Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O II ENCONTRO DA BANCADA PARLAMENTAR DA AMAZONIA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE O II ENCONTRO DA BANCADA PARLAMENTAR DA AMAZONIA.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9486
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ENCONTRO, BANCADA, CONGRESSISTA, REGIÃO AMAZONICA, DEBATE, PROBLEMA, BUSCA, SOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, Amazônia Legal.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PARCERIA, ORGÃOS, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, PERDA, RECURSOS, COMBATE, PROBLEMA, REGIÃO, PRIORIDADE, AUMENTO, VERBA, DESTINAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, procurarei ser breve, até porque muito do que teria a comentar com relação ao encontro da Bancada da Amazônia, que ocorreu nesse final de semana, no Estado de Rondônia, o Colega Senador Ademir Andrade já o fez. Nesse sentido, gostaria de fazer apenas algumas referências ao que ali foi deliberado para que a Bancada possa encaminhar, junto ao Poder Executivo, e dentro das duas Casas, Senado e Câmara dos Deputados.

Naquele evento, tivemos a oportunidade de debater em dois níveis. Primeiro, sobre questões de âmbito global referentes aos interesses da região e do País. Foi aprovada uma espécie de agenda comum a todos os Estados, para todos os parlamentares, naquilo que é essencial à infra-estrutura, ao investimento na parte de estradas, comunicações, energia e tantos outros temas que, como o Senador Ademir Andrade mencionou há pouco, já estamos um pouco saturados de repetir.

Nesse sentido, foi também estabelecido, desde o início das primeiras reuniões, que buscaríamos debater e encaminhar aquilo que fosse consenso por parte da Bancada, para evitarmos que pontos que nos separam possam vir a atrapalhar o encaminhamento das questões essenciais, que é o calcanhar de aquiles para o desenvolvimento da Amazônia. Creio que isso é uma demonstração de maturidade. O que houver de discordância entre nós cada parlamentar e cada bancada, em separado, fará o encaminhamento. Mas teremos de ter a maturidade de inovar até no estilo político, de evitarmos aquela velha e cansativa forma de querer ser o pai da criança, de puxar o tapete desse ou daquele Estado, desse ou daquele parlamentar. É fundamental, pois a Amazônia e o Brasil precisam disso.

Compareceram àquele evento várias autoridades, entre elas o Ministro da Justiça, o Ministro dos Transportes, representantes de instituições ligadas ao desenvolvimento da nossa Região, como é o caso da SUDAM, SUFRAMA e do BASA. Tivemos, também, a presença do representante do Ministério do Meio Ambiente.

Naquele encontro, assinalei que ouvimos muito da parte do Governo que temos que trabalhar em parceria. Repeti o que penso, ou seja, que a parceria precisa ser feita entre as instituições públicas e a sociedade civil, mas é fundamental, acima de tudo, que se faça uma parceria entre o próprio poder público.

Quantos recursos, muitas vezes, são desperdiçados e encaminhados de forma isolada! É a SUFRAMA fazendo uma coisa, a SUDAM, outra; o BASA e o BNDES, outra, não se alcançando o resultado que se gostaria de ver ao final.

Penso que temos um sinal para que esse tipo de atitude comece a mudar. A presença daquelas instituições, por seus representantes, é a sinalização de que é possível uma parceria entre os próprios órgãos do Governo, para que se tenha uma potencialização dos recursos e das atitudes no sentido de enfrentar os problemas, que são gigantescos.

O que o Senador Ademir Andrade acaba de nos dizer, no que se refere aos recursos do BNDES, e que foi mencionado naquele encontro pelo representante dessa instituição financeira de desenvolvimento para o País, é de que os recursos de que dispomos para a Amazônia são da ordem de 1% do montante. Isso é realmente uma demonstração de que, muitas vezes, o discurso não confere com a prática.

