrias estrangeiras.

Justamente aquelas indústrias nacionais, como a PETROBRÁS, que constitui um exemplo de eficiência, produtividade e lucratividade, e a Companhia Vale do Rio Doce, que o capital estrangeiro, agora, pretende apropriar-se, já que o resto é deles há muito tempo: 100% da indústria automobilística e 80% da indústria farmacêutica.

E eles controlam, há muito tempo, 38% do subsolo brasileiro.

Diz o Caderno de Economia do jornal A Folha de S. Paulo, de 14 de abril de 1987:

      O direito de exploração e pesquisa do subsolo brasileiro já é exercido, em termos relativos, por grandes grupos internacionais de mineração. Com 473 empresas, os grupos estrangeiros têm direitos sobre 38,1% de uma extensão equivalente a 1.053.402 quilômetros quadrados, cerca de 12% do território, enquanto 1.643 empresas nacionais de capital privado respondem por 35% e as estatais federais e estaduais, em número de 142, com 26,9% daquele total.

A meu ver, não podem reclamar. Houve aqui no Brasil um nacionalismo protecionista, semelhante àquele que os Estados Unidos sempre usaram e que reforçaram, como lembra o General Serpa, no jornal Tribuna da Imprensa, de 5 de junho de 1995:

      Por que não imitaram os americanos quando desde 1932 criaram o American Buying Act para defender suas empresas nacionais?

O nacionalismo dos Estados Unidos, que hoje vemos funcionar em conflito com a economia japonesa, data do século passado. O General Ulysses Simpson Grant, ex-Presidente dos Estados Unidos, dizia ao Imperador Meiji - que morreu em 1912 e foi o responsável pela Restauração Meiji, em 1868, no Japão - que repetiu esse ensinamento durante toda sua vida: "Nós não devemos jamais recorrer a empréstimos externos. Se o fizermos devemos pagá-los na véspera de seu vencimento.

O exemplo do Egito e da Espanha devem estar sempre presentes na nossa memória, dizia Ulysses Simpson Grant ao Imperador Meiji. Trata-se de dois países que perderam tudo, inclusive a sua soberania devido à dívida externa. O Brasil soma a dívida externa à dívida interna; soma a presença de uma acumulação selvagem a esta incômoda presença desse hóspede que aqui veio ocupar espaços e que não sacia a sua fome de novos. Isso o Presidente Fernando Henrique Cardoso já sabia. Sua Excelência escrevera que existem duas tendências nessas relações de dominação estrangeira: uma para ocupar mercados novos e a outra as fontes de matérias-primas. Sua Excelência sabia disso, porque escreveu essas palavras. Portanto, está ajudando no processo.

Na década de 50, houve aquilo que Fernando Henrique Cardoso chamou de antiestado dentro do Estado nacional; se capital é poder, o capital estrangeiro quando vem, obviamente, traz consigo o poder estrangeiro sobre o poder nacional, porque capital é poder sobre coisas e pessoas.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Lauro Campos, sinto-me feliz por ter a oportunidade de contar, na Bancada do Partido dos Trabalhadores, com a presença de uma pessoa como V. Exª, que é um exímio professor, pesquisador e conhecedor da história econômica do nosso País e dos povos e que vem dando uma contribuição tão relevante a esta Casa. Ainda ontem, quando, na reunião de nossa Bancada, V. Exª externava alguns dos conceitos e conhecimentos que hoje coloca da tribuna do Senado, fiquei pensando como será importante a sua contribuição em cada uma das decisões que temos pela frente. Agora, por exemplo, estamos decidindo sobre o que fazer com a PETROBRÁS, com o gás, com a cabotagem, com o conceito de empresa nacional e de empresa internacional. Em verdade, só à luz do profundo conhecimento, é que poderemos tomar decisões mais acertadas. Também é importante o paralelo que V. Exª faz relativamente às reflexões do atual Presidente da República Fernando Henrique Cardoso expostas em seus diversos livros; refiro-me, particularmente, à análise que S. Exª fez sobre a Escravidão no Brasil, sobre a Teoria da Independência, sobre a Natureza do Capitalismo. Senador Lauro Campos, conforme V. Exª mostra, o Presidente Fernando Henrique Cardoso ali soube compreender as razões pelas quais, por exemplo, o capital inglês, a certa altura, contribuiu por seus próprios interesses, para que aqui fosse extinta a escravidão. Uma pessoa que pôde estudar e compreender isso em profundidade tem agora muito maior responsabilidade, até porque foram muitos os seus alunos, muitos aqueles que estudaram em seus livros e têm a esperança de que o Presidente Fernando Henrique esteja com a sua lucidez no mais alto nível. Seria de se esperar isso. Aqui ficamos pensando que forças são essas que conseguem cercar o Presidente Fernando Henrique Cardoso a ponto de parecer estar ele se distanciando daquilo que poderia ser visto como o seu caminho natural. Estava lendo algumas das páginas do pronunciamento que V. Exª me encaminhou hoje e gostaria de reafirmar que vou, se me permite V. Exª, escrever uma carta ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, dizendo como considero importante que Sua Excelência, para sua própria reflexão, leia o pronunciamento tão bem elaborado que V. Exª fez há poucos dias no Senado Federal.

