Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DO PROBLEMA HABITACIONAL NAS GRANDES CIDADES BRASILEIRAS. PREMENCIA DE UMA POLITICA URBANA. TRANSCURSO DOS 20 ANOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL. HOMENAGEM.:
  • GRAVIDADE DO PROBLEMA HABITACIONAL NAS GRANDES CIDADES BRASILEIRAS. PREMENCIA DE UMA POLITICA URBANA. TRANSCURSO DOS 20 ANOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA.
Aparteantes
Geraldo Melo, João Rocha.
Publicação
Publicação no DCN2 de 26/05/1995 - Página 8783
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, GRAVIDADE, PROBLEMA, HABITAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS, RESULTADO, ACELERAÇÃO, AUSENCIA, ORGANIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO, CIDADE, OMISSÃO, GOVERNO, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, POLITICA URBANA, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), RELAÇÃO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, URBANIZAÇÃO.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, INTEGRAÇÃO, UNIVERSIDADE, COMUNIDADE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo brasileiro, em sua agenda programática de trabalho, aponta, como principais temas de abordagem, a cooperação e o conflito entre as nações, os direitos humanos baseados em uma sólida democracia, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável.

Quando falamos em desenvolvimento sustentável, não podemos perder de vista o seu significado abrangente, definido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992: a convergência de objetivos e ações políticas com vistas ao desenvolvimento econômico, social, cultural e de conservação ambiental.

O desafio já está posto; resta-nos buscar, como homens e mulheres comprometidos com a definição de um projeto de nação, a superação dos desequilíbrios acumulados, das desigualdades extremas, inter e intra-regiões e classes sociais, que sublinham, de forma perversa, a realidade em que vive a maior parcela da população brasileira.

Outro desafio a enfrentar é o dos projetos definidos teoricamente, incensados como "únicos caminhos para a dita modernidade" e abandonados, no seu nascedouro, pelo atropelamento das campanhas políticas. Nessa dinâmica, os excluídos são o País e seus cidadãos.

Na era da revolução científico-tecnológica, cuja velocidade alcança ritmo sem precedentes na história, falta-nos recolocar na agenda o compromisso com a cidadania, com a urbanidade.

Talvez venhamos a nos repetir no discurso, impregnado da sensação do déjà vu. Todavia, o que ora pretendemos é pautar as discussões com idéias e conceitos que ainda estão longe de serem assimilados pela classe política, apesar de constituírem-se em reclamos do cotidiano, vivido pela população de nosso País.

Nos anos 60, portanto, há trinta anos, o espaço cósmico estava sendo conquistado. Vivíamos os efeitos da Guerra Fria, os jornais estampavam o horror do conflito do Vietnã, ao mesmo tempo que escondiam o que aqui se passava. A Bossa Nova e o Cinema Novo se afirmavam, surgiam os Beatles e os Rolling Stones, confraternizava-se em Woodstock.

Muitos de nós pertencemos a essa geração; muitos de nós somos vistos como privilegiados por termos vivido momentos tão ricos. Porém, os feitos acima enumerados fazem parte da memória. As contradições, essas sim, permanecem, crescem carentes de soluções.

Nos mesmos anos 60 de que falávamos, o Brasil já registrava mais de 45% de população urbana. Hoje somos 75%; no ano 2020 seremos 90% de habitantes vivendo em cidades. No entanto, uma reflexão atualizada da urbanização brasileira em curso exige, sem dúvida, o enfrentamento dos novos obstáculos, que se somam àqueles que, ao longo do tempo, permaneceram sem respostas ou sujeitos a intervenções episódicas e emergenciais.

A seqüência de fenômenos novos no cenário urbano, expressiva de veículos cada vez mais intensos e ágeis, nas escalas internacional e nacional, têm ocupado o centro de nossas preocupações, dividindo opiniões e expectativas quanto ao futuro, deixando, assim, pouco espaço para discussões mais consistentes sobre o desafio representado pelo crescimento desordenado das cidades brasileiras.

