Discurso no Senado Federal

DESPERDICIO DE RECURSOS PUBLICOS NO PAIS.

Autor
Coutinho Jorge (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • DESPERDICIO DE RECURSOS PUBLICOS NO PAIS.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DCN2 de 15/06/1995 - Página 10303
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, DEFICIT, NATUREZA FISCAL, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, CARATER PERMANENTE, CONTENÇÃO, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS.
  • REFERENCIA, DECISÃO, PLENARIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), APROVAÇÃO, REQUERIMENTO, PRESIDENCIA, DETERMINAÇÃO, SECRETARIA, CONTROLE EXTERNO, REALIZAÇÃO, INSPEÇÃO, ORGÃOS, EXECUTIVO, AVALIAÇÃO, PREJUIZO, UNIÃO FEDERAL, RESULTADO, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, FINANCIAMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, MOTIVO, INEXISTENCIA, CONTRAPRESTAÇÃO, AMBITO NACIONAL.
  • COBRANÇA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, CORREÇÃO, SITUAÇÃO, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, FISCALIZAÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, ENDEREÇAMENTO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, FINANÇAS PUBLICAS.

O SR. COUTINHO JORGE (PMDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo novamente a tribuna para abordar um tema que, apesar de árido, é de real interesse para a administração e para a sociedade: o desperdício dos recursos públicos.

O reconhecimento da existência de um déficit fiscal de difícil superação no Brasil já é de domínio público: ultrapassou os muros das universidades e gabinetes ministeriais para circular livremente nas conversas entre os cidadãos ditos comuns. Se, por um lado, isso é positivo, porque representa uma tomada de consciência maior por parte da sociedade, que sente de diversas maneiras as duras conseqüências dessa situação, por outro aumenta a pressão por soluções de caráter não emergencial, capazes de ter resultados duradouros.

A equação é simples: despesa maior que receita gera déficit. A discussão sobre o déficit é antiga e vários governos tentaram alterar a equação, geralmente pelo lado da receita, o que nos legou um sistema tributário caótico, distorcido e altamente regressivo. Pelo lado da despesa, o funcionalismo público tem sido o bode expiatório: demite-se hoje e contrata-se amanhã, em nada alterando a situação.

Após a Constituição de 1988, o debate ganhou um novo ingrediente. O federalismo fiscal redefinido pela Constituição penalizou a União em favor de Estados e Municípios, pois subtraiu suas receitas e não transferiu proporcionalmente os encargos. A meu ver, esse argumento, recheado de números e defendido pelo Governo Federal, carece de análise mais profunda, assim como a recente proposta denominada pomposamente de "Novo Pacto Federativo". Todos nos lembramos dos argumentos que o Ministro José Serra apresentou aqui, neste Plenário, na sessão do dia 11 de maio passado. Mas vou deixar para abordar esses aspectos na ocasião em que o Governo enviar a proposta revisional sobre o capítulo da reforma tributária.

Hoje, quero deter-me precipuamente na questão dos gastos, pois sou daqueles que acreditam que a recuperação das finanças do Estado deve se dar mais pelo lado dos gastos do que pelo da receita. E justifico minha posição, afirmando que a sociedade não suporta mais ser tributada. Os assalariados espoliados por um sistema tributário perverso e regressivo e as empresas às voltas com um número excessivo de tributos, em especial as contribuições incidentes sobre a folha de pessoal.

É evidente que o Governo atual é herdeiro dessa situação. Não podemos penalizá-lo; contudo, devemos cobrar as devidas correções. Basta de sucessivas tentativas equivocadas.

O Ministro do Planejamento admite a existência de um déficit potencial da ordem de US$9,5 bilhões, apesar do corte autoritário de US$3,5 bilhões no Orçamento de 1995. Como resolver isso? Paralisando obras? Impossível recorrer a esse artifício, pois não se tem mais obra de vulto para sacrificar. A falência do Estado espelha-se na incapacidade absoluta de financiar sequer parcialmente seus investimentos. O Governo precisa tomar dinheiro emprestado até para cobrir seus gastos correntes, o que configura poupança negativa.

