Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO DO PMDB EM RELAÇÃO A REFORMA DO ESTADO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • POSIÇÃO DO PMDB EM RELAÇÃO A REFORMA DO ESTADO.
Aparteantes
Jader Barbalho, José Eduardo Dutra, Ney Suassuna, Pedro Simon, Ramez Tebet, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DCN2 de 21/06/1995 - Página 10537
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), APOIO, REFORMA CONSTITUCIONAL, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIABILIDADE, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, PAIS.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como havia prometido em recente pronunciamento, venho hoje à tribuna para falar sobre as reformas do Estado, que estão na Ordem do Dia do Congresso Nacional. Estou particularmente convencido de que a participação de todas as forças políticas do País nesse processo se faz imprescindível; sobretudo daquelas que sempre buscaram saídas para a solução de nossas desigualdades, alinhadas com a plena e radical vigência da democracia, entre as quais me incluo, com orgulho.

Na verdade, seria inconcebível que nos opuséssemos a discutir, a debater, com toda a profundidade, essas reformas, deixando que outras forças, mais ou menos ombreadas com os modelos neoliberais, ficassem totalmente a cavaleiro, para encaminhar nosso País a um plano de modificações constitucionais vazadas simplesmente nos termos de uma total abertura para o mercado, ávidas em descartar o máximo possível a intervenção do Estado no processo sócio-econômico. Enfim, permitir a edificação do chamado "Estado Mínimo", dando-se passo total à fetichização do chamado mercado-livre, cujos modelos, até hoje, levaram apenas ao agravamento das crises sociais.

Como sabem as Sras. e Srs. Senadores, sou dos que estiveram a todo momento, especialmente nos últimos anos, batalhando para que nossa Constituição pudesse ser devidamente atualizada, de acordo com as modificações objetivas por que o mundo veio passando, em particular depois da extinção da União Soviética e do chamado socialismo real, com o fim concomitante da "guerra fria", que balizava, até então, as relações geopolíticas e econômicas em todo o mundo.

Particularmente, no tocante à Ordem Econômica, sempre fui convicto de que não seriam superficiais essas mudanças, ao mesmo tempo em que sempre defendi que a Constituição de 88, nos capítulos referentes aos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, pouco ou nada deveria ser modificada, justamente pelo significado fortemente humanístico, em termos de avanço social, que ela representa. Justifica-se, assim, o meu empenho, na qualidade de Presidente desta Casa e do Congresso Nacional, à época da frustrada Revisão Constitucional, que lamentavelmente não pôde vingar. Afinal, vivíamos um momento atípico na história do País: uma eleição geral, de enorme amplitude, cuja edição mais aproximada dera-se apenas em 1950.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outros são os tempos agora. Temos hoje no País um Presidente que foi eleito por uma imensa maioria do eleitorado, com base em um programa cujo ponto principal foi justamente a reforma do Estado. Embora tendo disputado as eleições à presidência do País com um candidato próprio, não nos passou despercebido, a nós, do PMDB, em nenhum momento, que a expressiva vitória de Fernando Henrique Cardoso, ao lado de representar o interesse imediato pela estabilização econômica, situava-se para além disso, ao estabelecer mais uma possibilidade concreta de se promover um salto dialético dos mais significativos em nossa história. Semelhantemente às oportunidades outras em que nosso País encontrou condições de resolver fortes contradições, construindo as bases para seguir novos e mais promissores caminhos. Fato que, incontestavelmente, impõe ao atual governo um compromisso histórico de altíssima significação.

Por essa razão, o nosso apoio. Não apenas aos aspectos técnicos positivos do Plano Real, que está a merecer, como tenho insistido, toda nossa preocupação para que não se constitua em mais um plano frustrado. Mas que seja, efetivamente, como tem sido até agora, um instrumento viabilizador da necessária estabilização de nossa economia, estabelecendo condições para sua consolidação objetiva e abrindo-lhe os espaços correspondentes à sua flagrante pujança. Entretanto, o mais importante é que esse apoio é oferecido na consideração de que o governo, ao dar continuidade a esse processo de reformas, o faz com o pensamento voltado para a consolidação da democracia no país. Condição, a meu ver, imprescindível para que tenhamos uma inserção soberana nas chamadas regionalização e globalização dos mercados.

Pois não creio, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, ser correto nos colocarmos ingenuamente a mercê do poderio econômico dos países desenvolvidos, com base na correta conclusão de que temos de abrir muito mais a nossa economia e de que devemos nos preparar a todo custo para esta que, como as demais, que fazem parte do novo glossário da globalização, esconde no mais das vezes o interesse sub-reptício de submeter nossos avanços econômicos a interesses ulteriores daqueles países. Não devendo esquecer que a recente lição do México, país que foi a prima-dona da experiência do chamado Consenso de Washington e que, hoje, infelizmente, amarga uma triste situação de recessão, desemprego e inflação, agravada pelo fato de que teve de hipotecar um patrimônio histórico e fundamental de sua economia, que é a sua indústria petrolífera.

Pois bem, esta é a postura da grande maioria do meu partido, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), com a qual me afino completamente, ao emprestar seu apoio, diga-se de passagem, fundamental, para que o Governo Fernando Henrique Cardoso, possa avançar nas reformas do Estado. Um Estado que, inegavelmente, necessita ser, antes de tudo, desprivatizado e liberto das injunções decorrentes do seu comprometimento com setores privilegiados de nossa sociedade, cuja atuação veio, ao longo de décadas, agravando cada vez mais a marginalização social e as defasagens sócio-econômicas de nosso País.

