Discurso no Senado Federal

APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, QUE DISPÕE SOBRE A INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA FINANCIAMENTO DAS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAUDE.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PP - Partido Progressista/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, QUE DISPÕE SOBRE A INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA FINANCIAMENTO DAS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAUDE.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10768
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, FINANCIAMENTO, AÇÕES, SERVIÇO DE SAUDE.
  • ANALISE, CRITICA, SITUAÇÃO, CRISE, ATUALIDADE, SETOR, SAUDE PUBLICA, PAIS, RESULTADO, INSUFICIENCIA, RECURSOS.
  • DEFESA, URGENCIA, ADOÇÃO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, ISENÇÃO FISCAL, PESSOA JURIDICA, OCORRENCIA, SONEGAÇÃO FISCAL, FRAUDE, PREVIDENCIA SOCIAL, OBJETIVO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, SETOR, SAUDE, PAIS.
  • ANALISE, CRITICA, PAGAMENTO, VALOR MONETARIO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), DESTINAÇÃO, HOSPITAL, MEDICO, REDUÇÃO, EXTINÇÃO, QUALIDADE, SERVIÇO, ATENDIMENTO, SETOR, SAUDE PUBLICA, PAIS.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PP-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou encaminhando à apreciação desta Casa, na tarde de hoje, uma proposta de emenda constitucional que dispõe sobre a instituição de contribuição social para o financiamento das ações e serviços de saúde.

Essa proposta mereceu o apoiamento, até o presente momento, de 46 dos Srs. Senadores, numa prova evidente de que o seu conteúdo tem algo a ver com o Brasil, e os seus objetivos, se alcançados, irão ajudar a resolver a situação vexatória por que passa a saúde pública em nosso País.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é fora de dúvida que o setor de saúde pública passa por uma crise sem precedentes, justamente pela falta de recursos adequados para a sua manutenção.

              Hospitais são fechados, doentes são recusados na entrada dos postos de emergência e pessoas da comunidade perdem a vida, em todo o Brasil, apresentando a saúde pública um quadro tão precário que está a exigir a adoção, no campo financeiro, de medidas emergenciais para socorrer milhões e milhões de brasileiros que sofrem as conseqüências desta crise.

              Não devemos ficar aguardando que milagres aconteçam, quando ainda existem parcelas ponderáveis da sociedade que, com uma contribuição mínima, poderão reduzir substancialmente as dificuldades ora enfrentadas.

              E essa contribuição, muito embora insignificante, representada por uma alíquota de 0,25% sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, criará para o Ministério da Saúde condições efetivas para manter a rede hospitalar pública funcionando e operacionalizar todo o programa de trabalho daquele órgão, dentro da estrutura do SUS (Sistema Unificado de Saúde), sem as incertezas da alocação de recursos e sem a incidência da descontinuidade do fluxo financeiro, fatores que têm causado sérios prejuízos às instituições que prestam serviços de saúde em todo o Brasil, e à população a que se destinam tais serviços.

              Tal contribuição, pelo seu caráter emergencial e transitório, tem a sua vigência fixada pelo prazo máximo de dois anos, podendo neste período a alíquota ser reduzida, restabelecida, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.

              A contribuição social, tal como concebida na proposta, tem a facilidade de atender de imediato a uma situação de emergência que compõe um quadro de verdadeira calamidade pública que atinge em cheio todo o sistema único de saúde no Brasil. A sua cobrança pode dar-se ainda este ano se a mesma for aprovada pelo Congresso, o que não aconteceria se a fórmula adotada fosse a do IPMF, o qual, sendo um imposto, a sua vigência só poderia ter início no ano seguinte.

              Os R$6 bilhões que poderiam ser gerados por ano, oriundos desta contribuição de emergência, seriam de vital importância para a saúde, dobrando o orçamento do setor.

              Reconhecemos que somente com a adoção de uma reforma tributária consistente, que venha reparar as injustiças nascidas de privilégios odiosos - como a de lacunas ou vazios na legislação que redundam em interpretações graciosas a grandes corporações - é que o Brasil poderá atingir o seu equilíbrio orçamentário e até sobrar dinheiro para ser aplicado nas áreas prioritárias definidas pelo Governo.