O Sr. João Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. João Rocha - Nobre Senador, V. Exª vem da Região Nordeste do País, e eu represento aqui a Região Norte, especificamente o Estado de Tocantins. Agride-me, permanentemente, saber que somente o Estado de São Paulo tem quatro bilhões de miseráveis, o que representa quatro vezes a população do meu Estado. E por quê? Porque os representante dos Poderes não se preocuparam com a interiorização do País. O Tocantins, que tem hoje 1,2 milhão de habitantes, busca para eles uma perspectiva de vida melhor; mas eles acham que o futuro está em migrar para São Paulo, para a Região Sudeste ou Sul do País. Isso representa um custo social muito grande para o Estado, Senador, porque não há projeto, não há prioridade - e vendo aqui o Senador Beni Veras, lembro o trabalho maravilhoso, profundo, que S. Exª fez, analisando as desigualdades sociais e regionais. Lamentavelmente, os governos passados não se preocuparam com o social. Neste País, ninguém se preocupa com a educação, porque é solução! Lamentavelmente, os governos não se preocupam em viabilizar a educação, tornar o cidadão consciente, responsável. Porque, a partir do momento em que a sociedade vai se tornando consciente, ela cobra mais, ela conhece os seus direitos e as suas responsabilidades. E o Estado não quer isso! O Estado quer ser paternalista; continua querendo ser irresponsável. V. Exª, coincidentemente, é de um Estado que tem um Senador que é meu amigo, é responsável, e se preocupou demais com as desigualdades sociais e regionais. Peço, então, este aparte neste momento, para dizer que a solução para o País é muito fácil, simples: é necessário haver vontade, é necessário haver definição, para fazermos aquilo que o País espera de todos nós, como Parlamentares. Tenho certeza de que V. Exª conhece o trabalho que Beni Veras fez quando assumiu a Presidência da Comissão que analisou as desigualdades sociais neste País. Elas são tão transparentes, tão evidentes, que não é preciso nenhum economista para analisá-las e chegar à conclusão final: o Brasil é cheio de Brasis. O que queremos nesta Casa? Transformar o Brasil num só Brasil, num bloco monolítico, uno, coeso na defesa de seus interesses maiores. Esse assunto é profundo, é importante. Estamos gerando desigualdades há mais de dez anos. Se queremos buscar a igualdade, é muito fácil: é só buscarmos o caminho correto, como fez o Senador Beni Veras, um Senador do Estado de V. Exª, no seu relatório. Esse é o Brasil real: vamos buscá-lo. Quero que V. Exª conte comigo, um humilde Senador da Região Norte do País, que sofre com as desigualdades regionais. Vamos buscar soluções para o País. São fáceis, desde que as busquemos num bloco monolítico. Obrigado por me conceder o aparte.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador, ouvi, com muita atenção, o aparte de V. Exª, que, como eu e como o Senador Beni Veras e tantos outros que têm se sucedido na tribuna, clama por uma solução para os problemas das desigualdades regionais. A perdurarem, ameaçam a própria Federação, a integridade, a paz nacional. E temos que insistir, temos que cobrar, temos que reiterar, para acordar o Governo dessa indiferença em relação a um problema tão grave como esse.

Em que pese a realidade eloqüente, o volume de informações sobre as mudanças na economia tem significado um olhar quase exclusivo para as questões relativas à expansão do mercado de bens e serviços e as formas de financiamento do Estado. Esse enfoque unilateral vem favorecendo o ocultamento das bases espaciais e sociais do próprio desenvolvimento econômico, transformando a política econômica - de importância inquestionável - na totalidade da política.

Essa redução é antagônica ao conceito de desenvolvimento sustentável e não contribui para a conquista coletiva do exercício da cidadania, tampouco para o aumento do nível de urbanidade, isto é, do amadurecimento das relações socioculturais e políticas no espaço urbano, indutoras da cortesia, da afabilidade, da solidariedade, compatíveis com o grau de urbanização alcançado pelo País nas últimas décadas.