As reformas, em suas linhas gerais, vêm justamente da necessidade imperiosa de se mudar esse quadro, ao mesmo tempo em que nos adiantamos, em termos econômicos e tecnológicos. Significam, ao meu ver, antes de tudo, dar guarida à exigência histórica de que o modelo matricial de nossa economia seja competentemente modificado. Ou seja, que se encontre pragmaticamente os novos lugares para os setores público e privado nesse modelo. Considerando as notórias diferenças dos momentos históricos relativos aos processos da substituição de importações, que nas décadas passadas, até meados da de 70, nos levaram a crescimentos ditos milagrosos, e aos de agora, em que, como disse, a interpenetração dos amplos mercados mundiais é uma situação irreversível. Apresentando-se simultaneamente como o grande desafio do capitalismo financeiro, com sua votalidade flagrante, ao dinamizar cerca de 30 trilhões de dólares, que, ao lado de investimentos importantes, trazem também o germe das crises das moedas e das economias de praticamente todos os países, particularmente a dos países ainda em desenvolvimento como o nosso, que se denominam hoje de "mercados emergentes".

Não admitir, então, a necessidade dessa mudança seria querer tapar o sol com uma peneira. Não compreender a imposição dialética desse processo histórico só contribuiria, como disse antes, para dificultar ainda mais essa transformação, gerando incalculáveis prejuízos ao País. Não vislumbrar que a chamada Terceira Revolução Industrial, em que pesa fortemente o avanço científico-tecnológico, traz em seu bojo, ao lado das distorções para quais devemos sabiamente atinar, amplas oportunidades positivas, seria um contrasenso.

Assim, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, considero que a reforma constitucional é uma necessidade a ser atendida com urgência no País, levando-o por caminhos que serão tanto mais progressistas, quanto mais abrirmos a possibilidade de intervenção de toda a sociedade, de todos os seus setores organizados, no mais amplo espectro democrático de participação. Um movimento que impõe uma inevitável reeducação política de todos nós, dos parlamentares, dos governantes, em todas as esferas de poder, dos sindicalistas, dos cientistas, dos que fazem nossas universidades, etc., como parte do gigantesco esforço educacional que o nosso povo terá que empreender para fazer, em uma década no máximo, o que outros povos fizeram mais calmamente em três décadas ou mais.

Atendo-nos primeiramente à operacionalização das alterações que se apresentam mais aceitáveis e, por isso mesmo, mais factíveis do ponto de vista imediato, sou também dos que consideram que devemos buscar resolver prontamente as reformas na ordem econômica, em que o problema maior está na questão da retirada da atuação direta do Estado em um significativo número de atividades. Mudanças que, naturalmente, têm posto em confronto dois polos antagônicos: os privatistas e os estatizantes. Sem que desse embate se possa vislumbrar uma saída eficiente e eficaz para nossos problemas.

Na verdade, a revisão dos monopólios, que para os que defendem a todo custo a manutenção do status quo atual, pode significar um cheque em branco para o Presidente da República, o que é discutível, vem atender justamente à necessidade de se colocar a questão da mudança matricial a que me referi momentos atrás, considerando o papel significativo do controle do Estado em vários segmentos estratégicos. Ao mesmo tempo em que se abre a perspectiva para que capitais privados possam vislumbrar novas oportunidades de investimentos produtivos no país. Recursos em tudo diferentes dos denominados capitais voláteis, os capitais especulativos, e que trarão não apenas o desencargo do setor público com uma crescente dívida interna e com a dívida externa, mas significarão mais emprego e mais renda para o País.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Humberto Lucena?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª está abordando um assunto de suma importância. Hoje, a rapidez com que os capitais entram e saem dos países está criando um grande problema a todas as economias. E todos os países têm que se adaptar, têm que se organizar, têm que se reformar para que possam estar em dia com a atualidade. Seja em itens da Constituição, seja em itens da regulamentação do fluxo até mesmo desses capitais. É em boa hora que o País busca fazer a sua reforma; é em boa hora que o País busca se modernizar na sua estrutura e é preciso que todo o Congresso Nacional apóie a ação do Presidente e se prepare para a fase seguinte, que será a fase muito mais difícil, que é a da regulamentação dessas reformas. Sou solidário ao discurso de V. Exª como também com a ação do Governo Federal.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Nobre Senador Ney Suassuna, V. Exª tem toda razão quando enfatiza a ação predatória desses capitais especulativos - chamados assim dada a sua volatibilidade -, que hoje estão na faixa, segundo as informações dos comentaristas econômicos, de 30 trilhões de dólares, pelo mundo afora. O próprio Fundo Monetário Internacional aquiesceu, de acordo com o que noticia a imprensa, à proposta do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no sentido de criar um fundo destinando vultosos recursos para socorrer os países em desenvolvimento, a fim de que não se repitam crises semelhantes àquela que ocorreu no México, quando houve justamente uma corrida desses capitais diante da alteração da taxa de juros no mercado americano para mais, a fim de que pudessem ter um rendimento maior.

