Pronunciamento de Lúcio Alcântara em 09/06/1995
Discurso no Senado Federal
REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO. FAVORAVEL AO SUBSTITUTIVO DO SENADOR DARCY RIBEIRO AO PROJETO DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO.
- Autor
- Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
- Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
EDUCAÇÃO.:
- REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO. FAVORAVEL AO SUBSTITUTIVO DO SENADOR DARCY RIBEIRO AO PROJETO DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO.
- Aparteantes
- Edison Lobão, Jefferson Peres, José Roberto Arruda, Roberto Requião.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 10/06/1995 - Página 10180
- Assunto
- Outros > EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- ANALISE, IMPORTANCIA, MELHORIA, VOLUME, INVESTIMENTO, SETOR, EDUCAÇÃO, PAIS, OBJETIVO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, NECESSIDADE, ERRADICAÇÃO, PROBLEMA, ANALFABETISMO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
- MANIFESTAÇÃO, APOIO, APROVAÇÃO, SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO.
- COMENTARIO, EFICIENCIA, INICIATIVA, PAULO RENATO SOUZA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DISCIPLINAMENTO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, PROCEDENCIA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE), DESTINAÇÃO, EXPANSÃO, MELHORIA, MANUTENÇÃO, REDE ESCOLAR, ESCOLA PUBLICA, BRASIL, SISTEMA, TRANSFERENCIA FINANCEIRA, AUSENCIA, NECESSIDADE, INTERMEDIARIO.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria, nesta manhã de hoje, de voltar a abordar o tema da minha predileção, que é justamente a questão da educação. Eu já fui até advertido por um jornalista amigo que não tinha a menor ressonância trazer-se para discussão e debate no Senado questões ligadas à educação, porque a imprensa, de maneira geral, não se interessa muito por esse tema.
Como estou aqui muito mais preocupado em cumprir com o meu dever, com a minha responsabilidade como parlamentar, insisto no debate e na discussão desse tema da educação, até porque já é uma espécie de consenso, ao menos entre as lideranças políticas das diferentes correntes partidárias, que o Brasil não vai poder sair dessa situação em que se encontra de atraso, de subdesenvolvimento, a não ser qualificando a sua população, preparando os seus jovens, as suas crianças para o futuro. Isso só se conseguirá mediante um amplo programa de educação, que possibilite que esses jovens, essas crianças vivam amanhã num país diferente deste que estamos vivendo.
E, nesse caso, os nossos indicadores são realmente muito constrangedores. Estamos ao lado de alguns países como a China, a Índia, o Paquistão e o México, com graves problemas de falta de salas de aula, de analfabetismo, de crianças fora da escola.
Apesar de que, há quarenta anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos já afirmava que toda pessoa tem direito à educação, apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos no mundo todo, nós ainda temos realidades desafiadoras. Existem mais de 100 milhões de crianças, das quais cerca de 60 milhões são meninas, que não têm acesso ao ensino primário no mundo todo. Mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, não são capazes de ler um jornal, um livro, um bilhete. Mais de 100 milhões de crianças e multidões de adultos não conseguem concluir os estudos de primeiro grau. Portanto, estão excluídos dos avanços da tecnologia, porque não adquirem conhecimentos ao lidar com coisas essenciais.
No Brasil, temos, como média nacional, cerca de 20% de analfabetos. Infelizmente, esse percentual cresce muito mais no Nordeste, região onde se concentra o maior percentual de analfabetos do nosso País.
Diante desses dados, que são dados realmente chocantes, a ONU realizou na Tailândia, em 1990, a Conferência Mundial Sobre Educação Para Todos. Ali foi aprovado um documento que instituiu a chamada Década da Educação, chamando os países e os governantes à responsabilidade diante desse descalabro em matéria de educação, já no fim do século XX.