Paralelamente, a ausência de projetos e políticas dirigidas ao urbano sujeita a sociedade brasileira aos riscos da acomodação e do conformismo, diante da falta de soluções, ou à adesão a modismos - caros e comprometedores do futuro - que a transformam em caricatura das tendências internacionais. Comportamentos pouco criativos, mais das vezes miméticos, não induzem a descoberta de saídas para a crise econômica e social; ao contrário, acentuam as desigualdades que ora penalizam grandes contingentes populacionais, concentrados nos espaços urbanos metropolitanos do País.

Os riscos mencionados assumem formas mais graves nos países periféricos do sistema mundial, nos quais sucessivos processos de "modernização" deixam marcas profundas na sociedade e no espaço onde ela melhor se expressa - a cidade.

Diante desse quadro, como então articular processos anteriores e atuais de modernização, em busca de coerência e de ampliação da justiça social? Ou, ainda, como evitar novas cisões e fragmentações do tecido urbano, físico e sociocultural, indutores dessas desigualdades? Sem dúvida, são perguntas cujo significado, no atual cenário de incertezas, se defronta com a crescente consciência dos males, oriundos de modelos que historicamente foram incapazes de gerar uma vida urbana enriquecedora, plasmada na pluralidade, na diversidade e na convivência democrática.

As marcas da exclusão social, impressas no espaço urbano metropolitano, estão longe de ser, como querem alguns, de cunho conjuntural. São, sim, de caráter estrutural, amplamente demonstrado pela história da evolução das cidades brasileiras, e da inequívoca intervenção do Estado na forma de ocupação do território.

A dimensão das dúvidas contemporâneas, no entanto, em lugar de impedir a realização de propostas para o futuro urbano, sublinham enfaticamente a plena liberdade de reflexão. Mais do que nunca, hoje, a vida social provoca um novo olhar dirigido às cidades, campo fértil de possibilidades a serem projetadas.

No caso brasileiro, em particular, há que se lidar com os fatores e escalas de análises variadas, porquanto as mudanças em curso são legítimas herdeiras do somatório de intervenções praticadas na economia e, em conseqüência, no espaço territorial, marcadas mais recentemente pelo processo recessivo da última década. Vale, no entanto, ressaltar a politização da questão urbana, entre meados dos anos 70 e 80, que ganha contornos nítidos, face à conjuntura de redemocratização com o aparecimento em cena de novos atores sociais, expressivos da radicalização das desigualdades, cujas origens estão no modelo de crescimento econômico, imposto durante largo período da nossa história.

Com a eclosão dos chamados movimentos sociais urbanos, nos fins dos anos 70, crescem as reivindicações na agenda dos debates, tendo como pano de fundo o ideal da gestão democrática da cidade, segundo o qual são ampliados os instrumentos de controle do poder público local sobre o uso do solo urbano e garantida a participação social na definição das condições materiais da vida urbana. É dessa época a expansão do movimento comunitário urbano, cuja base nega as tradicionais políticas de cunho episódico, clientelista e paternalista, praticados na longa esteira do populismo. Pode-se dizer, extensão urbana do coronelismo rural.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, com toda atenção.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Lúcio Alcântara, hesitei muito em interromper o extraordinário pronunciamento que V. Exª profere nesta tarde, porquanto se trata de um retrato feito com o capricho e cuidado de um cirurgião com o seu bisturi na mão, para definir e mostrar claramente o conjunto dos mais importantes problemas da sociedade do nosso tempo. Além dos cumprimentos a V. Exª, gostaria apenas de acrescentar uma preocupação que, desde o primeiro pronunciamento que tive a honra de fazer nesta Casa, venho expressando, de que precisamos encontrar uma forma de redefinir a relação entre o cidadão e o Estado em nossa sociedade. Precisamos encontrar uma forma de convencer a sociedade e o Governo de que o Estado não é o patrão da sociedade. O Estado é uma instituição dos seres humanos para cumprir o papel de realizar tarefas que nenhum de nós, isoladamente, iria realizar. Mas o Estado é uma instituição que deve estar ao nosso serviço; nós não somos súditos de ninguém e, por isso, o cidadão não pode continuar olhando para o Estado levantando a cabeça; o Estado tem que estar abaixo do cidadão. Penso que essa formulação, que haverá de permear a nova construção jurídica e a nova construção política de um Estado moderno que um dia existirá no Brasil, conseguirá ultrapassar muitas das razões de sofrimento, de ira, de protesto, de sentimento de revolta do cidadão para com o Governo e poderá contribuir para criar uma atmosfera arejada e de bem-estar, inclusive nas áreas urbanas, que constituem a grande preocupação de V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem toda razão. Evidentemente, isso somente poderá acontecer na medida em que avançarmos no processo de cidadania, de conscientização das pessoas de que essa relação do cidadão com o Estado não é uma relação de dependência, mas de respeito e, sobretudo, de ampla consciência das possibilidades e do papel do Estado.

