Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA REFORMA PROFUNDA NOS SETORES PRODUTIVOS DO PAIS.

Autor
Osmar Dias (PP - Partido Progressista/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • NECESSIDADE DE UMA REFORMA PROFUNDA NOS SETORES PRODUTIVOS DO PAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Josaphat Marinho, Ney Suassuna, Pedro Simon, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/06/1995 - Página 10280
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, SETOR, PRODUÇÃO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, AGRICULTURA, SIMULTANEIDADE, TRANSFORMAÇÃO, SISTEMA, FINANCIAMENTO, RELAÇÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, EXECUÇÃO, INJUSTIÇA, IMPRENSA, ESPECIFICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MOTIVO, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, PRODUTOR RURAL, RELAÇÃO, INADIMPLENCIA, FINANCIAMENTO RURAL, BANCO OFICIAL, BANCO DO BRASIL.
  • COBRANÇA, GOVERNO FEDERAL, PROVIDENCIA, PUNIÇÃO, AGRICULTOR, SITUAÇÃO, INADIMPLENCIA, BANCO DO BRASIL.
  • DISCORDANCIA, CRITERIOS, GOVERNO, DERRUBADA, TAXA REFERENCIAL (TR), FINANCIAMENTO AGRICOLA, MOTIVO, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, ESPECIE, AGRICULTOR.

O SR. OSMAR DIAS (PP-PR. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que o Senado vive, como a Câmara, o clima das reformas, que toma conta dos Senadores mais experientes, com quem tento aprender. Hoje aprendi muito com o Senador Josaphat Marinho, como tenho aprendido com meu Líder, Bernardo Cabral, e com o Senador Pedro Simon.

Muitas vezes, a experiência faz com que se afastem dos problemas mais corriqueiros e que, por serem corriqueiros, não chamam a atenção dos mais experientes, mas de quem está aprendendo. Por isso quero dizer, aos mais experientes, que não passa pela cabeça de quem chega, pela primeira vez, ao Senado, uma reforma neste País que não inclua uma alteração profunda nos setores produtivos.

Se quisermos reformar o Estado, com certeza teremos que trabalhar duro nas emendas que o Governo encaminha e naquelas que serão aqui apresentadas pelos Senadores. Mas não nos podemos afastar de uma realidade dura que se abate sobre o nosso País, envolvendo todos os setores produtivos e, em especial, a base da nossa economia, que é a nossa agricultura.

Um Senador, outro dia, disse-me que eu precisava falar de outro assunto, mas preocupo-me com aqueles que entendem de tudo e não se especializaram em nada. Por isso admiro a experiência somada à inteligência e, sobretudo, ao conhecimento que alguns Senadores demonstram quando vêm a esta tribuna falar de assuntos, muitas vezes, bastante específicos. Assim, falo de um assunto que entendo, que é a agricultura, e que, portanto, deve merecer a atenção de todos neste País, porque, ao se somar com os outros setores, chamados de agrobusiness, somam 60% do Produto Interno Bruto do Brasil e, praticamente, são responsáveis por 60% dos empregos neste País.

Reformas no Estado são necessárias, entre elas uma bastante profunda no sistema de financiamento, como também no relacionamento entre o Governo e esses setores produtivos.

O Sr. Josaphat Marinho - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Quero manifestar solidariedade à sua tese, esclarecendo que uma das divergências que tenho com o sistema de emendas apresentadas pelo Governo está exatamente em que são modificações de comum superficiais, não visam à infra-estrutura social e econômica e essas soluções de caráter meramente institucional não geram o desenvolvimento, o progresso ou o bem-estar, que é o objetivo fundamental da ação do Estado.

O SR. OSMAR DIAS -  Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho.

O aparte de V. Exª, na verdade, serve para dar seqüência ao meu pronunciamento porque é nesse ponto que ia tocar. Não vi nas emendas encaminhadas pelo Governo, no Capítulo da Ordem Econômica, nada que fizesse uma cirurgia profunda no Sistema Financeiro Nacional que, gulosamente, tem maltratado o setor produtivo. Além do mais ele é unido ao poder político, que é determinado pelo poder econômico-financeiro, o qual tem, por sua vez, o poder de financiar campanhas, e, através de negociar espaços no governo, financia vigorosamente campanhas e se apodera de parte do governo para ditar normas e regras dos seus interesses.

