Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO DE S.EXA. EM RELAÇÃO AO TABELAMENTO DOS JUROS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • POSIÇÃO DE S.EXA. EM RELAÇÃO AO TABELAMENTO DOS JUROS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Aparteantes
Lauro Campos, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DCN2 de 22/06/1995 - Página 10624
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, TABELAMENTO, JUROS, SENADO, CRITICA, MANUTENÇÃO, GOVERNO, EXCESSO, TAXAS, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO, GRUPO, RESPONSAVEL, ECONOMIA, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, CRISE, ATUALIDADE, BRASIL, AMEAÇA, RETORNO, INFLAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há dias em que estamos otimistas e eufóricos; há outros em que estamos pessimistas, vendo horizontes sombrios à nossa frente. Em termos de País e de Estado não são diferentes os estados de espírito. Horas há em que toda a nacionalidade vibra, uníssona, feliz pelas vitórias que consegue alcançar; horas há em que uma espécie de baixo-astral desce sobre a nacionalidade e ingressamos em um estado de pessimismo coletivo.

Quando discutíamos, nesta Casa, sobre juros, lembro-me bem da indicação do Líder do PMDB, quando dizia que todos nós sabíamos que os juros não poderiam, de maneira alguma, ser fixados por decreto; juros são o resultado de um jogo econômico e nunca poderá ser tabelado por decreto, seja ele em que parte do mundo for. Quem conhece um pouco de História sabe que inúmeras e inúmeras civilizações e governos tentaram fazer a regulamentação da economia por decreto, e todos eles não tiveram sucesso. E dizia, naquela ocasião, o Líder do PMDB, que apenas fazia o apelo para que votássemos os juros de 12% a fim de mostrarmos ao Governo a nossa insatisfação em relação aos juros exorbitantes que estavam sendo cobrados. E por esta razão foi aprovado, nesta Casa, o tabelamento da taxa de 12% ao ano.

O ilustre Senador Esperidião Amin acaba de se manifestar a respeito da votação da taxa de juros na Câmara dos Deputados. Provavelmente, também teremos aprovado o mesmo indicativo aqui no Senado, tendo o Senhor Presidente da República que vetá-lo. Pelo menos é o que penso!

E como dizia no começo da minha oração, dias há em que estamos eufóricos e dias há em que estamos tristes, e que isso também ocorre em todo território nacional: horas há em que o País está feliz; horas há em que o País está infeliz.

Lamentavelmente, estamos ingressando, senão já imersos, numa onda, numa fase de desalento e de tristeza.

Na área federal, a economia tem poucos recursos, poucas soluções; e, a não ser pelas votações de reformas constitucionais, vemos pouca realização nas duas Casas do Congresso Nacional.

E não bastasse a área federal estar nessa situação, também há um desalento geral em todas as unidades da Federação, na área estadual; desafio que me mostrem um Estado feliz com a sua situação econômico-financeira.

