Discurso no Senado Federal

PROBLEMATICA DA FOME NO PAIS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PROBLEMATICA DA FOME NO PAIS.
Aparteantes
Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/06/1995 - Página 10119
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • PROTESTO, SITUAÇÃO, FOME, DESNUTRIÇÃO, PAIS, RESULTADO, INEFICACIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, ALIMENTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, GRATUIDADE, LEITE, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPORTAÇÃO, PRODUTO, ENRIQUECIMENTO, PRODUTOR, PAIS ESTRANGEIRO, MOTIVO, DEFICIENCIA, POBREZA, PRODUTOR RURAL, BRASIL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, ESTUDO, PROBLEMA, FOME, CONCLUSÃO, NECESSIDADE, SUBSIDIOS, ALIMENTAÇÃO, ATENDIMENTO, CARENCIA, NUTRIÇÃO, POPULAÇÃO, INCENTIVO, UTILIZAÇÃO, ALIMENTOS, AMBITO REGIONAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o gravíssimo problema da fome e da má nutrição, que infelizmente atinge numerosas parcelas da humanidade, é massacrante em nosso País. As estatísticas mais qualificadas afirmam que dois terços dos brasileiros, mesmo não sofrendo a angústia da fome, alimentam-se inadequadamente. Sem salários condignos, não podem adquirir, para si e suas famílias, os nutrientes requeridos pelo organismo humano.

Essa dramática carência alimentícia, de graves conseqüências para o futuro do País, ocorre não por falta dos programas de alimentação, que se inauguram a cada início de governo nos níveis federal, estadual e municipal. Testemunhamos, no correr dos anos, os programas de distribuição do leite, da merenda escolar, dos tíquetes de alimentação, das sopas e das cestas básicas oferecidas pelas sociedades de benemerência, representando um dispêndio considerável de recursos.

No entanto, nenhum desses programas, inspirados nos mais elevados propósitos de solidariedade humana, resolveu ou resolverá o problema da alimentação merecida pelos mais carentes.

Veja-se o exemplo do leite gratuito, essencial principalmente às nossas crianças. Não temos produção leiteira suficiente, pela pobreza e ineficiência dos nossos produtores, nem temos condições ampla de pasteurizar o produto, como seria recomendável. Por isso, no passado, o Governo Federal foi obrigado a importar leite, comprando-o dos produtores europeus, altamente subsidiados por seus governos, e criando, quando menos, uma situação irônica: para mantermos os nossos programas do leite gratuito para nossos pobres, mantemos por igual e estimulamos os criadores leiteiros dos países desenvolvidos... Nós acabamos não fazendo o programa do leite e ainda matamos nossa pequena pecuária leiteira.

A criança pobre do interior brasileiro, quando recebe a merenda escolar, supre-se dela no seu período de aprendizado, digamos que em 180 dias de aulas. E nos seus períodos de férias?

O chamado trabalhador "bóia-fria", que se emprega na agricultura em períodos sazonais, recebe seus salários nesses determinados períodos. E com que dinheiro se alimenta nos meses de desemprego?...

Aos tantos programas de alimentação, segundo se afirma nos meios especializados e é por todos nós confirmado, falta, além da necessária continuidade, a indispensável coordenação, capaz de integrá-los sob diretrizes comuns. Sem essa macroorganização, pratica-se o generoso paternalismo, mas em nenhum lugar do mundo os programas paternalistas resolveram o problema da fome e da alimentação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a necessidade de alimentação adequada inicia-se desde o instante da fertilização do óvulo. A capacidade física e intelectual dos jovens e adultos, bem como a longevidade e a expectativa de vida de cada indivíduo, estão vinculadas à sua alimentação. A Nação que não assegura alimentação adequada aos seus filhos está criando uma sub-raça, destinada a manter-se subdesenvolvida.

Segundo depoimento prestado em 1981 a uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados pelo Dr. Eduardo Mascarenhas, Professor do Instituto da Criança do Hospital de Clínicas de São Paulo, uma criança submetida a uma desnutrição em alto grau, com um ano de idade, terá lesões cerebrais irreversíveis; e submetida a uma desnutrição permanente até os cinco anos de idade, terá problemas sérios quanto à sua estatura. É por isso que muitos nordestinos acabam se tornando nanicos pela deficiência crônica da sua alimentação.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Concedo o aparte ao nobre Senador Osmar Dias, com muito prazer.