Não vi nas emendas apresentadas pelo Governo nada que pudesse estancar, brecar essa sede, esse apetite voraz do Sistema Financeiro Nacional que hoje - ninguém acredita nisso no mundo inteiro - participa com 18% do Produto Interno Bruto brasileiro, enquanto nos países mais desenvolvidos chegar a 7% é um caos total, mas aqui é normal atingir os 18%.

Ora vejam, se tomarmos 50 bancos com 18% do PIB e se pegarmos toda a massa de trabalhadores que recebem salários menores do que cinco salários mínimos mensais e fizermos a comparação, chegaremos à conclusão de que há uma injustiça sendo praticada neste País com os trabalhadores em primeiro lugar, porque todos eles juntos percebem apenas 32% do Produto Interno Bruto.

De outro lado, os agricultores, que são sete milhões neste País, representam apenas 8% do Produto Interno Bruto. Oito não é metade de dezoito; e dezoito é um pouquinho mais da metade de 32. Então, alguma coisa está errada, porque trabalhadores e produtores estão trabalhando muito para matar a sede e a fome dos banqueiros, que são poucos, mas têm muito poder neste País.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Pois não, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Note V. Exª o que está ocorrendo no País. Ainda ontem escrevi um artigo a ser publicado no domingo, em que eu observava que o povo não entenderá a mudança da política de petróleo, de telecomunicações, a exclusão do conceito de empresa brasileira de capital nacional, se continuar a política dos juros nas alturas em que estes se encontram e se não ocorrer, com a devida preferência, a modificação do sistema tributário, sobretudo para aliviar os economicamente mais fracos. O povo não entenderá.

O SR. OSMAR DIAS - Nem o povo, nem boa parte dos Senadores, Senador Josaphat Marinho, porque temos, hoje, uma carga que incide na cesta básica ao nível de 26%, quando os parceiros do MERCOSUL têm uma carga tributária bem menor. Por exemplo, a Argentina tem um índice de 14% incidindo sobre os produtos da cesta básica e os produtos agrícolas; o Chile pode vir a tirar proveito desta situação desigual na política tributária, uma vez que lá não se pratica uma taxa superior a 12%.

Estamos vivendo um momento em que a sociedade exige profundas reformas, mas o Governo precisa ter mais coragem para mandar para cá emendas que irão mexer com a vida de todos os brasileiros. Será vã a discussão da privatização ou não dos serviços das telecomunicações, do petróleo, enfim, será vã toda essa discussão se não interferirmos naquilo que é mais sagrado na vida de todo cidadão, ou seja, comer, educar-se e morar.

Com relação a estas reformas que estão sendo feitas, não sei por onde vão conseguir entrar na casa do assalariado e melhorar essa situação, como não sei como entrarão nas casas dos produtores que estão no campo desencantados ora com o Governo, ora com os seus representantes, que têm desfilado aqui, no Congresso Nacional, uma verdadeira farsa com a qual não posso compactuar.

Para se ter boa colheita, é preciso tirar as ervas daninhas das culturas. E aqui não estamos fazendo isso. Estamos tratando da mesma maneira devedores que tomaram crédito rural indevidamente, até porque o Governo agiu mal ao conceder crédito rural para quem não merecia e não tinha necessidade. Estamos tratando igual um cidadão que, até para sonegar Imposto de Renda, comprou uma fazenda um dia, fez dela um grande latifúndio, dai um domínio territorial enorme, que lhe deu poder de fogo para conseguir recursos infindáveis no Banco do Brasil e em outros agentes financeiros oficiais, financiando tudo menos o plantio de lavouras.

Conheço pessoas que financiaram avião a jato, apartamento na praia e em outros continentes com crédito rural, e que recebem um tratamento bastante diferenciado ao dado àqueles que foram ao banco e pediram pelo amor de Deus pelo crédito para poder plantar, colher, entregar a safra e pagar o financiamento, mesmo que isso lhes custasse um pedaço da sua terra, um trator ou animais de sua propriedade.

Não dá para misturar esses cidadãos num mesmo balaio e tratá-los como caloteiros, como na injustiça cometida pela imprensa. A própria revista Veja, ao não separar produtores verdadeiros de criminosos que tomam recursos públicos e não pagam, cometeu uma grande injustiça e, até agora, não a corrigiu.

