Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A PRESENÇA DE TROPAS BOLIVIANAS NA FRONTEIRA COM O BRASIL.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A PRESENÇA DE TROPAS BOLIVIANAS NA FRONTEIRA COM O BRASIL.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/06/1995 - Página 10879
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, AUTORIDADE, BRASIL, OBJETIVO, GARANTIA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO, FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.
  • APREENSÃO, REMESSA, TROPA, EXERCITO ESTRANGEIRO, REGIÃO, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, MOTIVO, AMEAÇA, SEGURANÇA, PERMANENCIA, POPULAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, ZONA DE LIVRE COMERCIO, MUNICIPIO, BRASILEIA (AC), EPITACIOLANDIA (AC), ESTADO DO ACRE (AC), OBJETIVO, PROMOÇÃO, CAPACIDADE, CONCORRENCIA, IGUALDADE, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, INCENTIVO, COMERCIO, REGIÃO, IMPEDIMENTO, EVASÃO DE DIVISAS, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a chamar a atenção das autoridades brasileiras para a preocupante situação dos brasileiros que vivem na Bolívia, na fronteira do Departamento de Pando com o Estado do Acre, no Brasil, tendo em vista o envio de tropas do exército boliviano para aquela região, conforme vem sendo noticiado pela imprensa e confirmado por autoridades daquele País.

Longe do exagero, como pode nos parecer, é uma questão realmente preocupante. E exige de nossas autoridades medidas urgentes para evitar dificuldades para essa população. Principalmente porque, mesmo antes da ocupação militar da região, há denúncias de abusos por parte dos bolivianos, gerando um clima de insatisfação de ambas as partes. E a chegada das tropas, prevista para julho, pode acirrar os ânimos.

Preocupado com a questão, no último final de semana, estive nos Municípios de Brasiléia e Epitaciolândia, no Acre, na fronteira com Pando - especialmente da sua capital, Cobija.

À primeira vista, não percebi clima de hostilidade entre brasileiros e bolivianos. Mas há informações de que a vida dos brasileiros em território boliviano não é boa.

Além da falta de infra-estrutura, como escolas e postos de saúde, há reclamações quanto ao pagamento de altas taxas de impostos, como a taxa de estrangeria - que é o visto de permanência naquele País - e denúncias de que, embora vivam lá pacificamente, o convívio com os bolivianos não tem sido muito tranqüilo.

Há, por exemplo, denúncias de situações em que brasileiros limpam e cultivam determinada área, mas, quando chega o período da colheita, são expulsos da terra por bolivianos que se afirmam proprietários da área e os mandam procurar outro lugar. Entre muitas outras queixas de humilhações.

É um problema que já vem sendo denunciado há muito tempo.

Em 1991, levantamento da Diocese de Rio Branco já alertava para a questão, mostrando inclusive que na região havia cerca de 15 mil brasileiros.

Em 1992, a Assembléia Legislativa do Acre constituiu uma Comissão Especial para verificar a situação desses brasileiros em território boliviano.

Deputados chegaram a visitar seringais da região e, no relatório que apresentaram, constam reclamações sobre o preço da taxa de estrangeria, sobre o pagamento de taxa para o cultivo da terra e de renda de 20 quilos de borracha por cada estrada de seringa explorada, além de obrigatoriedade do serviço militar.

A imprensa do Acre, por várias vezes, publicou denúncias a esse respeito. Na sua edição de 04 de maio de 1994, o jornal A Gazeta, em seu editorial, afirmava que "seringueiros acreanos estariam sendo escorraçados e sofrendo todo tipo de humilhação por parte de soldados bolivianos".

O jornal garantia, inclusive, que a informação teria sido passada por quem teria presenciado a fuga de brasileiros de território boliviano, "onde suas mulheres e filhas estariam sendo até estupradas".

Como se vê, o problema é antigo e não permite mais que as autoridades do País possam continuar fazendo de conta que não existe. Principalmente porque tudo isso vem gerando um clima de insatisfação entre brasileiros e bolivianos e que pode aumentar com a chegada das tropas do Exército boliviano à região.

Em Brasiléia, além de autoridades locais, conversei com a Vice-Cônsul do Brasil em Pando, Srª Rosalina Pereira dos Santos. Por enquanto, ela garantiu não ter percebido perseguição a brasileiros. Mas confirmou a intenção da Bolívia em ocupar militarmente a região com a transferência de um batalhão e o seu comando do Exército para a área.