Evidentemente que todos os países signatários assumiram responsabilidades e se comprometeram a desenvolver programas e projetos que permitissem a reversão desse quadro verdadeiramente humilhante que presenciamos em muitos países, inclusive no nosso.
Nessa conferência, nasceram propostas consensuais, visando à luta pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, e o compromisso de elaborar o chamado Plano Decenal de Educação Para Todos, que justamente visa à chamada Década da Educação.
Esse compromisso dirigia-se de maneira mais direta, mais específica, a nove países que apresentam uma baixa produtividade do sistema educacional. Esses países são: Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão e Brasil. São justamente esses países que apresentam os piores indicadores, os mais baixos desempenhos em relação à questão da educação e a quem essa Conferência Mundial da ONU se dirigiu especificamente.
O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Jefferson Péres.
O Sr. Jefferson Péres - V. Exª traz ao plenário um debate importantíssimo. Infelizmente, num dia de Casa vazia, e, como V. Exª frisou, sem obter a menor repercussão na imprensa. Certamente, se V. Exª fosse trocar farpas com outro Senador a respeito de ciumada, teria espaço nos meios de comunicação; no entanto, como está tratando de educação, provavelmente, não. Nobre Senador Lúcio Alcântara, temos exemplos não apenas em tese, em teoria, mas exemplos práticos de que a educação tem resultados efetivos no processo de desenvolvimento. Vemos esses exemplos concretamente nos Tigres Asiáticos, que são quatro modelos de desenvolvimento diferentes, cada um com o seu próprio. Uns, extremamente liberais, como Hong Kong; outros, nem tanto, como Cingapura e Coréia do Sul. V. Exª pode observar que há dois pontos em comum entre todos eles: em primeiro lugar, todos têm, há mais de vinte anos, estabilidade monetária, inflação européia; em segundo lugar, todos investiram pesadamente na educação. Um país como a Coréia do Sul, por exemplo, Senador Lúcio Alcântara, espera, até 1997, ter toda a população na faixa etária de 16 a 17 anos matriculada no ensino de 2º grau. Todos eles erradicaram o analfabetismo e têm grandes avanços no campo da tecnologia. Em nenhum deles se discute o que é esquerda e o que é direita, o que é neoliberalismo ou o que é socialismo. Eles são pragmáticos, eles realizam. Por isso, romperam a barreira do subdesenvolvimento. Para V. Exª ter uma idéia, Cingapura, miserável colônia inglesa até 1965, que vivia da base aeronaval da Grã-Bretanha lá existente, foi admitida recentemente na OCDE, entre os 25 países mais ricos do mundo, porque a sua renda per capita atingiu 18 mil dólares, superando a da antiga metrópole, e tendo indicadores sociais ao nível da Suécia. Muito obrigado, Senador.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem toda razão. Por isso, eu dizia que há uma espécie de consenso, pelo menos em nível teórico, entre as diferentes lideranças políticas do País, de que não vamos romper esse ciclo de subdesenvolvimento, de pobreza, se não investirmos maciçamente na educação.
É claro que já temos muitos preceitos legais relativos a isso. A própria Constituição Federal consigna ao Estado uma série de obrigações com respeito à educação, inclusive com fixação de percentuais mínimos de exigências de aplicação de recursos. No entanto, apesar de tudo isso, temos progredido pouco em matéria de melhoria dos nossos padrões educacionais, não apenas de escolarização, mas também de qualidade da educação, de preparação para a vida.
V. Exª, ao citar os Tigres Asiáticos, que constituem um exemplo de ruptura com o subdesenvolvimento, via preparação da juventude por meio de um processo educativo, alertou para o fato de que essa educação é uma educação para a vida, uma educação prática, visando justamente ao enfrentamento desses problemas que a sociedade vive, não só no Brasil, mas no mundo todo.
