Discurso no Senado Federal

DEMISSÃO DO SR. PERSIO ARIDA, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, E SUA SUBSTITUIÇÃO PELO SR. GUSTAVO LOYOLA, A SER ARGUIDO PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • DEMISSÃO DO SR. PERSIO ARIDA, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, E SUA SUBSTITUIÇÃO PELO SR. GUSTAVO LOYOLA, A SER ARGUIDO PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9489
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, DESIGNAÇÃO, DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ANTERIORIDADE, SUBSTITUIÇÃO, PERSIO ARIDA, PRESIDENCIA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PRESENÇA, PERSIO ARIDA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SENADO, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, SAIDA, PRESIDENCIA, DESENVOLVIMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
  • LEITURA, OFICIO, ENCAMINHAMENTO, INTERPELAÇÃO, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PERSIO ARIDA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, SAIDA, PRESIDENCIA, SITUAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Nação foi surpreendida, na última quinta-feira, com a solicitação de demissão do Presidente do Banco Central, Pérsio Arida, e pelo anúncio de sua substituição pelo Sr. Gustavo Loyola, em princípio, designado pelo Senhor Presidente da República, tendo Sua Excelência enviado mensagem ao Senado Federal para que seja o Sr. Gustavo Loyola argüido na Comissão de Assuntos Econômicos e, em seguida, apreciado e votado seu nome pelo Senado Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, considero da maior importância que, desta vez, possamos votar, antes mesmo da substituição do Sr. Pérsio Arida, o projeto de lei que trata das regras relativas à designação de Diretores do Banco Central.

O próprio Dr. Pérsio Arida, quando tomou posse, ressaltou no seu discurso a importância de se regulamentar o art. 192, dizendo que era importante haver regras claras e definidas que pudessem, inclusive, assegurar a autonomia ao Presidente e à Diretoria do Banco Central.

Quando argüido, por ocasião da sua designação para a Presidência do Banco Central, o economista Pérsio Arida ressaltou que era importante haver um período durante o qual a Presidência do Banco Central pudesse ter autoridade e autonomia para realizar bem a sua função de defender a estabilidade da moeda e de exercer todas as outras atribuições que são próprias da autoridade monetária que preside o Banco Central.

Pérsio Arida mencionou as regras vigentes na França. Naquele País, o Presidente do Banco da França, após um período à frente dessa instituição, fica, por dois anos, impedido de assumir função em instituição financeira privada, sendo, inclusive, remunerado naquela função, exatamente para impedir qualquer conflito de interesse público com interesse privado.

Cada vez que há mudança na Presidência do Banco Central, esse tema vem à baila. Há projeto do próprio ex-Presidente, Senador Itamar Franco, que define as regras referentes ao assunto, prescrevendo um período de impedimento para aqueles que são designados para a direção do Banco Central por algum tempo antes e por algum tempo depois para exercer funções em instituições financeiras privadas ou delas serem acionistas.

O projeto do Senador Franco Franco já foi aprovado no Senado e tramita na Câmara dos Deputados. Há outros projetos com objetivos semelhantes. É hora, Sr. Presidente, Senador Bello Parga, de apressarmos a tramitação desse projeto. Conversei, há pouco, com o Senador Elcio Alvares, que me informou que quer, inclusive, apressar, antecipar a vinda do Sr. Gustavo Loyola à Comissão de Assuntos Econômicos para que logo se vote a sua indicação. Ora, se o Governo quer apressar a indicação do Sr. Gustavo Loyola em função das razões alegadas pelo Presidente Pérsio Arida para logo sair de seu cargo, seria importante que o Governo então apressasse a votação do mencionado projeto na Câmara dos Deputados, e, se for o caso, fazendo modificações no projeto, aperfeiçoando-o à luz da experiência, das reflexões que aqui tivemos. Seria de bom alvitre que houvesse o aperfeiçoamento do projeto do Senador Itamar Franco para então podermos votá-lo logo.

Na minha avaliação, seria adequado e importante para o Governo que o projeto fosse votado antes da substituição do Sr. Pérsio Arida pelo Sr. Gustavo Loyola ou quem o Senhor Presidente da República, porventura, resolver indicar, porque então já teríamos regras estáveis que pudessem colaborar para o objetivo de maior autonomia da autoridade monetária instalada na Presidência do Banco Central. De outra forma, vamos ter novamente o Sr. Gustavo Loyola ou quem lá estiver com a fragilidade que demonstrou, nesse episódio, o Sr. Pérsio Arida.

Ademais, Sr. Presidente, considero da maior importância que venhamos a ouvir o Presidente Pérsio Arida antes de sua saída. A preocupação com respeito a definição de regras relativas à entrada e à saída tem sido manifestada, inclusive na última semana, por inúmeros Senadores, como o Senador Esperidião Amin, Senador Pedro Simon, Senador José Eduardo Dutra, Senador Lauro Campos, ex-Senador Roberto Campos e tantos outros, que têm manifestado a sua preocupação com respeito a isso. O Deputado Augusto Carvalho, na Câmara dos Deputados, apresentou também um projeto para regulamentar a entrada e saída de diretores.

Gostaria de ilustrar essa questão com uma passagem do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, um dos clássicos da história brasileira.

      No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização - que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades - ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.

      Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles caracterizam justamente pelo que separa o funcionário "patrimonial" do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário "patrimonial", a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles auferem relacionam-se a direitos pessoais do funcionário, e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muitos menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. O funcionalismo patrimonial pode, com a progressiva divisão das funções e com a racionalização, adquirir traços burocráticos, mas, em sua essência, ele é tanto mais diferente do burocrático quanto mais caracterizados estejam os dois tipos.