O Sr. Jader Barbalho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Humberto Lucena, o discurso de V. Exª é de grande oportunidade neste momento. A partir da data de hoje, o Senado começa a discutir as emendas propostas pelo Presidente da República à Constituição. O discurso de V. Exª, com a experiência que possui e a contribuição que tem dado ao longo do tempo à vida política brasileira, pode, neste momento, fazer este alerta em relação, primeiro, à expectativa de todos nós de que o Plano Real possa efetivamente ter os efeitos que todos nós desejamos; à experiência vivenciada não só pelo Brasil do insucesso de outros planos econômicos em pequeno espaço de tempo; à experiência de vizinhos, como o México, que faz com que as nossas autoridades fiquem atentas para que o Brasil não venha a incorrer no que incorreu o país amigo; às repercussões das reformas constitucionais aguardadas pela sociedade brasileira. Na condição de Líder do PMDB e de integrante do Congresso Nacional, quero dizer a V. Exª., Senador Humberto Lucena, que, mais uma vez, o Congresso Nacional está oferecendo ao Executivo a sua solidariedade, a qual esperamos poder repercutir favoravelmente na sociedade brasileira. O Poder Legislativo e a classe política não têm faltado para com o Executivo ao longo do tempo. Se verificarmos todos os projetos e planos econômicos oferecidos ao Poder Executivo, perceberemos que o Poder Legislativo sempre está solidário, preocupando-se, fundamentalmente, com a busca de caminhos estáveis para a economia e, por conseqüência, com a busca de crescimento e de bem-estar para a sociedade brasileira. O pronunciamento de V. Exª. é muito oportuno, no momento em que o Senado começa a discutir as emendas à Constituição, demonstrando que, mais uma vez, o Congresso Nacional está a oferecer a sua solidariedade, na expectativa de que esses instrumentos efetivamente sirvam para dar estabilidade ao País. Há pouco o nobre Senador Ney Suassuna, em aparte a V. Exª, ressaltava que a parte principal, a parte fundamental, talvez, seja a discussão da legislação reguladora, aquela que irá disciplinar, efetivamente, a flexibilização dos monopólios. Estou certo de que a sociedade brasileira e o Congresso Nacional estarão juntos, mais uma vez, na expectativa de alcançarmos a estabilidade necessária e desejada pelo País.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª, nobre Líder Jader Barbalho. V. Exª mais do que ninguém pode falar com essa ênfase, sobretudo porque comanda uma Bancada nesta Casa que, isoladamente, é majoritária, como o é também na Câmara dos Deputados. O PMDB está dando uma contribuição efetiva para que essas reformas preconizadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso possam ter êxito no Congresso Nacional, pois sua responsabilidade é muito grande dentro do contexto da política nacional.

Diga-se de passagem, a nossa posição é muito firme, muito altiva, porque não estamos, absolutamente, solicitando qualquer contrapartida do Senhor Presidente da República para dar o nosso respaldo às proposições que ora estão sendo objeto de apreciação nos plenários da Câmara e do Senado Federal.

O Sr. Ramez Tebet - Permite V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Concedo o aparte ao nobre Senador Ramez Tebet, com muito prazer.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Humberto Lucena, tenho a impressão que V. Exª é o primeiro Senador que, chegando a primeira emenda votada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ao plenário, inaugura, dessa tribuna, o debate sobre as reformas constitucionais que a sociedade brasileira espera que o Congresso Nacional implemente de pronto. Tenho para mim que isso é muito bom dada a experiência e a capacidade de V. Exª. Na esteira do aparte do nosso Líder Jader Barbalho, quero dizer a V. Exª que, realmente, é muito oportuno que o debate seja iniciado por um Parlamentar da sua experiência, porque o Congresso Nacional - é preciso deixar claro - está tão-somente desconstitucionalizando alguns dispositivos da Carta Magna. Em verdade, depois de votarmos as emendas constitucionais que estão aí, teremos que votar a legislação ordinária e, com toda certeza, vamos fazer isso dentro do objetivo de V.Exª e do Congresso Nacional: defender altivamente o interesse nacional. Solidarizo-me inteiramente com o seu discurso que, a meu ver, inicia o grande debate no plenário do Senado da República.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Grato às palavras de V.Exª nobre Senador. Na verdade, procurei adequadamente escrever um discurso para a sessão de hoje, porque cheguei à conclusão que, a partir desta data, iríamos ter a grande discussão em torno das proposições relacionadas com a reforma constitucional.

V. Exª, que é Relator eminente de uma delas, tem sido bastante lúcido e competente para estudar a matéria. Inclusive, em reunião de nossa Bancada portou-se como um verdadeiro homem público, procurando colocar, como sempre fez, os interesses do País acima dos interesses pessoais e políticos.

Quero dizer, nobre Senador, que, na verdade, o Senado tem de ocupar, neste momento histórico que a Nação atravessa, o seu lugar de destaque.

A Câmara dos Deputados, durante vários meses, esteve no noticiário nacional. Na Comissão de Constituição e Justiça, nas comissões especiais e no plenário, todos os temas foram debatidos exaustivamente. Chegam agora ao Senado as principais Propostas de Emenda Constitucional. Temos não só de discuti-las, mas de verificar se deverão ser alteradas, porque não é possível, em absoluto, que o Senado Federal, sendo uma Casa revisora, tenha apenas o papel de chancelar aquilo que vem da Câmara dos Deputados.

Até entendo que, politicamente, possam aprovar amanhã matérias de igual teor ao votado na Câmara dos Deputados, mas isso não significa que estejamos absolutamente renunciando ao nosso direito de modificar as Propostas.

A reforma constitucional é um processo legislativo da mais alta importância; por isso mesmo, dentro de poucos dias, voltarei a esta tribuna para fazer um pronunciamento rápido, justificando uma Proposta de Emenda Constitucional, que apresentei ao Senado e, portanto, ao Congresso, no sentido de voltarmos ao texto constitucional, anterior a 1988, no tocante à reforma da Constituição, quando se estabelecia que a discussão e votação das propostas seriam feitas em sessões conjuntas do Congresso Nacional. Insisto neste ponto para uma reflexão dos Srs. Senadores.

Na verdade, quando as sessões eram conjuntas havia uma discussão comum, e as votações eram separadas nas duas Casas, inclusive no Plenário do Congresso Nacional. A produção é muito maior, não há maiores hiatos, e a atenção de todos é voltada para a matéria que está em apreciação.

O Sr. Jader Barbalho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço o aparte do nobre Senador Jader Barbalho.