Já dizia um pensador materialista que a prática é o critério da verdade. Eu iria por um outro caminho muito semelhante. Uma frase evangélica diz que conhecemos a árvore pelos frutos que dá. Nesse sentido, governo após governo tem dado poucos frutos para a nossa Amazônia. Portanto, tem sido uma árvore que pode até ter uma copa muito bonita, do ponto de vista do floreado, mas que produz frutos muito amargos para a nossa região.

O investimento de pouco mais de 6% para a habitação é também uma demonstração de que os frutos precisam crescer. O essencial é que governadores, parlamentares e o Governo aprendam, de uma vez por todas, que a amazônia precisa ser pensada por aqueles que moram na amazônia. Isso já estamos fazendo. Basta transformar em políticas públicas de desenvolvimento o que já vem dando certo e aprimorar com outras propostas que já vêm sendo gestadas pelos institutos de pesquisa como EMBRAPA, INPA e as próprias entidades não-governamentais. Assim, poderemos ver aquela região deixar de ser um problema para o Brasil e se constituir na sua grande solução.

Como Senadora, sempre tenho dito, nesta Casa, que envidarei todos os esforços no sentido de dar a minha parcela de colaboração, juntamente com os demais Colegas, para que a nossa atitude aqui seja, em primeiro lugar, pensar o País como um todo e, em segundo, tentar resolver aqueles problemas que, dada a natureza das especificidades regionais, têm que ser encarados de forma específica, particular.

E o nosso desenvolvimento é particular. Nesse sentido, devemos ter uma preocupação que não pode ser diluída, secundária, em função das questões estruturais que temos que resolver, no que se refere ao desenvolvimento.

É preciso compatibilizar duas coisas, Sr. Presidente: as atitudes, referentes a uma política de infra-estrutura para alavancar o crescimento econômico da nossa Região, a uma política séria, ousada, na questão social. Não podemos mais conviver com pessoas que estão morrendo de fome em meio a tanta riqueza. Um quilo de borracha está custando R$0,70. Para se comprar uma lata de leite nos altos rios precisa-se de cinco a sete quilos de borracha. Um seringueiro extrai cinco quilos de borracha por dia. Ele trabalha das cinco da manhã às sete da noite para comprar uma lata de leite em pó. Isso é política de desenvolvimento para a Amazônia?

Vamos raciocinar: se esses milhares e milhares de seringueiros, inviabilizados pelo preço da borracha, por uma política perversa que lhes deixa morrer à míngua, sem apoio técnico, sem financiamento, sem médico, sem saúde e educação, vierem para a cidade, para as grandes cidades como o Pará, o Amazonas, como é o caso de Rio Branco, e inchar as periferias, o prejuízo será bem maior. E já o está sendo.

Duas famílias na cidade equivalem a seis famílias no campo. Isso é investimento em termos de infra-estrutura, em saúde, educação, que o Governo não tem como fazer face a tudo isso. Se formos inteligentes o suficiente, tentaremos alternativas que compatibilizem preservação ambiental, crescimento econômico e a permanência de homens lá no meio da mata, porque estão prestando um duplo serviço; ao mesmo tempo, estão evitando uma chaga social muito forte. Em segundo lugar, estão proporcionando a possibilidade de que as nossas florestas não sejam completamente saqueadas.