              Faz-se necessário que se suprimam de uma vez por todas as incompreensíveis imunidades a pessoas jurídicas que ganharam isenções privilegiadas e se transformaram com o tempo em entidades quase que intocáveis pelo fisco, o qual se vê tolhido na sua ação por causa do emaranhado de leis que no fundo só servem para proteger grandes sonegadores.

              É inconcebível que este País continue a penalizar o assalariado que paga uma exorbitância de imposto de renda, enquanto que as empresas em todo o Brasil não pagam nem a metade do que é descontado na folha dos trabalhadores, funcionários públicos e demais pessoas físicas.

              É o próprio Ministro da Saúde, Dr. Adib Jatene, que demonstra a sua indignação cívica ao afirmar: "quem gera a renda dela se apropria". E exibe dados que retratam de forma irrefutável os privilégios que detêm os grupos poderosos da iniciativa privada. Enquanto as pessoas físicas neste País irão pagar de Imposto de Renda retido na fonte, durante o ano de 1995, a absurda quantia de R$14,9 bilhões, as pessoas jurídicas, protegidas por uma legislação distorcida, somente irão contribuir com R$5,6 bilhões, ou seja, menos da metade dos assalariados.

              Não é só na área do fisco onde se descobrem mazelas que são praticadas contra o erário. Também na previdência as fraudes têm sido uma prática constante, gerando escândalos e prisões. Segundo informações do Ministro Reinhold Stephanes, que foram divulgadas pela imprensa, pelo menos 100 mil ações correm na justiça contra grandes sonegadores que devem cerca de R$5 bilhões à previdência, quantia esta que daria para pagar a folha dos 15 milhões de aposentados em todo o país. Além disso, foram cancelados 1 milhão e 200 mil benefícios fraudados, que vinham dando um prejuízo descomunal à União. E pasmem, depois de feita a revisão das aposentadorias, ficou provado que daquele total pelo menos 87 mil pessoas gozavam de boa saúde mas recebiam indevidamente a sua aposentadoria por invalidez.

              Grandes empresários vão ser julgados pela Justiça por apropriação indébita, pois retinham indevidamente o FGTS dos seus empregados, dando um prejuízo de mais de R$1 bilhão à Nação.

              Com ações como essas nem será preciso mexer tanto na Previdência como querem os reformistas, pois vai existir tanto dinheiro que, quem sabe, o Governo mandará, novamente, providenciar os repasses de verbas para o Ministério da Saúde.

              A União despende mensalmente com o custeio da saúde cerca de R$600 milhões. Diga-se de passagem, um enorme aporte de recursos que daria para construir todo mês pelo menos 92 mil casas para populações de baixa renda. Porém, apesar de esforço tão gigantesco que realiza a Nação para dar sustentação ao sistema, nunca o brasileiro, que depende do SUS, foi tão mal atendido nos hospitais e postos de saúde.

              A revista Exame, edição de 22 de junho de 1994, numa só frase retratou o verdadeiro drama que representa a saúde neste momento: "Saúde pública ainda na UTI, e sem previsão de alta".

              As dificuldades do setor Saúde começaram a se agravar a partir de 1993, quando o Ministério da Previdência suspendeu os repasses obrigatórios para o Ministério da Saúde. Quarenta por cento dos gastos dessa Pasta eram então cobertos com as verbas transferidas pela Previdência.

              Com esse corte, o Ministério passou a depender tão somente de dotações consignadas no Orçamento da União. Ademais, na busca do equilíbrio de suas contas e da correção do déficit público, o Governo procurou reduzir de forma geral todas as despesas públicas - uma decisão de caráter econômico onde todos perderam. Todavia quem mais sentiu a compressão financeira foi exatamente a Saúde Pública, que convive no seu dia-a-dia com problemas inadiáveis.

              Com a crise que se instalou no setor, 1.750 hospitais em todo o Brasil tiveram suas obras paralisadas por falta de verba. As 2.600 Santas Casas, que em todo o Brasil trabalham para o SUS, ameaçam fechar as suas portas, porque os recursos que lhes são transferidos, para atender principalmente às camadas menos favorecidas da população, chegam em atraso e são insuficientes para uma prestação de serviços que seja considerada digna e merecedora do respeito da sociedade. Essas Santas Casas oferecem 270 mil leitos, 62% do total nacional, dos quais 96% destinados ao SUS, empregam 400 mil pessoas e mensalmente internam 780 mil pacientes.