O Sr. Jader Barbalho - Desejo manifestar, Senador Humberto Lucena, mais uma vez a minha solidariedade à proposta de emenda constitucional, feita por V. Exª, que pretende restaurar o sistema anterior à Constituição de 1988 com essa apreciação conjunta. Mas, ao mesmo tempo, quero dizer a V. Exª que, por parte do Senado, a apreciação não deve ser absolutamente homologatória. Concordo, também, que o Senado não vai alterar pelo simples prazer de alterar, se estiver convencido de que a redação dada pela Câmara é a melhor. Inclusive, na emenda que está hoje em pauta, a Câmara chegou a aprovar um texto no primeiro turno e reformou no segundo turno. Portanto, não há procedência, por parte de alguns setores que procuram, pela ausência de melhor argumento, ficar apenas com o argumento de que o Congresso Nacional não esteja a dar contribuição efetiva. É uma injustiça para com a Câmara dos Deputados. No caso da emenda hoje em pauta, da emenda do gás canalizado, a Câmara chegou a reformar, primeiro, a mensagem enviada pelo Executivo, que ganhou novo texto com o substitutivo votado no primeiro turno. E, no segundo turno, a Câmara resolveu reformar aquilo que havia aprovado no primeiro turno. Portanto, o Congresso Nacional dá a sua contribuição. Agora, aceitar como argumento simplesmente o fato de que se discorda, sem que se apresentem argumentos, dados, idéias, aí não. Nós, do Partido de maior bancada no Senado, estamos a aguardar que os demais partidos possam dar a sua contribuição. Se as suas idéias forem boas, nós, seguramente, do PMDB, as acolheremos, mas o simples juízo de que o Senado deve reformar por reformar, este não poderemos seguir, porque não é o mais adequado e não é o do bom senso.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Perfeitamente, nobre Senador Jader Barbalho. V. Exª tem inteira razão no seu raciocínio. Agora, é preciso também que o Senado, pelo menos, não vote silenciosamente. É preciso que haja debate; é preciso que este plenário não se esvazie, como hoje, por exemplo, no momento em que estamos aqui para discutir a reforma da Constituição. Isso é profundamente decepcionante, nobre Líder, pois, na verdade, temos de estar atentos para nossa responsabilidade de parlamentares e de homens públicos.

O Sr. Jader Barbalho - Se V. Exª me permite mais um aparte, diria a V. Exª que o clima ontem na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania era um clima que, inevitavelmente, contrasta com o clima neste momento vivido pelo Plenário do Senado. Ficamos ontem até tarde da noite a discutir detalhes a respeito da emenda relativa à flexibilização do setor de telecomunicações e, assim, acorri em relação a outras emendas. Como o Regimento prevê cinco dias para a discussão e com esse prazo há possibilidade de apresentação de emendas, na verdade estamos a aguardar as emendas que possam ser apresentadas, as contribuições que possam ser trazidas ao Plenário, para, aí sim, o Senado da República ter oportunidade de decidir a respeito do texto das emendas.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador Humberto Lucena, V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Com muita honra, Senador Ronaldo Cunha Lima.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador Humberto Lucena, o Senador Ramez Tebet disse muito bem, os debates a respeito da reforma constitucional são inaugurados com um pronunciamento formulado e feito por quem tem, efetivamente, autoridade para fazê-lo, pela sua experiência e espírito público. Em verdade, vivemos um momento histórico em que esta Casa tem oportunidade de analisar as emendas encaminhadas à Câmara dos Deputados, como propostas de reforma à Constituição, já votadas algumas delas. O Senado, evidentemente, como informava o Líder Jader Barbalho, não pode se demitir da condição de Casa revisora, mas não pode simplesmente emendar pelo simples prazer de emendar. Se sentirmos da conveniência, necessidade e oportunidade da apresentação de alguma emenda e de aprovação da mesma, certamente que o faremos. Em verdade, ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, debatia-se, de forma acalorada, patriótica, com a presença maciça dos seus integrantes, acerca de uma emenda encaminhada pelo Presidente da República. Como dispomos de um prazo de cinco dias para discussão, que começa agora com o brilhante pronunciamento de V. Exª, temos certeza da efetiva participação dos Srs. Senadores na discussão de propostas tão importantes e fundamentais para o destino desta Pátria. Nesse instante, reservo-me no direito de parabenizar V. Exª e felicitar este Senado, por abrir e inaugurar os debates a respeito da Constituição, com o pronunciamento formulado por V. Exª, nos termos em que está apresentando.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouvi com atenção as palavras de V. Exª que muito me confortam, nobre Senador Ronaldo Cunha Lima, sobretudo porque temos uma grande afinidade em toda essa discussão de matéria tão relevante para os destinos nacionais.

Sem dúvida, essa é uma posição que deve ser entendida como a saída pragmática mais conveniente nesse momento. E que, em síntese, mantendo o cumprimento do programa do PMDB, relativamente ao tema, deve ser equacionada, ao meu ver, do modo como aqui registrou, em discurso pronunciado em 31 de março último, o nobre Senador Roberto Freire, ao anunciar, entre outros pontos importantes, uma emenda aditiva ao texto constitucional sobre a matéria, de sua autoria, "estabelecendo que o monopólio do petróleo, flexibilizado e exercido pela União, deva se dar por intermédio de empresa estatal (...) a Petrobrás". Adiantando, ainda, que "Nas telecomunicações, monopólio atípico e não incluído no título da Ordem Econômica, e sim no que trata da competência única da União, já flexibilizado em alguns de seus serviços, como radiodifusão sonora, de sons e imagens, admitimos a ampliação das concessões para todos os serviços, mas com a manutenção das empresas estatais Embratel e Telebrás".

