Pronunciamento de Epitácio Cafeteira em 16/06/1995
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM RELAÇÃO AO MERCOSUL, PRINCIPALMENTE A ARGENTINA.
- Autor
- Epitácio Cafeteira (PPR - Partido Progressista Reformador/MA)
- Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA EXTERNA.:
- CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM RELAÇÃO AO MERCOSUL, PRINCIPALMENTE A ARGENTINA.
- Aparteantes
- Bernardo Cabral, Elcio Alvares, Roberto Requião.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 17/06/1995 - Página 10400
- Assunto
- Outros > POLITICA EXTERNA.
- Indexação
-
- CRITICA, POLITICA EXTERNA, ADOÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, ACEITAÇÃO, NORMAS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), FAVORECIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PREJUIZO, BALANÇA COMERCIAL, BRASIL.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA (PPR-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que o Governo deve meditar sobre esta situação pela qual o Brasil atravessa.
Até bem pouco tempo, a situação do País era confortável, no que diz respeito a nossa balança cambial, sempre com superávit. Nada nos podia levar a prever os apertos por que passamos hoje.
Sr. Presidente, em termos mundiais, não há Segundo Mundo; ou se é do Primeiro ou do Terceiro Mundo. Não sei por que não existe Segundo Mundo, que seria uma espécie de escalão intermediário entre o Primeiro Mundo e os países subdesenvolvidos; seria, quem sabe, dos países em desenvolvimento. Mas, como não existe esse estágio, os Países do Terceiro Mundo resolveram gastar como se do Primeiro fossem. Países em vias de desenvolvimento - aí incluído o México, o Brasil e a Argentina - começaram a admitir que deviam fazer parte do rol dos países desenvolvidos e iniciaram a gastança.
O Brasil tinha reservas altíssimas de mais de US$30 bilhões, que dariam para pagar os títulos comprados a preço de mercado - porque, com o seu deságio, era perfeitamente possível a liquidação total dessa dívida. Mas, ao invés disso, o que se viu foi uma - não diria loucura, porque não tenho o direito de julgar, devo somente levantar dúvidas, e é o que estou fazendo - grande abertura às importações de artigos de consumo; não para importar matéria-prima ou máquinas para o desenvolvimento do País, mas sim para consumir. Isso começou no final do ano passado. Não quero debitar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque isso não se deu no seu governo, mas se tivesse acontecido, não deixaria de cobrá-lo.
Estabeleceram-se regras que diziam para se evitar o preço dos produtos brasileiros que estavam muito caros. Quando fizeram isso, o que tivemos? Uma entrada no País de, só no primeiro semestre, US$20 bilhões para artigos de consumo. É claro que um país que não produz o suficiente para se manter nesse mercado global, quando importa o supérfluo, começa, naturalmente, a entrar numa situação difícil e que tende a se agravar cada vez mais.
Quando se criou o Mercado Comum, o chamado MERCOSUL, no qual muitos não acreditavam, os nossos técnicos foram ingênuos ou estavam coniventes com os países que fariam parte dele. O certo é que as regras não são boas para o nosso País; são ótimas para a Argentina. Com o MERCOSUL, a Argentina, de repente, passou a ser um país de superávit; um país que sempre teve déficit na balança, como o Brasil, hoje tem superávit. Os nossos eletroeletrônicos pagam uma taxa para entrar lá; os deles não pagam nada para entrar aqui. Tudo isso vai levando o País a uma situação muito difícil.
Para tristeza minha, Sr. Presidente, vejo declarações arrogantes do Presidente da Argentina, negando-se a vir a São Paulo se não for excetuado na medida provisória...
O Sr. Elcio Alvares - Senador Epitacio Cafeteira, desejaria dar um aparte a V. Exª neste momento.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com alegria, nobre Líder Elcio Alvares, ouço o aparte de V. Exª.