              A remuneração que é paga pelo SUS aos hospitais conveniados é tão irrisória que muitos deles tomaram a iniciativa de cancelar os serviços que prestavam ao setor público. Pela tabela do SUS, um médico recebe por uma consulta a ínfima remuneração de R$2,00. Já o hospital nada recebe por esse serviço, mesmo que a consulta tenha sido feita nas suas dependências. Pela realização de um parto, a maternidade que é obrigada a internar a parturiente por três dias recebe apenas R$54,00, e o médico que a assistiu RS59,66.

              As entidades representativas das unidades de saúde de todo o Brasil, como a C.N.S. e a F.B.S., reivindicam a atualização das tabelas do SUS, pois a sua defasagem contribui sensivelmente para piorar as condições de trabalho e a oferta dos serviços. As suas unidades de saúde já não suportam mais a insatisfação dos profissionais da área médica e paramédica e passam por sérios constrangimentos em face do atraso com os fornecedores.

              Remuneração tão irrisória, conferida aos hospitais e à sua equipe de profissionais, tem-se constituído num estímulo oficial, numa porta aberta à prática de ações fraudulentas. E é por essa razão que muitas entidades têm se desligado do SUS e passaram a atender exclusivamente aos interesses da iniciativa privada.

              Daí o cenário dantesco a que se assiste freqüentemente na TV: acúmulo de doentes nos corredores dos hospitais por insuficiência de leitos, instalações físicas precárias, equipamentos sucateados e sem manutenção, carência de medicamentos e insumos básicos para diagnóstico e terapêutica. Malversação do dinheiro público. Mortes prematuras de nossos semelhantes que não conseguem viver, porque não encontram apoio adequado do Estado para proteger as suas vidas.

              Uma análise objetiva dos dados do IBGE nos leva a concluir de forma indiscutível que, nos últimos 30 anos, o Brasil conseguiu elevar a expectativa de vida de seus habitantes, muito embora o nível alcançado tenha sido inferior ao patamar de outros países do Terceiro Mundo.

              Os dados do IBGE evidenciam, por exemplo, que houve uma queda nos níveis de mortalidade registrada no País, o que fez a expectativa de vida passar dos 51,6 para 66 anos de idade, durante o período de 1960 a 1990. Lógico que a queda dos níveis de mortalidade e o aumento da expectativa de vida mostram que o Brasil de fato melhorou a saúde de seus habitantes. Mas, se a atual crise não for debelada a tempo, por certo esses indicadores deverão ser outros, muito abaixo dos de 1990.

              No entanto, se compararmos o Brasil com outros do Terceiro Mundo, chegamos à conclusão de que já havia desde 1990 uma desvantagem considerável do nosso País, que perdia para o México (70 anos), Argentina (71 anos), Chile (72 anos). Esses povos só conseguiam viver mais porque ostentavam uma saúde melhor, menos vulneráveis à doença e à morte.

              "Nenhum povo tem saúde por acaso", escreve Demócrito Moura, no seu trabalho publicado em "Problemas Brasileiros", edição jan.fev./94. A saúde é representada por poder aquisitivo, nutrição adequada, moradia higiênica, acesso à água tratada, esgotamento sanitário, educação, prática de esporte e lazer. Isto é, o nível socioeconômico de um povo oferece-lhe uma boa ou má saúde.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos. Faz soar a campainha.)

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Já estou terminando, Sr. Presidente.

              E as políticas governamentais nunca se concretizam, apesar dos planos bem elaborados e tão discutidos nos palanques eleitorais e nos programas de rádio e televisão. No Governo, endurecem no social à espera de o bolo crescer, enquanto a população, sofrida e perplexa, pergunta: "Por que mudaram? Por que votei?"

              Na Amazônia, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, recentemente, seguindo a mesma trilha científica de Carlos Chagas que esteve por lá nos idos de 1912, chegaram à inquietante constatação de que o Brasil é o campeão nas Américas em incidência da malária. O nosso País se transformou, de um dia para o outro, no grande exportador de malária para os países vizinhos.