Sr. Presidente, Srs. Senadores, neste particular, devo salientar que, em uma audiência mantida com vários Srs. Deputados e Srs. Senadores, o Senhor Presidente da República comprometeu-se em dar tudo de si no sentido de evitar qualquer iniciativa que viesse a propiciar a chamada privatização da PETROBRÁS e, creio que também, da TELEBRÁS.

Somos inteiramente contrários a essas idéias e entendemos que, mesmo amanhã, mantido o monopólio do petróleo e do serviço de telefonia com a União, ressalvadas as concessões a empresas estatais, quaisquer concessões feitas ao capital privado, seja nacional ou estrangeiro, devem passar por uma concorrência com a PETROBRÁS, a TELEBRÁS e suas subsidiárias. Esse pelo menos é o enfoque com que estamos colocando a questão.

E certamente esse aspecto será objeto de preocupação do Congresso Nacional ao elaborar a lei que haverá de regulamentar tanto as concessões do petróleo, como das telecomunicações.

O SR. José Eduardo Dutra - V. Exª me concede um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA -  Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Humberto Lucena, quero inicialmente me congratular com V. Exª pelo seu pronunciamento. E gostaria de destacar uma frase que V. Exª pronunciou, quando, independente de que se deva ou não aprovar a emenda no Senado, V. Exª conclama que sejam debatidas as emendas do Governo, as emendas que porventura venham a ser apresentadas pelos Srs. Senadores, no sentido de melhorar a proposta do Governo. E, infelizmente, nobre Senador Humberto Lucena, pelo menos até o momento, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça, não temos visto essa disposição para o debate, particularmente por parte dos Srs. Senadores que fazem parte dos partidos da base de apoio do Governo Federal. Vimos isso ontem, por ocasião da audiência pública em que foi aprovada, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para ouvirmos o depoimento do Dr. Renato Archer, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia e do Dr. Brígido, representante da CITEL. Essa audiência pública foi aprovada por unanimidade pela Comissão, a partir de requerimento do Senador Ademir Andrade. E, infelizmente, não vimos, participando dessa audiência, com o devido interesse, inclusive no sentido de promover o contraditório entre as posições emitidas pelos debatedores e os Senadores, não vimos essa participação efetiva por parte dos Senadores que formam a base de sustentação do Governo. A mesma coisa aconteceu quando da votação da emenda das telecomunicações. Tivemos, inicialmente, um debate acalorado sobre a admissibilidade ou não de uma emenda do Senador Roberto Freire, mas quando se entrou no mérito da discussão do relatório do Senador Francelino Pereira, praticamente apenas os senadores da oposição debateram o mérito da questão, com exceção do Senador Jader Barbalho, Líder do PMDB, que se inscreveu simplesmente pelo fato de que, no meu pronunciamento, havia citado o seu partido. Independente do mérito das emendas que estamos apresentando, pois se as estamos apresentando é porque entendemos que contribuem para melhorar as emendas constitucionais que vêm do Governo e para preservar uma série de questões que entendemos como estratégicas para o País, se elas não estão sendo encaradas com a devida importância por diversos senadores, que não têm a preocupação de debater o mérito dessas questões na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - esperamos que isso não aconteça no Plenário -, mas apenas a preocupação de votar e impedir o texto constitucional, gostaria de reforçar as palavras de V. Exª, quando diz que é necessário que esta Casa faça um debate profundo, até porque em função do menor número de membros e do clima menos emocional que estamos vivendo aqui, o nosso entendimento é o de que esta Casa é o forum privilegiado para que possamos debater as emendas que poderão trazer profundas mudanças para o Brasil e para as futuras gerações. Sendo assim, gostaria de me congratular, mais uma vez, com o pronunciamento de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Eu que agradeço, nobre Senador. Na verdade, espero que as palavras de V. Exª também encontrem eco, pois precisamos que este Plenário esteja repleto de Senadores nesta fase do debate em torno das Propostas de Emenda Constitucional, independentemente de seu mérito. Cada um assuma sua posição de acordo com o programa de seu partido, mas que todos estejam presentes para que tenhamos a oportunidade de colocar, perante o País, a nossa opinião pessoal e partidária.

Volto ao fio de minhas considerações anteriores.

Inegavelmente, as posições dentro do Governo sobre a questão da privatização, não obstante a resistência dos que advogam apologeticamente o mercado livre, tem sido levada no sentido de preservar o controle de Estado sobre o processo de produção de serviços de utilidade pública, que se caracteriza pela modificação, em vários setores, do modelo atual de concessão de serviços públicos a empresas públicas, pelo modelo de concessão desses serviços a empresas privadas.

O processo de mudança desses modelos, com efeito, não se dá meramente pelo interesse de retirar o Estado dessa área, n tola concepção de que este deve sair de toda e qualquer atividade econômica. Na verdade, devemos compreender que isso se dá, como pioneiramente analisou o saudoso economista Ignácio Rangel, em decorrência objetiva da própria problemática econômica e financeira de nosso país, que está a exigir uma compreensão maior, por parte de todos nós, da evolução institucional dos referidos serviços, desde que se iniciou a nossa industrialização.

Tomemos como exemplo a energia elétrica, que foi o setor paradigmático dos serviços de utilidade pública em nosso país, tendo os demais, com as pertinentes diferenças, seguido essencialmente o mesmo padrão. Com efeito, esse serviço surgiu no Brasil como expressão do capitalismo financeiro dos países desenvolvidos, em torno dos quais sempre estivemos girando, na condição de país periférico. No começo da industrialização, esses serviços se organizaram como concessões de serviços públicos a empresas privadas estrangeiras, que correspondiam objetivamente às condições econômicas e tecnológicas de então, no Brasil e no Mundo - é o caso da LIGHT, no Rio de Janeiro. Depois, vieram as inevitáveis mudanças dessas condições e, semelhantemente, respondendo a essas mudanças, por volta do imediato pós-guerra, esse instituto foi mudando para serviços públicos de administração direta do Estado e, logo a seguir, substituído pelo instituto de serviços públicos concedidos a empresas públicas.