O Sr. Elcio Alvares - Senador Epitacio Cafeteira, ao longo de nossa convivência aqui no Senado, tenho acompanhado seus pronunciamentos. V. Exª, às vezes, segue uma linha crítica, mas fazendo sempre colocações importantes em termos de política econômica, porque retratam a realidade econômica nacional. Nessa questão da balança comercial, eu me permitiria fazer, inclusive em decorrência do jantar que tivemos com Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso e a Bancada do PFL, alguns comentários importantes para ilustrar o pronunciamento de V. Exª, que demonstra uma preocupação que não é só da equipe econômica, mas de todos os brasileiros que acompanham, de perto, este momento delicado da economia nacional. Evidentemente, o Plano de Estabilização Econômica, cuja prioridade inicial era o combate à inflação - que estava em patamares insuportáveis -, tem que ser ajustado ao longo do tempo. Houve determinado momento em que o Governo - e nessa fase eu o integrava na condição de Ministro da Indústria, Comércio e Turismo, do Presidente Itamar Franco - teve que dar um rumo ao setor de importações e exportações. Posteriormente, já no Governo Fernando Henrique Cardoso, surgiu um outro aspecto, porque, com o tempo, o Plano precisa de ajustamentos. Conforme revelou o Presidente Fernando Henrique Cardoso no mês passado, batemos recordes de exportações, ultrapassando a casa dos R$5 bilhões, o que demonstra que o setor produtivo nacional está vivendo um momento realmente auspicioso. Mas aí vem o fulcro de seu pronunciamento, que é o problema da importação, que está sendo maior do que a exportação. Essa preocupação, que é de todos os brasileiros, e não somente de V. Exª - que mais uma vez faz um pronunciamento altamente sereno e judicioso -, refere-se ao seguinte percentual: nos números da importação, setenta por cento são de bens de capital. Há, portanto, uma preocupação permanente do setor produtivo nacional em melhorar a sua produtividade e competitividade. O Brasil hoje está, praticamente em todo o cenário mundial, disputando espaços do mercado - inclusive temos cerca de 500 indústrias brasileiras hoje detendo o certificado ISO 9000. O Brasil está apresentando produtos da mais alta qualidade em uma competição de produtividade, que consideraria ímpar na história do setor produtivo nacional. Então, o que está acontecendo? Cito o exemplo do setor têxtil: a cidade de Americana viveu um drama, do qual participei: fábricas antigas e sem máquinas competindo com a velocidade dos tecidos importados, que chegavam aqui a um preço reduzido, alguns com até um terço do preço em confronto com o tecido nacional. Seria, então, necessário modernizar o setor têxtil nacional. Isso está acontecendo. Estamos vivendo um momento em que, se essa importação estivesse ocorrendo exclusivamente com bens de consumo, isso seria uma preocupação muito grande. Mas sabemos que o setor produtivo nacional está se reequipando. Setenta por cento da nossa importação refere-se a bens de capital, o que considero saudável. E, evidentemente, a equipe econômica do Governo está atenta para o fato, e não é bom que tenhamos a importação maior que a exportação, mesmo porque estávamos com uma relativa tranqüilidade de superávit da balança comercial. Portanto, gostaria de acrescentar esses números, porque os dados que o Presidente nos revelou, durante o jantar com a Bancada do PFL, chamam a atenção: ultrapassamos R$5 bilhões de exportação. Realmente, estamos com um maior volume de importação, mas o Governo está tomando as providências, também no setor de importações de carros - assunto muito delicado, principalmente no meu Estado, onde chegamos a ter 80 mil automóveis importados nos pátios do Porto de Vitória. Mas considero que, no meio de toda preocupação, é um número bastante saudável esses 70% dos bens de capital que foram importados e que vão permitir à indústria nacional, ao setor produtivo nacional, uma competitividade maior e uma produtividade que, cada vez mais, não tenho dúvida nenhuma, proporcionará aumentos nos números da exportação.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Elcio Alvares, que enriquece o meu pronunciamento.
Fiz questão de frisar que não estava criticando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas uma política. Afinal de contas, o Presidente, tenha ele o nome que tiver, tem que ser, no Brasil, por força do presidencialismo - ao qual me filio, mas estou com uma certa vontade de me desligar -, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe de Governo. E é difícil, Senador Elcio Alvares, desempenhar as duas funções, principalmente a de Chefe de Governo. Num país cheio de problemas como o Brasil, o Presidente tem que, de certa forma, alimentar-se na mão da sua equipe. Ou o que a sua equipe diz é verdade, ou, então, Sua Excelência tem que demiti-la. Se a equipe diz que o rumo é aquele, ou Sua Excelência usa essa bússola ou tem que mudar a equipe. Acredito que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é, muitas vezes, mal-informado.