Esse traço do nosso regime, da nossa vida política, é extremamente perigoso, porque, sem dúvida alguma, uma das causas da fragilidade do nosso processo democrático reside aí, nessa dessintonia entre o Estado e o cidadão.

Para mim, um dos problemas mais graves que enfrentamos na prática democrática no País é que é muito difícil, num país como o nosso, com o tipo de eleitorado que temos, guardar uma relação perfeita, por exemplo, entre os discursos das campanhas políticas e a prática no governo. Com certos discursos, não se vence eleição; e, com outros discursos, não se governa.

Isso acarreta um trauma muito forte na relação entre governo e governados. O nosso eleitor - na sua imensa maioria, homens pouco informados, de pouca consciência dos problemas gerais do País - não assimila certas propostas restritivas, que limitam as suas próprias aspirações, o seu idealismo, estabelecendo-se essa dessintonia entre governo e governados. Conseqüentemente, a democracia periga - essa é a verdade -, porque ela não tem ainda o nível de consolidação de que precisaríamos, num País que tem um dos maiores colégios eleitorais do mundo, se considerarmos que o voto no Brasil é obrigatório.

Continuando, Sr. Presidente:

O movimento social urbano, já nesta época, atinge patamares elevados de organização, consolidando federações de associações de moradores em várias regiões metropolitanas, estimulando o diálogo com uma extensa gama de interlocutores (partidos políticos, igrejas, organizações não-governamentais, comunidade acadêmica, associações profissionais). Inspirados de forma saudável na experiência anti-franquista espanhola, as frentes de atuação assim constituídas denunciavam mecanismos de privatização do Estado por grupos econômicos envolvidos com a especulação da terra urbana, as concessões na prestação de serviços públicos e as formas de produção imobiliária que, usufruindo dos investimentos realizados pelo Estado, pouco ofereciam, em contrapartida, ao bem-estar coletivo.

Em que pesem os argumentos dos "arautos da década perdida", o que o Brasil conquistou, naquilo que se refere aos seus direitos e deveres, no que conseguiu consolidar na Constituição de 1988, é algo que não pode voltar atrás. É conhecimento e experiência acumulados, é noção de auto-estima.

Se os movimentos sociais urbanos resistiram, e resistem, a processos perversos decorrentes da inadimplência de um sistema financeiro, hoje não estão mais dispostos a pagar o preço de administrações que, longe da neutralidade desejada, conspurcam as relações ao privilegiar interesses estrangeiros no País, em detrimento de políticas que respondam às necessidades básicas do cidadão - moradia, saúde, educação. Esse trinômio é indissociável e corresponde cada qual a um somatório de políticas indutoras do desenvolvimento sustentável, baseado na cidadania, na urbanidade, na reciprocidade, no auto-respeito.

Todavia, o processo recessivo dos anos 80 veio a marcar, deixando seqüelas, a produção do espaço habitado, apesar da atuação crescente, durante a década, dos movimentos sociais. Senão, vejamos: enquanto no período de 1979 a 1983 as unidades financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação significavam um percentual da ordem de 47% de novas moradias, nos anos de 1984 a 1986, esse percentual reduziu-se para 8%. Ainda nos anos 80, a cidadania vê-se novamente golpeada em suas bases de sobrevivência, na medida em que o mercado de trabalho metropolitano registra um nítido retrocesso, com a redução do emprego formal, substituído pelo trabalho avulso, por conta própria, onde a remuneração média é menor e a proteção previdenciária quase nula. Convém assinalar que, sem salário não há habitação; conseqüentemente, crescem as soluções informais de moradias, aumenta o contingente de moradores de rua, exacerba-se a violência, filha direta da despolitização das relações econômicas e sociais no espaço urbano.