Sucede que agora esse último estágio está justamente em pleno esgotamento, depois de ter desempenhado um importantíssimo papel. Nele, o Estado é simultaneamente poder concedente e concessionário do serviço e, aparentemente, só se distinguiria dos serviços públicos de administração direta e dos concedidos a empresas privadas estrangeiras, por uma questão formal. Mas não é bem assim. O modelo atualmente vigente de concessão a empresas públicas nasceu com muitas virtualidades que faltavam aos anteriores. Foi, sem dúvida, muito fecundo. No caso da energia elétrica, em determinados momentos, como aconteceu entre 1953 e 1980, quando a produção mundial cresceu 7,5 vezes, a norte-americana 4,4 vezes e a soviética 9,2 vezes, a nossa aumentou 13,5 vezes. Mas, do mesmo modo que os modelos anteriores, essas virtualidades cessaram, devendo agora dar lugar a outro, qual seja o da concessão de serviço público a empresa privada, financiável em moeda nacional.

Mas por que cessaram as virtualidades desse modelo? A questão não é simplesmente econômica. É tanto quanto jurídica e diz respeito à impossibilidade virtual de o concessionário, no caso o próprio Estado, oferecer aos credores uma sólida garantia real, ou seja, uma hipoteca legítima, pois se todo ou quase todo o patrimônio dos serviços está comprometido com a prestação dos serviços de utilidade pública, ele não pode ser alienado, não pode ser, por isso mesmo, cedido em garantia, senão ao poder concedente, que também é o Estado, chegando-se, assim, à absurda situação de o Estado vir a hipotecar os seus bens a sim mesmo. O que, em outros termos, significa que a garantia hoje oferecida pelo concessionário público é de tipo fidejussório, ou seja, não se constitui uma garantia real. De modo que esse aval do Tesouro Nacional não poderia ter outro lastro senão o comprometimento dos recursos fiscais e para-fiscais do Estado, por meio da tarifa, levando isso a que se atingisse inevitavelmente a atual insolvência do nosso setor público. Fato que está na essência mesma da nossa crise.

E como funciona esse processo? Como disse, através do aval do Tesouro, os recursos fiscais e para-fiscais futuros do Estado vieram sendo comprometidos.

O Sr. Pedro Simon - Permita-me V. Exª. um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Senador Humberto Lucena, quero felicitar V. Exª. por iniciar, no Plenário desta Casa, o debate sobre as reformas constitucionais. Suas idéias são de um conteúdo profundo. Não há dúvida que a Constituição tem que ser alterada, mas de forma apressada e sem um profundo estudo do que será feito. Nobre Senador Humberto Lucena, assusto-me quando "vamos na onda da mídia", no sentido de que tudo é tocado de um lado só. O País já tem feito algumas injustiças, e nós já temos cometido alguns equívocos. É claro que o Senado deve votar as emendas constitucionais. Mas este plenário deveria estar lotado. V. Exª, pela autoridade, que tem, foi Presidente, foi Líder, mais uma vez foi Presidente e mais uma vez foi Líder da nossa Bancada, pela credibilidade que V. Exª tem e por ser hoje o primeiro dia que estamos iniciando essa matéria, essa Casa deveria está com todos os seus parlamentares, exatamente, para entrar neste debate, para discutir o conteúdo deste debate. Seria um absurdo nós votarmos a reforma da Constituição na base de quem tem mais, o Governo já tem tantos e a Oposição não tem tantos. Acho que isso é uma coisa que nós temos de nos convencer. Estou aqui tranqüilo, sereno, querendo que me convençam, porque não estou nem apaixonado para votar de um lado e nem do outro. Sou um homem de Governo, votei no Presidente Fernando Henrique Cardoso, acho que S. Exª está bem intencionado, estou torcendo para que o Governo dê certo, mas a Constituição está acima do Governo. A Constituição é o nosso País, tem de ser debatida e analisada. V. Exª diz, com muita justiça, que a reforma da Constituição deve ser feita, mas estudos profundos devem ser analisados. Repare V. Exª, lamentavelmente, fui um dos que votaram contra se fazer a revisão no ano passado, porque eu achava que era um ano que a revisão não iria dar certo, tinha eleição para Presidente da República, eleição para Governador, eleição para 2/3 do Senado, eleição para Câmara, e o pior aconteceu para desgraça nossa, que foi a CPI do Orçamento. O que é que aconteceu? Aconteceu que a revisão não saiu. Então, nós nos preparamos para, este ano, fazer a reforma da Constituição. Justiça seja feita, o Governo fez a parte dele e, de certa forma, a Câmara está debatendo, não tanto, talvez, quanto devesse mas está debatendo. Nós, no Senado, temos que fazer a mesma coisa. Temos que discutir, temos que fazer o que V. Exª está fazendo e temos que nos aprofundar sobre essa matéria. Afinal, não estamos mudando a Constituição de um século atrás, como nos Estados Unidos ou na Argentina, mas sim uma Constituição de alguns anos atrás, a qual o Brasil inteiro acompanhou, debateu e alterou. Agora, muitos dos Constituintes de 88 acham que ela deve ser alterada. Concordo, porque o mundo, de certa forma, mudou. O sentido das realidades mudou, por exemplo, a União Soviética que desapareceu, o comunismo praticamente está fora de cogitação, desapareceu o muro de Berlim. Enfim, vamos debater, vamos discutir, será que essa aldeia global é assim como se está dizendo? Na Comissão de Constituição e Justiça, o Senador Roberto Freire, ao contra-argumentar o Sr. Renato Archer, disse exatamente isso. Dentro de muito pouco tempo, com um satélite poder-se-á fazer a transmissão de televisão praticamente para o mundo inteiro para qualquer aparelho de televisão com antena de trinta centímetros. O mundo está mudando, não podemos ter o sentimento que tínhamos há 20 anos, mas, nem por isso, votaremos essa matéria sem conhecer, sem nos aprofundar, sem discutir, sem saber o que estamos votando. Por isso, felicito V. Exª, e penso que o Presidente José Sarney e os Srs. Líderes deviam nos convocar para uma série de sessões, como a que iniciou, hoje, com o primeiro debate, não deve ser uma figuração apenas para constar no papel. Deve-se cumprir o Regimento, que estabelece cinco reuniões de discussão e votação. V. Exª salvou a reunião de hoje; meus cumprimentos, porque não fora o pronunciamento de V. Exª começaríamos, no primeiro dia de discussão, sem nenhuma discussão. Queira Deus que, a exemplo de V. Exª, no dia de amanhã tenhamos mais pessoas debatendo e discutindo essa reforma.

