Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO DAS CONCESSÕES, APROVADA RECENTEMENTE NESTA CASA E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O SETOR ELETRICO.

Autor
José Roberto Arruda (PP - Partido Progressista/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO DAS CONCESSÕES, APROVADA RECENTEMENTE NESTA CASA E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O SETOR ELETRICO.
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9478
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, EFICACIA, RESULTADO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CONCESSÃO, CONGRESSO NACIONAL, FAVORECIMENTO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, INVESTIMENTO, RECURSOS, SETOR PRIVADO, USINA HIDROELETRICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, LINHA DE TRANSMISSÃO, CONTROLE, ESTADO, NECESSIDADE, REAPARELHAMENTO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE AGUAS E ENERGIA ELETRICA (DNAEE), VIABILIDADE, EFICIENCIA, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, FISCALIZAÇÃO, CONCESSÃO, FIXAÇÃO, TARIFAS, ENERGIA ELETRICA, GARANTIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, INTERESSE PUBLICO.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PP-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional nem sempre tem a oportunidade de mensurar os efeitos práticos de determinadas legislações que são aprovadas no âmbito do Congresso Nacional.

Nos últimos dias, dois eventos respondem, de forma muito rápida, a uma legislação recentemente aprovada no Senado Federal e que teve como relator o Senador José Fogaça. Quando se discutiu, no Congresso Nacional, a Lei das Concessões, vislumbrava-se que teria efeito prático muito rápido na nossa economia e, principalmente, no setor elétrico. Todavia, as respostas do setor elétrico e do capital privado vieram muito mais rápido do que se poderia avaliar.

Há poucos dias, a Usina de Serra da Mesa, localizada no rio Tocantins, a 230 quilômetros de Brasília, uma obra extremamente importante para o setor elétrico brasileiro como um todo e, particularmente, para a Capital do País, foi, como conseqüência da Lei das Concessões, objeto de uma parceria entre o setor público, representado por FURNAS Centrais Elétricas, e pelo setor privado.

A Usina Serra da Mesa, que possui uma potência instalada de 1.200 megawatts - e isso representa duas vezes a ponta do consumo de energia aqui no Distrito Federal - e que estava paralisada já há algum tempo, teve um contrato assinado para a continuidade dessas obras, num custo estimado de US$1,3 bilhão. O início da operação da usina já foi fixado para 1998, como prevê o plano estratégico de operação elétrica do Brasil.

Alguns dias depois, no Palácio do Planalto, o Governador de Minas Gerais e o Presidente da República avalizavam um outro contrato, este referente à Usina de Igarapava, no rio Grande, uma usina um pouco menor, de 210 megawatts, situada, geográfica e eletricamente, num ponto extremamente importante para o Sul/Sudeste.

A usina de Igarapava, que tem o setor público representado pela CEMIG, obteve recursos da iniciativa privada da ordem de 50% do investimento, que chega à casa dos US$300 milhões. As obras já foram retomadas e a sua inauguração está prevista para 1998.

Esses dois fatos que, a meu ver, alteram profundamente o setor estratégico na vida nacional, porque o abastecimento de energia elétrica é base para qualquer modelo de desenvolvimento, são uma reposta muito clara da sociedade brasileira a uma legislação recentemente discutida e aprovada no âmbito do Congresso Nacional.

Creio ser oportuna esta reflexão, Sr. Presidente, porque o Brasil, pelas suas dimensões, pelas suas características socioeconômicas, tem tido respostas muito rápidas à mudança na sua legislação básica.

Esse esforço de se buscar um novo projeto de país, um novo modelo de desenvolvimento, antes mesmo da revisão constitucional, já apresenta, nesses dois casos, resultados bastante palpáveis.

Ao trazer essa notícia ao Senado Federal, parece-me bastante importante fazer algumas rápidas reflexões. A primeira delas é que, em praticamente todos os países do mundo, busca-se o capital privado para investimentos em setores produtivos da economia e, particularmente, no setor elétrico.