Acreditamos que agora há um cenário propício para que se empreenda uma vigorosa política educacional no País. Por que digo isso? De um lado, porque já se formou essa espécie de consciência entre as elites brasileiras. Liberais, socialdemocratas, socialistas, empresários, políticos, professores, profissionais liberais, todos estão de acordo quanto a esse ponto, de que há a necessidade de se investir maciçamente em educação. Até porque não é o mesmo o homem a quem se põe um livro nas mãos. Há um processo de formação de consciência, de educação, de formação de juízo crítico que é essencial, até para a preservação de uma sociedade democrática que pretenda dirimir seus conflitos políticos por meio do diálogo e do processo eleitoral o mais amplo e democrático possível.
Como temos na Presidência da República um professor universitário, um sociológo, um homem altamente preparado para o exercício dessas funções, e, no Ministério da Educação e do Desporto, também um professor, que foi, até pouco tempo, reitor de uma das melhores universidades brasileiras, a UNICAMP, estamos seguros de que poderá estar em marcha um processo de renovação e transformação da política educacional brasileira.
Estamos muito envolvidos com o processo da reforma do Estado. Essas reformas constitucionais, que suscitam, inclusive, muita polêmica, como as reformas da ordem econômica, têm constituído uma espécie de biombo, que, muitas vezes, não nos permite enxergar determinadas transformações culturais e até mesmo a implementação de certas políticas públicas que estão ocorrendo no seio do Governo.
O Sr. José Roberto Arruda - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, Senador José Roberto Arruda. Logo após, citarei alguns exemplos a propósito do tema que estou tratando, a educação.
O Sr. José Roberto Arruda - Senador Lúcio Alcântara, gostaria apenas de trazer a essa reflexão de V. Exª um dado que me parece importante, um dado objetivo. A Comissão de Educação do Senado discute neste momento a Lei de Diretrizes e Bases, principalmente um substitutivo a ela apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro. S. Exª empresta a esse seu substitutivo não só a sua história de vida, os vários decênios em que colocou a sua inteligência a serviço da educação brasileira, a sua experiência como criador da Universidade de Brasília, mas, principalmente, uma simplificação que é própria daqueles que são sábios. As coisas simples normalmente são extraídas daqueles que já viveram muito, já passaram por várias experiências, de pessoas que são reconhecidamente inteligentes e dedicadas à causa pública. No substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, que virá fatalmente ao debate no plenário do Senado, - e só poderia ter nascido de um homem com uma história de vida como S. Exª -, entre outras coisas importantes, como a eliminação do corporativismo que continha o projeto original, S. Exª toca num ponto que V. Exª levanta aqui. O Senador Darcy Ribeiro institui no Brasil a Década da Educação, a vigorar - inclusive orçamentariamente, mas, principalmente, em nível cultural - exatamente um ano após a publicação da Lei de Diretrizes e Bases. Não tenho dúvida em afirmar que, passado esse período da Revisão Constitucional, esse assunto talvez seja o mais importante, em termos de médio e longo prazo, para o País, a ser discutido aqui, no Senado. É importante destacar que há cinco ou seis anos a Lei de Diretrizes e Bases tramita no Congresso Nacional, sem conseguir um consenso das forças políticas para que seja implantada uma política clara, duradoura, de educação -principalmente de educação básica, mas também de educação universitária - no Brasil. Aproveito o discurso de V. Exª para chamar a atenção do Plenário do Senado, onde esse debate vai chegar, para o substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, que tem o mérito da simplificação, o mérito de colocar na Lei de Diretrizes e Bases apenas aquelas questões fundamentais para a educação brasileira. Também devemos recolher da inteligência, da experiência de vida do Senador Darcy Ribeiro, os melhores ensinamentos para essa que, fatalmente, vai ser a grande discussão no Senado e no País, passada a revisão constitucional.