Também não estou de acordo com o objetivo do Governo em privatizar estatais eficientes - como a Vale do Rio Doce, por exemplo - visando obter recursos para fazer face ao cumprimento da dívida pública interna, principalmente porque os benefícios advindos da alocação dos recursos geradores da dívida são altamente questionáveis. Não adoto em meu discurso a postura conservadora que se contrapõe ao pensamento neoliberal. A questão atual não é teórica, nem ideológica. É muito mais ética e econômica.

                 Quais garantias teremos que, no futuro próximo, não estaremos novamente discutindo o problema do pagamento dos encargos da dívida sem ter outra Vale para vender? Nenhuma.

                 Minha proposta é muito simples: conter a evolução das despesas através de um controle sério, eficiente e permanente.

                 Os órgãos de comunicação, especialmente a televisão, têm mostrado vários casos de desperdício dos recursos públicos no país. Isto não é novidade para ninguém. São obras faraônicas sem nenhuma utilidade; obras paralisadas que provavelmente serão analisadas pela Comissão Temporária que criamos aqui; erros e má administração dos recursos públicos, além do desvio, roubo e corrupção. Porém, o desperdício a que eu me refiro, tão sutil quanto grave, não é apropriado para reportagens televisivas.

                 Na sessão de 25 de janeiro último, o Plenário do Tribunal de Contas da União, aprovou requerimento da Presidência, determinando que a Secretaria de Controle Externo realizasse inspeção junto aos órgãos do Poder Executivo, objetivando conhecer e avaliar, em todos os seus aspectos, os desperdícios, custos ou prejuízos da União, no período de 1990 a 1994, com encargos financeiros pela não utilização de financiamentos internacionais concedidos e não liberados ante a falta de contrapartida nacional. O trabalho foi concluído em 31 de maio e o Relatório de Inspeção encaminhado ao Plenário do TCU. É deste documento que trago as informações para os Senhores.

                 A equipe de Auditoria direcionou a inspeção para empréstimos contratados diretamente pela União, coletando dados referentes a 58 projetos financiados pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD, 17 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e 3 pelo Kreditanstalf Für Wiederaufbau - KFW, o que representa 97,3% das operações contratadas junto aos organismos multilaterais de financiamento e agências governamentais estrangeiras.

                 Foi constatado que de um total contratado de US$ 8,21 bilhões (dos quais foram cancelados 88 milhões) ingressaram no país cerca de 60%, ou seja, US$4,39 bilhões. A contrapartida nacional, parcela federal, alcançou a cifra de US$1,2 bilhão.

                 O que causa certa surpresa é que esta entrada é inferior à saída de recursos por conta dos mesmos financiamentos, ou seja, US$4,7 bilhões, correspondentes a: juros (US$1,35 bilhões), amortização (US$ 2,29 bilhões), comissão de compromisso (US$84 milhões) e outros encargos (US$99 milhões).

                 É importante esclarecer que a amortização e os juros devidos pelo País incorrem sobre os recursos externos internalizados, ao passo que a comissão de compromisso incide sobre o saldo não desembolsado dos empréstimos contratados.

                 Segundo ainda os dados do Relatório foi pago a mais em comissão de compromisso aos dois organismos (BID e BIRD) a quantia aproximada de US$27,59 milhões, o que representa 45,55% do que foi efetivamente pago. Essa quantia paga a maior decorre de atrasos na execução dos projetos financiados em virtude da falta de contrapartida nacional e de questões de ordem estrutural, tais como: falha na concepção do projeto, deficiência no acompanhamento, lentidão na aprovação de créditos adicionais, etc. É de se ressaltar, inclusive, que os organismos internacionais são extremamente rigorosos nas suas exigências. Eu tive de me defrontar com elas, enquanto Ministro do Meio Ambiente, quando negociava recursos para nossos programas. As condições contratuais exigem para a liberação do primeiro desembolso a assinatura de convênios, a criação e regulamentação de unidades coordenadoras do programa, além de outras burocracias. Ou seja, a administração tem que provar que é competente para gastar.