Nessa revisão do papel do Estado na sociedade brasileira, parece-me claro que entramos numa nova fase, onde o Estado pode retirar-se gradativamente dos grandes investimentos das usinas hidroelétricas e o capital privado pode ser chamado, com regras claras e bem discutidas, para prestar a sua contribuição nesse setor, que, como eu já disse, é básico para o desenvolvimento nacional.

Gostaria de ressaltar um fato interessante. A energia elétrica existe no Brasil há aproximadamente 100 anos. Numa primeira fase, do final do século passado até os anos 50, a energia elétrica no Brasil só existia nos grandes centros. Em 1950, havia 6 mil megawatts implantados no Brasil, o que era muito pouco. Basicamente, só havia energia elétrica nas grandes cidades, nos grandes centros.

Nessa primeira fase do setor elétrico brasileiro, as empresas normalmente eram estrangeiras, não havia uma regra fixa e clara que fornecesse variáveis de desenvolvimento a esse investimento que se fazia no Brasil, e, por outro lado, essas empresas estrangeiras não investiam no interior e não buscavam novos mercados.

A partir dos anos 50, começou uma segunda fase, onde o Estado interviu diretamente na economia, basicamente no setor de energia elétrica. Passamos de 6 mil megawatts para os atuais 55 mil megawatts.

Esse investimento dos últimos 30 ou 40 anos, que foi superior a US$100 bilhões, gerou a construção de Itaipu, de Tucuruí, das grandes linhas de transmissão. Houve aproveitamentos hidroelétricos os mais diversificados em todo o território nacional e a construção de uma malha de sistema de transmissão operacionalmente eficaz. Tudo isso custou, de um lado, uma dívida externa bastante grande, mas, por outro lado, foi fundamental para embasar o desenvolvimento que, inegavelmente, experimentamos nestas últimas décadas.

Mas agora nos deparamos com um problema maior. O País continua a crescer; as estimativas indicam que neste ano cresceremos a uma taxa superior a 7% ao ano; temos um plano econômico que, ao menos neste momento, gera tranqüilidade para novos investimentos. No entanto, para que o setor elétrico brasileiro acompanhe o crescimento da demanda de energia, estima-se que o Brasil deve investir US$20 bilhões nos próximos quatro anos, ou seja, temos que investir, por ano, US$5 bilhões na construção de novas usinas e de novas linhas de transmissão apenas para fazer face ao crescimento da demanda.

Como já se sabe que o setor público brasileiro, neste momento, recebe menos do que gasta e, portanto, já há um déficit claro no setor público brasileiro, não estamos investindo nas novas usinas e nos parques de distribuição e transmissão de energia. Havia que se buscar uma nova fórmula que não cometesse os erros da primeira fase do setor elétrico brasileiro, antes dos anos 50, e que também não cometesse os erros da segunda fase, aquela que vem dos anos 50 até hoje.

A Lei das Concessões, relatada aqui no Senado de forma muito equilibrada e muito detalhada pelo Senador José Fogaça - recordo-me, inclusive, que ele percorreu o País discutindo com os setores organizados da sociedade cada um dos detalhes dessa Lei das Concessões - chegou a este equilíbrio: ela conseguiu reunir as vantagens do primeiro modelo, que tinha capital privado, com as vantagens do segundo modelo, da segunda fase, que treinou recursos humanos, investiu e buscou para o País um cabedal muito grande de tecnologia.

Nessa terceira fase que se inicia no setor elétrico brasileiro, já temos o exemplo claro de Serra da Mesa e de Igarapava, ou seja, o capital privado investindo nas usinas. É preciso que, a partir de agora, tenhamos alguns cuidados. O primeiro deles é no sentido de que as linhas de transmissão continuem no controle do Estado. Todos se recordam que, há pouco mais de dez anos, quando Felipe González assumiu o Governo da Espanha, muitos diziam que por vir de um partido de orientação socialista, o PSOE, ele teria a tendência de estatizar o setor elétrico espanhol.