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador José Roberto Arruda. Ia justamente incluir entre as razões que me animam a ter esperanças em uma mudança no nosso padrão educacional nos próximos anos a iminência da aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases, que tem suscitado muito debate, muita discussão. O Senador Roberto Requião, que preside com muita competência e bravura a Comissão de Educação, tem testemunhado essas discussões, esses debates, sobre a matéria, e tem sido um personagem privilegiado nesse processo, procurando realmente fazer com que esse projeto chegue ao plenário, para que possamos discutir, opinar e decidir. Sou, por temperamento e formação, uma pessoa que busca o consenso, mas há limites para isso. Vejam bem, estamos com três possibilidades: o projeto da Câmara dos Deputados, o substitutivo Cid Sabóia de Carvalho e o substitutivo do Senador Darcy Ribeiro. Alega-se, reconheço, com justificada razão, que tanto o projeto da Câmara dos Deputados quanto o projeto do Senador Cid Sabóia de Carvalho foram fruto de muito debate e discussão, inclusive com a sociedade civil; foram fruto de ampla participação da comunidade educacional. Todavia, resta-nos agora, até por imperativo constitucional, em decorrência do mandato do qual estamos investidos, deliberar sobre essa matéria. Temo que, às vezes, o excesso de consenso produza monstros, na medida em que o consenso deve ser um instrumento que permita avanços, progressos e não apenas um instrumento de paralisação, que coloque as coisas de tal modo que elas não possam sequer funcionar, tornando-se inúteis.
Tenho simpatia pelo projeto do Senador Darcy Ribeiro. Ontem, pela primeira vez, encontrei uma técnica, muito qualificada, com quem conversei a respeito. Ela admitia perfeitamente a possibilidade - o debate está muito radicalizado, as pessoas quando participam de um processo muitas vezes se apaixonam por ele, ficam "cegas" e não percebem suas vulnerabilidades - de se conciliar, sem que se prejudique aqueles pontos cardeais da lei, os dois projetos, de forma que possamos oferecer à sociedade brasileira a melhor lei possível.
O Sr. Roberto Requião - Senador Lúcio Alcântara, permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Antes de conceder o aparte ao nobre Senador Roberto Requião, que o faço com grande alegria, gostaria de explicar as razões pelas quais sou mais simpatizante ao projeto do Senador Darcy Ribeiro do que ao substitutivo Cid Sabóia de Carvalho. Esse último tem uma concepção muito centralizadora do processo, enquanto que o substitutivo do Senador Darcy Ribeiro compreende melhor a questão dos sistemas educacionais, dos subsistemas, da autonomia dos Estados, da possibilidade de ensejar iniciativas locais bem-sucedidas e de menores custos, também atende melhor a nossa realidade e compatibiliza a lei com o espírito federativo que deve presidir todas as iniciativas de natureza Federal.
O substitutivo Cid Sabóia de Carvalho concede ao Conselho Nacional de Educação tais poderes que ele, praticamente, enfeixa para si todo o poder em relação à Educação nacional - é dessa forma que o substitutivo trata o capítulo da Educação nacional -, subtraindo de Estados e Municípios competências e possibilidades para que empreendam, legitimamente, iniciativas nesse campo.
Ouço, com muito prazer, o Senador Roberto Requião.