O objetivo é realmente executar o chamado plano "recuperar Pando para a Bolívia". Por causa do grande número de brasileiros na região - que eles estimam em 20 mil -, pela distância de Pando dos demais centros desenvolvidos daquele País, além do fato do comércio local sobreviver basicamente do dinheiro dos brasileiros que vivem nos municípios da fronteira do Brasil, como Brasiléia e Epitaciolândia.

Ou seja, a Bolívia teme que a presença brasileira na área possa representar perda da soberania local. E as conseqüências disso não se pode prever.

Até porque há outras versões a respeito do fato. Como a própria imprensa já divulgou, uma delas diz que o Exército boliviano estaria usando a ocupação militar de Pando para barganhar mais recursos no orçamento da Bolívia.

Por outro lado, é voz corrente na região que a medida deve-se a questões políticas locais, envolvendo o governo boliviano e um senador da região, que é de oposição.

São questões, claro, que dizem respeito à Bolívia, que tem o direito de tomar as suas decisões e executá-las em seu território. Ocorre, porém, que em meio a tudo isso estão os brasileiros que vivem na fronteira daquele País com o Brasil e que precisam, mais do que nunca, do apoio das nossas autoridades.

Independente dos motivos que levaram a Bolívia a decidir ocupar militarmente a região, o fato é que em julho as suas tropas deverão estar na fronteira com o Acre. E o que se teme é que isso possa gerar, se não conflitos, no mínimo problemas aos brasileiros, dificultando a sua permanência em território boliviano.

Cabe às autoridades brasileiras agir para evitar possíveis problemas. Ou mesmo estarem preparadas para receber de volta esses brasileiros, tendo em vista que, se a permanência deles na Bolívia começar a ser desestimulada, não terão outra alternativa a não ser voltar para o seu País.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FLAVIANO MELO - Concedo o aparte ao nobre Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Nobre Senador, estou ouvindo com preocupação crescente o depoimento de V. Exª. Entendo que se trata de questão relevante, de profunda gravidade e do interesse nacional. Conheço a competência com que V. Exª lida com esse problema na sua região e dou meu testemunho sobre a sua preocupação permanente com essas questões na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Acredito, Sr. Senador, se me permite uma sugestão, que, além de alertar a Nação da tribuna do Senado, esta Casa ganharia muito se V. Exª apresentasse um relatório à Comissão supracitada, à qual pertencemos, V. Exª e eu, até porque todos os assuntos que V. Exª apresentou tanto envolvem questões de relações exteriores do Brasil como questões de defesa nacional. Na nova fase que vive o Congresso brasileiro, na nova fase que vive o Senado Federal, esta Casa, que tem a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, encarregada de lidar com essas questões, deve dar àquele órgão as condições necessárias para que nós, os seus membros, não nos informemos mais pelos jornais e possam os Senadores do Brasil, no cumprimento das suas responsabilidade e atribuições, aumentar o grau de envolvimento do Senado - e, portanto, do Congresso Nacional - no processo de decisão que envolve questões dessa responsabilidade e dessa delicadeza. Tenho certeza de que todos os nossos Pares naquela Comissão e, particularmente, nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, entenderão a importância e a urgência de o Senado, mediante aquela Comissão, tomar as medidas acauteladoras de ampliação de informações, de ampliação do conhecimento do Congresso a respeito desse assunto, e apresentar sugestões para que o Governo brasileiro possa, com a participação do Congresso, conduzir-se com segurança em defesa do interesse nacional, como certamente haverá de fazer. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. FLAVIANO MELO - Muito obrigado, Senador Geraldo Melo. Acatarei a sugestão de V. Exª e apresentarei na Comissão de Relação Exteriores e Defesa Nacional um relatório do que vi e do que tenho conhecimento que está acontecendo naquela região, porque realmente isso é preocupante. Segundo as estimativas - não existe um censo feito com essa população -, cerca de 20 mil brasileiros moram nessa região. Estavam acostumados com a atividade produtiva de exploração da borracha e, com a transformação da economia no Estado do Acre, migraram para a Bolívia. Essa migração vem acontecendo há muito tempo e aumentou, acentuadamente, na década de 70.

