Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10756
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS CASTELLO BRANCO, JORNALISTA, ESTADO DO PIAUI (PI).

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney; Sr. Vice-Presidente da República, Dr. Marco Maciel; Srª Elvia Lordello Castello Branco, Srs. Membros da Mesa, autoridades, Srªs e Srs. Senadores:

A escolha foi do Presidente José Sarney e eu escolho José Sarney para justificar a minha escolha. Exatamente um trecho de seu primoroso discurso de recepção a Castello Branco, na Academia Brasileira de Letras:

      "Viemos das mesmas terras, de história e geografia comuns, de costumes e destinos semelhantes, de gemidos e cantos entoados pelas mesmas bocas sedentas e sofridas, pelos mesmos olhos amarelados da pobreza e da imensidão dos infortúnios".

Paraíba e Piauí não se limitam entre si, mas entre si se identificam e guardam em semelhanças esses mesmos traços pintados pelo talento e pela sensibilidade do autor de "Norte das Águas" e "Marimbondos de Fogo".

Mais que uma homenagem, esta sessão especial é um testemunho; mais que um testemunho, é um reconhecimento; mais que um reconhecimento, é a solene proclamação de qualidades e valores que, tendo moldado o caráter e a história de um homem, foram capítulo da história de uma época e referência de uma época da história.

Esta sessão bem poderia ser apenas homenagem ao nordestino do Piauí, que começou sua carreira jornalística como repórter em Belo Horizonte. Que se consolidou e se fez respeitar no Rio de Janeiro, como colunista de O Cruzeiro, numa época em que a revista associada rodava perto de um milhão de exemplares, num país em que a população urbana nem chegava ainda aos 20 milhões de brasileiros. Poderia ser uma justa homenagem ao ocupante cativo da página 2 do Jornal do Brasil ou ao imortal da Academia Brasileira de Letras. Ao profissional de jornal, que chefiou redações e formou equipes, ou simplesmente ao homem Carlos Castello Branco, de inexcedível lealdade e insuperável capacidade de ouvir. Ao repórter absolutamente inexpugnável na preservação do anonimato de suas fontes.

Esta sessão poderia, mais ainda, ser a oportuna homenagem ao jornalista que fez da alma humana sua permanente matéria-prima - e até por isso esta sessão teria uma marcante relevância, pois afinal o humanismo tem sido valor freqüentemente relegado e esquecido pela pseudomodernidade que hoje se persegue.

A Imprensa, os leitores, o Brasil inteiro encontrarão, por certo, inquestionáveis imperativos de justiça para homenagear o cronista Castello Branco. A nós, foi-nos dado mais que homenagear; foi-nos permitido testemunhar sobre o cronista que nos tendo feito a todos de alguma forma personagens de suas crônicas, terminou ele próprio virando personagem de nossas vidas. Por muitos anos nossos dias começaram com a leitura de suas crônicas, nossos embates e debates se iniciaram com a discussão de suas análises. Mais do que um comovido registro sentimental sobre a vida e o trabalho de um homem, esta homenagem é, sobretudo, um reconhecido testemunho sobre a dimensão claramente histórica de sua atuação inegavelmente política.

Carlos Castello Branco foi muito mais que o respeitado Castellinho de meio século de jornalismo e de crônica política no Brasil. Foi muito mais que a luta pela liberdade de imprensa: ele personificou o democrático e cotidiano respeito à cidadania.

Ele viveu o Estado Novo e a Censura. Viveu 64 e o AI-5: talvez por ter vivido e sofrido o arbítrio, Castellinho aprendeu e viveu que a liberdade na imprensa é um bem garantido pelas sociedades democráticas, com estreita correlação com o direito social à informação.

Castellinho compreendeu como poucos que liberdade e informação são componentes inarredáveis da cidadania, mas enquanto a liberdade é prerrogativa individual, a informação é direito coletivo. Tal como sobre a propriedade em sociedades modernas, também pesa sobre a liberdade individual uma irresgatável hipoteca social de natureza ética, sem a qual o livre arbítrio facilmente se transmudará na arrogância que atropela a honra, na prepotência que destrói reputações - reputação e honra que também são direitos inalienáveis de todo cidadão. Por mais ampla que se a deseje, por mais irrestrita que se a queira, essa liberdade individual de expressão sofrerá limites éticos, que não são mordaças para o indivíduo, são antes defesas indispensáveis para o cidadão. Não são entraves para a pessoa, são antes proteção para a sociedade.

Ele jamais aderiu ao chamado jornalismo ligeiro, o "fast journalism", estilo Mc Donald's, na feliz expressão de José Neumanne Pinto, em recente e magistral palestra sobre a ética da imprensa. Nesse tipo de imprensa, diz Neumanne, "vale mais o impacto da versão do que a verdade dos fatos". "Nele se denuncia, não se investiga. Informar rápido, em vez de informar bem." E conclui com um depoimento que lhe foi dado, que ele chama de verdadeira constatação cínica: "Uma notícia errada pode significar duas notas de coluna, a primeira contendo a mentira, a segunda, o desmentido. Se ele tivesse tido o trabalho de conferir antes, não teria nenhuma". "Como não conferiu, conseguiu as duas".

