Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O CONTINUO DESMATAMENTO NA BACIA DO RIO CUIABA E COM A CONSERVAÇÃO DOS SEUS RECURSOS NATURAIS.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O CONTINUO DESMATAMENTO NA BACIA DO RIO CUIABA E COM A CONSERVAÇÃO DOS SEUS RECURSOS NATURAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/06/1995 - Página 10154
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, APREENSÃO, ORADOR, CONTINUAÇÃO, DESMATAMENTO, MARGEM, RIO CUIABA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, PANTANAL MATO-GROSSENSE.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), NECESSIDADE, PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), INGRESSO, AÇÃO CIVEL, JUSTIÇA FEDERAL, OBJETIVO, RESGATE, TOTAL, TAXAS, AUTORIZAÇÃO, DESMATAMENTO, INICIO, PROJETO, PROMOÇÃO, RESTAURAÇÃO, REFLORESTAMENTO, NASCENTE, RIO CUIABA, RECUPERAÇÃO, CONSERVAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, TENTATIVA, COMPATIBILIDADE, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ATIVIDADE ECONOMICA.

              O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as condições ambientais hoje ostentadas pela região das bacias do rio Cuiabá alimentam ainda as preocupações que há tanto nos acompanham.

              Como é do conhecimento público, imagens de satélite, divulgadas no último mês de abril, assinalam o contínuo desmatamento das margens daquele importante curso d água, confirmando o desrespeito à legislação protecionista e ignorando a falta de aptidão daquelas terras para a exploração agrícola.

              Veja-se que a Lei nº 4771, de quinze de setembro de 1965, instituidora do Código Florestal, prestes a completar três décadas de vigência, estatui que as florestas "e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País", considerando "uso nocivo da propriedade" as atividades, aí incluídas as de produção agrícola, e as "ações ou omissões" que com esse preceito venham a conflitar.

              Define o Código como áreas de preservação permanente as ocupadas pelas florestas, assim como "as demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios" e as destinadas a "atenuar a erosão das terras". Por isso, nos "lotes destinados à agricultura, em planos de colonização e de reforma agrária", é proibida a inclusão de espaços territoriais permanentemente preservados.

              Essas disposições, por sinal, mostram-se consentâneas com os ditames de nossa Lei Maior, que lhes é posterior, ao garantir o direito de todos a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado", como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", impondo "ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

              Dessa forma, transmite à autoridade pública a incumbência de "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais", mediante a definição dos espaços do território pátrio "a serem especialmente protegidos", vedando, como vimos, a utilização que de algum modo possa comprometer a integridade dos atributos que embasaram a sua proteção.

              Cumpre-lhe, também, controlar o emprego de métodos que agravem a qualidade de vida e do meio ambiente, e as práticas que submetam a risco a função ecológica da fauna e da flora, obrigando o infrator à tarefa de recuperar a área degradada, independentemente de outras sanções penais e administrativas aplicáveis tanto às pessoas físicas como jurídicas.

              Por fim, ao lado da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, da Serra do Mar e da Zona Costeira, a Constituição Federal alinha o Pantanal Mato-grossense como patrimônio nacional, condicionando a sua utilização às especificações de garantia da preservação dos recursos naturais contidos no meio ambiente.

              Por seu turno, a Política Nacional do Meio Ambiente, criada pela Lei número 6938, de trinta e um de agosto de 1981, tendo como objetivo "a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições de desenvolvimento socioeconômico, e aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana", sugere entre seus princípios, "ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido".

              A gestão de Governo obriga-se, por igual, e finalmente, direcionar-se à "recuperação de áreas degradadas", identificando-as como aquelas cuja "alteração adversa das características" indique perda da qualidade ambiental. Deve, em conseqüência, impor ao predador a obrigação de recuperar ou indenizar os danos causados.