                 Além do pagamento a maior da comissão de compromisso, outro fator que onera os empréstimos externos contraídos junto ao BIRD, diz respeito à perda da isenção parcial da taxa de juros, decorrente do atraso no pagamento da dívida. De acordo com os dados fornecidos pelo BIRD, o País tem deixado de usufruir desse benefício, no que diz respeito à Administração Federal Direta, em valores avaliados em US$30,253,158, no período de julho/92 a dezembro/94.

                 O Sr. Casildo Maldaner - Permite-me V. Exª um aparte?

                 O SR. COUTINHO JORGE - Com todo prazer, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador Coutinho Jorge, em que pese amanhã ser feriado, podendo até desmotivar em parte a sessão desta tarde do Senado Federal, aproveito este momento para ressaltar a importância do pronunciamento e da análise que V. Exª está fazendo. É costume no País apresentarem-se projetos, buscarem recursos junto ao BID ou BIRD, assumirem compromissos e, quando os recursos são colocados à disposição, o Governo Federal ou os governos estaduais ou mesmo os municipais não entrarem com a sua contrapartida; e os recursos ficam parados, recebendo altos custos, como está acontecendo hoje. E acrescento ao seu pronunciamento, à análise muito séria que V. Exª faz, que precisamos corrigir este País. Está na hora! Foi constituída no Senado Federal uma comissão especial para analisar as obras federais inacabadas no País; comissão esta proposta pelo ilustre Senador Carlos Wilson e da qual faço parte por indicação da Liderança do Partido. Pasme, Senador, o que está surgindo pelo País afora de obras federais inacabadas - umas faltando 10%, outras faltando 5%, outras faltando 6% - enquanto recursos do exterior estão à disposição!...E as obras não são concluídas porque não há a contrapartida por parte do Governo, que havia se comprometido a alocar esses recursos e não o tem feito porque falta seriedade. E tudo isso gera um aumento gradativo de custos, constituindo-se numa verdadeira esculhambação - com o perdão da palavra. Senador Coutinho Jorge, V. Exª traz um assunto que merece a atenção não só do Senado Federal, como também do Congresso e do Governo. Precisamos de uma nova orientação. V. Exª frisou que já sentiu isso de perto, quando Ministro do Meio Ambiente. Precisamos, de uma vez por todas, equacionar esse problema e dar mais seriedade à coisa pública. Estamos esbanjando dinheiro desses recursos que estão à disposição do Governo Federal e quem está pagando é a Nação inteira. E o nosso País é pobre, não podemos nos dar o luxo de ver escorregar pelas mãos milhões e milhões de dólares, como V. Exª afirma. É por isso, Senador, que este tema que V. Exª está levantando, venha tantas vezes quantas vierem, terá o nosso apoio. Os meus cumprimentos.

O SR. COUTINHO JORGE - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. É realmente lamentável o que vem acontecendo, conforme coloca V. Exª, ampliando o nosso discurso. V. Exª, com a experiência de ex-Governador, conhece bem o assunto e mostra que o Brasil desperdiça recursos escassos de investimento.

É um absurdo, um crime, que tenhamos recursos do Banco Mundial, do BID, do KFW, em que temos que pagar taxa ou comissão de compromisso porque não gastamos o dinheiro, não soubemos desembolsar o dinheiro.

Isso é um absurdo! Isso é um crime!

E é por isso que o Tribunal de Contas da União está levantando esse processo e é por isso que estou denunciando essa situação caótica e lamentável no Brasil. Não estou acusando o atual Governo, que herdou esses problemas dos governos anteriores, mas o Governo atual tem o compromisso de corrigir, de coibir os equívocos dos governos anteriores. Ainda há tempo para isso.