Gostaria de ver na revista Veja uma matéria falando de produtores rurais de verdade, que contribuem com o abastecimento alimentar, que contribuem com o saldo da balança comercial, que contribuem com a boa vida de muitos daqueles que fazem uma política equivocada para o setor agropecuário, em função do trabalho de verdadeiros produtores rurais que não são caloteiros, que não são inadimplentes.

Se o Banco do Brasil e o Governo tivessem a coragem de enfrentar o problema agora e separar os mil duzentos e treze brasileiros que não são patriotas, porque tomaram dinheiro e não pagaram e ainda têm a cara-de-pau de dizer que não pagam mesmo porque o banco não vai lhes tomar as propriedades penhoradas ou em garantia, esses - eu os considero como não brasileiros - deveriam ser separados e o Governo dizer quem são de fato aqueles que desviaram dinheiro do crédito rural e estão sacrificando toda a classe produtora.

Mas aqui no Congresso há também Deputados e até Senadores que pertencem à chamada Bancada Ruralista - reafirmo que não sou filiado a ela. Não concordo com o seu comportamento, pois ela tem Parlamentares que só defendem seus interesses e querem pagar suas dívidas com seus mandatos. Os seus mandatos, na verdade, é que devem pagar a dívida com seus eleitores. Estes lhes confiaram um mandato para que fizessem as reformas em benefício da maioria. Mas o que fazem? Defendem poucos interessados, inclusive os próprios interesses.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Osmar Dias, no começo do discurso de V. Exª, o traço marcante foi dizer que as pessoas não devem abordar aquilo que não entendem. V. Exª entende bem do problema da agricultura e acaba de tocar num ponto sério, que é denunciar aqueles que fazem do mandato um veículo para as suas ambições pessoais e não para as preocupações coletivas. Veja, portanto, que um mandato político não é algo que se busque pensando que nele não está embutida a representação que o povo lhe dá. Com a experiência que V. Exª tem, experiência de quem foi Secretário de Agricultura durante muito tempo, verifico que sou obrigado a dar um depoimento. Não ficaria em paz com a minha consciência se não deixasse registrado nos Anais do Senado, ainda que pela via de um modesto aparte, a postura que V. Exª teve, em determinada manhã, onde me encontrava presente numa reunião com a chamada Bancada Ruralista e aqueles que iam discutir a prorrogação dos débitos ou o acerto desses com o Governo. V. Exª foi muito enfático e declarou que não estava ali para cuidar do passado, para prestar, com a sua anuência, a aprovação de um calote que representava muito mal para a Nação. O que V. Exª ali fazia era dar a sua contribuição para uma política agrícola para o futuro. Com alegria, vejo que V. Exª, homem coerente, aborda dessa tribuna esse assunto, mesclando-o com o problema das emendas constitucionais. Realmente, as nossas empresas sempre se preocuparam com o problema dos preços, ao invés de ampliarem os meios de produção. Como não sou muito afeito ao assunto, tenho aprendido com V. Exª, que honra os quadros do Partido Progressista - neste Senado, V. Exª é um dos seus expoentes -, os caminhos ínvios e difíceis de uma nova política agrícola. Senador Osmar Dias, como sou bem mais velho, deixe que eu lhe faça essa reflexão. Continue assim e não se afaste desse comportamento. Nesta Casa, V. Exª jamais será caudatário de quem quer que seja. V. Exª. tem uma independência que aplaudo.

O SR. OSMAR DIAS - Senador Bernardo Cabral, muito obrigado pelo seu aparte e por V. Exª ter sido um grande Líder do Partido Progressista. Tenho um orgulho muito grande de pertencer à sua Bancada.

O Sr. Ney Suassuna - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Osmar Dias, muito tenho ouvido falar sobre a Bancada Ruralista, sobre a sua potência, o seu número de votos. No dia da votação, dezenas e dezenas de Parlamentares passaram pelo corredor polonês que se formou em volta das urnas. Houve a dúvida de o Líder do PSDB ter deixado em aberto a votação, assim como fez o Líder do PMDB. Não fosse isso, não teríamos nunca tal número significativo de votos. Creio que se pudéssemos fazer uma verificação séria, não teríamos um terço sequer dos votos que ali foram depositados. Então, acredito que o resultado daquela votação deveu-se principalmente a uma estratégia errônea das lideranças dos partidos majoritários que, naquele dia, provavelmente, não sabiam sequer o prejuízo que a Nação teria se aquele voto fosse dado. Por essa razão, fico perplexo ao ver que, por um acaso, surgiu uma bancada ou um conglomerado que, com toda a certeza, não terá sequer um terço dos votos que diz ter.