Venho desse encontro com aquilo que gosto de guardar sempre no meu coração, Senador Ademir Andrade, que é a esperança, a crença de que o ser humano pode dar o melhor de si para resolver seus próprios problemas. Eu não gostaria, em momento algum, que a nossa Bancada começasse a fazer aquela velha política. Temos oitenta parlamentares, então chegou a vez de negociar alguma coisa; vamos traçar a grande política, vamos acabar com a política do pires na mão. A Amazônia vai ser pensada estrategicamente. Vamos levar a questão ao Ministro José Serra, ao Presidente da República. É isso que queremos e pensamos, associado a uma política global de desenvolvimento para o nosso País. Em seguida, seremos tratados com o devido respeito; temos que acabar com essa política que envergonha os parlamentares do Norte e Nordeste. Isso porque eles nos vêm, muitas vezes, como aqueles que vão ao governo para mendigar cargos, tentar indicar algumas pessoas para determinadas funções, enquanto o compromisso com o conjunto da sociedade fica mofando na gaveta ou na consciência de alguns inescrupulosos.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Ouço V. Exª com prazer, Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade - Senadora Marina Silva, estamos sempre juntos aqui na mesma luta nesta Casa. Desde que me elegi Deputado pela primeira vez, em 1978 - são, portanto, 16 anos de luta -, sempre condenei, de maneira veemente, muitos políticos da Amazônia que não se preocupam com os investimentos da nossa região e que se submetem ao Governo Federal em troca de cargos públicos. Isso sempre aconteceu. Os grandes políticos do meu Estado sempre se preocuparam muito mais em nomear dirigentes da SUDAM, do BASA, do DNER ou do INCRA do que em exigir a integração no desenvolvimento dos projetos que lá são implantados ou dos recursos do nosso próprio desenvolvimento. Como o Governador de um Estado como o Pará admite que se construa a maior hidrelétrica inteiramente nacional em Tucuruí, sem que se planeje levar a energia dessa hidrelétrica a, pelo menos, metade do Estado? A hidrelétrica de Tucuruí foi feita para atender basicamente aos interesses de três grandes projetos. A maioria dos nossos Municípios está sem energia. Sempre condenei isso. V. Exª coloca a questão da troca, da não exigência e da política pequena; gostaria de dizer que sou radicalmente contrário a essa política. Penso que os nossos interesses são maiores. Mas, Senadora Marina Silva, se o Governo não nos atender e não nos escutar, como tem feito, se o Governo tentar cooptar alguns membros da nossa Bancada em troca desses cargos e desses benefícios - não é este o nosso propósito -, que tipo de atitude devemos tomar? Entendo que temos que radicalizar a nossa ação, no sentido não de pedir o que é pequeno, mas de pedir o que é fundamental para melhorar a vida do nosso povo, que não está sendo enxergado. A classe política do Norte do País, como disse V. Exª, tem que pensar grande e alto, o que significa pensar em benefício da nossa população. No entanto, entendo - repito - que precisamos, se necessário, radicalizar a nossa ação, peitar o Governo, mostrar a ele que existimos e que temos interesses que precisam ser priorizados. Gostaria de entender melhor a idéia de V. Exª quanto a esse aspecto. Sou a favor de qualquer atitude drástica ou radical para que o Governo enxergue, veja e atenda às nossas necessidades. Aliás, para que ele nos pague o que nos deve, porque somos a região que mais exporta neste País hoje. Só o Pará contribuiu em 1994 com R$2bilhões na balança comercial de 1994. Quer dizer, um quinze avos do que foi exportado neste País foi exportado pelo Estado do Pará e não nos vêem quando é para aplicar alguma coisa para melhorar o nível de vida da nossa população.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e acredito que não há divergência entre nós. Muito pelo contrário, V. Exª completa o raciocínio que eu estava desenvolvendo. Devemos evitar essa política de tentar trocas; muitas vezes ouvimos "bem, estamos num período de reforma, então, em função dessa ou daquela estrada, pode-se votar esse ou aquele ponto". Consciência não se vende; quero aqui ter a independência de continuar defendendo os meus posicionamentos sem que a nossa Bancada coloque a nossa consciência à venda. Precisamos manter a dignidade. Se o Presidente pensa que é justo, puro e limpo um investimento para a Amazônia, ele o fará, respeitando as nossas posições, e nós reconheceremos quando ele acertar dentro da nossa Região.

Há um certo medo, porque, muitas vezes, esse tipo de articulação caminha para o rumo que nem eu, nem V. Exª, nem outros que estão aqui, pertencentes à nossa Bancada, jamais concordaríamos. Consideramos justo lutar pelo desenvolvimento da nossa Região, mas não podemos condicioná-lo a esse ou àquele procedimento de Parlamentares, no sentido de favorecer ou não o Governo.