O Sr. Roberto Requião - Senador Lúcio Alcântara, a discussão da LDB é, sem sombra de dúvida, interessante e essencial mesmo para qualquer proposta de retomada do desenvolvimento no Brasil. O famoso milagre japonês teve origem na reforma Meiji, quando se abandonou a escrita ideogramática, ideográfica, e se adotou o alfabeto ocidental, reduzindo os currículos. Para os Tigres Asiáticos, como disse o Senador Jefferson Péres, essa reforma educacional, voltada para a produção, surgiu também como objeto de exploração da mão-de-obra daqueles países pelas grandes corporações japonesas, no momento em que o custo da mão-de-obra, no Japão, se elevava com o processo de desenvolvimento econômico e relativo processo de desenvolvimento social. Mas a questão da Educação no Brasil será discutida de forma mais eficiente - é uma ousadia o que vou dizer - na Comissão de Orçamento do que na Comissão de Educação. Acredito que o projeto do Senador Darcy Ribeiro é o ideal, porque apropria toda a arquitetura essencial do projeto da Câmara dos Deputados, do projeto do Senador Cid Sabóia de Carvalho, e se desfaz de alguns excessos; ele elimina a superposição entre o necessário e importante Estatuto do Magistério e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Não entendo por que a polêmica. Como Presidente da Comissão de Educação, fiz uma audiência pública, na qual não se contrapôs ao projeto do professor Darcy Ribeiro nenhuma questão essencial, a não ser a defesa do ritual da discussão do projeto anterior. Recebi, outro dia, uma vastíssima comissão da ANDES no meu gabinete, defendendo o ritual anterior de formulação dos projetos em tramitação no Congresso Nacional. Acabei irritado e pedi a eles que não mais me procurassem se não trouxessem propostas substantivas e por escrito, porque discutiríamos o projeto como uma prerrogativa dos nossos próprios mandatos e não poderíamos aceitar o que nos propunham, que era a finalização da discussão e a aceitação pura e simples do projeto do Senador Cid Sabóia de Carvalho, Senador competente, inteligente, um intelectual de peso, mas que havia absorvido as propostas colocadas por todas as categorias, principalmente as universitárias, muitas das quais pertinentes e legítimas, mas que não caberiam num projeto de diretrizes e bases. Penso que vamos dar ao País a melhor Lei de Diretrizes e Bases que nos for possível; vamos caminhar com vagar e estabelecer, sim, um consenso, mas não o da ausência de opinião, da falta de ética; vamos estabelecer um consenso quando entendermos que ele existe, quando uma minoria significativa não for marginalizada do processo de discussão. Jamais o Senado da República marginalizará minorias do processo de discussão da LDB, mas também é certo que não vamos abrir mão do nosso dever e direito de discutir e votar um projeto que tramitou por muitos anos, às vezes de uma forma exemplar, outras vezes talvez tenha sido aprovado em fim de Legislatura. Mas o fundamental é que essa questão está aberta não só na Comissão de Educação, mas fundamentalmente no plenário. O Senado Federal deverá - assim o espero - dedicar uma sessão específica para a discussão e aprovação da LDB.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador Roberto Requião, foi muito importante o aparte de V. Exª na medida em que esclarece o andamento da discussão e a tramitação dos diferentes projetos que tratam de uma matéria da maior importância, não para mim que sou membro da Comissão de Educação e tenho acompanhado o debate com a maior atenção possível, mas para o Senado Federal, como um todo, e para a sociedade brasileira.
V. Exª abordou a questão do Orçamento. Penso que a Constituição Federal, por iniciativa do Senador João Calmon, o grande benfeitor da Educação nacional, de certa maneira, acode essa preocupação quando vincula percentuais da Receita à aplicação em Educação, estabelecendo o mesmo para os Estados e Municípios.
Acontece que vivemos impasses às vezes muito estranhos. Quando era Deputado Federal, fui membro da Comissão de Orçamento e presenciei, várias vezes, discussões sobre o desejo de se obrigar que, do percentual de todo o orçamento do Ministério da Educação, 50% fossem destinados à aplicação em educação fundamental. Isso não poderia ser feito porque, se esse procedimento fosse adotado, não restaria recurso para o ensino de 3º grau, para as universidades federais, que consomem grande parte do orçamento do Ministério da Educação.
De modo que, há aí uma série de dificuldades que temos que ultrapassar, que vencer, para ingressarmos nesse período de redenção da Educação nacional.
É muito comum serem anunciadas prioridades para a educação durante as campanhas políticas. Na maioria das vezes, essas prioridades têm se transformado em mero exercício de retórica. São candidatos que tiram fotografias com criança nos braços ou governadores que visitam cidades do interior com os estudantes - às vezes sob o sol a pino - agitando bandeirinhas para aplaudirem as autoridades. Na verdade, essas prioridades não têm, até então, sido efetivamente contempladas.