O SR. OSMAR DIAS - Obrigado, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Roberto Requião - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Roberto Requião - Senador Osmar Dias, para mim parece de clareza meridiana, de excepcional clareza o fato de o Governo estar lidando com variáveis de macroeconomia e esquecendo os problemas do cotidiano do brasileiro. Todos nós, brasileiros, sonhamos com mudança e este sonho, este desejo de mudança deriva exatamente da insatisfação que temos com esse modelo de desenvolvimento montado a partir de 1930 e que durou até 1990, que trouxe muito progresso para o País, que instalou a Companhia Siderúrgica Nacional, mas não conseguiu incorporar as massas no mercado de trabalho e de consumo. Precisamos de mudanças, mas elas devem ser feitas sem que tenhamos medo de sermos brasileiros. O Governo Federal, no entanto, acena, mais uma vez, com a deusa Apanéia, com a panacéia universal, a cura de todos os males, que estaria, neste momento, não mais na Constituição cidadã, mas nas reformas constitucionais concessivas, que não mexem no modelo, não alteram a situação e alienam o patrimônio público historicamente acumulado a preço vil. Acredito que, com uma série de atitudes estratégicas na indústria de base brasileira e fundamentalmente na agricultura, com empréstimos de largo prazo - do setor público, se necessário -, poderíamos viabilizar uma mudança no perfil industrial, produzindo bens de consumo-salário que integrassem as massas no processo de trabalho, produção e consumo. No entanto, temos pela frente a utopia da globalização, que ignora o problema do agricultor que coloca a comida na nossa mesa. Estamos vendo, a cada dia, a pequena e a média empresa desempregando, embora o Plano Real, ancorado na agricultura e nos juros altos, mantenha a cesta básica a preços acessíveis e declinantes mesmo; estamos chegando a um momento em que o trabalhador desempregado, principalmente o da pequena e média empresa, que é responsável pelo maior número de empregos disponíveis no País, contempla a diminuição dos preços nos supermercados, sem ter salário para abastecer sua família.

Estamos vendo a utopia colocada de uma forma que me parece pouco responsável. É como perguntar a uma criança sobre o tipo de veículo de sua preferência: uma bicicleta, um Corsa, um Porsche ou um Ferrari. Os sonhos de consumo embalarão a resposta para o Porsche ou para o Ferrari, que são rigorosamente indisponíveis para uma criança de classe média alta ou uma criança pobre brasileira. Mas a utopia é colocada. A questão da cabotagem foi discutida sem que a maioria das pessoas que a discutiu soubesse o que significa o termo cabotagem. Tenho certeza que se perguntássemos, hoje, no Congresso Nacional e na Câmara dos Deputados, sobre os privilégios existentes para a empresa nacional, que foi derrubada, os Deputados que participaram daquela votação não saberiam enumerá-los. Estamos vendendo para o Brasil uma utopia, a utopia da globalização como foi utopia a Constituição Cidadã. Mas o Governo não governa e não toma consciência de que existem outros caminhos, não liberais, mas de organização da produção, para que numa economia estabilizada, com um mínimo de crescimento, por menor que seja, desse sentido a substituição do Estado dos setores onde ele se envolveu e cumpriu a sua tarefa histórica, pela iniciativa privada, de uma forma progressiva, não dilapidadora do patrimônio histórico dos brasileiros. Creio que a vertente que V. Exª procura, ao discutir a agricultura, é a vertente exata. Só podemos ser universais, Senador Osmar Dias, cantando a nossa aldeia. E V. Exª atinge a universalidade dos problemas brasileiros quando discute o nosso Estado do Paraná e o seu chão, o chão que tem sido seu nos últimos anos, como Secretário da Agricultura do Paraná, o chão que é o da agricultura, da pecuária e o da produção de alimentos. Muito obrigado, Senador Osmar Dias.

O SR. OSMAR DIAS - Obrigado, Senador Roberto Requião.

O SR. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - A Mesa adverte V. Exª que já ultrapassou o seu horário em 3 minutos.

O SR. OSMAR DIAS - Gostaria de solicitar a compreensão da Presidência. Há um pedido de aparte, que eu gostaria de conceder e, depois, concluirei meu discurso.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Em seguida, o Senador Pedro Simon fará uso da palavra.