Vamos votar aquilo que é correto, que está de acordo com as nossas consciências e não no sentido de fazer chantagem em troca desse ou daquele recurso. A arma que poderemos usar é a da denúncia, a de colocarmos publicamente o que está acontecendo - V. Exª faz isso com uma eficácia muito grande. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que temos que evitar a velha política da negociação de cargos, temos que evitar a velha política de favores, como já vi, por exemplo, na época da votação das eleições diretas, em que se trocou votos - talvez por muito menos - por um canal de televisão num Estado.

Falo nesse sentido. Tenho absoluta certeza de que V. Exª com ele concorda.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um outro aparte, Senadora Marina Silva?

A SRª MARINA SILVA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Ademir Andrade - Concordo com o pensamento de V. Exª. Todos devem votar com a sua consciência, e tenho certeza de que, obviamente, jamais tomaríamos qualquer atitude no sentido de votar tendenciosamente, porque a Amazônia recebeu esse ou aquele benefício. Todavia, Senadora Marina Silva, existe um procedimento correto, comum e, inclusive, ético que é a obstrução, usada em qualquer parlamento do mundo e considerada decente. Nenhum Senador ou Deputado federal pode vender sua consciência ou votar contra sua própria vontade, mas o procedimento da obstrução é correto, ético e usado em todos os parlamentos do mundo. Entendo que nós, nesta Casa, deveríamos, se necessário, chegar a essa atitude. Chega de conversa fiada, chega de conversa mole; é preciso ação! Dentro desse aspecto da ética e da decência, é necessário mostrar nossa força diante do Presidente da República.

A SRª MARINA SILVA - Compreendi inteiramente a sugestão de V. Exª. Acho que a tática da obstrução, em determinadas votações, é completamente diferente daquilo que eu estava condenando anteriormente. Creio ser inteiramente legítima a ação de uma Bancada no sentido de fazer valer sua vontade, porque dá ênfase a seu grito e seu desejo de contribuir para com o País.

Concluindo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, gostaria de dizer que - coincidentemente, talvez - esse nosso encontro teve o seu encerramento às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, lembrado em sessão solene, na manhã de hoje, proposta pelo Senador Valmir Campelo.

Retomando aquela idéia inicial de que se conhece a árvore pelos frutos que dá, busquemos, neste dia do meio ambiente, fazer com que os frutos combinem com a copa das árvores, para que eles não sejam tão pequenos com relação ao alarde que se faz no tocante à questão da Amazônia.

É muito fácil dizer que se vai preservar o meio ambiente, que se quer o desenvolvimento sustentável quando não se dão os meios e os recursos necessários para isso. Para mim, a tradução do desenvolvimento sustentável para a Amazônia está na política correta de preços para a borracha; no rompimento de nossa incapacidade de escoar nossos produtos; no zoneamento ecológico e econômico; nas ações concretas de algumas atividades do ponto de vista da implementação dos sistemas agroflorestais, da implantação de agroindústria, do beneficiamento de nossas riquezas da Amazônia; no sentido de gerar emprego, gerar renda e aquecer nossa economia; está na tentativa de dar as respostas que são fundamentais do ponto de vista do crescimento econômico, para que deixemos, de uma vez por todas, de depender dos repasses da União e ficar sempre de espinha curvada diante do Governo Federal por dependermos dele até para nossa folha de pagamento.

É com esse sentido que encerro meu pronunciamento sobre o evento que ocorreu no Estado de Rondônia, parabenizando o Governador Valdir Raupp, o anfitrião, que inaugurou um novo estilo de liderança e não esteve ali competindo com os presentes. Quero registrar que admirei bastante o estilo do Governador ao abrir espaço para todos, sem aquela preocupação antiga e prejudicial de ficar acotovelando esse ou aquele companheiro. Está de parabéns a Bancada da Amazônia e estará muito mais se conseguirmos, nesta reunião do dia 8, sensibilizar nosso Presidente, para que esta árvore, que é o Governo brasileiro, comece a dar frutos na Amazônia.

Muito obrigada


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/06/1995 - Página 9486