Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.

Autor
Sérgio Machado (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10757
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS CASTELLO BRANCO, JORNALISTA, ESTADO DO PIAUI (PI).

O SR. SÉRGIO MACHADO (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Exmº Sr. Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney; Exmº Sr. Vice-Presidente da República, Senador Marco Maciel; Exmª Srª Ministra do Tribunal de Contas da União, Drª Elvia Castello Branco; demais componentes da Mesa, autoridades, Srªs e Srs. Senadores, é com emoção que homenageio, em nome do PSDB e do Senado Federal, o imortal Castello Branco. Homenageio não só o jornalista e escritor, mas o amigo de muitos anos. Conheci-o em Fortaleza, nos tempos em que se começava a discutir a redemocratização do Brasil. A convite do Centro Industrial do Ceará, Castellinho esteve lá duas vezes. Com lucidez e humildade, ouviu nossas angústias. Juntos, analisamos o momento político. A partir daí, criamos um vínculo de amizade e respeito que perdurou até sua morte.

A história de Carlos Castello Branco é a própria História do Brasil. Sua coluna, na página dois do Jornal do Brasil, era leitura obrigatória para quem buscava informações e análise precisa dos acontecimentos políticos. Por mais de meio século dedicou a vida ao jornalismo. Castellinho, como ficou conhecido pelos políticos, amigos e leitores, era um mestre. Com prodigiosa memória, argúcia e capacidade de análise, transformou sua coluna num tratado de história política, descrevendo com fidelidade os fatos e bastidores do poder.

Se vivo estivesse, Sr. Presidente, completaria 75 anos no próximo dia 25. É impossível esquecê-lo. Seus ensinamentos estão gravados na história do jornalismo brasileiro. Piauiense, Castello Branco deixou a terra natal aos 16 anos, mudando-se para Belo Horizonte, onde viveu por quase nove anos. Na capital mineira, estudou Direito na Universidade Federal de Minas. Dizia que não tinha alma de advogado. Sua alma era mesmo de jornalista. A conclusão do curso de Direito coincidiu com a divulgação do Manifesto dos Mineiros, o documento político que deu início à desestabilização do Estado Novo.

Castellinho ingressou no jornalismo como repórter de polícia de O Estado de Minas. Tímido, reservado, mas excelente observador, assimilou o jeito mineiro e se incorporou ao grupo de intelectuais que discutia literatura nos cafés e restaurantes da capital mineira. Ali conheceu figuras ilustres, como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pelegrino e Otto Lara Resende. Quando Lara Resende morreu, Castellinho sofreu a perda do amigo. Recorreu à página dois do JB para se despedir, com saudade e melancolia:

      "Não é só a perda do amigo, mas o sentimento egoístico de que se reduz o meu tempo e o meu espaço de viver. Ao meu lado, já são poucos."

Foi uma profecia. Seis meses depois, o Brasil dava adeus a Castellinho.

Em 1945, instalou-se no Rio de Janeiro. Foi trabalhar em O Jornal, da cadeia de jornais e emissoras de Assis Chateaubriand. Em seguida, no Diário da Noite. Deixou os Associados em 1950, para ser redator do Diário Carioca. Em 1953, chefiou a Tribuna da Imprensa. Voltou aos Diários Associados e escreveu crônicas políticas na revista O Cruzeiro. Em 1960, cobriu, como repórter, a campanha de Jânio Quadros, que, depois de eleito, o convidou para a Secretaria de Imprensa do Planalto. Castello resistiu, mas aceitou o convite. "Ora, Castello, não estou pedindo muito, quero que você fique comigo por apenas seis meses."

Profecia? O então Presidente renunciou ao mandato menos de sete meses depois da posse. Em entrevista, anos depois, Castellinho brincou que a renúncia fora em sua homenagem, pois o prazo havia se esgotado e ele não gostava de trabalhar no Palácio do Planalto. Castello acabou se fixando em Brasília. No início de 1962, começou a publicar a "Coluna do Castello", primeiro, na Tribuna da Imprensa, e, depois, no Jornal do Brasil.