O cenário ora descrito é eloqüente, não deixando dúvidas sobre a gravidade dos problemas suscitados pela acelerada e desorganizada urbanização brasileira. Soma-se a ele o progressivo recuo do Governo Federal, notadamente de 1987 para cá, em equacionar diretrizes para uma política urbana em nível nacional, como preceitua a Constituição de 1988. Após o avanço obtido na matéria em 1985, com a criação do Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, o que se viu foram sucessivas modificações e fragmentações no equacionamento da questão urbana, acabando por retirá-la da agenda governamental.

A necessidade da revitalização do envolvimento da sociedade civil na busca de formas solidárias e culturalmente ricas, na intensidade verificada quando da plataforma da Reforma Urbana, abraçada pelo movimento social durante o processo da Assembléia Nacional Constituinte, conjugado com uma decisiva ação do Estado na promoção do desenvolvimento urbano, poderá levar à construção de novo ideário para as cidades, de uma nova organização territorial das atividades econômicas, baseados em propostas concretas para o resgate da dívida social.

Temos uma justa esperança de que a Secretaria de Política Urbana, criada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso no Ministério do Planejamento e Orçamento, possa atender a esse desiderato.

Com esse propósito, a sociedade civil organizada, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, imbuídos da urgência do equacionamento de uma política urbana em nosso País, devem ocupar, dentre outros, o espaço de discussão que nos oferece a Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Urbanos -Habitat II.

Da qualidade dos debates internos, no Brasil, aos conceitos e exemplos que comporão o documento oficial da Conferência, depende a vontade política de promover o desenvolvimento da vida de homens e mulheres, em bases verdadeiramente sustentáveis.

O nosso País vem de políticas diversas, cujos parâmetros não nos cabe pormenorizar mais, no âmbito deste discurso. Todavia, em que pesem as discordâncias, uma certeza permanece - a de um Brasil plural, anticonvencional, como falam as raízes, espontâneo em sua racionalidade. O Brasil de Sérgio Buarque de Hollanda, cordial sem subserviência, altaneiro em seu berço auriverde, não deitado, esplêndido mas atento a qualquer desvario em nome da Pátria-mãe gentil.

Esse resgate se faz urgente, assim como poderíamos aqui enumerar um vasto rol de tentativas e ações que frutificaram. Porém, não nos basta alinhavar, precisamos tecer padrões e comportamentos que venham a desenhar o País que desejamos -territorialmente irmão, unido por idéias comuns, separado no respeito às vocações, plural e democrático no concerto das nações.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago um outro assunto à tribuna:

           Há exatamente vinte anos, no dia 25 de maio de 1975, era criada a Universidade Estadual do Ceará, a UECE, que ao longo de todo esse período vem prestando inestimáveis serviços ao nosso Estado.

           A data merece ser condignamente comemorada porque a UECE nasceu e se manteve nessas duas décadas tendo como principal objetivo estar aberta à realidade social circundante. Dessa forma, plenamente integrada à sociedade cearense, dividindo com ela suas experiências, suas potencialidades e suas conquistas, a nossa universidade estadual vem atingindo plenamente sua meta.

           Mas a educação é uma luta permanente - especialmente no Brasil, onde ainda tanto há por fazer - e a UECE está pronta para enfrentar novos desafios, apesar das suas dificuldades, que na verdade são as mesmas de todas as universidades brasileiras, principalmente no tocante aos recursos financeiros.

           O que mais se deve enfatizar neste momento é a perfeita integração da UECE com as comunidades a que serve. Essa deve ser a meta primordial de uma universidade regional. Cada vez mais se cobra, no Brasil e no mundo todo, que as atividades básicas de uma instituição de ensino superior - ensino, pesquisa e extensão - tenham reflexos imediatos no meio social que a circunda. No caso do nosso Nordeste, essa exigência é ainda mais dramática, porque é urgente.