              De um modo geral, os atentados ao meio ambiente não acarretam punição equivalente ao dano provocado. Limitando-se às sanções pecuniárias aplicadas pela autoridade pública, temos que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA recolhe e guarda o produto das taxas e multas que cobra e aplica, sem revertê-lo de pronto à recuperação das áreas eleitas como alvo das expedições predatórias, que, remanescendo devastadas, justificam de todas as formas a intervenção do Ministério Público, como guardião que é da lei e da sociedade.

              No caso presente, e segundo o diagnóstico da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural S/A - EMPAER, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Assuntos Fundiários do Governo do nosso Estado, o Rio Cuiabá, que "cedeu seu nome à cidade e sempre teve, para ela, importância vital", tem sido vítima sistemática da destruição promovida "pela civilização que originou".

              Isso porque, conforme o registro da história, o Rio, que no princípio era a única via a permitir a ligação, por barco, dessa área em Corumbá e o restante do país, sempre teve máximo significado para os municípios erigidos em suas margens, a partir do conglomerado de pequenas vilas que originaram a cidade de Cuiabá.

              Com o passar do tempo, a cidade assumiu o nome do Rio, enquanto uma e outro passaram a sofrer as distorções do progresso, que todos almejavam. A poluição das águas do Cuiabá, outrora límpidas e extraordinariamente piscosas, e a atividade pesqueira descontrolada e predatória, eram observadas já em 1956, quando nele se iniciaram as descargas da rede inicial de esgotos da cidade.

              Hoje, o rio Cuiabá, além de servir de curso para o transporte fluvial leve, uma vez que tem sua navegabilidade comprometida, desempenha papel de acentuada relevância para as cidades que percorre, provendo o abastecimento d água, gerando ocupação e criando oportunidades de lazer para a população local e visitantes.

              Tantos dependem do Rio e, no entanto, nada se faz para resguardá-lo da destruição, perpetuando-se aquelas práticas nocivas, somadas agora ao desmatamento inconseqüente, ao assoreamento do seu leito, à erosão das margens, à compactação do solo, à atividade devastadora dos garimpos.

              Como o IBAMA promove o entesouramento dos recursos que arrecada, ao contrário de endereçá-las, sem mais inúteis complicações, para os programas de recuperação do meio ambiente, a Procuradoria-Geral da República, em Mato Grosso, viu-se compelida a contra ele ingressar na Justiça Federal, mediante ação civil, objetivando resgatar, do montante das taxas de autorização de desmatamentos, importância próxima de dois milhões de reais.

              Condenado o Instituto a promover a restauração das "áreas afetadas pela exploração econômica de espécies pertencentes aos ecossistemas da Amazônia e do Pantanal Mato-grossense", requereu o Ministério Público ao Juízo da Execução a aplicação dos recursos recolhidos desde a liminar, para o fim de se ver reflorestada a nascente do rio Cuiabá ou, alternativamente, nessa fase, o replantio da vegetação de cerrado, compreendida na devastada região da Baixada Cuiabana.

              Em memorável decisão, o titular da segunda Vara da Justiça Federal, seccional de Mato Grosso, afirmando-se conhecedor dos problemas de sua jurisdição e da luta popular em favor do meio ambiente, reconheceu a necessidade de se dar "melhor atenção ao rio Cuiabá", que "há pouco tempo chegou ao mais baixo nível de sua história".

              Pois, segundo a análise dos pesquisadores, "mantido o atual estado de coisas" o Rio acaba em quinze anos". E o Cuiabá - adverte o magistrado - , não apenas "deu nome à capital". Dá a vida, enquanto dá a água; o alimento das populações ribeirinhas; o "alento ao sistema único do Pantanal", com seus quatorze municípios beneficiários.

              Nas duas margens, foi constatado um potencial predatório correspondente à densidade populacional estimada de oitocentos mil habitantes. Contudo, ao termo do processo de recuperação, dar-se-á significativo acréscimo na pureza do espelho d água e, conseqüentemente, da piscicultura de sobrevivência e industrial.