O Sr. Pedro Simon - Sr. Presidente, se for possível, cederei, com muita satisfação, meu tempo ao Senador Osmar Dias e ao Senador Roberto Requião.

O SR. OSMAR DIAS - Gostaria de ouvir o aparte de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Farei um aparte ao seu discurso e cederei o meu tempo a V. Exª. Disse bem o Senador Roberto Requião quando lembra os últimos anos de V. Exª à frente da Secretaria da Agricultura do Paraná. Se não me engano, foram 8 anos como Secretário e mais 4 anos na direção da Companhia Especial daquele Estado. No Rio Grande do Sul, V. Exª é muito lembrado e muito respeitado pelo seu trabalho, pelo desenvolvimento que a agricultura no Paraná teve, quer no Governo do Governador Roberto Requião, quer no Governo do seu irmão. Em ambos, V. Exª foi Secretário da Agricultura. Nas várias oportunidades em que se discutia para saber quem deveria estar no Ministério da Agricultura, ouvi, inclusive do atual Presidente da República, referências ao nome de V. Exª, pela competência e seriedade com que tem defendido a causa da agricultura. V. Exª, nobre Senador, está tratando de uma das questões mais importantes da História deste País. É profundamente lamentável que assunto como esse não seja debatido com a profundidade que merece, mas seja sempre tratado ao sabor dos acontecimentos. Por exemplo, quando há seca no Nordeste, cria-se frente de trabalho lá; quando há enchente no Sul, equaciona-se o problema. Infelizmente os problemas não são resolvidos como deveriam. Em um país como Brasil, 30 milhões de pessoas passando fome é uma piada, e maior piada é dizer que não há nenhum problema em produzir alimento para essas pessoas; no entanto, se for produzido o alimento, elas não terão dinheiro para comprá-lo. O Brasil é tão fantástico que, se olharmos sua História, veremos que a agricultura sempre foi protegida quando destinada à exportação. Por que se dava apoio à produção de cana-de-açúcar, ao Instituto do Açúcar e do Álcool? Porque se queria exportar o açúcar. Por que se dava apoio ao Instituto Brasileiro do Café? Porque a economia do Brasil se baseava no café. Com o Instituto do Cacau era a mesma coisa, porque o País é um grande exportador de cacau. Na verdade, os grandes setores protegidos pelo Governo são os destinados à exportação. Nunca vi um instituto, nem algo parecido, destinado ao feijão, ao arroz, à mandioca, à batata, ao leite. Nenhum produto básico da alimentação do povo brasileiro jamais teve um estímulo oficial. É um absurdo haver num país do tamanho do Brasil tantas pessoas passando fome. Digo com toda sinceridade: não entendo como um governo pode estabelecer qualquer prioridade que não seja a de dar comida a quem tem fome. O Brasil tem todas as condições de fazer isso e até de graça. Lamentavelmente, isso não acontece. Uma autoridade disse, há alguns dias, que o Brasil, afinal de contas, está aumentando sua produção de grãos. Durante vinte anos a produção ficou na faixa dos 50 milhões de toneladas, depois aumentou para 60, e agora está na faixa de 80. Outro dia perguntei o que seria necessário para o Brasil aumentar sua produção para a faixa de 100, 150 milhões de toneladas. A resposta foi muito singela: o avanço da tecnologia, o modernismo é tão grande, a capacidade de produzir é tal que o problema é saber o que fazer com a produção. O Brasil não tem nenhum problema para produzir o trigo necessário para nosso consumo. No entanto, não tem condição de competir com o preço subsidiado do trigo que vem do Canadá, dos Estados Unidos ou da Argentina. Reconhecemos que o nosso trigo é um pouco mais caro devido à falta de condições climáticas ideais que existem, por exemplo, na Argentina. Há, pois, necessidade de haver uma política agrícola permanente. Quando as manchetes dos jornais tratam dela é porque grandes produtores foram atingidos. Se eles não fossem atingidos, não haveria notícias nos jornais. Não temos, sequer, a preocupação de fazer a divisão. Dizem que, hoje em dia, no mundo inteiro, a modernidade é necessária na agricultura. O uso de máquinas e irrigação só compensa nas grandes propriedades, mas as máquinas podem ser adquiridas por cooperativas. No Rio Grande do Sul, o Governador Alceu Collares iniciou o sistema de condomínios rurais, o que permite que apenas um equipamento sirva a diversas propriedades. Nada fazemos no