Ao contrário, Felipe González fez um grande movimento no sentido de buscar o capital privado para investir no setor elétrico da Espanha que se modernizou rapidamente, mas estabeleceu, por outro lado, um controle rígido da máquina do Estado sobre aqueles investimentos e na fixação de tarifas. A tarifa de energia elétrica, na Espanha, só se modifica uma vez por ano e depois de uma ampla discussão, inclusive, no Congresso Nacional. Vive-se lá um regime parlamentarista.

Esse exemplo deve merecer a atenção para o caso brasileiro, porque embora tenha sido aprovada a Lei das Concessões, o nosso Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica-DNAEE, um órgão responsável pelo controle das concessões e pela fixação das tarifas, ainda não está suficientemente bem aparelhado para cumprir a sua missão.

O Sr. José Fogaça - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com muito prazer, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Em primeiro lugar, quero agradecer as referências generosas de V. Exª ao trabalho que o Senado fez, evidentemente, dentro do qual tivemos aquela responsabilidade de conduzir o processo de negociação política. Para fazer justiça, devo dizer que a qualidade técnica do projeto veio da Câmara, mas nem sempre em política a qualidade técnica funciona. Para que uma proposta tão qualificada e moderna, como a que veio da Câmara, se viabilizasse, foi preciso um grande pacto político nacional, e deste sim tivemos a honra de participar. Havia o interesse das empresas estaduais de energia elétrica, concessionárias estatais, da ELETROBRÁS como um todo e suas subsidiárias, do novo Governo, do antigo Governo que saía e era notoriamente contrário a qualquer forma de mudança na sistemática e organização da questão energética do nosso País, de modo que o grande acordo político que se estabeleceu é que viabilizou que uma proposta consistente como essa se transformasse em lei. Apenas quero aproveitar o ensejo do pronunciamento de V. Exª, que mostra conhecer bem o assunto e ser uma pessoa familiarizada com o tema, exatamente no momento em que faz referência ao DNAEE-Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, para que tenhamos uma consciência muito precisa da importância do órgão regulador. Na medida em que houver, gradativamente, uma transferência de responsabilidades, principalmente operativas, e se estabelecer a competição, as regras de mercado começarem a fluir e, como disse V. Exª, a venda de energia começar a se dar através das linhas de transmissão controladas pelo Poder Público, nesse fluxo, os preços poderão variar e, inclusive, competir livremente. É evidente que, sem um órgão regulador forte e, sobretudo, autônomo, não haverá seriedade no processo de desmonopolização da energia elétrica. Creio que essa tarefa está por fazer e é responsabilidade desta legislatura. Não há menção mais explícita a um órgão regulador na Lei de Concessões. A medida provisória que está sendo proposta, através do Deputado José Carlos Aleluia, no seu projeto de conversão, também não menciona a nova constituição do DNAEE ou de outro órgão semelhante. De modo que quero acentuar e dar relevância, no pronunciamento de V. Exª, para a importância desse órgão, que os ingleses chamam de regulator e que, sem dúvida nenhuma, tem um papel fundamental naquele espaço pouco preciso e até hoje mal conceituado no Brasil, que é o espaço entre o que é público e o que é privado. Há uma confusão de conceitos. Há quem confunda público com estatal no Brasil, e nem tudo que é público é, necessariamente, estatal. Há muitas ações públicas que podem se dar através da operação gestada por empresas privadas e que venham a ter efeito, repercussão, resultado e objetivos claramente públicos sobre controle público, controle da sociedade e controle da coletividade, o que é absolutamente possível. Agora, isso tem que ser fiscalizado; tem que obedecer a regras; tem que ter um ente regulatório que possa atuar de forma competente, expressiva e com poder, sobretudo com autonomia; um órgão que tenha funcionários da mais alta qualificação, recebendo altos salários, ou seja, salários acima da média nacional, para que possam ter a independência e autonomia que precisam ter. Sobretudo, um órgão que não dependa da influência de concessionários ou do poder concedente; que seja, principalmente, um órgão que possa falar em nome do interesse dos usuários, dos consumidores, dos cidadãos, um órgão da cidadania brasileira. Por isso, creio, temos que lutar. Este é, digamos assim, o ponto central da nossa responsabilidade na matéria sobre a qual V. Exª está se pronunciando com tanto conhecimento, com tanta competência. Era exatamente esse o objetivo do meu aparte. Obrigado, Senador José Roberto Arruda.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - O Senador José Fogaça, ao sublinhar a importância do fortalecimento do poder concedente, de um órgão específico, encerra e conclui o meu pronunciamento de forma muito mais avalizada do que eu mesmo poderia fazer. Esse é o cerne da nossa preocupação. Estou convencido, Senador José Fogaça, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a Lei das Concessões foi um grande avanço. Igarapava e Serra da Mesa demonstram que este País responde muito rápido a esses avanços institucionais. Mas agora, até para que esse avanço tenha permanência, é preciso cuidarmos desse ponto fundamental.