              Deveu-se à nossa vulnerabilidade em matéria de vigilância sanitária a ocorrência de infecções como o cólera, que este País conseguiu importar, no ano de 1991, do Peru, doença que provocou tantas vítimas.

              Somando-se às crônicas deficiências de saneamento básico e de habitação higiênica, calcula-se que pelo menos 14 milhões de brasileiros possam ter morte precoce por esquistossomose e que 6 milhões tenham morte lenta com a doença de Chagas. Por falta de uma vigilância sanitária eficiente no Brasil, a transfusão de sangue tem sido um grande veículo de transposição da doença de Chagas e da AIDS. Provou-se, em 1991, através de testes de sangue realizados em São Paulo, que 3% dos seus doadores eram portadores da doença de Chagas, enquanto no Triângulo Mineiro essa taxa subia para 12% e para 20% no Rio Grande do Sul. A AIDS conseguiu se expandir no Brasil justamente pela precariedade de seu sistema de vigilância. Hoje temos mais de 30 mil aidéticos que consomem por mês 100 milhões de reais.

              O Brasil é a décima economia do mundo, mas está em septuagésimo quarto lugar quando se trata de aplicar recursos públicos na saúde de seus habitantes. Perde, por exemplo, para o Paraguai (que aplica US$140 por habitante), para a Bolívia (que aplica US$120 por habitante). Já o Brasil, em média, gasta em torno de US$80 por habitante. Se essa proposta de criação da contribuição social for acatada pelo Congresso, estaremos ajudando a salvar mais vidas, visto que uma disponibilidade de recursos de US$160 por habitante vai aumentar a participação do setor Saúde na distribuição dos frutos da riqueza nacional, reduzindo, assim, uma cota da injustiça que atinge grandes parcelas do povo marginalizado.

              Em relação ao PIB, o Brasil apresenta uma taxa que mais uma vez demonstra a inversão de prioridades na escolha de nossas políticas sociais: enquanto nos EUA se gasta com a saúde o equivalente 12% de seu PIB, a França 8,9%, a Índia 6%, a Argentina 5,6%, o Brasil aplica uma taxa inexpressiva de apenas 4,2% de seu PIB.

              É pela falta de uma vontade política que sintetize as verdadeiras aspirações nacionais que os nossos indicadores de saúde estão a desnudar uma realidade crua, fria e insensível que se espalha por todo o território nacional, fazendo com que os bolsões de pobreza e miséria se multipliquem num crescendo assustador, carregando doenças que não mais se justificam num País que cresce em todo os setores de sua economia.

              Não é possível que, em plena virada do século XX, se assistam ainda neste País pessoas serem invadidas por verminoses, pela tuberculose e por doenças que já haviam desaparecido há décadas do nosso meio, estimulando a separação do nosso País em dois Brasis: um Brasil moderno, saudável, superdotado, sendo tratado em hospitais de cinco estrelas e um Brasil do Jeca Tatu, raquítico, amarelo e triste, para o qual não existe perspectiva nem horizonte, pois até o direito à saúde lhe é negado, o direito de ser tratado condignamente lhe é subtraído.

              Não é mais possível assistirmos impassíveis a crianças inocentes serem mortas nas Casas de Saúde por infecção hospitalar, as quais deveriam ter como fonte primeira de suas preocupações manter a vida e não provocar riscos ou óbitos.

              Queiramos ou não assumir as responsabilidades inerentes à função que o povo nos delegou, somos de fato uma elite política capaz de mudar esse panorama de humilhação e de dor.

              Vamos todos, juntos, Senadores, Deputados, Governo e Oposição, levar adiante esta causa justa, legítima, que se harmoniza com o discurso que pregamos na praça pública, pois, afinal, ter uma saúde perfeita é o que todo cidadão realmente deseja para poder trabalhar e criar sua família, é um direito da cidadania previsto na nossa Lei Maior.

              Assim nos comportando, estaremos a instalar entre nós um regime democrático com justiça social. 

Gostaria de dizer às Srªs e Srs. Senadores que pediram aparte que lamento que o tempo não permita esse privilégio e essa honra. Mas eu pediria a V. Exª, Sr. Presidente, que aceitasse este meu discurso como justificativa da proposta de emenda constitucional que apresentei, assinada por quase todos os Senadores desta Casa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10768