              O trabalho de elaboração do projeto, daí resultante, ao custo aproximado de vinte e nove mil reais, envolve a participação de engenheiros e técnicos das entidades participantes no processo, tais como a citada EMPAER, a Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, o PRODEAGRO, o IBAMA e a FEMA.

              As importâncias depositadas em Juízo somam pouco mais de 365 milhões de cruzeiros reais, suficientes para lastrear o custo inicial do projeto, orçado em cerca de 275 milhões de reais. Em todas as difíceis circunstâncias que o envolvem, esbarra-se na escassez ou completa ausência, de fato, de recursos, à conta de entraves no repasse.

              Essa triste situação não pode mais ser tolerada. Há uma responsabilidade enorme a pesar sobre os ombros da atual geração, frente à posteridade e à agonia do Rio, ano após ano. Por isso, a sentença consigna que o objetivo proposto, de salvar o Cuiabá, "deverá ser perseguido por toda a sociedade", não podendo, nessa conformidade, ficar limitado tão-só às verbas postas à ordem do Juizado.

              Os recursos, se insuficientes, "deverão ser buscados em outras fontes", pois o custo de projeto de tal importância só pode estar limitado pela satisfação das concretas necessidades de total recuperação do rio Cuiabá. Deverá ser procurada a associação com outras entidades, outros municípios gestores de medidas de preservação do meio ambiente, subordinando-se todos os envolvidos nessa ação a "uma coordenação séria e atuante".

              Com essa compreensão, o Ministério Público, reportando-se à Ação Civil de número 67-1, que move contra o IBAMA e outros réus, requereu, há pouco, do Juiz titular da segunda Vara da Justiça Federal, a intimação dos demandados na principal, para que informem, no prazo legal, os valores depositados à conta do Juízo requerido, também a título de Taxa de Reposição Florestal.

              Conforme assinalamos, se o Pantanal constitui núcleo de proteção permanente, de acordo com a Carta Magna e a legislação específica, deve, igualmente, representar área prioritária para aplicação das verbas do Fundo Nacional de Meio Ambiente, nos termos, cronograma de desembolsos e projeto físico originário da EMPAER.

              A liberação do suporte financeiro, deferida pelo Judiciário, permitirá que se inicie o projeto de recuperação da bacia do Rio Cuiabá. Fruto, originalmente, da dedicação e competência dos técnicos da EMPAER, esse trabalho abrange os municípios de Nobres, Rosário Oeste, Jangada, Acorizal, Cuiabá, Várzea Grande e Chapada dos Guimarães.

              Nesse estudo, estão previstas a recuperação e conservação dos recursos naturais da bacia hidrográfica do rio Cuiabá, e o convencimento das populações ribeirinhas, assim como de toda a sociedade, quanto à importância dos benefícios econômicos, ecológicos e sociais pretendidos com a implantação do projeto.

              Para isso, o projeto da EMPAER, com prazo qüinqüenal de execução, deve ser implementado dividido em subprojetos que permitam maior agilidade e eficiência do processo, reunindo o de Conscientização e Mobilização Pública; o subprojeto de Microbacias Hidrográficas; o subprojeto de Recuperação e Conservação das Margens do Rio Cuiabá e Afluentes; o subprojeto de Tratamento de Esgotos Urbanos; e o subprojeto de Repovoamento dos Rios que integram a Bacia do Cuiabá.

              Assim desdobrados, os subprojetos intentam a conscientização pública, por intermédio de ações e campanhas que conduzam a uma mentalidade e um comportamento conservacionista. O repovoamento dos rios, parte final do projeto, dependerá de que as águas estejam com nível de oxigenação compatível com a sobrevivência de alevinos.

              O projeto destina verbas para o monitoramento da água do rio Cuiabá, recolhendo-se amostras a serem posteriormente analisadas em laboratórios. Prevê-se que o repovoamento seja iniciado com quinhentos mil alevinos, anualmente, de pacu, curimatá e outras espécies produzidas em cativeiro.