A "Coluna do Castello" está na memória de todos nós, Sr. Presidente. Ela transformou-se, ao longo de 31 anos, numa grande tribuna, respeitada por todos os setores da sociedade. Incansável perseguidor da verdade, sua paixão era a notícia. Castello construiu o modelo analítico do jornalismo, notabilizando-se como profissional sério e competente. Não se limitava a publicar a informação correta, mas avaliava sua importância e possíveis repercussões, sinalizando o curso da política nacional. Muitos políticos chegavam a se inspirar em suas análises para dar o próximo passo e planejar futuros lances. Tinha trânsito fácil entre os partidos, presidentes e líderes. Não deixava, porém, que a amizade lhe prejudicasse a visão crítica.

Castellinho se recusava a tirar proveito do poder que exercia sobre o mundo político. Dizia: "Minha intenção é informar e esclarecer, não tenho aspiração de influir em nada".

Aos leitores, deixava claro: "Quero oferecer uma análise mais desengajada e objetiva possível".

Viveu todas as crises do País, desde o Estado Novo até o regime militar implantado em 1964. Ainda em Belo Horizonte, enfrentou a censura getulista. O censor, vestido de terno branco e chapéu panamá, se instalou na redação de O Estado de Minas com a tarefa de amputar os textos. Em 1972, Castello contou: "Quando o regime começou a apodrecer, veio uma ordem de Chateaubriand para expulsarmos o censor. A direção do jornal não queria se meter, eu que fosse cuidar do caso. Tive o prazer de avisar ao homem que sua função havia terminado. Disse-lhe que, se quisesse ler o jornal, teria de comprá-lo na banca no dia seguinte. Não há convivência entre imprensa e censura", ensinava.

Castello voltou a enfrentar censura já no JB, no regime do AI-5. Dava seus recados nas entrelinhas e transformou sua coluna num ensaio político. Ele mesmo revelou: "Até 13 de dezembro de 1968, minha coluna tinha um caráter densamente informativo e ostensivamente formativo. A partir de então, mudou. Passou algumas semanas proibida, e, quando voltei, tive que enfrentar uma nova realidade e partir para a informação implícita. Me tornei quase um ensaísta, para transmitir minhas informações em mensagem cifrada". Castello foi preso, mas jamais fraquejou. Continuou a lutar pelos direitos humanos e a liberdade de expressão. "Minha função de repórter é defender o exercício das liberdades públicas onde a ordem não esteja comprometida com privilégios", ressaltava.

Pessoa querida, era de um refinamento peculiar. Irônico, sem ser agressivo. Gostava de uma boa conversa e era um ouvinte atento. Com mão de mestre, dava a intensidade certa às críticas e aos elogios. O próprio Castello contou, em uma de suas colunas, que, como comentarista e repórter, irritou, muitas vezes, o ex-Presidente Castello Branco, que o decepcionou quando aceitou a prorrogação de mandato. "Percebi que era o primeiro passo para o regime militar no Brasil".

Corajoso, Sr. Presidente, criticou o imobilismo de Costa e Silva, afirmando que o general nunca resolvia as crises. Era uma crise atrás da outra. "No governo, tal atitude presidencial provoca, nesse ou naquele setor, constrangimento, senão um arrepio de medo". Num retrato daquele momento, escreveu: "A intolerância amedronta, paralisa e abre IPMs por toda parte. Quem se detiver frente a uma loja de discos pode ser preso se a música posta na vitrola for subversiva".

Certa vez, quando lhe perguntaram se tinha alguma simpatia pelo governo militar, o jornalista Castello Branco foi claro: "Sou um inconformado com o regime de restrições decorrentes de atos institucionais. Não estou dentro do jogo político, sou apenas contrário ao regime - não ao governo. Todos os governos da Revolução foram de boa qualidade, mas sou contra o regime político em que se amparam esses governos". Para acrescentar: "Não me interessa criticar o governo, interessa-me criticar o regime. O que nos oprime não é o governo, mas o regime".