      No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi, sem dúvida, o da família o que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar - a esfera, por excelência, dos chamados "contatos primários", dos laços de sangue e de coração -, está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas fundadas em princípios neutros e abstratos pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas.

Isso está justamente no capítulo sobre o homem cordial, de Sérgio Buarque de Hollanda.

Sr. Presidente, além de termos regras claras sobre a forma de entrada e saída dos diretores do Banco Central, é da maior importância que o Sr. Pérsio Arida também esclareça as razões de sua saída e, mais do que isso, principalmente, que preste um depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre o desenvolvimento da política econômica.

Podemos até ter divergências com Pérsio Arida, mas, sem dúvida, pessoas, economistas de todo o espectro de idéias o vêem como um dos mais conceituados economistas brasileiros. É considerado - e, de fato, foi - um dos idealizadores do plano concebido juntamente com André Lara Rezende, que, na verdade, constituiu as bases do Plano Cruzado. Com base nos erros e acertos do Plano Cruzado, depois foi principalmente Pérsio Arida quem formulou o Plano Real.

Sem dúvida, o Presidente Fernando Henrique Cardoso está perdendo, com a saída de Pérsio Arida da Presidência do Banco Central, um de seus principais formuladores da política econômica.

Pérsio Arida, entretanto, seria de se esperar - e é a nossa convicção -, deve prestar um último depoimento perante o Senado Federal, antes de sua saída. Houve por bem o Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Gilberto Miranda, convidá-lo para que, nesta semana, venha prestar esse depoimento.

Quero, em adição ao convite formulado pelo Senador Gilberto Miranda, já dizer e adiantar algumas das perguntas que considero extremamente importante serem respondidas pelo Presidente Pérsio Arida.

Assim, Sr. Presidente, encaminho um ofício ao Presidente da referida Comissão. Talvez seja antecipado, em vista do empenho do Senador Elcio Alvares, Líder do Governo, para que venha antes o Sr. Gustavo Loyola, na quarta-feira, o que significaria que ambos deveriam vir na quarta.

Eis os termos do referido ofício:

      Considerando o convite formulado ao Dr. Pérsio Arida para comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos nesta quinta-feira, 08/06/95, quando irá explicar as razões do pedido de demissão da Presidência do Banco Central, gostaria que as indagações abaixo relacionadas também fossem objeto da atenção do convidado:

      1 - Razões que o levaram a pedir demissão, depois de apenas cinco meses na Presidência do Banco Central, contrastando com observações feitas por ele próprio na sua argüição inicial na Comissão de Assuntos Econômicos, quando enfatizou a importância da permanência do Presidente do Banco Central por um longo período, para que tivesse necessária autonomia.

      2 - Que avaliação faz Pérsio Arida hoje da política cambial desde a implantação da nova moeda em 1º de julho de 1994, nas suas diferentes fases:

      a) a valorização nominal do real nos primeiros meses;

      b) o período de vigência da "banda informal";

      c) a midi-desvalorização de março, seguida da banda formal, anunciada por prazo indeterminado?

      3 - Que avaliação faz da política monetária, de taxas de juros altas e de contenção de crédito, especialmente na sua relação com a política cambial? Como avalia o processo de transferência de renda decorrente da coexistência de taxas de juros internas, excepcionalmente altas para grande parte das empresas e para pessoas físicas, com créditos favorecidos para determinados setores, tais como os mutuários do BNDES e o setor rural?

      4. Em que situação se encontra o processo de reestruturação do sistema financeiro público, especialmente do BANESPA e dos demais Bancos Estaduais? A falta de autonomia do Banco Central dificulta um enfrentamento adequado desses problemas?

      5. Segundo declarações do Sr. Sérgio Cutolo, Presidente da Caixa Econômica Federal, das 1.947 agências da CEF, 1.710 dão prejuízo; dos financiamentos da casa própria compromissados no valor de R$ 21 bilhões, a Caixa tem apenas R$ 10 bilhões depositados em caderneta de poupança para garanti-los; a sede e a superintendência aqui em Brasília consomem cerca de 40% das despesas do banco. Além disso, desde 1992 o Tribunal de Contas da União não aprova o balanço da Instituição. Isto posto, quais as providências adotadas pelo Banco Central, na qualidade de autoridade fiscalizadora do Sistema Financeiro Nacional?

      6. Tendo em vista o seu conhecimento, antes como Presidente do BNDES e depois do Banco Central, que avaliação faz com o que ocorreu com os principais fundos sociais brasileiros, como o FGTS e o FAT, com respeito aos seus objetivos de democratização do desenvolvimento?

      7. Com a experiência adquirida na gestão do Banco Central, que visão formou sobre as reformas necessárias no Sistema Financeiro, público e privado, para torná-lo compatível com a estabilidade e o desenvolvimento da economia?

      8. Na qualidade de um dos principais formuladores do Plano Real, qual a sua percepção dos desdobramentos requeridos para que a estabilidade monetária se consolide?

      9. Que análise faz da experiência monetária internacional recente, incluindo não apenas a questão mexicana, mas principalmente as grandes oscilações ocorridas no âmbito do Sistema Monetário Europeu e entre as três principais moedas - dólar, marco, iene? A crescente integração internacional dos mercados de capitais não estaria a sugerir a inviabilidade de sustentar regimes cambiais de taxas fixas ou bandas estreitas?

      Na oportunidade, renovo a V. Exª protestos de estima e consideração.

Assim sendo, Sr. Presidente, penso que se trata de uma oportunidade da qual o Senado não pode abrir mão: ouvir o depoimento do Sr. Pérsio Arida e principalmente saber com clareza, antes mesmo de votarmos o nome do novo Presidente indicado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que razões tornaram tão frágil o que se pretendia à autonomia da Presidência do Banco Central.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9489