Resumindo: além do fortalecimento do poder concedente, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica atualmente está mal aparelhado para cumprir suas funções; hoje, na verdade, requisita funcionários das empresas as quais deveria fiscalizar, não tem corpo próprio e não tem salários.

Refletia muito para fazer este pronunciamento, porque não sabia se antes apresentava um projeto, mas cheguei à conclusão de que talvez não seja este o nosso papel. Se o Governo Federal neste momento está sinalizando para a reforma do Estado, no momento em que o Estado tem que ser menor - e isso vale para qualquer atividade - deve ser mais forte para cumprir bem sua missão.

Um segundo ponto que me parece fundamental nessa terceira fase do setor elétrico brasileiro é preservar os recursos humanos que foram formados ao longo desses 30, 40 anos. O setor elétrico brasileiro hoje tem, em nível da engenharia e da boa técnica, padrões compatíveis com qualquer país do mundo. Isso não pode ser perdido nessa fase de transição, quando o capital privado vem a portar recursos ao setor elétrico.

Outro ponto que já acontece em alguns países é a participação dos consumidores nesse poder de fiscalização e fixação de tarifas. Nos Estados Unidos existem as famosas comissions; em outros países isso se dá de várias outras formas, mas o importante é que o consumidor, o usuário, que é o objetivo maior da existência do setor elétrico, de usinas, de linhas de transmissão, de postes transformadores, possam ser, de alguma forma, representados nesse esforço de fiscalizar rigidamente o setor elétrico brasileiro e de fixar tarifas justas.

A última observação é apenas para sublinhar um ponto que o Senador José Fogaça apresentou com muita propriedade: quando se busca o capital privado para investir no setor elétrico, ele não deixa de ser público; a energia elétrica continua sendo um serviço público. E, ao contrário do que muitos pensam, continua monopolista, porque não há como o cidadão, tendo dois postes à frente de sua casa, escolher se vai comprar energia elétrica da empresa "A" ou "B".

Tecnicamente, portanto, o setor elétrico é monopolista, o que exige um poder concedente forte, uma regra de fixação de tarifas justa, para que o capital privado, juntamente com o capital do Estado, responda pela prestação de um serviço que é, por definição, de interesse público.

Estou muito otimista com essa resposta que sentimos de Igarapava e de Serra da Mesa; mas, ao mesmo tempo, parece-me que seria o momento exato de se fazer uma reflexão sobre a importância de rapidamente reaparelhar o Estado no sentido de que nessa nova fase do setor elétrico brasileiro o poder concedente cumpra rigorosamente a sua missão.

Para terminar, eu diria o seguinte: o Estado brasileiro está aliviado de ter que investir US$20 bilhões no setor elétrico, em dando certo a Lei das Concessões - e os indicadores são nesse sentido. Esses recursos poderão ser aplicados em atividades que, num país como o nosso, são precípuas do Estado, como a Educação, a Saúde, a Segurança Pública, a Ciência e a Tecnologia.

Enfim, penso que essa fórmula, esse projeto de país mostra, mesmo antes da revisão constitucional, sinais claros de que a sociedade responde às modificações institucionais que aqui se procedem.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9478