                 Da análise setorial realizada, a equipe observou um fraco desempenho na execução dos projetos. Em média, os projetos vigentes há 9 anos atingem 75% dos recursos externos contratados, enquanto que os de 4 a 5 anos (prazo para encerramento contratual) apenas 30% desses recursos. Citarei apenas dois casos.

                 A inspeção revelou que, dentre os projetos mais antigos, o da Irrigação do Alto e Médio São Francisco apresenta um desempenho acima da média (90,2%), tendo sido, entretanto, alocados quase o dobro dos recursos nacionais previstos como contrapartida.

                 Por outro lado, o Projeto Formação de Mão-de-Obra (Formação de Especializações), após 7 a 8 anos de execução, demonstra insatisfatório desempenho, tendo desembolsado em torno de 18,1% do valor contratado.

                 Ressalte-se que, se considerada toda a vida útil do projeto (da assinatura do contrato até 31/12/94), foram gastos US$1,35 milhão com a comissão de compromisso, o que representa 10% do valor desembolsado pelo BIRD.

                 Observe-se que o descontrole nessa área é enorme, pois foi verificado que nenhum dos órgãos envolvidos no processo de contratação de operações de crédito externas possui todas as informações relacionadas à mesma.

                 Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por mais que pesem os prejuízos financeiros, seja o pagamento a maior da comissão de compromisso ou a perda dos descontos concedidos nas taxas de juros, o prejuízo maior decorre da incapacidade da administração pública em tornar concretos os objetivos definidos.

                 Volto a dizer: não responsabilizo o Governo atual por essa situação; mas o responsabilizo pela sua correção. E responsabilizo a nós também, do Congresso Nacional, pois essa atribuição nos é cometida pela Constituição Federal. A fiscalização contábil, financeira e orçamentária é responsabilidade do Legislativo, conforme estabelecido nos arts. 70 a 75.

                 A ação fiscalizadora não deve se ater apenas aos aspectos legais dos gastos públicos, devendo considerar inclusive a eficiência, eficácia e economicidade do seu uso. É óbvio que o controle externo é exercido pelo TCU, que o desempenha com presteza e correção, como demonstram os dados que aqui relatei. Mas, internamente, nesta Casa, temos duas Comissões com condições de exercer esta atividade de fiscalização, de forma complementar: a Comissão de Assuntos Econômicos, que analisa e elabora as autorizações para contratação de operações externas, e a Comissão de Fiscalização e Controle, recentemente implantada, cuja competência fiscalizadora é expressa na sua própria denominação.

                 Por isso, Sr. Presidente, trago aqui dois requerimentos para as duas Comissões, solicitando as informações e diligências que o caso requer. Pois se isto ocorre no âmbito do Executivo Federal, o que se deve esperar das finanças estaduais e municipais, cujo controle padece de instrumentos técnicos mais aperfeiçoados?

                 Submeto também à apreciação deste Plenário requerimentos de informações encaminhados aos Ministros da Fazenda e do Planejamento solicitando maiores esclarecimentos sobre o assunto.

                 Penso, Sr. Presidente, assim agindo, estar contribuindo, ainda que de forma modesta, para o cumprimento das exigências constitucionais no que tange à função fiscalizadora do Legislativo. Além disso, tenho por objetivo desfocar a atenção do debate sobre o déficit público, atualmente centrado na elevação da receita, no corte dos gastos e na diminuição do tamanho do Estado, para uma de suas verdadeiras e reais causa: a má alocação dos recursos públicos, o desperdício, enfim, a má administração dos recursos capturados da sociedade e do sistema econômico, via tributação.

                 Não tenho a veleidade de esperar com isto que solucionaremos o problema na sua totalidade; porém, matematicamente, ao contermos os vazamentos verificados, com certeza diminuiremos o valor do déficit.

      Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 15/06/1995 - Página 10303