Pensei que V. Exª, no momento em que citou o mês de maio, fosse se referir à importação dos derivados de petróleo, que chegou a 26% do nosso déficit.
O que quero deixar claro é que há que ser revisto o que está acontecendo. Não vai ser a Argentina que vai determinar qual deve ser o nosso comportamento. Não vai ser às custas do Brasil que o Presidente Carlos Menem vai subir alguns pontos junto à opinião pública da Argentina. E não vai ser em função desse episódio que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vai ter, mais uma vez, que baixar a cabeça.
Entendo que a questão foi colocada errada quando da formação do MERCOSUL. Aí é que houve erros, porque os técnicos ou se desinteressaram, porque não acreditavam, ou não estavam realmente capacitados para exercer seus cargos. Na realidade, desse acordo só restou vantagem para a Argentina e prejuízo para o Brasil. E para mantermos a palavra, recebemos publicamente até puxão de orelha internacional. Isso é que me constrange.
Estou aqui falando, Senador Elcio Alvares, porque me sinto constrangido, triste de ver o Brasil na situação em que é colocado pela própria imprensa internacional.
O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um novo aparte, Senador Epitacio Cafeteira?
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Pois não.
O Sr. Elcio Alvares - Gostaria de reiterar o que falei inicialmente. Não vejo o discurso de V. Exª como uma crítica feita com azedume ou com o sentido de atingir a pessoa do Presidente Fernando Henrique Cardoso. V. Exª está examinando o momento econômico e, obviamente, dentro desse contexto, não só o Presidente e o Governo, mas todos nós estamos envolvidos. A sua preocupação em relação ao MERCOSUL reflete-se também em outros setores. Esse esquema do MERCOSUL vem sendo negociado há bastante tempo. Também quero fazer menção ao momento que vivi no Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, quando vários grupos foram ao Uruguai, Paraguai, Argentina, e tivemos momentos de profunda delicadeza com relação às áreas de fronteira. Houve um caso em Santana do Livramento, por exemplo, em que os municípios todos de fronteira viviam um momento de profunda angústia em virtude exatamente de algumas disparidades que surgiram no MERCOSUL. Acredito, e tenho todo o empenho em afirmar isto, que o MERCOSUL é uma experiência vitoriosa e importante para todos os países. Mas vai demorar algum tempo para que possamos nos ajustar por inteiro. E, hoje, a integração da economia sul-americana é evidente; temos isso retratado. V. Exª fez um comentário, há pouco, que eu não gostaria de deixar de assinalar - a questão do México. O México, evidentemente, sendo um país de Terceiro Mundo, quis viver um consumismo de Primeiro Mundo. Isso quase ocorre aqui no Brasil também. Se o governo não tivesse tomado as medidas devidas, passaríamos por um consumismo desvairado. O inegável sucesso do governo no combate à inflação, quando impôs o real como moeda forte, refletiu-se na classe consumidora, no consumidor brasileiro, de uma maneira distorcida. Gosto de frisar determinados exemplos práticos, porque retratam realmente uma situação de economia instável, um momento em que estamos partindo para derrubar vigorosamente a inflação. Vivemos um momento semelhante relacionado ao café, por exemplo. O Brasil está bem, temos produtores e exportadores de café e colocamos esse produto lá fora com um valor gratificante para aqueles que fazem o cultivo da lavoura. Mas, de repente, descobrimos que havia um consumidor brasileiro, e o cafezinho que todos nós tomamos, paradoxalmente, passou a ser o mais caro do mundo, porque os preços do mercado interno refletem os preços para o mercado externo. Esse equilíbrio da balança, essa compatibilização dos interesses de todos, principalmente do Brasil e da Argentina, ninguém tenha dúvida, vai demorar ainda algum tempo. As medidas preliminares foram tomadas, mas o próprio MERCOSUL se projeta para além do ano 2000, dando a entender que episódios como esse, que agora fazem com que o Presidente Menem tenha uma participação mais ativa em favor da economia do seu País, vão se repetir. Tenho a impressão de que o ajustamento das economias dos países que integram o MERCOSUL vai demorar algum tempo. O meu aparte - alonguei-me um pouco, perdoe-me, Senador Epitacio Cafeteira - foi exatamente para dizer que tenho apreço a V. Exª, que a sua linguagem é profundamente respeitosa. Em determinado momento, V. Exª se torna até cáustico na sua crítica, mas ela objetiva, sobretudo, fazer com que os problemas venham à tona da maneira mais clara e transparente possível. Portanto, quero dizer que o meu aparte inicial foi de homenagem a V. Exª e, em nenhum momento, senti nas suas palavras qualquer desmerecimento da pessoa do Presidente Fernando Henrique Cardoso. É uma crítica à política econômica e deve ser considerada; evidentemente, a equipe econômica, que hoje tem a responsabilidade do comandamento das principais ações, há de levar em consideração as palavras de V. Exª.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Nobre Senador Elcio Alvares, entendi o aparte de V. Exª e não considerei, absolutamente, que V. Exª estivesse examinando o meu pronunciamento de forma diferente.