O Sr. Osmar Dias - Nobre Senador Edison Lobão, peço este aparte apenas para fazer uma consideração rápida a respeito desse importante assunto que V. Exª aborda hoje. Primeiro, para dizer que o Brasil está muito longe, mas muito longe mesmo de atingir o consumo de leite recomendado pela Organização Mundial de Saúde, e isso por várias razões. Hoje temos uma produção, estagnada praticamente, de 16 bilhões de litros por ano. Isso permite um consumo em torno de 90 a 95 litros de leite por pessoa, por ano, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda um consumo em torno de 190. Portanto, estamos consumindo a metade da necessidade, mas isso porque também produzimos a metade do que deveríamos estar produzindo. Se tivéssemos hoje salário, remuneração, poder aquisitivo suficiente para que todos consumissem de forma adequada este produto essencial, que é o leite, teríamos de dobrar a produção de leite para 32 bilhões de litros/ano, e isso só seria possível se o País tivesse uma política de desenvolvimento da pecuária, que não tem. Infelizmente, o País ainda não encontrou, ou o Governo ainda não encontrou, o caminho para colocar no campo o apoio à pecuária de leite, à pecuária de corte, para dar sobretudo garantia, estabilidade e segurança aos produtores de leite. Portanto, esse problema da falta de alimento, principalmente, da primeira idade, começa no campo, na roça, onde os produtores rurais, sem uma política de apoio, não conseguem produzir quantidades suficientes de leite. E olhe que, quando o poder aquisitivo aumenta um pouco, temos falta do produto nas padarias, quando, então, há filas para se comprar o leite, o que comprova que o grande problema do subconsumo de leite está relacionado exatamente com o poder aquisitivo da população. Estou apresentando, nobre Senador, um projeto de lei, para o qual inclusive vou pedir o apoio de V. Exª, para que possamos, por lei, obrigar as empresas a fornecer um litro de leite para cada trabalhador que comprovar que a sua esposa esteja grávida ou que ele tenha um filho de até dois anos de idade - idade em que o leite é indispensável. Se hoje apenas 5% das crianças concluem o curso primário sem repetência é exatamente em função da subnutrição na primeira idade. Muito obrigado, por me conceder este aparte.

O SR. EDISON LOBÃO - Agradeço a contribuição de V. Exª, Senador, conhecido estudioso que é dessa matéria em nosso País. Em verdade, com um consumo que equivale à metade do que é recomendado pelos institutos de nutrição do mundo, não pode de fato a população, sobretudo a mais carente deste País, ter uma saúde perfeita. V. Exª tem os meus aplausos e o meu apoio à sua iniciativa no sentido de obrigar todas as empresas a entregar o litro de leite às futuras mães, que necessitam dessa contribuição valiosíssima à sua própria nutrição e a de seu filho que chegará em seguida.

A nossa tão falada "cesta básica" de alimentos, Sr. Presidente, é outra questão a ser debatida. Em nenhum país do mundo existe a cesta de alimentos por completo. Temos de nos fixar em alguns alimentos que contenham os nutrientes necessários ao organismo humano, alimentos para os quais está vocacionada a agricultura brasileira.

A partir da merenda escolar, talvez estejamos criando em nossas crianças hábitos estranhos à sua realidade. No passado, oferecíamos nos programas de alimentação o pão fabricado com o trigo importado, e mais uma vez estávamos ajudando os produtores de outras nações ao invés de subsidiarmos os nossos. Por que não o pão de milho, que seria o da nossa realidade?

No referido inquérito levado a efeito pela Câmara, citou-se um estudo do Professor Warulick Kerr, então do Departamento de Biologia da Universidade do Maranhão, no qual ele dizia que a fome seria consideravelmente reduzida no Brasil se utilizássemos os alimentos regionais. E demonstrou o Professor que o cidadão da Região Amazônica importava a cenoura para se suprir da vitamina A, quando o buriti é um elemento regional com muito mais propriedade nessa vitamina do que a cenoura.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os dados de que me utilizo neste pronunciamento, além dos que lhe acrescentei, foram inspirados na leitura que fiz da volumosa documentação da chamada CPI da Fome, presidida pelo Deputado Armando Costa e relatada pela Deputada Márcia Cibilis Viana, cujo Relatório, Conclusões e Recomendações foram aprovados em 3 de dezembro de 1991 e publicados no Suplemento do Diário do Congresso Nacional, edição nº 64/92. Em 1981, acontecera a criação de uma primeira CPI da Fome, iniciativa do então Deputado Adhemar Santillo, que não chegou ao relatório final por razões que não vem ao caso aqui mencionar.

Impressionei-me sobretudo com o depoimento do Dr. José Eduardo Dutra de Oliveira - Professor Titular e Chefe do Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, então Presidente da União Internacional de Ciência e Nutrição, Membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia de Medicina de São Paulo.