O SR. PRESIDENTE (Odacir Soares) - A Mesa quer comunicar que V. Exª tem três minutos para concluir o seu discurso. Há sete Senadores inscritos.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Sr. Presidente.

Pediria vênia, porque estou concluindo dentro de pouco tempo. Trata-se de uma matéria da maior importância.

O SR. PRESIDENTE (Odacir Soares) - V. Exª tem a palavra.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouvi, com atenção, as palavras de V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.

Quero dizer a V. Exª que, por isso mesmo, já emiti o meu ponto de vista ao Presidente da Casa, Senador José Sarney, e ao Líder da minha Bancada, Senador Jader Barbalho, quanto à convocação extraordinária do Congresso Nacional, para a qual não vejo razão.

Trata-se de matérias que chegaram há pouco tempo no Senado, que perfeitamente poderiam ser discutidas e votadas no mês de agosto, sem nenhum açodamento, para que justamente pudéssemos tomar uma decisão mais firme, altiva e digna, do ponto de vista político, perante a Nação.

Retomando meu discurso, lembro que as tarifas, que formam parte essencial dos chamados preços públicos, são usadas como verdadeiros impostos, à medida que, compreendendo um preço além do custo, têm de ser autorizadas pelo Estado. E, daí, as já conhecidas rolagens de dívidas em que o Tesouro, em vez de honrar o seu aval, liquidando as dívidas antigas, vai contraindo novas dívidas, permanentemente maiores, pelos maiores encargos do dinheiro novo, conseguido para financiamento de novas obras e capitalização dos juros vencidos. E, deste modo, um aval já comprometido, é novamente concedido, numa situação esdrúxula e, na verdade fraudulenta, cujo limite já chegou há pelo menos uma década atrás.

Esse processo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se se explica, em termos emergenciais, como tem acontecido sobretudo no caso das regiões Norte e Nordeste, não pode seguir indefinidademente. Especialmente porque, na sua dinâmica, ele quebra o princípio do necessário equilíbrio entre o saldo devedor e o poder da garantia oferecida, tendo como resultado a elevação insuportável da taxa de juros. Fato que constitui a razão de se dizer, corretamente, que se as taxas de juros são tão elevadas no país se deve justamente, em sua essência, ao esgotamento da finanças públicas.

Assim, se impõe a necessidade de que se avance na privatização dos serviços públicos, que, em resumo deverá conduzir a um duplo efeito positivo: 1. o Tesouro poderá ser suprido de novos recursos, no processo de alienação do patrimônio dos serviços; e 2. de modo mais imediato, teremos a redução da taxa média de juros no país, por força da redução dos encargos resultantes da dívida interna remanescente.

E neste ponto se coloca a questão: Serão essas privatizações debilitadoras da posição do Estado? Ora, não há outra resposta a isso, senão a negativa. Pois, vejamos, na verdade estamos diante de uma nova repartição de funções entre o setor público e o setor privado, guardando-se a necessária reciprocidade de interesses de ambos e da sociedade, em geral. O Estado, por meio da administração do aval legítimo, num momento em que estaremos fortemente dependentes de investimentos nos serviços públicos de infra-estrutura, terá ampliado seguramente seu poder.

No caso, guardará sua função clássica de poder concedente, acumulando-a com a de credor hipotecário. E, em caso de inadimplência ou de não cumprimento de cláusulas contratuais fundamentais, poderá retirar a concessão, tomando os bens dados em garantia, ou passando para outros a referida concessão. Ademais, legitimado como avalista, terá um enorme poder sobre a intermediação financeira da economia, que envolve os bancos, as bolsas, o sistema de poupança etc. O que deve significar o seu domínio maior das ações do sistema financeiro nacional, a começar pela modificações estruturais que se fazem necessárias e urgentes no próprio Banco Central do Brasil, desvinculando-o dos comprometimentos promíscuos com o sistema financeiro privado. Do mesmo modo que deverá fortealecer ainda mais o papel de fomento dos bancos oficiais. Não sendo por outra razão que os privatistas neoliberais têm olhado tanto de soslaio para as propostas de privatização relacionadas com as concessões de serviços públicos.

Evidentemente, tudo que expus resume, em termos gerais, o que, ao meu ver, constitui uma das mudanças institucionais impostergáveis de nossa ordem econômica. Há, naturalmente, que se levar em conta as peculiaridades de cada setor. São necessárias várias ponderações de caráter estratégico, em que o papel do controle do Estado tem de ser salvaguardado de modo incontinenti. Como, por exemplo, a questão da mineração, do subsolo, das telecomunicações e do petróleo, nos termos das fortes implicações estratégicas desses bens e serviços.