As reclamações e o problema existem. E nós, parlamentares desta Casa, temos de acatar a sugestão de V. Exª. Podemos, inclusive, convidar o Ministro das Relações Exteriores para debatermos o problema e, juntos, encontrarmos uma alternativa, ou seja, traçarmos um plano de ação do Governo para assistir essa população.

Agradeço, portanto, o aparte de V. Exª, Senador Geraldo Melo.

O Brasil, portanto, precisa assumir a sua responsabilidade para com esses brasileiros, que - é importante lembrar - na maioria saíram do País em busca de uma vida melhor, que não conseguiam aqui, muitas vezes em virtude da execução de políticas inadequadas, sem conhecimento da realidade da população.

A grande maioria desses brasileiros que estão na Bolívia, por exemplo, são seringueiros acreanos que saíram do Estado especialmente na década de 70...

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros) - Senador Flaviano Melo, ouso interromper o pronunciamento de V. Exª para prorrogar o tempo do Expediente por mais oito minutos, a fim de que V. Exª possa concluir.

O SR. FLAVIANO MELO - Muito obrigado Sr. Presidente.

Esses seringueiros saíram do Brasil especialmente na década de 70, com o início da mudança da economia local do extrativismo para a pecuária.

Expulsos de suas terras e sem experiência em outra atividade, foram atravessando a fronteira da Bolívia, recrutados por bolivianos que, assim, conseguiam mão-de-obra barata para efetuar a extração do látex, trabalho que não é tradição dos bolivianos. Todavia, estão em território estrangeiro e sujeitos às suas leis e medidas, como a que vem sendo tomada agora.

Conversei com o Ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia, que me garantiu estar agilizando uma reunião entre as comissões fronteiriças do Brasil e da Bolívia, para tratar da situação desses brasileiros.

Espero que seja realmente rápido, pois estamos próximos de julho, quando as tropas bolivianas chegam à região onde eles estão. Não se pode esperar que as ações comecem para negociar depois, até para evitar possíveis atritos nas relações entre os dois países. O Brasil tem uma dívida com esses brasileiros. Tem agora a oportunidade de resgatá-la.

Ao falar sobre o assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de lembrar também a situação de miséria em que se encontram os Municípios de Brasiléia e Epitaciolândia, na fronteira com Pando.

Na verdade, todos os Municípios acreanos enfrentam graves dificuldades, mas em Brasiléia e Epitaciolândia o problema é mais chocante, porque esses Municípios sempre estiveram entre os mais prósperos do Estado. Tudo exatamente em virtude do intercâmbio comercial com a Bolívia, especialmente com a capital de Pando, Cobija, de onde adquiriam eletrodomésticos e demais produtos provenientes de zonas de livre comércio e para onde vendiam vestuário, gêneros alimentícios, entre outros produtos.

Todavia, com o incentivo à exportação brasileira, os bolivianos daquela região passaram a comprar produtos brasileiros diretamente de outros centros comerciais do país, a preços mais baixos, e a revendê-los também a preços menores do que os comercializados em Brasiléia e Epitaciolândia.

Assim, até a população desses Municípios passou a comprar na Bolívia, esvaziando completamente o comércio local, que hoje se encontra totalmente estagnado, numa decadência jamais vista em toda a sua história. Isso se reflete no empobrecimento cada vez maior da população local e pode até fazer com que mais brasileiros procurem opção de sobrevivência na Bolívia. É o que inclusive já vem ocorrendo. É cada vez maior o número de brasileiros que trabalham como empregados para os bolivianos.

O fato nos preocupa, principalmente em virtude da apreensão da Bolívia com a quantidade de brasileiros em seu território e porque cabe ao Brasil dar condições de sobrevivência ao seu povo.

Uma alternativa para resolver o problema é a imediata instalação das zonas de livre comércio de Brasiléia e Epitaciolândia, já criadas por lei. Isso fará com que os Municípios possam competir em condições de igualdade com o comércio da Bolívia, aquecendo o comércio local e evitando a evasão de divisas, fazendo com que o dinheiro do Brasil circule dentro do próprio País, melhorando, fundamentalmente, as condições de sobrevivência daquela população.

O Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem os meios para ajudar o seu povo, precisa somente colocá-los em prática. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/06/1995 - Página 10879