           De um modo geral, as pessoas esperam muito das universidades porque sabem que ali estão reunidos os que formam a elite intelectual da região. Já o trabalho dos que estão na universidade - sejam professores ou mesmo alunos - deve ser no sentido da promoção humana. O saber disseminado num determinado meio social transforma pessoas comuns em cidadãos.

           Dentro desse quadro, ganha importância a Universidade Estadual do Ceará. Funcionando no semi-árido, a UECE atende populações que vivem índices aviltantes de pobreza. Preencher demandas sociais peculiares, específicas dessa região, é, pois, seu objetivo primordial.

           Sr. Presidente, Srs. Senadores:

           Antes de relatar aqui alguns números que mostram a importância da Universidade Estadual do Ceará, gostaria de tecer alguns breves comentários sobre o ensino superior no Brasil.

           Fala-se muito em falta de verba para o ensino superior financiado pela União. Mas a verdade é que estudos recentes têm demonstrado que o problema não é de verbas mas, sim, de má-gestão, de ineficiência e de privilégios. Sabe-se, por exemplo, que 70% dos recursos do Ministério da Educação são consumidos pelas universidades. Sabe-se também que as universidades federais, gratuitas, atendem apenas 22% dos estudantes de terceiro grau do País. Dos recursos destinados pelo MEC às universidades, 86% vão para as folhas de pagamento.

           Esses três índices mostram, na minha opinião, o descalabro a que se chegou. É preciso mudar urgentemente essas proporções.

           Estamos vivendo hoje um tempo em que se busca construir uma sociedade mais justa, uma sociedade que propicie condições para que todos tenham uma vida dentro dos parâmetros de decência e dignidade. Ora, as universidades podem ajudar nessa tarefa tão grandiosa quanto árdua na medida em que se integrem aos demais setores de atividade - sejam econômicos, sociais, culturais, políticos ou educacionais - para, em conjunto, refletirem sobre os problemas a serem superados. A universidade tem quadros eficientes e capazes de, pela reflexão e pela pesquisa, encontrar as saídas mais viáveis para os mais complexos problemas.

           A universidade, por definição, reúne estudiosos das mais diversas áreas. O que se quer, hoje em dia, é que tais profissionais de escol, cada vez mais, busquem formas de cooperação com a sociedade que os cerca. Esse é um dever moral que eles devem ter para com a sociedade, que, ao término, é quem contribui, com impostos, para a manutenção da universidade e das atividades de pesquisa. A interação intelectual/sociedade traz vantagens para ambos. Ambos se enriquecem.

           O professor, o pesquisador das universidades precisa, com frequência, revisar seus conceitos e técnicas e isso ele só pode fazer em contato com o mundo. No sentido inverso, os cidadãos precisam ter acesso ao conhecimento obtido pela universidade. É desse intercâmbio que se tem a visão concreta das necessidades atuais e das que estão por vir.

           Tempos difíceis como o atual - com altos índices de desemprego estrutural, mesmo entre os formados em cursos superiores - favorecem a simplificação do papel da universidade. Muitos passam a encarar as escolas de ensino superior como meras fábricas de diplomas e de diplomados. Os estudantes, por tal ótica, são vistos apenas como futura mão-de-obra qualificada. Há também os que consideram a escola superior como ninho de intelectuais retóricos e cientistas malucos, totalmente afastados da realidade.

           A função da universidade é formar o cidadão. E cidadão é o elemento ativo e participante de uma sociedade. É o homem que tem vez e voz porque pode, contemplando os problemas em jogo, tomar uma decisão pessoal, decisão que será posta em confronto com a de outros cidadãos. Da discussão, sairá a resposta mais adequada.

           Concluo esta breve digressão, dizendo que, se tivéssemos que definir em poucas palavras o papel da universidade hoje em dia, essas seriam: integração permanente e indissolúvel com a sociedade que a cerca.

           Sr. Presidente, Srs. Senadores:

           No Brasil, as universidades estaduais surgiram com o relevante papel de preencher as lacunas deixadas pelo ensino de terceiro grau mantido pela União. Isso que chamei de lacunas são, na verdade, as peculiaridades, que variam de um Estado a outro, de uma região a outra.