S. Sª afirma, reafirma e enfatiza que o arroz e o feijão (este só é produzido no Brasil, México, Chile e América Central) são um hábito alimentar nacional, têm sido os responsáveis pela subsistência do brasileiro nos últimos 100 ou 200 anos. E esses alimentos não são reconhecidos como prioritários e não recebem a atenção prioritária que merecem. O pequeno produtor, que é quem planta especialmente o feijão, devia merecer o estímulo que lhe garantisse o preço equivalente àquele que ganharia se plantasse algodão, soja, cana ou qualquer outro produto de mercado. Devia-se subsidiá-lo sem preconceitos, pois não há país que não subsidie seus produtos essenciais. "Quando subsidiamos o trigo, estávamos subsidiando o indivíduo rico mais que o pobre. Subsidiar o feijão é subsidiar o indivíduo pobre e não o consumidor rico", disse o Professor Dutra de Oliveira. E acrescentou que os dados das organizações internacionais têm mostrado que nenhum país resolveu o problema alimentar sem um tipo de subsídio específico para certos tipos de alimentos.

À época do citado depoimento, a produção do arroz estava decrescendo, além da baixa produtividade, em função da atenção dada a outros produtos agrícolas. O feijão mantinha-se em 2 milhões de toneladas durante os últimos quinze anos, com uma produtividade igualmente muito baixa, quando as modernas tecnologias poderiam fazer crescer consideravelmente a sua produção.

Ainda segundo o eminente então Presidente da União Internacional de Ciência e Nutrição, se a população brasileira tiver acesso ao consumo de 210 gramas de arroz e 70 gramas de feijão, numa proporção de 3 para 1, terá uma valor protéico semelhante ao do leite ou da carne. Garantida estaria a metade das energias e das proteínas de que um adulto necessita. Além do arroz, a cevada, o centeio e o milho, combinados com uma leguminosa como o feijão, a ervilha ou a soja, têm um excelente valor nutritivo.

Sr. Presidente, se existe um país no mundo que pode realmente passar a promotor ativo, e não ser apenas espectador, da boa alimentação e da boa nutrição é o Brasil, o grande futuro celeiro mundial de alimentação. O Brasil tem todo o potencial necessário para fornecer alimentos a todos os brasileiros e até para parte do mundo. Não estamos fazendo isso.

Do relatório da mais recente Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara, que estudou aprofundadamente o problema da fome, consta um dado que julgo útil incluir em nossos Anais: para que a população brasileira, estimada em 150 milhões, possa alimentar-se de forma compatível com seus requerimentos nutricionais, o País deverá produzir anualmente cerca de 15 milhões de toneladas de arroz; 5,5 milhões de toneladas de feijão; 16,4 milhões de toneladas de leite; além de carnes, ovos, pães, farinhas, hortaliças e frutas.

Entre as recomendações dessa CPI, constam a implantação de duzentas agrovilas ao longo dos principais eixos rodoviários e ferroviários, com adequada infra-estrutura; investimentos públicos direcionados preferencialmente para a produção de alimentos, bem como para a irrigação da região semi-árida nordestina e do Vale do Jequitinhonha; implantação de novas escolas agrotécnicas federais em áreas com potencialidade agrícola; isenção total de tributação para os produtos integrantes da cesta básica; unificação dos programas de distribuição de alimentos; que os alimentos adquiridos pelo Poder Público para distribuição em programas nutricionais sejam constituídos de modo a estimular-se a produção agropecuária, respeitando-se os hábitos alimentares regionais da população.

Quando se aborda o gravíssimo problema da inadequada alimentação de dois terços dos brasileiros, logo afloram as centenas e centenas de estudos, dados estatísticos, debates, conferências e simpósios que já se realizaram em torno do assunto. As nossas bibliotecas e departamentos de pesquisas estão atulhados de brilhantes trabalhos sobre a tragédia da fome e da desnutrição em nosso País.

Eu ouso dizer que é chegado o momento - na verdade, já chegado há longo tempo - de se passar à ação, a uma ação dinâmica e urgente, esquecendo-se nas estantes os tantos trabalhos teóricos que, infelizmente, não encontraram correspondência na prática.

Concluindo estas minhas modestas observações sobre um detalhe da realidade brasileira, eu me pergunto, com tristeza:

- quem tomou conhecimento das importantes pesquisas levadas a cabo pela referida Comissão Parlamentar de Inquérito, que investigou as causas da fome e da desnutrição do nosso povo?

- qual das sensatas e prudentes recomendações - cite-se apenas uma! - foi considerada pela Governo Federal?

- quanto se perde anualmente em safras, em volumes grandiosos, por falhas no processo de abastecimento, o que nos leva a perder, ao sol e à chuva, o que existe de que tanto necessitamos?

- o que se fez, enfim, para o reencontro de uma linha de ação, técnica e científica, sugerida pelos especialistas que depuseram naquele órgão parlamentar?

A nós, parlamentares, é doloroso aferir que os nossos esforços, como representantes de um povo tão sofrido, geralmente não são considerados com a seriedade com que deviam ser recebidos.

Vamos esperar que as sugestões prudentes e realistas do Congresso mereçam um dia a atenção dos que, vocacionados pelo seu espírito público, queiram sinceramente encontrar as óbvias soluções que, por nosso intermédio, são justamente reivindicadas pelo povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/06/1995 - Página 10119