A meu ver, uma iniciativa singela, mas de grande alcance, acabou de tomar o Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, quando S. Exª disciplinou a aplicação e distribuição dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Há duas possibilidades para a aplicação desses recursos: uma, para expansão e melhoria da rede física das escolas brasileiras - e S. Exª irá distribuir esses recursos no segundo semestre -; e outra, para a manutenção das escolas.
Sabemos que as nossas escolas são pobres, têm muitas deficiências e S. Exª disciplinou a distribuição desses recursos de forma a contemplar todas as escolas públicas nos 3.700 municípios brasileiros. Esse dinheiro irá diretamente para a escola; será a diretora, juntamente com a Caixa Escolar e com a Associação de Pais e Mestres, que irão administrar a aplicação desses recursos para a manutenção da escola. Com isso, a comunidade local vai ter maior controle sobre a aplicação desses recursos; as diretoras, geralmente, são pessoas judiciosas, sérias e competentes.
Ao mesmo tempo, vamos acabar com um problema muito sério - aqui, existem vários companheiros que já foram Deputados Federais - : é que tínhamos que estar nos gabinetes do Ministério da Educação, intermediando liberação de recursos para essas escolas, para esses municípios. Os prefeitos, muitas vezes, eram vítimas de intermediários inescrupulosos que, a pretexto de formular projetos ou acompanhar a liberação dos recursos, deixavam os prefeitos em situação de dificuldade.
Esses recursos, agora, serão transferidos automaticamente. O valor vai depender do tamanho da escola e do número de alunos matriculados. Isso, para mim, representa um grande avanço, a exemplo, aliás, do que já fizeram outros Estados. No Ceará mesmo, o recurso para realização de pequenas obras, como manutenção, é destinado diretamente à escola, sem intermediário. Da mesma forma que, recentemente, o Governador Tasso Jereissati sancionou lei prevendo a eleição dos diretores de escolas e municipalizando o ensino; assim como o Governador Leonel Brizola, por inspiração do Senador Darcy Ribeiro, já tinha destinado aos CIEPS recursos para a compra da merenda escolar diretamente, a fim de que a própria diretora adquira esses alimentos junto à escola, naquela comunidade, de forma a obter preços mais baixos, melhor qualidade, evitar o desperdício de recursos e melhorar, assim, a qualidade do ensino e da assistência ao aluno.
O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com grande apreço, Senador Edison Lobão.
O SR. Edison Lobão - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª aborda um tema fundamental no exame das questões sociais do País. A questão da Educação, a meu ver, deve estar sempre em primeiro lugar em todos os debates travados nas diferentes instâncias do País. Discordo apenas de um ponto em relação ao discurso de V. Exª: não considero que os recursos aplicados na Educação sejam escassos. A meu ver, eles são mal aplicados. Veja V. Exª que 18% de todas as receitas federais destinam-se à Educação; e isto, vamos reconhecer, graças, fundamentalmente, ao esforço do nosso ex-colega João Calmon, que lutou a vida inteira por essa vinculação constitucional. Essa vinculação é ainda maior nos Estados e Municípios, que têm 25% de todas as suas receitas destinados à Educação. Mas o que acontece com a aplicação desses recursos? Enquanto nos países desenvolvidos da Europa, Estados Unidos, Japão e até a Rússia há uma relação estudante/professor/funcionário tolerável, ou seja, em torno de 18 a 20 alunos por professor/funcionário, aqui no Brasil, chegamos a ter, em média, apenas oito alunos por professor/funcionário. E há algumas universidades em que