As colunas, reunidas no livro Militares no Poder, tornaram-se referência para compreender o regime instalado em 1964 e reconstituir a história. O talento de Castellinho ultrapassa as fronteiras da imprensa. Sem nunca ter sido servil, foi sensato ao acreditar na sinceridade do General João Figueiredo quando jurou que faria a abertura. Na sua opinião, porém, coube ao General Ernesto Geisel lutar efetivamente em favor da abertura. "Mas o que se precisa entender - repetia - é que o controle do processo continua nas mãos dos militares, já que o poder não emana do povo e sim dos quartéis".

Castello Branco escreveu contra o regime militar, e, mais tarde, quando o País caminhou rumo à democratização, brindou seus leitores com verdadeiras obras literárias sobre esse rico período. A mobilização nacional pela anistia, pelas eleições diretas e pelas liberdades democráticas foram fielmente relatadas em sua Coluna. Em 1985, depois de o Brasil assistir ao dramático destino de Tancredo Neves, disse, com emoção: "Nunca um presidente eleito se avizinhou do poder em meio a tanta esperança do seu povo, rezou unido e compungido por sua salvação". Quando Tancredo morreu, escreveu: "Encerra-se uma das mais longas, tempestuosas e truncadas carreiras políticas da nossa história contemporânea", referindo-se ao fato de o primeiro presidente civil após 1964 nunca ter conseguido cumprir até o fim as funções que lhe foram atribuídas pelo voto ou por consenso político.

Castello Branco continuou atento aos desdobramentos políticos da época, como a posse do Presidente José Sarney, que sedimentou o processo democrático. O jornalista conhecia bem os personagens políticos e, como ninguém, sabia fazer seus perfis. De Ulysses Guimarães, afirmou: "Ulysses nunca foi um realista, nunca foi um pragmático. Por isso mesmo, o poder sempre lhe escapou. O que está a seu alcance é a bravura, o ímpeto de ir às ruas defender suas idéias e lutar por elas".

Símbolo da resistência e grande defensor da democracia, Castello chegou também a ingressar na vida sindical. De 1977 a 1980, presidiu o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Resistiu quanto pôde a aceitar o convite, mas o amigo e jornalista Pompeu de Sousa o convenceu. Nessa época, comandou reuniões intersindicais em Brasília, mesmo proibidas por lei.

Apesar de definir-se como um repórter que oferece subsídios sem qualquer pretensão de influir nas decisões políticas, Castello Branco fez e faz parte da história. "Minha biografia está no dia-a-dia da minha coluna", costumava dizer. Essa biografia, contudo, já está na memória de todos. A exemplo da obra de Machado de Assis, seu escritor de cabeceira, a de Carlos Castello Branco se perenizou e continuará a seduzir gerações. Como Machado, que escrevia com fidelidade e requinte a história de personagens brasileiros, Castellinho retratava, também com elegância, a brasilidade, a partir dos fatos políticos, dos problemas e preocupações da vida nacional.

Sua passagem pela literatura, aliás, merece destaque. Escreveu Continhos Brasileiros, Arco do Triunfo, Introdução à Revolução de 64 - Agonia do Poder Civil, Os Militares no Poder. Sua obra de escritor e jornalista lhe valeu a eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 4 de novembro de 1982.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agora, dois anos depois da morte de Carlos Castello Branco, o Senado Federal se reúne para homenageá-lo. Nada mais justo. Já internado no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, cidade que escolhera para morrer, Castellinho mantinha-se preocupado com os destinos do País. No último comentário político, aconselhou Itamar a recompor as forças do governo com Fernando Henrique Cardoso, José Aparecido - seu fraterno amigo - e outros que, segundo ele, valessem a pena. Castello nos abandonou antes mesmo da vitória de Fernando Henrique Cardoso. Estou certo, porém, de que aplaudiria a reforma constitucional que o Legislativo está discutindo e votando, já que era um dos defensores da abertura da economia e da inserção do Brasil no cenário internacional.

Para encerrar, Sr. Presidente, torno minhas as palavras com que Castellinho homenageou o amigo Ulysses: "Não há insubstituíveis, mas há substituições que, preenchendo lugares, os deixam vazios, por maiores que sejam as qualidades de quem os irá ocupar".

A você, amigo, jornalista e escritor, nossa saudade. Minha, do Senado Federal, do Brasil.

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/06/1995 - Página 10757