Agora quero deixar claro um ponto importante: como não tenho acesso a todos os dados, também me assessoro e, talvez principalmente, na imprensa. O que a imprensa diz hoje é que os produtores de eletroeletrônicos estão reclamando do acordo do MERCOSUL, porque os nossos produtos entram taxados nos países-membros, e os deles entram aqui sem nenhuma taxação. O que está nos jornais, hoje, é que o Primeiro Mundo está repetindo o que já disse antes: que não existe, na América Latina, mercado para mais de um país produtor de automóveis; que não existem condições de dois países produzirem veículos na América Latina, porque não há mercado.
O Sr. Roberto Requião - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Temos que considerar que, hoje, os asiáticos já entraram nesse ramo e estão criando problemas para os Estados Unidos e vão trazer problemas para nós. O nosso carro é mais caro do que o carro importado. Ora, se não há mercado para dois países produtores de automóveis na América Latina, como vamos ainda examinar essa situação se os importados são mais baratos?
Quando cheguei aqui, o nobre Senador Roberto Requião - a quem vou conceder o aparte agora - dizia: "O Senador Epitacio Cafeteira tem um Mercedes". Eu tenho um Mercedes, mas o preço de um carro nacional zero-quilômetro é maior do que o do meu Mercedes, que é melhor do que um carro nacional zero-quilômetro, mas é mais barato. Se V. Exª quiser, nobre Senador Roberto Requião, fechamos o negócio aqui agora.
Na realidade, a nossa produção é muito cara - V. Exª sabe disso. Mas já mostrei ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que devemos estar atentos ao todo, ao contexto geral. Veja V. Exª que temos milho, feijão, enfim, cereais apodrecendo. E agora estamos autorizando a doação desses cereais. Pergunto: por que os chamados produtos gravosos são gravosos? Por que, naquela ocasião, não se estabeleceu um câmbio diferenciado para a exportação? Por que se pretende ancorar o real no câmbio e fazer com que apareçam produtos gravosos, que são impossíveis de ser exportados?
Esse é o grande problema nacional. Temos de nos adaptar ao comércio global. Importamos e exportamos para o mundo inteiro e não podemos pensar que o real só tem vida no País. Temos que adaptá-lo às contingências internacionais. Fiz até um pronunciamento propondo que o real se transforme em lei, porque o Governo vai comemorar um ano de existência do real ainda como medida provisória, o que é profundamente entristecedor para todos nós.
Ouço, com grande prazer, o aparte do nobre Senador Roberto Requião, que, quem sabe, aceite fazer negócio com o meu carro agora.
O Sr. Roberto Requião - Vou mandar entregar um Corsa a V. Exª hoje à tarde e já sairei com o seu Mercedes daqui.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - V. Exª está querendo brigar! Eu quero um carro nacional normal! Quero o valor de um carro nacional normal! V. Exª, que tem um Ferrari e um Jaguar, não vai querer me mandar um Corsa no lugar do meu carro?!
O Sr. Roberto Requião - O meu Ferrari e o meu Jaguar são em miniatura, nobre Senador. Acho pertinente a sua observação quanto à impossibilidade de haver dois centros produtores de automóveis na América Latina, mas gostaria de chamar a atenção de V. Exª para o desequilíbrio anterior da balança comercial entre o Brasil e a Argentina. A balança nos é extremamente favorável.
O Sr. EPITACIO CAFETEIRA - Era.