Espero que contribua para que lhe acenda uma luz a mais. Imagino que sentimento terá o Presidente Fernando Henrique Cardoso ao ver um de seus mais próximos aliados aqui no Senado Federal, aquele que lhe está querendo dar a maior sustentação possível, adjetivar como ..... trabalhadores que vêm aqui com a vontade de acompanhar uma decisão tão importante como o destino da PETROBRÁS. Claro que o Partido dos Trabalhadores procurou acalmar aqueles que tanto queriam chegar às galerias. Houve ali um incidente, que não estamos aplaudindo. Apenas estamos dispostos a compreender as razões que moveram os trabalhadores a pressionarem a porta do Congresso. Vieram de tão longe porque queriam assistir à sessão. Graças, repito, à intermediação do nosso Líder na Câmara Jaques Wagner, o Presidente Luiz Eduardo Magalhães permitiu, numa atitude de bom senso, que as galerias fossem ocupadas no limite da sua capacidade. Agora, eles estão assistindo à importante decisão que se vai tomar. São trabalhadores dignos, como quaisquer outros cidadãos deste País. Apenas estavam angustiados diante da dificuldade que se interpunha para que assistissem à importante decisão que o Congresso Nacional está por tomar.

O SR. LAURO CAMPOS - Recebo e incorporo ao meu discurso as palavras iluminadas de V. Exª. São palavras que vêm acolchoadas com o carinho de quem sabe apreciar o valor da linguagem; de quem sabe que a linguagem e o trabalho são constituintes do ser humano; de quem sabe respeitar, de um lado, o trabalho em suas várias manifestações e, de outro, a expressão da linguagem, que V. Exª cultua e expressa com tanta proficiência.

Para terminar, gostaria de dizer que, nos anos 50, houve no Brasil uma manifestação clara daquilo que Fernando Henrique Cardoso chamou de antiestado nacional.

Quando o Brasil abriu as portas e estimulou a entrada do capital, obviamente o Estado aliou-se ao poder do dinheiro estrangeiro e foi dominado por ele.

Hoje, o nosso dinheiro é o próprio dólar, e nós nos orgulhamos disso. Que orgulho é esse? Como conseguiram fazer o Brasil e os brasileiros se orgulharem de ter um dinheiro que se chama realmente dólar?

Naqueles anos 50 Juscelino Kubitschek mudou a História do Brasil. Aqueles princípios nacionalistas que herdamos do século passado, que não foram enforcados com Tiradentes, não foram esquartejados com Tiradentes, esses princípios de independência e de ombridade estão presentes em vários governos.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - V. Exª dispõe de um minuto para encerrar seu pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS  - Mas o capital estrangeiro entrou de roldão nos anos 50, sendo que naquela ocasião o Governo Kubitschek foi o primeiro da antinação brasileira. Mas aquele foi um governo inconsciente. A dose que agora se repete neste ato final é a instalação de uma antinação dentro da Nação brasileira, esta conscientemente presidida por aqueles que ocupam o poder e querem desconstitucionalizar, desempregar brasileiros.

Vejam estas manchetes: "Clinton agradece FHC por empregar 20 mil americanos" - esta da Tribuna da Imprensa. Outra: "Multis prometem investir em São Paulo US$4bilhões." Aqui, trata-se dos empregos criados através do SIVAM, que mereceu o agradecimento de Clinton.

Então, o que vemos, realmente, é um processo que, não podendo resolver o problema do desemprego de 820 milhões de pessoas, gerado pela robotização, gerado pela tecnologia voraz, agora pretende fechar os nossos empregos periféricos para criar empregos no centro, nos países capitalistas avançados.

Este é, portanto, um processo em que se afirma a antinação dentro da Nação. Infelizmente, o Governo atual, ao contrário daquele dos anos 50, tem a consciência plena do caráter delituoso do ato que pratica.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/06/1995 - Página 9936