Pressa que atropela a verdade é a antecipação da mentira e , por isso, sabendo o respeito que mereciam suas opiniões, Castellinho preferiu antes a consistência e a isenção das informações. Ele bem que podia em seu canto de página constituir-se num tribunal irrecorrível de sentenças inapeláveis, podendo até condenar sem sequer julgar, preferiu, ao contrário, o entendimento de que na democracia há outros poderes que julgam e na cidadania todo julgamento pressupõe ampla defesa. Como muitos, ele defendeu a liberdade como componente da democracia e como raros ele exerceu e limitou a própria liberdade. Sua força, por isso, não derivava do poder, mas se alimentava da verdade de sua isenção e da isenção de sua própria honestidade. Ele sabia o valor da honra e honrava os valores éticos e morais. Não se conhecem em sua biografia gestos de desprezo aos vencidos nem de submissão aos vencedores.

Por outro aspecto, já não se sabe o que maior nele, se a surpreendente capacidade de trabalho ou o sentido inexcedível da responsabilidade. Colunista mais respeitado do Brasil, mesmo depois de longas conversas noite adentro, antecipava-se nas manhãs seguintes, mesmo a colegas mais jovens, na chegada à redação, no início do trabalho. Não se conhece atraso seu na entrega da coluna diária. Se o colunista há de ser responsável e regular, Castello tinhas as duas virtudes em altas doses. Foi igual entre iguais, sem jamais reivindicar privilégios que lhe garantiam o respeito, sem jamais buscar regalias que lhe asseguravam o nome.

Amigos, e grande amigos, ele os teve em todas as legendas. Foi contemporâneo e amigos dos políticos que viveram todo o Estado Novo - no governo ou na resistência -, e que em seguida construíram o regime de 46, plantaram 64 e a redemocratização posterior. Castello assistiu ao nascimento, organização, crescimento e morte de dezenas de partidos, grandes e pequenos. A todos registrou com a frieza do historiador; a todos cedeu espaços, com a tolerância dos democratas; de todos cobrou posições, com a imparcialidade dos juízes. Mas a nenhum partido Castello se filiou; nisso reside uma de suas lições de vida e de prática de trabalho mais duradouramente significativas: Castello jamais foi militante de partidos, jamais se fez cruzado de ideologias, por mais apoio social que pudessem ter, por mais charme intelectual que pudessem exibir. Castello se fez cronista de sua época, não juiz de seu tempo e de seus contemporâneos.

Por isso, na prática, ele se pôs acima de intermináveis discussões teóricas sobre a objetividade da Imprensa, situando-se no cotidiano extremamente simples na isenção. Castello nem se preocupou em discutir objetividade ou não. Bastou-lhe ser honesto. Da mesma honestidade que lhe permitiu conviver meio século com o Poder constituído; exercer de fato o Poder de que a Imprensa, sobretudo a grande Imprensa, desfruta, sem que se deixasse influenciar pelas benesses dos palácios nem se deixasse manchar pela corrupção que também testemunhou. Da mesma honestidade que o fazia, por vezes, rude no trato pessoal, tal a franqueza que jamais disfarçou sentimentos, tal a sinceridade que jamais escondeu preferências.

O registro só aumenta a admiração por quem, sendo tão franco e direto em seu trato pessoal, não levava à coluna do jornal e da revista o capricho de suas próprias emoções, nem a emoção de suas mais legítimas predileções: mesmo senhor absoluto e inquestionado de sua tribuna na revista O Cruzeiro e na página 2 do Jornal do Brasil, hoje seguida por Marcelo Pontes, Castello valorizava mais a informação que a impressão, investia mais na notícia que em suas próprias idiossincrasias. Ele foi grande, quase único e insuperável no registro e na interpretação dos fatos; se fez respeitado pela análise da conjuntura mais que pelo julgamento das pessoas. Castello foi cronista e historiador, jamais juiz ou promotor.

Muitas outras razões se alinharão, justificando homenagens futuras ao piauiense mais brasileiro de nossa Imprensa. Castello viveu por seu trabalho, vive por seu exemplo e viverá por suas convicções. Muitos poderão segui-lo, mas todos reconhecerão sua lacuna.

Eis, aí, "seu" Presidente:

Num depoimento muito franco

Retratei Castello Branco

Como vejo em minha mente

Jornalista consciente

Sem maldade e sem malícia

Trabalhava com a notícia

Da verdade dando a tônica

E por isso em sua crônica

Não fez papel de polícia

A sua história nos diz

Foi cronista e escritor

Por isso mesmo não quis

Ser juiz nem promotor

Nunca foi acusador

Da honra de seu ninguém

Jamais tratou com desdém

E nunca se fez demônio

Pois a honra é patrimônio

Mais rico que o homem tem. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10756