O Sr. Roberto Requião - Até agora, é extremamente favorável. E gostaria de reconhecer o equilíbrio e a ponderação da atitude do Presidente da República quando relevou, ignorou, levou em menor consideração a arrogância do Presidente da Argentina ao falar da possibilidade de não estar em São Paulo para a reunião agendada. A imprensa já chama essa atitude de "Malvinas automobilística". Por outro lado, Senador, como ex-Governador do Estado do Paraná, um dos Estados brasileiros do Cone Sul, e como brasileiro, eu gostaria de frisar a oportunidade do MERCOSUL. A Argentina tem 20% do Produto Interno do Brasil. Se abríssemos as nossas fronteiras para a Argentina, hoje, além do fator positivo de eliminar, de forma definitiva, todas as tensões de fronteira, as dúvidas militares entre os dois países, não sofreríamos um impacto maior do que 5% do Produto Interno Bruto brasileiro, distribuído do Oiapoque ao Chuí. A Argentina, apesar da crise que atravessa, tem uma capacidade de consumo razoável, e o impacto não seria mais do que 5% sobre o Produto Interno brasileiro - 5% dos 20% que a Argentina produz. Acredito que o MERCOSUL nos traga vantagens, e as vantagens relativas serão sempre nossas, pois temos uma indústria mais dinâmica, uma produção maior. E teríamos o benefício adicional de assimilar a tecnologia de alimentos da Argentina - perpetuação e perenização de olerícolas, laticínios; tecnologia de uma indústria sucateada, que, embora sucateada, permanece e que é, em alguns setores, superior à nossa. A minha preocupação com as idas e vindas do Governo Federal, hoje, situa-se em alguns outros casos. Na última sessão do Congresso Nacional, por exemplo, votamos uma medida provisória autorizando a ANDE, que é a empresa de energia elétrica paraguaia, a pagar as suas dívidas com Itaipu - que as transfere para o Tesouro da União, para o Tesouro brasileiro - com títulos da dívida pública brasileira comprados no mercado secundário de Nova Iorque. Por nossa parte, pagamos os royalties, que entram diretamente no orçamento do Paraguai em dólares; não pagamos em títulos da dívida pública paraguaia comprados nos mercados secundários do mundo; pagamos em dólares. E a medida provisória estabelecia ainda uma comissão para a negociação da dívida externa brasileira: 10%, até 10%, o que significa que ninguém cobraria menos do que o Brasil estava permitindo. O Senador Vilson Kleinübing, aproveitando parcialmente uma emenda de minha autoria, reduziu essa comissão para a metade. Então, nós oficializamos a negociação da dívida externa brasileira por terceiros em 5%. É um absurdo total, como é um grande e inexplicável absurdo o Brasil aceitar da ANDE o pagamento da nossa dívida externa em títulos secundários. Seria o caso, talvez, de os Estados pagarem à União com títulos da dívida pública brasileira, comprados no mercado secundário de Nova Iorque com deságio de mais de 60% em determinadas ocasiões. Mas, mais do que isso, Senador Epitacio Cafeteira, nós estamos com o discurso da desestatização e a prática da estatização das dívidas. Dois casos recentes me parecem exemplares: um deles, a ICOMI, do grupo Antunes, hoje detentor da Jari Celulose. O Banco do Brasil tinha um crédito de R$12,4 milhões com o grupo Antunes e o BNDES, de R$19,7 milhões. Esses débitos foram transformados em subscrição acionária. Nós estamos estatizando o projeto Jari. Outro caso interessantíssimo também, do ponto de vista dos desmandos e da incongruência interna da política governamental, é a devolução, para o Mário Garnero, da Crédito Imobiliário Sul-Brasileiro, que fazia parte do Banco Meridional. Essa devolução foi feita com doze anos para pagar, três de carência, 0,5% ao mês sobre o IPC, não sobre a TR. É um juro de mãe para filha. É um negócio absolutamente inacreditável, feito pelos representantes do Governo no Banco Meridional, numa das Varas da Fazenda do Rio Grande do Sul. Estamos vendo os metalúrgicos serem tratados com dureza, mas o Menem, com blandícia. Estamos vendo o discurso da desestatização sendo substituído pela estatização do Projeto Jari. E os juros altíssimos que cada empresário brasileiro paga no mercado, tendo como contrapartida o favor absurdo ao Mário Garnero, que tem 0,5% ao mês sobre o IPC, o que significaria, mais ou menos, a caderneta de poupança mais 0,5%.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Nobre Senador Roberto Requião, é importante que o Senhor Presidente da República tome conhecimento desses assuntos. A informação que temos é que o Presidente da República pode acompanhar de perto todos os nossos pronunciamentos de um computador instalado em seu gabinete. De forma que é a ocasião de Sua Excelência tomar conhecimento desse aparte de V. Exª e sair em busca de uma solução, sair cobrando daqueles que contribuíram para as mazelas que V. Exª está relatando. Não acredito que o Presidente saiba com tantos detalhes disso. O Líder do Governo, o nobre Senador Elcio Alvares, zeloso que é, naturalmente vai pedir uma cópia do nosso pronunciamento para levar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eu defendo e sempre defenderei posições como a que está hoje sendo tomada pela indústria de eletroeletrônicos, que faz um alerta ao Governo no sentido de que, se não houver uma mudança, é preferível que as indústrias brasileiras mudem as suas fábricas para a Argentina e exportem para o Brasil, porque vão ter mercado, ganho e tratamento melhor, usando o próprio MERCOSUL.