esses números são paritários, ou seja, para cada aluno há um funcionário/professor. Isso é um absurdo! Essa é a fúria nomeante que têm as nossas universidades e, de modo geral, os governos: nos Estados, a Secretaria de Educação detém 50% do funcionalismo. Há funcionários demais! Então, esses funcionários - e não os alunos - são os que consomem parte fundamental dos recursos destinados à Educação. As universidades federais consomem, hoje, aproximadamente, 70% das receitas do Ministério da Educação. Esse número já foi mais elevado, chegou a 92% para as universidades. O que sobra, portanto, para o ensino fundamental de 1º e 2º grau, fica realmente bem mais reduzido. E o que acontece nas nossas universidades? Basta ir à Universidade de Brasília e veremos um oceano de automóveis, muito deles importados, que são dirigidos por alunos, ou seja, alunos que podem pagar o seu ensino e não o fazem. Nos Estados Unidos, a maior nação econômica do mundo, em geral, os alunos pagam o seu próprio ensino superior com recursos obtidos nos bancos, empréstimos do crédito educativo e, depois de formados, os alunos restituem o valor recebido aos bancos. Ora, se até nas nações ricas é assim, por que não haverá de ser assim também no Brasil? É claro que o estudante carente deve ser auxiliado pelo Governo com bolsa de estudo; mas o estudante carente, não o estudante rico, milionário, que não precisa dessa ajuda do Governo Federal, de toda a Nação brasileira. A meu ver, o que está acontecendo é uma má distribuição e, sobretudo, uma má aplicação dos recursos, e não uma carência. Quanto ao mais, solidarizo-me integralmente com V. Exª pela manifestação e pelo discurso que faz nesta manhã de sexta-feira.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Edison Lobão, o aparte de V. Exª proporcionou-me o ensejo de comentar um pouco mais a questão da distribuição dos recursos. Acolho em parte o raciocínio de V. Exª, porque, na verdade, os próprios estudos empreendidos por agências multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o BID, mostram que na cadeia da transferência de recursos do Governo Federal para os Governos Estadual e Municipal, até chegar à escola e ao aluno, há uma perda considerável; alguns chegam a falar em 40% de recursos; outros, até mais. De maneira que esse desperdício reduz o recurso efetivamente aplicado na escola, atingindo diretamente o aluno.
Daí porque me entusiasmo com esse tipo de projeto que transfere diretamente para a escola os recursos, a fim de otimizar esse gasto.
Mas, na verdade, entendo que o esforço que estamos fazendo em termos de vinculação de recursos destinados à Educação em relação a receita que temos é grande, mas para vencermos e superarmos esse atraso em que nos encontramos, seguramente, em valores absolutos, talvez ainda seja pouco.
Em relação às universidades, hoje, o alunado das instituições privadas de ensino superior já supera o alunado das universidades públicas. Por quê? Há uma nítida deterioração, há uma degradação no nosso ensino universitário, por várias causas, várias razões.
Por exemplo, para mostrar que não assumo uma atitude corporativista, por ser professor universitário, afastado para exercício do mandato eleitoral, concordo com a instituição do exame de avaliação. As nossas universidades sempre se recusaram a isso sob vários pretextos.
O Sr. Roberto Requião - Permite V. Exª um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Para que possa ouvir o nobre Senador Roberto Requião e, em seguida, concluir o meu discurso, solicito a tolerância da Mesa, em homenagem ao fato de ter madrugado aqui no plenário.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Tem V. Exª a tolerância solicitada.