As greves começam a pipocar. No meu Estado, há 30 dias, os professores estão em greve, pedindo um justo aumento que não temos condição de conceder, porque os recursos não permitem, uma vez que 115% da arrecadação foi consumida com a folha de pagamento, que há alguns meses representava 70%, no máximo.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Lauro Campos, com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos - Senador Ney Suassuna, gostaria de congratular-me com V. Exª pela crítica que está fazendo agora a essa exacerbação da taxa de juros, que não é de hoje, mas que há décadas domina este País. Gostaria de lembrar a V. Exª que a questão da taxa de juros tornou-se tão absurda que, graças à redução do consumo e ao encarecimento do custo de produção, ela provocou um aumento de 411% no número de concordatas entre julho do ano passado e julho deste ano. Gostaria também de lembrar a V. Exª que me parece que este é apenas um dos aspectos de um Plano muito coerente, adotado pelo Governo e imposto, goela abaixo, ao Poder Legislativo, sem que possa, sequer, mastigá-lo, perceber o seu gosto amargo; esse Plano é muito coerente. A taxa de juros não pode ser tabelada. Esquecem-se de que há séculos dizia São Tomás de Aquino*: "Pecunia, pecuniam, parere non potest." Dinheiro não pode parir dinheiro, não deveria parir dinheiro. Porém, no Brasil, o dinheiro virou rato: pare uma taxa que assombraria São Tomás de Aquino. Da mesma forma que não se podem tabelar os juros, porque os tecnocratas, os PHDs que se formam às nossas custas, nos Estados Unidos, não conseguem saber o que são os 12% estabelecidos pela Constituição de 1988, também a taxa de câmbio deveria ser livremente fixada, de acordo com esse neoliberalismo, com essa filosofia neoliberal; os salários também deveriam ser livremente fixados pelo mercado, que estrangula uns, com a sua mão invisível, e que premia, injustamente, uma minoria. Portanto, penso que realmente está tudo certo nesse modelo caótico, que afirma, em pleno limiar do Século XXI, que nos encontramos num regime de livre concorrência, a qual Adam Smith, em 1776, dizia inexistir. Fernando Henrique Cardoso escreveu diversas vezes, inclusive no Modelo Político Brasileiro, que a livre concorrência se transforma, de naturalmente livre, em uma situação de monopólio, de oligopólio, e induz, conduz, às relações imperialistas internacionais. De modo que gostaria de parabenizar V. Exª pela sua crítica a essa taxa de juros exarcerbada e à incapacidade do Governo de limitá-la, mas gostaria de lembrar que esse mesmo raciocínio deveria se aplicar aos outros itens desse Plano que lançam sobre o Congresso Nacional. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Lauro Campos. Acolho as colocações de V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com prazer ouço V. Exª, nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Ney Suassuna, eu, que o vejo nas salas das comissões, nos corredores do Congresso, como homem alegre, distribuindo sorrisos, percebo que V. Exª assume hoje a Tribuna num estado de perplexidade. Mesmo que V. Exª não tivesse dito nada daquilo que lhe está no sentimento, quem o conhece já poderia verificar isso. Eu também encontro-me nesse estado. Sou, como ser humano, um otimista por excelência, um homem que procura acreditar nas coisas, que procura ver a amizade e o amor como sentimentos que congregam e que nos unem. Nesta hora, com relação ao nosso País, sinto-me como V. Exª; não estou nem otimista e nem pessimista, mas profundamente apreensivo com o estado de coisas que estamos atravessando. Não sei qual a solução, o caminho de retorno, a essa altura dos acontecimentos, tão difícil se me afigura o quadro econômico deste País. Estamos ouvindo o grito da agricultura; se não colocarmos as coisas em níveis mais simples, não conseguiremos sequer imaginar o que está ocorrendo no campo. Ao sabermos que uma saca de milho de 60 quilos custa hoje entre 4 a R$5, é fácil, para aqueles que nunca foram ao campo e não conhecem a vida do homem que planta, imaginar como o capim ou o mato não deve estar invadindo a sede da sua propriedade ou as casas humildes dos seus empregados. Mas não sei o caminho de volta. O Senado aprovou uma elevada taxa de juros de 12%, o que muitos afirmam ter sido um ato de loucura, de insânia; questiono se não foi um grito de alerta, um chamamento da Casa política, uma advertência para algum rumo a ser tomado, porque os juros atingiram uma taxa estratosférica que está penalizando o homem do campo, o homem da cidade, todo aquele que produz, o pequeno e o médio comerciante, a indústria, todos. Agora, essa questão será votada na Câmara dos Deputados. Não sei, assim como V. Exª não sabe, se terá a aprovação ou a rejeição dos representantes do povo naquela Casa. Mas a simples discussão deste assunto, no Senado e na Câmara, deve levar a uma meditação. Gostaria, nesta hora em que os homens públicos deste País, os que compõem o Executivo, em suma, aqueles que são responsáveis pela nossa economia, e nós mesmos, que recebêssemos uma inspiração, porque não consigo ver como sairemos do estado de coisas em que nos encontramos. Se nós, num estalar de dedos, resolvemos acabar com a inflação, como iremos sair deste quadro em que nos encontramos? Em outras palavras, como baixar a taxa de juros? Até mesmo os fundos constitucionais - e V. Exª representa a Região Nordeste -, os fundos do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, que têm recursos oriundos do Orçamento, portanto, a custo zero, correm quase que à taxa de mercado. Realmente, a situação é de perplexidade, e apenas confesso uma impotência de não saber apresentar uma solução. Mas todos nesta Casa sabemos que não é possível continuar do jeito que está, agora ou depois. De sorte que vejo no pronunciamento de V. Exª e de todos quantos estão na mesma direção um forte sentido de alerta para o caminho que o País está tomando se as coisas continuarem assim, ou se não encontrarmos uma solução. Parabenizo-me com V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. O aparte de V. Exª é mais um adendo que ilustra com muito orgulho o pronunciamento que hoje estou fazendo.