              Quer-se, portanto, introduzir um sistema de microbacias hidrográficas, desenvolvido em conjunto com as campanhas de educação ambiental, apresentando novas alternativas tecnológicas de manejos de solo e água, apropriados às condições socioeconômicas das unidades produtivas rurais.

              Conta-se promover, assim, a diversificação das atividades, obedecendo a um zoneamento agroecológico projetado. A área abrangida foi dividida na sub-bacia do rio Roncador; sub-bacia dos rios Jangada, Esmeril e Pari; sub-bacia do rio Manso e sub-bacia do rio Cuiabá, em sua cabeceira.

              Nessas sub-bacias localizam-se as principais nascentes dos rios, às quais será dada especial atenção na reposição da vegetação, conservação e preservação das coberturas existentes. A sugestão é de se construírem pequenos açudes, para auxiliar a retenção de água e sua infiltração no lençol freático.

              O subprojeto de Recuperação e Conservação do rio Cuiabá dispõe sobre a reposição e conservação das matas ciliares, de acordo com os padrões estabelecidos pelo Código Florestal. No trecho onde se vai trabalhar, a largura média do rio Cuiabá será considerada entre cinqüenta e cem metros, exigindo-se, portanto, uma faixa de vegetação de cem metros de largura, nas duas margens. Como a extensão é de quinhentos e dois quilômetros, a área a ser conservada será de cinco mil e vinte hectares, em cada um dos lados.

              Os levantamentos de campo indicam que metade dessa área está preservada, restando, então, dois mil e quinhentos e dez hectares a serem recuperados e conservados, onde deverão ser plantadas um milhão e duzentas mil mudas. As espécies a serem utilizadas, preferencialmente nativas, formarão matas e bosques estritamente conservacionistas, posto que destinados à alimentação da fauna e produção de frutas nativas.

              Tal como está formulado, o projeto busca compatibilizar a necessidade de proteção do meio ambiente com a atividade socioeconômica. Espera-se plantar árvores nativas, como vimos, substituindo a mata ciliar, de modo que os seus frutos, caindo no Rio, sirvam de alimento aos peixes e à sua multiplicação.

              O plantio de frutíferas tropicais, em lugares mais afastados das margens, utilizando mudas formadas, a baixo custo, em viveiros, poderá atender, em breve tempo, à demanda de um forte mercado consumidor, com isso determinando maior circulação da moeda e o avanço da economia do Estado como um todo.

              No mesmo sentido, há previsão de que na Baixada Cuiabana, compreendendo a cidade de Cáceres, seja efetuado o plantio de arbustos que sirvam às indústrias madeireira e moveleira, assim como aos produtores de lenha e de carvão vegetal.

              Esses últimos, com grande responsabilidade pela devastação do cerrado, teriam aí a oportunidade de oferecer a contrapartida do reflorestamento, pelos prejuízos ecológicos a que deram causa, pois o rio Cuiabá, se muitos ignoravam, também por desaguar no Pantanal Mato-grossense, reveste-se de características que o elegeram num subsistema inigualável em todo o mundo.

              Vamos concluir, Sr. Presidente, sintetizando que o IBAMA, independentemente da ação coercitiva do Judiciário, deve garantir o repasse dos recursos de que é mero depositário, a fim de agilizar os procedimentos burocráticos e de favorecer o normal seguimento do processo de restauração das áreas devastadas, às margens do Cuiabá.

              Pela contribuição inestimável que o Ministério Público vem oferecendo, numa demonstração inequívoca de seu costumeiro zelo e operosidade no resguardo do meio ambiente naquela região, o seu máximo representante, o Procurador da República, Dr. Roberto Cavalcanti Batista, bem merece o renovado aplauso da gente mato-grossense à dedicação e eficiência de seu esforço, e o elogio, que ora deixamos consignado, para o registro perpétuo dos Anais do Senado da República.

              Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/06/1995 - Página 10154