O Sr. Roberto Requião - Senador Lúcio Alcântara, considero o debate interessante, principalmente no que diz respeito à transferência de recursos federais para os Estados. A prática normal de Estados em dificuldades econômicas e financeiras é lançar o recurso, primeiramente, no Orçamento Geral do Estado. Algum tempo depois ele é transferido para as fundações educacionais, já degradado pelo processo inflacionário - principalmente o que vivíamos até há pouco. No caso específico do Paraná, votamos uma lei que estabelece um prazo de 24 horas para que qualquer recurso federal seja transferido para a Fundação Educacional do Estado e seja aplicado. E criamos um Fundo rotativo que, certamente, foi o que inspirou o Ministro Paulo Renato a montar essa estrutura de distribuição de recursos. Trata-se de um Fundo rotativo, administrado pelo Conselho Escolar, que conta com a participação da comunidade escolar e da comunidade organizada não-escolar - desde as associações comerciais até os sindicatos dos trabalhadores que vivem em torno da escola, e as associações de pais e mestres. Esse Fundo é depositado e aplicado no Banco do Estado do Paraná, o que viabiliza a sua não-degradação, e serve para pequenas obras - o conserto de um muro, de uma janela, a compra de material didático, de uma televisão, de um aparelho de videocassete. Esse Fundo funcionou de forma excepcional, e é esta a linha que o Ministro Paulo Renato tenta dar a essa distribuição nacional diretamente às escolas. Mas o fundamental, nesse processo todo, é que as experiências novas têm de ser levadas com cuidado. Ouvi V. Exª se referir à distribuição de recursos diretos para a merenda escolar. No que se refere à compra de insumos frescos, verduras e outros, isso é interessante. Mas toda compra de merenda, quando perde de vista a compra em grande escala, necessariamente, faz subir o preço.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Roberto Requião, é verdade, por um lado, essa afirmação que V. Exª faz sobre a merenda. Por outro lado, no entanto, a compra da merenda escolar pela escola vai permitir o fomento de atividades locais, incentivar pequenos produtores, estimular o consumo de alimentos produzidos no âmbito do município ou da sua vizinhança.
A compra em grande escala tem, inegavelmente, um valor a ser ponderado, já que a aquisição de alimentos industrializados em larga quantidade permite a obtenção de um preço menor. No entanto, há problemas de distribuição, de fomento da atividade local do município, e diariamente ouvimos pronunciamentos, aqui no plenário, sobre o esvaziamento do interior, das nossas pequenas comunidades, dos nossos pequenos municípios. Entendo que há um mérito nessa tentativa de transferir, inclusive, as aquisições para o nível da escola.
Para concluir, agradecendo a tolerância do Presidente, devo dizer que a partir dos debates que aconteceram aqui, dos diferentes apartes que recebi no meu discurso, que acolhi como contribuições de grande mérito, de grande valor, pudemos sentir que há aqui, graças à experiência de cada um, acumulada ao longo do tempo, inclusive idéias, sugestões, que são extremamente úteis para a formulação dessa nova política de educação, desse novo enfoque do problema da educação.
Para terminar, quero recomendar aos que tiverem maior interesse que procurem esta publicação que tenho em mãos, que se chama Raízes e Asas, Qualidade Para Todos, O Caminho de Cada Escola, que foi feita pelo CENTEC - Centro Nacional em Pesquisa em Educação e Cultura - e patrocinada pelo UNICEF, pelo Ministério da Educação e pelo Banco Itaú, em que estão listadas algumas experiências extremamente interessantes surgidas nas próprias escolas, em pequenas escolas, no interior, em diferentes Estados, que criaram soluções de grande alcance a partir das suas experiências e dos recursos existentes no local e na própria escola. Cito, como exemplo, a Escola Demócrito Rocha, em Maranguape, no Ceará; a Escola Soares de Barros, em Ijuí e a Escola Gilberto da Silva, em Porto Alegre, ambas no Rio Grande do Sul; a Escola Benício Pereira Lima, em Senador Canedo, em Goiás; a Escola Reitor Álvaro A. C. Rocha, em Ponta Grossa, no Paraná; a Escola Carlos Rizzini, em São Paulo; a Escola Dr. José Tavares, em Campina Grande; a Escola Aníbal César, em Itajaí. Isso mostra a riqueza que há não só nos profissionais da Educação, mas nas nossas comunidades, potencial que, estimulado, pode contribuir decisivamente para que rompamos com essa situação oprobriosa da educação nacional.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Era o que tinha a dizer.