Não vou duvidar; ao contrário, até acompanho o pensamento de V. Exª em relação ao know-how que eles têm em assuntos como os que V. Exª citou. Mas também têm um know-how de não fazer negócios para perder, e isso eles usaram com muita habilidade na feitura dos acordos do MERCOSUL. Agora, começamos a sentir na própria pele os erros por nós cometidos, colocando o nome do Brasil numa situação difícil perante a opinião pública internacional, porque, não tenha dúvida V. Exª, o Presidente Carlos Menem hoje é o grande astro na Argentina, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso ficou numa situação difícil perante a Argentina e perante o Brasil. Nós nos apequenamos porque temos que dizer que o que foi dito não vale mais. Uma medida provisória não tem mais força porque o Presidente da Argentina gritou. Os petroleiros gritaram, tinham feito um acordo com o Governo Federal, esse acordo foi pelo ralo e acabou a história.
O setor agrícola é importante, mas temos que dar subsídios ao produto e não financiamento, porque o dinheiro, muitas vezes, é aplicado no mercado financeiro, que está dando muito mais.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Faz soar a campainha)
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Sr. Presidente, vou concluir. V. Exª foi gentil em permitir que esse pronunciamento se alongasse, com a colaboração dos Senadores Elcio Alvares e Roberto Requião, que, na realidade, fizeram o meu pronunciamento. S. Exªs não se limitaram apenas a colaborar, S. Exªs fizeram o meu pronunciamento, que é modesto, mas representa a posição do cidadão que não aceita ver chamada a atenção do seu País por um país do MERCOSUL. Como diz V. Exª, não causaria maior problema, porque 5% do nosso Produto Interno Bruto ...
O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª uma aparte?
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com a permissão da Presidência, nobre Líder Bernardo Cabral, sei que V. Exª vai representar exatamente aquele confeito, o último retoque neste pronunciamento dos Senadores Elcio Alvares e Roberto Requião.
Ouço V. Exª.
O Sr. Bernardo Cabral - É para contestar V. Exª quando diz que os eminentes Senadores Elcio Alvares e Roberto Requião fizeram o discurso de V. Exª. Não. S. Exªs contribuíram para o brilho que é peculiar quando V. Exª ocupa a tribuna. Por isso, junto-me a eles para cumprimentar V. Exª.
O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço a V. Exª e, mais uma vez, ao Presidente. Houve uma colaboração que veio do extremo Norte, lá do Amazonas, do Senador Bernardo Cabral, passou pelo Nordeste, do Presidente Renan Calheiros, pelo Sudeste, representado pelo Espírito Santo do Senador Elcio Alvares, e vai ao Sul, do Paraná, Estado do Senador Roberto Requião. Todos nós pensamos e queremos a mesma coisa, que é o bem do Brasil, todos nós queremos o desenvolvimento deste País.
O que queremos é que sejam revistos os erros, porque, se revisarmos os erros e caminharmos para os acertos, o Brasil será um País viável. É um País que tem todas as condições de se sobressair no contexto das nações, principalmente na América Latina.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.