sentido de estabelecer uma política diferenciada para os vários tipos de produtores: grandes, médios e pequenos. Muitas vezes acontece isto: quando o médio produtor já pagou os juros do financiamento, os grandes são anistiados. Isso não tem lógica. É absolutamente irracional. Considero importante esse plano que está sendo desenvolvido pela esposa do Presidente da República, que é um plano de solidariedade. No meu entendimento o grande objetivo desse plano deveria ser exatamente este: oferecer garantia àqueles que precisam e podem produzir. Fui, por curto período - um ano e pouco - Ministro da Agricultura. Apresentei um projeto naquela oportunidade e até hoje me alucino quando lembro que ele não foi aceito. A EMBRAPA nos entregou um estudo sobre a irrigação no Brasil, no qual mostra que temos condições de mudar a situação. V. Exª sabe que a Califórnia era igual ao Nordeste, e o povo americano conquistou a Califórnia. Conquistou-a, desenvolveu-a e atualmente aquela região é grande produtora de alimentos. O Nordeste pode produzir muito mais do que o Paraná, muito mais do que o Rio Grande do Sul, porque agricultura é sol, agricultura é luminosidade, agricultura é água. O Nordeste tem sol, tem luminosidade e tem água, mas a água é mal distribuída. No momento em que houver a redistribuição do abastecimento de água, o Nordeste se transformará num verdadeiro oásis. O que acontece lá? Uma das regiões agrícolas mais prósperas do mundo é o Vale do São Francisco. V. Exª deve ter estado lá. Eu também estive e senti orgulho de ser brasileiro. Dá gosto ver aqueles rios de cimento. A gente aperta um botão, e a irrigação artificial é total e absoluta. Coisa parecida só encontrei em Israel, nos Estados Unidos e na Alemanha. Aqui existe uma agricultura para milionário, que, em primeiro lugar, expulsa o homem do campo, porque ela é toda artificial, não precisa de artesanato, não precisa de mão-de-obra, porque ela é praticamente automática. Entretanto, custa por volta de 9 mil dólares o hectare. Estive na Índia há, mais ou menos, 20 anos. Naquele tempo, a Índia ocupava o primeiro lugar em número de pessoas que morriam de fome diariamente. Vi, de madrugada, muitas pessoas que haviam dormido ao relento se levantarem e irem ao rio se lavar. Outras continuavam deitadas. Então vinha um caminhão pipa e os molhava. Alguns não acordavam. Estavam mortos. Estes eram colocados no carro e levados embora. Hoje, a Índia está exportando alimentos em virtude de um plano de irrigação artesanal, de gente pobre. Enquanto no Brasil custa US$8 ou 9 mil o hectare de irrigação, porque o nosso modelo é o de Israel, da Alemanha e dos Estados Unidos, na Índia o custo do hectare varia entre US$400 e 600. Por quê? Porque o cultivo é artesanal, utilizando botijões, plásticos e é feito pelo povo. Sendo assim, metade dos trabalhadores ficam ocupados com a irrigação, plantam, produzem, e o país desenvolve. No Brasil, a irrigação expulsa o trabalhador. Há dois "brasis": nós - V. Exª, o Senador Roberto Requião e eu, por exemplo, - somos a Bélgica, e o povão é a Índia. Não conseguimos que o nosso discurso atinja aquela gente, não conseguimos fazer com que saibam que existimos. A discussão da frente da agricultura, a que V. Exª se referiu, isso que está no jornal; as votações que são feitas em troca da dívida, tudo isso atinge o Brasil Bélgica, aquele Brasil que está muito bem. O outro Brasil parece que ainda não chegou aqui. Por isso o felicito. Ninguém mais do que V. Exª tem condições de levar adiante esse debate. V. Exª poderá levá-lo adiante baseado na sua experiência, na sua competência e naquilo que já fez o Paraná, nos Governos Roberto Requião e Álvaro Dias. O que V. Exª fez no Paraná também pode ser feito no resto do Brasil. Vamos abrir o debate sobre esse assunto para acabar com esta imoralidade, este escândalo: 32 milhões de pessoas que passam fome. Outro dia, li no Correio Braziliense matéria que me chocou profundamente. Ela contava que Betinho passou a se dedicar ao seu plano de solidariedade e se entregou à assistência aos mais carentes quando viu uma criança subnutrida ir desfalecendo e morrer nos braços da mãe. Pouco antes de morrer, abriu os olhos, olhou para a mãe e perguntou: "Mãe, no céu tem comida?". Infelizmente, este é o nosso Brasil. E nós continuamos aqui a fazer nossos pronunciamentos.