Acredito mesmo que toda a revisão que se possa empreender, seja por que via for, deverá levar em conta a necessidade de que o Estado esteja presente em todo o processo. Não há globalização de mercados que possa justificar, por exemplo, que negligenciemos o papel do Estado, quando se trata de preservar sua função estratégica, no sentido de garantir que as telecomunicações, abertas à concorrência de capitais privados nacionais e estrangeiros, e mesmo de capitais estatais de outros países, permaneçam cumprindo seu papel fundamental de promover a integração democrática e ampla do país. Ou seja, deixando que esse setor venha a descumprir o objetivo de se diminuir a elevada concentração da renda do país, ao mesmo tempo em que o faz avançar para a decantada modernidade.

Do mesmo modo, entram nesse quadro de considerações, tanto o petróleo, com relação ao qual, de forma acertada, o governo já decidiu por propor a manutenção do monopólio estatal, como a quetão do subsolo da nação, que é um patrimônio que deve por-se a salvo dos interesses especulativos de mercado. O que não quer dizer que venhamos a impedir, com certas exceções, a presença dos capitais privados na sua exploração, sejam nacionais ou estrangeiros. E, por oportuno, devo dizer que nessa questão do capital alienígena, tenho defendido constantemente que se crie o Estatuto do Capital Estrangeiro, através de uma legislação ordinária. Um dispositsivo que, concordante mais uma vez com o nobre Senador Roberto Freire, deverá significar uma "moderna legislação anti-truste, anti-dumping e anti-monopolista " e que possa "fazer frente às políticas protecionistas e de retaliação econômica de outros países". Algo cuja característica básica deverá ser a inexistência de vezos xenofobistas anacrônicos, mas que, ao mesmo tempo, não nos deixe à mercê dos interesses das empresas transnacionais e dos respectivos países-sedes. Como, de resto, fazem os nossos parceiros de condição emergente, como os chamadas Tigres Asiátaicos, e, mesmo, países da Comunidade Européia.

A meu juízo, essas mudanças se colocam como as mais imediatas. Mas ainda do que o próprio enfrentamento do chamado "custo Brasil", que, sem dúvida, deve ser encarado com muita seriedade, com as mudanças que devem ocorrer através da reforma fiscal-tributária, pela qual se desonerarão os setores produtivos do país, e reduzir-se- á o número excessivo de impostos e taxas que gravam a vida dos agentes econômicos. Particularmente dos setores assalariados, que, como ficou evidenciado em recente estudo da Receita Federal, são os que sofrem a maior carga fiscal, seja pela tributação direta dos seus rendimentos, permanentemente arrochados, seja pela incidência de impostos indiretos, que imprimem ao quadro tributário nacional um forte tom de injustiça social, por sua aberrante regressividade. Para não mencionar o nível altíssimo de sonegação a que assistimos, em grande parte resultado dessas distorções.

No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não menos importantes são as mudanças pretendidas na área da previdenciária e da seguridade social. Setor em que a complexidade das modificações não podia deixar de se expressar de modo muito acentuado, vez que se trata de tocar em direitos garantidos pela Constituição, com exceção de algumas formas privilegiadas de concessão de benefícios, que seguramente precisam ser modificados ou extintos.

Em boa hora, o governo compreendeu que não poderia açodado nesta questão, desejando que, de modo rápido, e com grande deficiência de comunicação, o Congresso Nacional, aprovasse sua proposta. E aqui, mais uma vez, devo reportar-me ao nobre Senador Roberto Freire, na medida em que propõe, ao lado da defesa da garantia e do respeito aos direitos adquiridos e às expectativas de direito compreendidas nos contratos sociais a que se obrigam com a Previdência Social todos os trabalhadores, o estabelecimento transistório de dois sistemas previdenciários. O de hoje, e um novo, que combine idade e tempo de contribuição, para os que entrarem a partir de sua aprovação no mercado de trabalho, em molde semelhante ao que foi adotado quando da implantação do FGTS. Uma forma, sem dúvida, objetiva e democrática de se resolver o grande impasse em que se encontra hoje o sistema previdenciário nacional. De modo, a se garantir que os aspectos positivos, inclusive o de distribuição de renda, que esse sistema constitucionalmente implica, sejam efetivamente mantidos.

Na mesma linha, deve-se discutir a questão da reforma estrutural do serviço público. E nesse ponto há que se descartar, de imediato, toda e qualquer proposta de mudança que explícita ou implicitamente coloca os servidores públicos como bodes-expiatórios. A estabilidade desses servidores não deve, nem pode, ser entendida como um simples privilégio em relação aos demais trabalhadores do país. Claramente, se sabe que isso decorreu de uma condição específica do Estado brasileiro, que, à falta de uma racionalização pertinente dos serviços públicos, com claras definições de um plano de carreira, cargos e salários e de ascensão funcional, cria uma ambiência propícia a perseguições políticas, que se traduziriam em demissões injustificadas, à medida que as mudanças de governo ocorrem.

Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as mudanças que as reformas do Estado estão por trazer- estas que mencionei e outras de não menos siginificação - estão inegavelmente na pauta da nação. Portanto, também aqui nesta Casa, onde se discute por excelência a problemática regional e a estruturação do país, assim como no Congresso Nacional, elas também devem estar prioritariamente em suas pautas de trabalho.

Trata-se, na verdade, de dar curso a um novo projeto de nação. De uma nação que tem tudo para ser um dos esteios mundiais, e que só não o será se nós, ao invés de nos preocuparmos com o seu futuro, com o seu papel significativo no novo concerto das nações, com sua possibilidades concretas a serem desenvolvidas no próximo milênio, que se avizinha, dermos vazão a velhos ranços ideológicos e políticos, cuja anacronicidade não será , certamente, perdoada pelas futuras gerações.

Era o que tinha a dizer Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 21/06/1995 - Página 10537