Há dias, um Deputado de meu Estado contava que um trabalhador de sua fazenda, ao receber o seu salário de R$30, pediu emprestada a caminhonete para fazer uma grande compra - um saco de farinha de 60 kg por R$5, um saco de milho por R$6, um saco de feijão-de-macassar de 60 kg por R$8, e ainda algumas outras coisas. Nesse instante, embora aquele cidadão pobre estivesse alegre, porque faria uma feira grandiosa, pensava eu como será o futuro, pois os produtores não têm como repor e como manter esses produtos a esse preço permanentemente. Hoje, estamos vendo a alegria do presente, sem imaginar como será o futuro. O campo irá parar.

A minha preocupação, refere-se exatamente à fase em que estamos atravessando. É como uma onda em que o mergulhador entrou; se tomar a direção errada, vai para o fundo e, conseqüentemente, morrerá afogado, mas, se tomar a direção certa, consegue voltar à tona.

O meu alerta hoje é exatamente neste sentido. Vendo o quadro de desalento nas áreas Federal, Estadual e Municipal, peço às autoridades econômicas deste País, ao Presidente da República, que estejam atentos como aquele que está dirigindo em um nevoeiro cerrado, porque qualquer desatenção pode levar ao precipício; ou ao mergulhador que deu um mergulho na onda e, se não tiver a orientação de como voltar à superfície, vai morrer afogado.

Estamos atravessando uma fase de perplexidade. Sou de uma Bancada que apóia o Governo, quer o seu sucesso. No entanto, estou perplexo e preocupado ao observar que o quadro se complica e de não ver à frente do nevoeiro; preocupado com a possibilidade desse quadro se agravar. Portanto, reitero o apelo àqueles que compõem a equipe governante deste País: que estejam atentos, porque o nevoeiro é muito denso e o caminho está cercado de precipícios.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preocupa-me enormemente a situação econômica do País e, mais ainda, o estado de espírito que corre nesta Nação, a de que estamos ingressando em uma crise séria, durante a qual teremos uma inflação de 2%, mas vamos morrer juntos com essa mesma inflação.

Daí o meu apelo, encerrando esta oração, aos que compõem a equipe que está tomando as decisões, que está definindo as direções, no sentido de que estejam atentos e procurem aprofundar os seus estudos e sentir a alma desta Nação, para que não percamos o alento, a coragem, a esperança e, de repente, em virtude de um fator não econômico - o psicológico - ingressemos em um caminho sem retorno, em uma crise sem volta. Torço para o sucesso do Governo Fernando Henrique Cardoso, mas torço com o senso de crítica à situação que estamos atravessando.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quis hoje ocupar esta tribuna para deixar aqui o alerta, o alerta daquele que se preocupa com o futuro da nossa Nação e o alerta daquele que está apoiando o Governo, mas está preocupado com o quadro que se está formando, um quadro de adversidades, de óbices frente ao nosso poder nacional e à nossa nacionalidade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 22/06/1995 - Página 10624