O SR. OSMAR DIAS - Agradeço o aparte de V. Exª. Quero dizer que o Senador Roberto Requião, quando governador, deu-me todas as possibilidades para desenvolver no Paraná um grande programa na área da agricultura. Desenvolvemos juntos um grande programa. Criamos o crédito em equivalência, provando que dá certo, fizemos a conservação de solos de mais de 6 milhões de hectares no Estado do Paraná, em mais de 2 mil microbacias, irrigamos as várzeas, demos apoio à pequena propriedade. E o Paraná hoje, graças a Deus, é um modelo para a agricultura nacional e considerado assim pela FAO até para outros países do mundo.

V. Exª me dá o privilégio de conviver aqui com uma das pessoas mais experientes do País e que pode falar de muitos assuntos porque entende. V. Exª, em todas as vezes que fala, pode ter certeza de que estou prestando atenção e aprendendo. Muitas vezes, tenho vontade de aparteá-lo mas fico tímido diante da experiência de V. Exª e até me esqueço de que estamos em condições iguais, somos Senadores. Respeito sua imagem política inabalada, durante todos esses longos anos que serviu ao País em todos os cargos públicos.

Aproveito o exemplo de V. Exª sobre a Índia para falar da China. Visitei esse país na companhia do Senador Roberto Requião, governador à época, que me convidou para participar da comitiva.

Plantamos aqui no Brasil 42 milhões de hectares. Achamos que 80 milhões de toneladas é uma safra fantástica - foi a maior, é verdade - mas, ao compararmos com a China, verificamos o seguinte: numa área plantada de 55 milhões de hectares, a China produziu 450 a 480 milhões de toneladas; aqui, em 42 milhões de hectares, a produção foi de 80 milhões de toneladas. E por quê? Porque o estrato fundiário permite a aplicação de tecnologia muito mais apropriada àqueles produtores que estão lá trabalhando em suas propriedades e que conhecem cada canto da sua propriedade, utilizam o potencial tecnológico que têm e a mão-de-obra, que é barata. Cada país tem que tirar proveito do seu potencial.

Os Estados Unidos tinham abundância de terra e escassez de mão-de-obra. Então, investiu e dirigiu todas suas pesquisas tecnológicas e científicas para o aproveitamento da mecanização agrícola para, a partir disso, extrair grande produtividade da sua agricultura.

O Japão e a China possuem mão-de-obra em abundância e terra em escassez. A população, em relação a sua área, é muito grande e esses países precisavam produzir alimentos abundantemente para o abastecimento interno. Então, dirigiram suas pesquisas para o aproveitamento dos seus potenciais: mão-de-obra abundante e pesquisas químicas cientificamente dirigidas para esse setor, para que a produtividade pudesse ser alavancada. E conseguiram alavancar a produtividade.

Devemos, sim, nos envergonhar quando nos comparamos com outros países desenvolvidos. Aí, vem a desculpa: são países desenvolvidos que subsidiam a agricultura e que podem, portanto, contabilizar altas produtividades. Na Índia ou na China, vamos encontrar gente que tem as mesmas possibilidades nossas e, no entanto, de forma inteligente, souberam aproveitar os seus potenciais.

Mas aqui não. Ficamos nessa discussão eterna, que não tem levado a nada, Senador Pedro Simon. Passam-se os anos e a história é sempre a mesma. Os nossos discursos são de que não existe uma política agrícola. Mas quem deve fazer uma política agrícola neste País? Acredito que o responsável maior é o Ministério da Agricultura. V. Exª esteve lá, fez um plano junto com a EMBRAPA. Mas que é do plano? Não foi aplicado porque, quase sempre, a agricultura é tratada como atividade de segunda categoria.

Até mesmo o programa da Dona Ruth Cardoso e do Betinho é importante. Temos fome e miséria no País em abundância. Precisamos combatê-las? Sim, mas se não criarmos já neste País um clima para as reformas institucionais e estruturais que o País está exigindo, vamos continuar olhando sempre os programas paliativos ou os programas sociais. O grande problema desses programas sociais, Senador Pedro Simon, é que a comida não nasce dentro do supermercado. É aí que vem o problema. Não são levados em conta os estudos científicos.