           Em 18 de outubro de 1973, a Lei estadual de número 9.753 autorizou a instituição da Fundação Educacional do Estado do Ceará, FUNEDUCE, destinada a manter a Universidade Estadual do Ceará e a TV Educativa. De lá para cá muitas foram as conquistas dessa universidade regional. A meta, hoje, é transformar, no curto espaço de uma década, a UECE numa universidade tecnológica a serviço do desenvolvimento regional.

           Passos muito importantes estão sendo dados nessa direção. Hoje a UECE mantém um curso de mestrado em Qualidade, tem um Núcleo de Administração de Quarta Geração e um mestrado em Administração de Pequenas e Médias Empresas. No que tange à esfera pública, está engajada no projeto de criação da Escola de Administração Pública; participa do programa Escola Pública - A Revolução de uma Geração; e trabalha na qualificação de professores das redes municipal e estadual.

           Paralelamente, a Universidade Estadual do Ceará está mergulhada num programa de qualidade total; num de desenvolvimento institucional (para o qual obteve o apoio da Rhodia e da Fundação Dom Cabral); e na instalação de um Núcleo de Estudo, Pesquisa e Avaliação. No que se refere à informática, a UECE planeja um sistema aberto de computação; a aquisição de microcomputadores para 400 professores; e a instalação de laboratórios de microinformática. Por fim, estuda-se a implantação de Colégios Tecnológicos nas áreas de irrigação, fruticultura e tecnologia de alimentos.

           Vejamos os números que dão a exata dimensão da UECE. A Universidade Estadual do Ceará conta hoje com quase doze mil e duzentos alunos na graduação e mais quinhentos em cursos de pós-graduação. Os professores são mil e cinqüenta e oito e os funcionários somam setecentos e cinqüenta. Os cursos de graduação são dezoito. Os cursos de pós-graduação somam catorze, sendo dez em nível de especialização e quatro de mestrado. Os cursos de mestrado são em Veterinária, Administração, Letras e Saúde Pública. Desde que entrou em funcionamento, até hoje, a UECE já diplomou dezenove mil, setecentos e vinte profissionais nos seus cursos de graduação.

           Esses números patenteiam a importância da Universidade Estadual do Ceará.

           Para bem desempenhar sua missão de levar o desenvolvimento ao interior do Estado, a UECE atua nas cidades de Limoeiro do Norte, Iguatu, Quixadá, Crateús e Itapipoca, além, é claro, do campus de Fortaleza.

           Entre os dias 10 e 12 de maio, a Universidade Estadual do Ceará reuniu no seu Seminário de Avaliação vários dos mais destacados líderes políticos e empresariais, além de intelectuais do Estado. Com dirigentes do setor público foram discutidos os ajustamentos necessários para uma maior presença da universidade na melhoria da administração pública. Com os representantes das entidades empresariais foi debatida a realidade tecnológica, econômica e mercadológica, bem como os ajustes necessários na Universidade para uma maior integração no processo de mudança por que passa a economia do Estado. Por último, com os representantes da sociedade civil foram discutidas formas de maior integração entre sociedade e universidade.

           Sr. Presidente, Srs. Senadores:

           Penso que, ao registrar aqui a importância da Universidade Estadual do Ceará, estou, com este discurso, homenageando todas as universidades mantidas por outros Estados brasileiros. É preciso descentralizar tudo neste País. O Brasil é um país imenso que tem pago um preço elevado pela padronização - em todos os setores de atividade, em especial no ensino - imposta pelo Governo Central. Temos que, finalmente, reconhecer as particularidades de cada um dos nossos Estados e trabalhar com os olhos voltados para elas. E o plenário do Senado Federal é o lugar ideal para tal reflexão porque somos, todos, representantes dos Estados. Penso também, para concluir, que o exemplo da Universidade Estadual do Ceará pode servir de inspiração para outras Unidades da Federação que sintam a necessidade de formar uma elite intelectual que tenha as vistas voltadas para os problemas mais próximos, para as questões que mais angustiam seus cidadãos.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 26/05/1995 - Página 8783