A FAO entregou um relatório ao governo em que afirmava que um condomínio rural, ou seja, uma família no campo custa 2 mil e 800 dólares por ano ao Governo. Quando essa família é expulsa do campo por falta de apoio, vai custar 7 mil e 800 dólares ao Governo aqui no centro urbano, porque na cidade ela exige o meio-fio, a calçada, a água, o saneamento, enfim, a infra-estrutura básica para poder morar. No campo, essa família tem tudo isso gratuitamente.

Numa visão imediatista, a agricultura não é reconhecida como um setor estratégico da economia, como nos grandes países desenvolvidos. Não é por coincidência que as quatro maiores potências mundiais - os Estados Unidos, a França, a Alemanha e o Japão - têm como prioridade a agricultura e não o discurso, que é prioridade no Brasil. De fato, se for preciso, esses países vão subsidiar os agricultores, porque sabem que esse dinheiro tem retorno. O custo será muito menor do que se os agricultores forem expulsos.

Senador Pedro Simon, admiro sua postura muito reta. Muitas vezes, entusiasmamo-nos e falamos de reforma agrária. Falar de reforma agrária no Brasil com essa agricultura existente, sem um planejamento, sem uma diretriz, é o mesmo que jogar famílias numa propriedade inviável, formando-se, assim, o ciclo da miséria, que não será eliminado por nenhum Betinho ou por qualquer programa de comunidade solidária.

Senador Jonas Pinheiro, em primeiro lugar, precisamos ter a coragem de separar, no caso das dívidas, os verdadeiros agricultores, que merecem uma consideração especial, daqueles que tomam dinheiro, dando calote e manchando a sua imagem.

Quanto à dívida, esta é a minha posição: quem deve tem que pagar. Não se deve falar em derrubar a correção monetária para tubarão e barão da agricultura. Eu não os defendo, porque eles são os verdadeiros culpados por essa imagem que se criou do campo. E digo mais: eles podem me procurar em meu gabinete, podem me procurar no Paraná, podem ameaçar ir para a imprensa e dizer que não estou defendendo a agricultura. Pouco me importa. As minhas convicções vão continuar sempre as mesmas. Eles não merecem apoio meu, porque não me elegi apoiado por eles; estou aqui graças aos verdadeiros agricultores. A eles devo o meu mandato e a eles vou dedicá-lo. Não defenderei barão da agricultura porque eles são sócios dos banqueiros, e defender banqueiro também não é o meu objetivo aqui.

O Governo tem que ter coragem de pegar esses mil duzentos e treze e enquadrá-los. Se não pagarem suas dívidas, que sejam tomados os seus bens e as suas propriedades. Se fossem pequenos proprietários, já teriam que ter colocado as suas propriedades à disposição do Governo.

Derrubar a TR? Tudo bem, para quem tomou o crédito em equivalência em produto. Não concordo que se deva tomar uma medida genérica. Então, vamos derrubar a TR para os mutuários do BNH, que pagam TR na correção da casa própria; vamos derrubar a TR para todo o sistema financeiro nacional.

Alguém pode então me criticar e dizer que não estou falando pelo agricultor, mas é pelo agricultor que planta, colhe, que às vezes tem que pedir financiamentos e pagar correção monetária que estou falando. Se eu assinar um contrato em equivalência em produto, vou cobrar em equivalência em produto. A TR, para a economia inteira, é um mal que tem que ser retirado. No entanto, não há que se falar em perdão de dívida para barão da agricultura. Se o Governo quer voto no Senado para perdoar dívida de barão da agricultura, já sabe que não vai poder contar comigo.

Esteja eu em qualquer partido, votarei contra o Governo, se este adotar medida anistiando a dívida de barões da agricultura, porque votarei com as minhas convicções. O Governo - reafirmo - deve ter coragem de cobrar a dívida dos barões da agricultura, porque, dessa forma, terá dinheiro para financiar. Conheço dono de banco, que se passa por agricultor e financia verdadeiras indústrias com recursos públicos, pagando exatamente o crédito que chamam de subsidiado. Vou voltar a esta tribuna para falar das reformas de que o Brasil precisa, ao lado dessas que o Governo tem colocado no Senado Federal. Se querem meu voto a favor, tratem o agricultor com respeito e cobrem a dívida dos tubarões da agricultura.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/06/1995 - Página 10280